Charge: Aroeira |
Dizia o jornalista, escritor e humorista Aparício Torelly, o “Barão de Itararé” (1895-1971): “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”. Talvez esta seja a melhor síntese para nossos sentimentos e expectativas diante da postura do governo Jair Bolsonaro frente à pandemia de Covid-19. Não faltam pretextos para o presidente reorientar o discurso e as práticas negacionistas de sua gestão, que tanto mal causou ao povo desde o início da crise sanitária. E, no entanto, gestores federais – e o próprio Bolsonaro – seguem relativizando a pandemia, propagando fake news e pondo em risco a vida dos brasileiros.
Dois episódios recentes ilustram a irresponsabilidade do bolsonarismo. Um deles diz respeito à vacinação infantil. Em 12 de dezembro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou a aplicação de duas doses de uma vacina da Pfizer contra Covid-19 específica para crianças de 5 a 11 anos. Nos Estados Unidos e na União Europeia, bem como em diversos países da América Latina, as agências regulatórias de saúde já haviam emitido autorização similar.
Mas, diferentemente de outros governantes, Bolsonaro esnobou a deliberação e retardou a busca do imunizante da Pfizer, a exemplo do que já fizera desde agosto de 2020 em relação às vacinas para adultos. Primeiro, o presidente anunciou que pais e responsáveis precisariam assinar um termo de responsabilidade para vacinar as crianças – e que a prescrição médica em postos de vacinação deveria ser cobrada. Dias depois, Bolsonaro afirmou que daria publicidade ao nome de servidores da Anvisa envolvidos na medida – o que, segundo o chefe da agência, Antonio Barra Torres, está por trás das 170 ameaças de morte, agressão e violência recebidas por esses servidores.
Para atrasar ainda mais a nova fase de imunização, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, organizou uma consulta pública e promoveu uma audiência para debater a medida da Anvisa. Porém, ao verem que tanto a consulta quanto a audiência revelaram amplíssimo apoio à vacinação infantil, o governo não recuou. Bolsonaro mentiu sobre a mortalidade da Covid em crianças e atacou, sem provas, os responsáveis pela autorização. “Você vai vacinar o teu filho contra algo que o jovem por si só, uma vez pegando o vírus, a possibilidade dele morrer é quase zero? O que que está por trás disso?”, declarou o presidente em 6 de janeiro. “Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse das pessoas taradas por vacina?”
Entre inverdades, ilações deturpadas e difamação, Bolsonaro tentou justificar o injustificável. Até aquela data, 308 crianças entre 5 e 11 anos já haviam morrido em decorrência do novo coronavírus no Brasil. Segundo Marco Aurélio Sáfadi, da Sociedade Brasileira de Pediatria, nenhuma doença passível de prevenção por vacina “vitimou tantas crianças como a Covid-19”.
A provocação do governo foi tão acintosa que a ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), enviou à Procuradoria-Geral da República uma notícia-crime que pede a investigação de Bolsonaro e de Queiroga por prevaricação e atentado às vidas dos servidores da Anvisa. Trata-se de uma praxe porque, a rigor, a apuração do caso está nas mãos do Ministério Público. De resto, a batalha foi perdida por Bolsonaro, que não foi endossado nem pela população, nem por governadores.
Pesquisa PoderData divulgada em 21 de janeiro mostra que a maioria do povo brasileiro rejeita essa gestão marcada pelo sadismo e pela desumanidade: 53% avaliam o governo como “ruim” ou “péssimo”, mais que o dobro dos que julgam o governo “ótimo” ou “bom” (25%). Duas semanas antes, levantamento do mesmo instituto apontou que apenas 16% dos pais e mães não pretendem vacinar os filhos contra o novo coronavírus, ante 71% que aderem à vacinação infantil.
