Caso o Supremo Tribunal Federal insista em bloquear, artificial e ilegalmente, os direitos políticos do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, estará abrindo caminho a ações não-ortodoxas da oposição e das esquerdas em particular. A resposta a tal casualismo jurídico não poderá ficar nas "Notas Oficiais", lives indignadas e manifestos de intelectuais diante de mais um golpe consumado.
Uma das opções que entram no jogo poderia ser uma anticandidatura, mais ou menos nos moldes da que Ulysses Guimarães encabeçou em 1974, quando era impossível derrotar o general indicado pelos militares num Colégio Eleitoral manipulado. Era uma farsa, da qual a oposição estava destinada a participar para coonestar o jogo da ditadura, dando alguma legitimidade ao general "eleito".
Surgiu então, proposta pelos deputados do chamado "Grupo Autêntico", a ideia de lançar uma candidatura, ainda que inviável perder, mas usar a campanha para denunciar o regime. Uma das propostas debatidas foi a do MDB lançar um general da reserva, precavendo-se de represálias e mostrando fissuras entre os militares.
Depois, chegou-se ao nome do respeitado jornalista conservador Barbosa Lima Sobrinho, mas alguém lembrou que ele não tinha mandato parlamentar (o que daria ao candidato um mínimo de imunidades). Por que não Ulysses Guimarães, presidente do MDB, como vice de Barbosa Lima, dando a necessária proteção à chapa (muito relativa, porque mandatos eram cassados pelo regime ao seu bel prazer) ? Finalmente, Ulysses, que era um esperto político formado no escorregadio PSD, afirmou. que aceitava o "sacrifício" e que encabeçaria a chapa, tendo Barbosa Lima como seu vice. Antes que o contestassem, começou a dar entrevistas como o anti-candidato a Presidente e a campanha engrenou,
Ao contrário dos planos iniciais, Ulysses não renunciou ao final da campanha, e foi ao Colégio Eleitoral manietado. A coisa toda pareceu tão ensaiada pela ditadura que a BBC noticiou: “Reuniu-se esta tarde o Colégio Eleitoral, que elegeu por voto indireto e futuro presidente, general Ernesto Geisel por 400 votos. O deputado Ulysses Guimarães obteve 76 votos. A OPOSIÇÃO NÃO VOTOU e marcou seu protesto com 21 abstenções”.
Como escreveu o jornalista Luiz Gutemberg em sua biografia de Ulysses: "As viagens de Ulysses e Barbosa Lima, que cobriram catorze Estados, fizeram crescer em 3.500% o espaço dedicado à oposição pelos jornais e revistas". É unânime entre analistas e historiadores que a campanha da anticandidatura, no início de 1974, foi grandemente responsável pela histórica vitória eleitoral de novembro daquele ano, quando o MDB elegeu 16 dos 22 cargos de senadores em disputa - primeiro avanço real, com discurso mais progressista, contra a hegemonia tranquila da Arena e dos generais.
Se, no Brasil de hoje, o Judiciário preferir usar de artifícios para renegar sua própria decisão de liberar Lula (porque inocente e porque foi condenado por juiz incompetente), a oposição poderá valer-se de meios de luta mais contundentes.
Uma anti-candidatura, usando todos os meios que uma campanha oferece, como horário em rádio e TV e milhares de eventos por todo o País, não só ajudará a eleger ou reeleger governadores, senadores e deputados, como mostrará ao Povo que a eleição para Presidente e Vice é uma farsa.
Os candidatos fariam tudo, inclusive os debates, até a sexta-feira pré-eleição, quando anunciariam suas renúncias. Deixemos aos golpistas que assumam sua face na História, e jamais possam dizer que venceram uma disputa. O miliciano Bolsonaro repete que foi eleito pela maioria dos brasileiros. Fernando Haddad foi até o fim na eleição, e felicitou o vencedor. Ou seja: formalmente, a oposição aceitou Bolsonaro como presidente legítimo, embora tenha sido fruto de todo um golpe criminoso e anti-nacional, fartamente comprovado.
Que não se repita esse erro, ainda mais quando o inimigo é o Fascismo. O jogo democrático depende de todas as forças aceitarem suas regras. Cabe ao STF escolher que posição deseja ocupar no tabuleiro, sabendo que a oposição pode dar "um roque", ou fazer uma jogada que sacrifique a Rainha para dar um xeque-mate...
* Antonio Barbosa Filho é jornalista, coordenador do núcleo regional do Centro Barão de Itararé no Vale do Paraíba e Litoral Norte-SP.
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