O desabastecimento de medicamentos é uma situação que ocorre com frequência significativa, tornando-se um problema grave para os gestores e prestadores de serviços, mas essencialmente à cidadã e ao cidadão que ficam desassistidos e correndo o risco de agravar o seu problema de saúde, sem contar a necessidade dos serviços especializados para salvar sua vida. Os motivos são os mais diversos, desde ausência de insumos farmacêuticos, interrupção na produção, mudanças no mercado, situações que podem comprometer a produção em si, dentre outros.
Mas a realidade é que a falta de medicamentos vem se agravando e chegamos em junho de 2022 com os estoques zerados ou quase zerados de dipirona injetável, amoxicilina e diazepam e até mesmo de soro fisiológico, que se somam a mais de cem medicamentos em falta, tanto na rede pública como privada do país.
A guerra na Ucrânia – e os impactos na relação entre Rússia e países da União Europeia, a desaceleração da economia e o lockdown na China são apontados como os principais fatores externos para o desabastecimento do mercado nacional nesse momento e ainda que a dificuldade de importar produtos da China, principalmente insumos para a indústria, se reflete nos preços e deve contribuir para manter a inflação em alta.
Lembramos que China e Índia são os principais fornecedores de insumos, materiais de embalagens, máquinas que produzem medicamentos e peças de reposição ao Brasil.
Opa, precisamos refletir sobre estas questões!
Em um país que se aproxima de 700 mil vítimas da Covid-19 e possui mais de 33,1 milhões de pessoas passando fome, responsabilizar países que protegem a sua população de ameaças à saúde, garantindo a alimentação de seu povo, parece não se encaixar a realidade. Vivemos tempos em que negar a realidade ganha forte retórica sustentada na pós-verdade, no autoritarismo e na negação da Política.
Inicialmente, que moral tem o Brasil, onde o governo federal e as forças que o sustentam são os responsáveis por essa tragédia nacional vivida por milhões de brasileiros, enquanto bilionários aumentam fortuna e não pagam impostos, para apontar a China, que toma todas as medidas sanitárias, com monitoramento estreito e próximo de sua população, garantindo proteção social e às vidas do seu povo, como o país responsável por seus problemas internos?
Como é admissível o Brasil seguir com dependência externa e cumprindo desserviço ao povo brasileiro?
Para enfrentarmos as mais diversas questões, como o desabastecimento de medicamentos em si, precisamos garantir a soberania nacional e um processo de desenvolvimento para o país, de forma articulada das políticas públicas e de ações concretas e simultâneas. Para isso é urgente a construção de uma agenda estratégica para o País.
No campo da saúde essa construção se traduz no grande guarda-chuva do Complexo Econômico e Industrial da Saúde (CEI), que neste último período contou com a excelente condução e relatório da Subcomissão do Complexo Econômico Industrial da Saúde da Câmara dos Deputados, com a participação de um amplo leque de forças políticas, econômicas e sociais, presidida pela deputada federal Jandira Feghali, (PCdoB-RJ) e tendo o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) como relator.
O texto aprovado na Subcomissão é um relatório robusto indicando as diretrizes para garantir, tanto o acesso a medicamentos, vacinas e demais tecnologias à população, com valorização da força de trabalho, geração de emprego e renda, numa lógica concreta de um projeto de desenvolvimento ao país. Numa lógica de autodependência positiva, de retroalimentação em que o CEI cumpra o papel de projeto para o Brasil, tendo o SUS o seu grande impulsionador.
Cabe ao Estado nacional mediar os diferentes interesses com o objetivo de estabelecer uma agenda virtuosa na geração e incorporação de inovação e na reconfiguração dos serviços em saúde, de modo coerente com as mudanças em curso no perfil epidemiológico e demográfico da população. Apenas desse modo será possível superar a polarização atualmente observada entre a atenção à saúde e a dinâmica industrial e de inovação, mostrando que saúde e desenvolvimento econômico podem ser objetivos convergentes.
Portanto, o papel do Estado é estratégico para o Complexo Industrial da Saúde. Apenas o Estado tem capacidade de antecipar a necessidade da produção de determinados produtos ou serviços e formular uma política buscando concretizar aqueles objetivos, particularmente no campo da saúde. A capacidade industrial e de inovação em saúde está vinculada diretamente à redução das desigualdades e das deficiências no setor da saúde no país.
O Estado tem um papel essencial na busca de superação das limitações científicas e tecnológicas e na mobilização de recursos para o desenvolvimento tecnológico. Deste modo, o Complexo Econômico Industrial da Saúde pode se traduzir num projeto para o Brasil através das políticas públicas: de saúde, tendo o SUS o seu grande impulsionador para o desenvolvimento; de emprego e renda, que demanda grande quantidade de força de trabalho para a produção de bens e serviços; de inovação e tecnologia, com a pesquisa e o desenvolvimento trazendo mais valor agregado ao PIB brasileiro.
E somado a isso, para minimizar o desabastecimento de medicamentos algumas ações precisam ser implementadas, simultaneamente, tais como:
- O Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde – DAF/MS deve provocar uma reorganização junto a indústria para estabelecer estratégias para a regularização da entrega medicamentos, bem como o monitoramento do mercado global;
- O DAF/MS deve voltar a ser um departamento que promova a articulação de políticas públicas na garantia do medicamento como direito humano;
- Definição de uma agenda regulatória de preços pela Anvisa que significa ir além do debate da precificação;
- Fortalecimento dos laboratórios oficiais;
- Construção de ferramentas para as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP’s), como visão estratégica a política industrial;
- Retomada do CEIS - Complexo Econômico Industrial da Saúde;
- Aprofundar sobre a reconversão industrial;
- Dentre outras ações.
No contexto das transformações científicas e tecnológicas que marcam o mundo, o compromisso com o papel estratégico da pesquisa científica e tecnológica e com a defesa e promoção do Sistema Nacional de CT&I é o melhor caminho para não nos afastarmos do mundo real, articulando e mobilizando o poder público, a comunidade científica e tecnológica, o empresariado nacional e a sociedade civil, para gerar conhecimento, inovação e desenvolvimento.
A propriedade intelectual não pode ser uma barreira ao acesso universal, contra os preços extorsivos dos monopólios que impedem que as tecnologias estejam a serviço da vida e do desenvolvimento. É necessário internalizar as tecnologias essenciais e, ao mesmo tempo, assegurar a prioridade de sua função produtora de direitos.
Não esqueçamos do financiamento adequado e focado nas necessidades das pessoas e de valorizar o controle social do SUS, que significa entendermos que os sujeitos coletivos da sociedade cumprem papel político fundamental para a política pública de saúde.
Defendemos que o Brasil precisa seguir outro rumo no que diz respeito à garantia de acesso a medicamentos e demais tecnologias de saúde para a sua população. Ou avançamos ou retrocedemos à era colonial e escravista.
* Ronald Ferreira dos Santos é farmacêutico, Mestre em Farmácia, Presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde;
* Debora Raymundo Melecchi é farmacêutica, Presidenta do Sindicatos dos Farmacêuticos do Rio Grande do Sul, Coordenadora da Comissão Intersetorial de Ciência e Tecnologia e Assistência Farmacêutica do Conselho Nacional de Saúde.
* Debora Raymundo Melecchi é farmacêutica, Presidenta do Sindicatos dos Farmacêuticos do Rio Grande do Sul, Coordenadora da Comissão Intersetorial de Ciência e Tecnologia e Assistência Farmacêutica do Conselho Nacional de Saúde.
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