Outro marco do desvario negacionista do governo ocorreu na última sexta-feira (21). Nota técnica do Ministério da Saúde, assinada por Helio Angotti, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, questionava as vacinas contra a covid-19. Conforme o documento, os imunizantes não tinham “demonstração de efetividade em estudos controlados e randomizados”, nem “demonstração de segurança em estudos experimentais e observacionais adequados”. Em compensação, Angotti atestava a suposta eficácia da hidroxicloroquina. Recomendava-se, assim, o “kit Covid”.
A barbaridade foi tanta que o próprio governo não endossou de imediato a nota. “O Ministério da Saúde esclarece que em nenhum momento afirmou que o referido fármaco é seguro para tratamento da Covid-19, nem questionou a segurança das vacinas, que é atestada pela agência reguladora”, afirmou a pasta. Na terça-feira (25), o ministério prometeu tirar a nota técnica do ar e publicar outra, “com mais clareza”. Ainda assim, a Frente Parlamentar Observatório da Pandemia, instalada no Senado, deve convidar o secretário Angotti para prestar esclarecimentos. O ministro Queiroga também deve ser chamado e, além da nota, será inquirido sobre o apagão de dados da pandemia e o atraso da vacinação das crianças.
O Senado – vale lembrar – já deu contribuições efetivas para deter a marcha negacionista do bolsonarismo. Por uma série de atitudes imprudentes, ilegais e criminosas do governo – sem contar as omissões –, o relatório final da CPI da Covid-19, aprovado em novembro, pediu a responsabilização do presidente, de ministros e ex-ministros da Saúde, gestores federais e parceiros dessa cruzada pela morte. Os senadores responsabilizaram diretamente Bolsonaro por nove crimes na pandemia – e alguns deles podem levá-lo até a julgamento em tribunais internacionais.
Nada disso parece ter inibido esses mensageiros da morte, conforme evidenciam os novos episódios. Nem mesmo as 623 mil vidas perdidas no País em menos de dois anos – uma média diária de quase mil mortes – devido à pandemia são capazes de sensibilizar o governo. Mas algo mudou: à comoção em torno dessas mortes se somou a indignação com o recorrente desprezo pessoal de Bolsonaro e a criminosa negligência de seu governo. Enquanto nega a ciência e a vida, Bolsonaro derrete. Suas posições antivacina e anticiência foram desmoralizadas pela população. O próximo passo é tirá-lo do poder, julgá-lo por seus crimes e condená-lo exemplarmente. A marcha bolsonarista fracassou.
Dois episódios recentes ilustram a irresponsabilidade do bolsonarismo. Um deles diz respeito à vacinação infantil. Em 12 de dezembro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou a aplicação de duas doses de uma vacina da Pfizer contra Covid-19 específica para crianças de 5 a 11 anos. Nos Estados Unidos e na União Europeia, bem como em diversos países da América Latina, as agências regulatórias de saúde já haviam emitido autorização similar.
Mas, diferentemente de outros governantes, Bolsonaro esnobou a deliberação e retardou a busca do imunizante da Pfizer, a exemplo do que já fizera desde agosto de 2020 em relação às vacinas para adultos. Primeiro, o presidente anunciou que pais e responsáveis precisariam assinar um termo de responsabilidade para vacinar as crianças – e que a prescrição médica em postos de vacinação deveria ser cobrada. Dias depois, Bolsonaro afirmou que daria publicidade ao nome de servidores da Anvisa envolvidos na medida – o que, segundo o chefe da agência, Antonio Barra Torres, está por trás das 170 ameaças de morte, agressão e violência recebidas por esses servidores.
Para atrasar ainda mais a nova fase de imunização, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, organizou uma consulta pública e promoveu uma audiência para debater a medida da Anvisa. Porém, ao verem que tanto a consulta quanto a audiência revelaram amplíssimo apoio à vacinação infantil, o governo não recuou. Bolsonaro mentiu sobre a mortalidade da Covid em crianças e atacou, sem provas, os responsáveis pela autorização. “Você vai vacinar o teu filho contra algo que o jovem por si só, uma vez pegando o vírus, a possibilidade dele morrer é quase zero? O que que está por trás disso?”, declarou o presidente em 6 de janeiro. “Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse das pessoas taradas por vacina?”
