Por Marco Piva, no site Dom Total:
A conta só aumenta a cada mês. Segundo dados da imprensa, já são mais de 7 mil militares trabalhando no governo, nas estatais e autarquias federais, sem falar das agências reguladoras. Em meio a uma pandemia que teima em não cessar, o Ministério da Saúde é conduzido de forma atabalhoada por um general que se nega a ingressar na reserva por puro interesse pessoal e que sequer fica envergonhado diante do desprezo presidencial. Faz o que o chefe manda sem pestanejar, mesmo que isso signifique milhões de testes encalhados e com vencimento próximo e um estoque monstruoso de cloroquina, o remédio milagroso do qual ninguém mais fala.
Alguns (poucos) militares tiveram mais dignidade e abandonaram o barco, ainda que sem uma ruptura ideológica com a ultrapassada doutrina anticomunista. O fizeram porque viram que é difícil participar de um governo cuja base é a vaidade pessoal e familiar, assumida de forma explícita pelo ódio que despeja das entranhas do Palácio do Planalto.
Mas, milhares de militares ainda seguem em postos de chefia de instâncias formuladoras de políticas públicas da mais alta importância. Eles obedecem a um vago projeto de nação fincado numa palavra de ordem: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Em qualquer democracia do mundo, as pessoas riem ao saber que um elemento do baixíssimo clero da política galgou a presidência única e exclusivamente para “tirar o PT” do governo, o mesmo PT que tirou o Brasil do mapa da fome, criou o Bolsa Família e ampliou o acesso de jovens ao ensino superior.
A eleição de Bolsonaro foi a união do ruim com o pior da política nacional. A direita explícita que usa o nome fantasia “Centro” aderiu ao bolsonarismo esperando consertar as coisas lá na frente. A velha tática de colocar o presidente nas cordas para obter vantagens. Só que Bolsonaro é um ser incontrolável pela sua própria lógica de funcionamento. Não obedece a ninguém. Não obedeceu sequer à instância mais disciplinada e hierarquizada do país que é o Exército, por que obedeceria à classe política?
Chegamos em pouco tempo à beira do abismo. Somente dois anos. E o que dói em tudo isso não é apenas o derretimento das instituições garantidoras da democracia. É o derretimento da imagem das Forças Armadas brasileiras, avalistas que são atualmente de uma aposta maluca de governo.
Onde querem chegar seus comandantes? A uma ditadura como foi em 1964? Querem vingança contra aqueles que, de forma acertada, buscaram na Comissão da Verdade a necessária recuperação da memória para que uma tragédia nunca mais acontecesse? Será que esses militares ainda acreditam na palavra soberania?
Olhando para um lado e para o outro da Esplanada, vemos apenas homens oportunistas e ultrapassados em suas ideias a respeito de um fantasma que a ninguém mais assusta e que vivem de seus próprios recalques. Esses militares que estão no governo Bolsonaro não honram a farda que vestem. Tomara que nas Forças Armadas do Brasil ainda restem equilíbrio e bom senso em que as dirige nos quartéis a ponto de pelo menos amarem a nós, brasileiros e brasileiras.
* Marco Piva é jornalista, apresentador do programa “Brasil Latino” na Rádio USP, diretor de redação do canal youtube O Planeta Azul e diretor de comunicação da Sociologia e Política – Escola de Humanidades.
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