segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Lava-Jato, corrupção e a luta de classes

Charge: Jota Camelo
Por Jair de Souza


As recentes revelações feitas pelo jornal Folha de S. Paulo sobre a participação do doleiro Alberto Youssef, envolvido em enormes golpes e falcatruas, no financiamento da campanha eleitoral de Álvaro Dias, prócer da Operação Lava-Jato e principal mentor político do ex-juiz suspeito Sérgio Moro, vem apenas confirmar aquilo que já era bem sabido por todos os que se dedicam a estudar nossa história política com certo nível de isenção e seriedade. Ou seja, o papo furado do combate à corrupção foi sempre um pretexto utilizado pelos grandes corruptos para eliminar da cena política a qualquer pessoa ou força política que pudesse pôr em perigo o sacrossanto desejo que as classes dominantes nutrem de usar e abusar das estruturas do Estado em seu único e exclusivo benefício.

Sendo assim, o final desta brincadeira não podia ser diferente. Os fatos trazidos à tona vão deixando muito evidente que a chamada Operação Lava-Jato, desde seus primeiros instantes, estava organizada, composta e orientada por gente que demonstrou ter sempre vivido e crescido em função de benesses extraídas da própria corrupção.

Portanto, ao longo de nossa história, sempre que surgia algum dirigente político com alguma preocupação em redistribuir as riquezas produzidas pelo conjunto da sociedade de uma maneira mais equitativa que viesse a beneficiar um pouco mais às maiorias populares, sua presença e atuação eram vistas e tachadas como inaceitáveis por parte dos encarregados de zelar pelos interesses dos poderosos. E, a partir daí, a máquina de formação de opinião das classes dominantes entrava em ação.

No entanto, as motivações que levam à tomada de decisões na vida política, muitas vezes, não podem ser expostas como elas são em realidade. Em consequência disto, a hipocrisia passou a ser um dos instrumentos preferidos daqueles que não podem revelar as razões reais que estão por trás de sua campanha de lutas. E, como forma de camuflar os verdadeiros motivos que insuflam sua revolta contra a concessão de direitos aos mais pobres, o combate à morte contra a corrupção foi alçado à categoria de argumento principal para garantir uma justificativa moral para aqueles que dele participam.

Também é certo que, para lograr algum êxito significativo em seu empenho, os propulsores da ideia chave desta hipocrisia precisam contar com a predisposição da base de seu público alvo a aceitar sem questionamentos a narrativa que lhe está sendo transmitida. Ou seja, dá-se, então, aquilo que em linguística costuma-se chamar de “pacto ficcional”, no qual o autor e o receptor da mensagem fazem de conta que a ficção que está sendo transmitida é de fato uma realidade. Em outras palavras, todos fingem que acreditam nas razões que estão sendo dadas para justificar sua atuação porque todos têm interesse que assim seja.

Desde uma perspectiva popular, é preciso reduzir ao máximo o número daqueles que estejam dispostos a aceitar como verdadeira a hipocrisia da centralidade da corrupção como o fator propulsor da luta encampada pelas classes dominantes contra as maiorias trabalhadoras. Neste sentido, é muito importante que a corrupção seja vista e tratada como uma questão da luta de classes, e não como um tema de falso moralismo, no qual a honestidade pessoal prevaleceria por sobre todo e qualquer interesse das classes sociais envolvidas na disputa.

Para os trabalhadores, o fim da corrupção é de suma relevância, mas não é a essência do problema que padecem. Para quem vive de seu trabalho, a luta contra a corrupção nunca pode estar dissociada da luta por uma repartição mais justa e mais equitativa das riquezas. Ou seja, devemos exigir e cobrar que nem um mero centavo dos recursos do Estado seja desviado para fins não previstos legalmente. Mas, tão somente isto não basta.

Nós queremos acabar com a corrupção porque almejamos uma vida mais digna e justa para as maiorias. Por isso, queremos o fim da corrupção para que nosso povo possa mais facilmente ter acesso à saúde pública ampla e de boa qualidade; para que todas as nossas crianças, jovens e adultos recebam uma educação pública que os qualifique adequadamente para as exigências de nossa vida social; para que ninguém tenha de viver ao leu pelas ruas por falta de moradia; para que tenhamos salários que possibilitem aos trabalhadores adquirir os bens necessários para uma vida digna e confortável.

Portanto, devemos manifestar nossa repulsa a todos aqueles que se imbuíram do espírito do lavajistismo hipócrita; a todos os que pregam a luta contra a corrupção, mas se enriqueceram com a corrupção; aos que expressam seu rancor contra a corrupção apenas quando os acusados não pertencem às classes dominantes. Evidentemente, devemos repudiar com veemência a todos os exploradores dos tipos citados. Porém, não podemos nos limitar a isto.

Nossa luta contra a corrupção precisa sempre incluir nossa determinação de cobrar uma política pública que atenda prioritariamente as necessidades das maiorias populares. Então, neste momento em que Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Álvaro Dias e os demais expoentes do lavajatismo são desmascarados publicamente, devemos nos empenhar para que as estruturas e os recursos do Estado sejam usados para priorizar a atenção daqueles que vêm sendo brutalmente espoliados ao longo de toda nossa história, em outras palavras, as maiorias trabalhadoras de nossa nação.

Resumindo, a luta contra a corrupção faz parte da luta contra as classes dominantes. Devemos travá-la sempre tendo em conta que nosso objetivo é fazer com que os recursos produzidos pelo conjunto da sociedade sejam disponibilizados para o atendimento das necessidades de todos. Não combatemos a corrupção simplesmente por um falso moralismo.

* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

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