Entre inverdades, ilações deturpadas e difamação, Bolsonaro tentou justificar o injustificável. Até aquela data, 308 crianças entre 5 e 11 anos já haviam morrido em decorrência do novo coronavírus no Brasil. Segundo Marco Aurélio Sáfadi, da Sociedade Brasileira de Pediatria, nenhuma doença passível de prevenção por vacina “vitimou tantas crianças como a Covid-19”.
A provocação do governo foi tão acintosa que a ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), enviou à Procuradoria-Geral da República uma notícia-crime que pede a investigação de Bolsonaro e de Queiroga por prevaricação e atentado às vidas dos servidores da Anvisa. Trata-se de uma praxe porque, a rigor, a apuração do caso está nas mãos do Ministério Público. De resto, a batalha foi perdida por Bolsonaro, que não foi endossado nem pela população, nem por governadores.
Pesquisa PoderData divulgada em 21 de janeiro mostra que a maioria do povo brasileiro rejeita essa gestão marcada pelo sadismo e pela desumanidade: 53% avaliam o governo como “ruim” ou “péssimo”, mais que o dobro dos que julgam o governo “ótimo” ou “bom” (25%). Duas semanas antes, levantamento do mesmo instituto apontou que apenas 16% dos pais e mães não pretendem vacinar os filhos contra o novo coronavírus, ante 71% que aderem à vacinação infantil.
Outro marco do desvario negacionista do governo ocorreu na última sexta-feira (21). Nota técnica do Ministério da Saúde, assinada por Helio Angotti, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, questionava as vacinas contra a covid-19. Conforme o documento, os imunizantes não tinham “demonstração de efetividade em estudos controlados e randomizados”, nem “demonstração de segurança em estudos experimentais e observacionais adequados”. Em compensação, Angotti atestava a suposta eficácia da hidroxicloroquina. Recomendava-se, assim, o “kit Covid”.
A barbaridade foi tanta que o próprio governo não endossou de imediato a nota. “O Ministério da Saúde esclarece que em nenhum momento afirmou que o referido fármaco é seguro para tratamento da Covid-19, nem questionou a segurança das vacinas, que é atestada pela agência reguladora”, afirmou a pasta. Na terça-feira (25), o ministério prometeu tirar a nota técnica do ar e publicar outra, “com mais clareza”. Ainda assim, a Frente Parlamentar Observatório da Pandemia, instalada no Senado, deve convidar o secretário Angotti para prestar esclarecimentos. O ministro Queiroga também deve ser chamado e, além da nota, será inquirido sobre o apagão de dados da pandemia e o atraso da vacinação das crianças.
O Senado – vale lembrar – já deu contribuições efetivas para deter a marcha negacionista do bolsonarismo. Por uma série de atitudes imprudentes, ilegais e criminosas do governo – sem contar as omissões –, o relatório final da CPI da Covid-19, aprovado em novembro, pediu a responsabilização do presidente, de ministros e ex-ministros da Saúde, gestores federais e parceiros dessa cruzada pela morte. Os senadores responsabilizaram diretamente Bolsonaro por nove crimes na pandemia – e alguns deles podem levá-lo até a julgamento em tribunais internacionais.
Nada disso parece ter inibido esses mensageiros da morte, conforme evidenciam os novos episódios. Nem mesmo as 623 mil vidas perdidas no País em menos de dois anos – uma média diária de quase mil mortes – devido à pandemia são capazes de sensibilizar o governo. Mas algo mudou: à comoção em torno dessas mortes se somou a indignação com o recorrente desprezo pessoal de Bolsonaro e a criminosa negligência de seu governo. Enquanto nega a ciência e a vida, Bolsonaro derrete. Suas posições antivacina e anticiência foram desmoralizadas pela população. O próximo passo é tirá-lo do poder, julgá-lo por seus crimes e condená-lo exemplarmente. A marcha bolsonarista fracassou.
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