Nos últimos anos, a disputa ideológica entre os valores relacionados com a esquerda e os da direita ganhou novas características.
Com o avanço e massiva popularização da internet, grande parte dos combates por ideias e proposições de cunho político são agora travados nas redes sociais, ou seja, por Whatsapp, Facebook, Instagram, Twitter, etc.
Entretanto, se num primeiro momento essas novas ferramentas pareciam apontar para a possibilidade de ruptura com o domínio oligopolístico dos meios de comunicação, esta expectativa se desvaneceu em pouco tempo.
O controle absoluto das plataformas das redes e o acesso exclusivo aos algoritmos de navegação por parte de gigantescas corporações multinacionais acabaram por dotar um reduzido número de conglomerados (quase sempre sediados nos centros hegemônicos do capitalismo) com uma considerável capacidade de interferir, gerir e influir no comportamento de enormes contingentes populacionais. E, com isso, o risco da sujeição da comunicação aos desígnios do grande capital permanece presente, com o agravante de o comando estar agora centralizado fora de nosso país.
Na verdade, foi esta nova conjuntura comunicacional que possibilitou a articulação e o crescimento de forças políticas de extrema direita funcionais ao capitalismo mais excludente, como o bolsonarismo brasileiro, que até então não conseguiam se expandir de maneira significativa.
Embora esteja mais do que evidente que o contato pessoal direto do ativista social com seu público alvo continua desempenhando um papel relevante, o qual não deveria jamais ser menosprezado, cairíamos em sério erro se descartássemos participar ativamente nas redes sociais para concentrar nossa atividade de militância única e exclusivamente na interação pessoal direta com as comunidades.
É certo que, há várias décadas, nós da esquerda brasileira não andamos cometendo esse tal “pecado” da dedicação exclusiva ao relacionamento direto com as comunidades. Pelo contrário, nosso afastamento do necessário trabalho de base tornou-se um dos mais graves entraves para uma reinserção hegemônica da esquerda junto às massas populares.
A despeito da anterior observação, no espaço deste texto, gostaria de fazer algumas sugestões ressaltando a relevância e a necessidade de atuar intensamente na política através da internet e, assim, confrontar a avalanche direitista que vem assolando as redes digitais. Tudo isso, sem deixar de reiterar a importância do trabalho social corpo a corpo em seu sentido tradicional.
Primeiramente, precisamos ter compreensão sobre quem nós somos e quais são as causas que estamos empenhados em defender. Mas, como frequentemente nos deparamos com bolsonaristas e outros adversários de visões sociais diametralmente opostas às nossas, também é importante que tenhamos clareza de quais podem ser as características de nossos contrincantes e quais os interesses por eles defendidos.
Em razão do contexto histórico em que surgiram, as expressões políticas “ser de esquerda” e “ser de direita” estão eivadas de conotações de luta de classes que não deveriam ser simplesmente ignoradas.
Basta contar com um conhecimento de nível básico de história universal para saber que essas expressões se originaram, por mera casualidade, da maneira como se deu a ocupação dos espaços físicos quando das atividades parlamentares realizadas na Assembleia congressual da Revolução Francesa.
Foi assim que, numa circunstância fortuita daquele momento, os representantes identificados com os interesses das maiorias trabalhadoras da população optaram por sentar-se todos no lado esquerdo do recinto parlamentar. E, em consequência, passaram a ser chamados de esquerdistas.
Por sua vez, os assembleístas vinculados aos interesses dos grandes proprietários de terras, dos donos das indústrias emergentes e do capital financeiro se sentavam na ala à direita do mesmo recinto e, por tal motivo, ficaram conhecidos como direitistas.
A observação que acaba de ser mencionada serve para dar ideia de como parece ser carente de justificativa conceitual a existência de trabalhadores que se assumem como "de direita". Em outras palavras, um trabalhador que se considere de direita nunca vai passar da condição de defensor dos interesses da classe patronal. Portanto, na prática, um trabalhador direitista é simplesmente um servidor das causas do grande capital ou, em termos mais populares, um puxa-saco de patrão.
Porém, nos debates que travamos pela internet, podemos constatar que nossos vigorosos e raivosos oponentes muito raramente são eles mesmos elementos oriundos das classes mais pudentes da sociedade. Ou, para dizê-lo de outra maneira, eles quase nunca são integrantes efetivos das classes cujos interesses se esmeram por defender.
Sem dúvidas, seria algo surpreendente se por trás daquele nome fictício que se enfrenta conosco pela internet aparecesse, na verdade, um latifundiário, um grande industrial ou um banqueiro, o qual teria deixado em segundo plano as atividades diretamente relacionadas com a geração de lucros em seus negócios para dedicar suas horas aos xingamentos e bate-bocas tão característicos dos conflitos políticos nas redes digitais.
Para esta tarefa, eles sabem muito bem usar seu dinheiro para terceirizar a função e empregar gente de camadas sociais subalternas. Convenhamos, eles não iriam acumular seus milhões para se verem envolvidos nesse árduo e desgastante trabalho de proselitismo!
Ou seja, em realidade, quem leva adiante o trabalho pesado de defesa dos interesses dos ricos e poderosos pela via digital são, quase sempre, pessoas que, por sua origem e condição social, também integram aquelas mesmas categorias que nós da esquerda pretendemos representar e defender: nomeadamente, a classe trabalhadora, a classe média e a chamada “ralé”.
Em vista disto, é preciso que tomemos cuidado para não despejar sobre aquele que se apresenta como nosso adversário direto na contenda pela rede o nutrido ódio que justa e racionalmente cultivamos pelos grandes exploradores do povo, ou seja, pelos responsáveis reais pelas injustiças contra as quais juramos lutar.
Toda nossa argumentação precisa ser norteada numa clara compreensão da luta de classes. Sempre que possível, devemos envidar esforços para deixar claro a nosso próprio contendor eventual que tanto ele como sua família também fazem parte de nossa preocupação social e, portanto, teriam muito mais a ganhar com as propostas que nós encampamos.
Por mais ódio que o agente direitista trate de verter sobre nós, nunca deveríamos revidar no mesmo estilo. Não nos cabe ofendê-lo, ou humilhá-lo, para saciar nossa sede de vingança. Isto não condiz com nosso feitio. É, sim, uma característica da direita, daqueles que não prezam a justiça e nem a solidariedade com os trabalhadores, daqueles que cultuam preconceitos antipovo.
Nosso propósito não é ganhar o debate com o aniquilamento físico ou moral da pessoa com quem nos confrontamos. Almejamos, sim, derrotar fragorosamente a perversidade da ideologia burguesa que os mentores intelectuais das classes dominantes e seus serviçais tratam de disseminar por toda nossa população.
Então, através da combinação permanente de atividades diretas de contato cara a cara e da presença constante de nossas mensagens nas redes sociais pela internet, vamos fazer o combate de ideias contra as classes dominantes que, oportunisticamente, se valem de elementos de fora de seus próprios entornos para realizar o trabalho sujo a seu favor.
E, para não nos esquecermos jamais, ao travar embates contra adversários digitais em circunstâncias específicas, precisamos levar em conta que o principal alvo das mensagens que emitimos é o grande número de pessoas que vai estar acompanhando o debate que está sendo travado pela rede, não a figura do debatedor em si. Mais do que convencer a pessoa com quem travamos a disputa, o objetivo central é trazer para nosso lado aqueles que nos estão observando.
Em resumo, na atualidade, o trabalho político de quem pretende se colocar a serviço das maiorias trabalhadoras não pode deixar de levar em consideração seu envolvimento com as redes sociais de comunicação e seu imenso alcance.
Mas, volto a reiterar e ressaltar, é de extrema relevância que essa militância digital esteja acompanhada, coordenada e sintonizada com o trabalho de base pessoal e direto junto às comunidades que pretendemos favorecer. Sem esta atuação combinada, tanto nosso trabalho de base como nossa atividade digital terão reduzida sua efetividade.
Nosso objetivo deve sempre levar em conta que, ainda que estejamos dispostos a dar a vida pelo ideal de servir aos mais necessitados, não podemos pretender substituir o povo nessas lutas, e sim batalhar para engajá-lo no processo.
O papel prioritário do militante do campo popular é usar sua capacidade física e mental para contribuir com a conscientização e organização das massas trabalhadoras e do povo em seu conjunto, para que sejam estes os que venham a assumir a responsabilidade maior na condução da luta. Para que eles passem efetivamente a lutar por si e para si!
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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