Salvador, 30/9/22. Foto: Ricardo Stuckert |
Os três primeiros lustros do século XXI foram tenebrosos para nossas classes dominantes. É bem verdade que nossos latifundiários, nossos banqueiros, nossos grandes industriais e nossa alta classe média nunca tinham ganhado tanto dinheiro como nesse período. Mas, havia algo terrível que eles não podiam tolerar.
Pela primeira vez em nossa história, o país estava sendo governado por alguém que se empenhava para que pelo menos uma parcela da riqueza gerada pela nação fosse destinada a atender as necessidades das maiorias trabalhadoras. E foi esta a motivação principal para gerar um pandemônio e instigar o ódio de muita gente na busca para pôr fim àquele estado de coisas.
Conforme podia ser lido nas colunas sociais da mídia tradicional à época, já não era possível continuar tolerando a presença de tantos intrusos em espaços que sempre tinham sido considerados como exclusivos das parcelas mais “refinadas” da sociedade. A balbúrdia tinha atingido tais proporções que até os aeroportos estavam se confundindo com rodoviárias, devido à numerosa presença de pessoas que não aparentavam ter a estirpe requerida para ocupar recintos antes tidos como nobres. O lamento consternado neste sentido feito pela esposa de um conhecido ator da rede Globo se tornou a palavra de ordem para aqueles que desejavam dar um basta em tudo aquilo.
Era preciso fazer com que aquela gente abusada voltasse a entender qual era seu devido lugar. Não dava para continuar aceitando absurdos a ponto de conceder a empregadas domésticas o direito a registro profissional em carteira, direito a férias, descanso semanal remunerado e outras baboseiras pelo estilo. Algo teria de ser feito para acabar com essa ousadia. E algo efetivamente foi feito!
O golpe midiático-jurídico-parlamentar que apeou Dilma Rousseff do governo em 2016 foi a culminação do movimento que consumou a disposição das oligarquias nacionais e de seus patronos imperialistas de reverter o estado de calamidade emocional que tinha se apoderado de nossas classes dominantes e de seus replicadores da alta classe média.
Porém, para consumar um golpe de estado contra um governo que havia angariado enorme prestígio entre a população em vista das melhorias concretas em seu nível de vida seria preciso desatar uma gigantesca campanha comunicacional prévia visando demonizar toda a liderança política protagonista daquela fase cujo fim se buscava.
E, como quem mais sabe demonizar são os que lidam com demônios, vários gênios do mal receberam a oportunidade de vir à tona e contribuir para a causa oligárquico-imperialista. Foi assim que ganharam destaque certas figuras patéticas, grosseiras, incultas e toscas, como o ex-juiz Sérgio Moro e seu escudeiro Deltan Dallagnol.
Apesar de seu nível jumental de intelectualidade, os comandantes da Operação Lava-Jato estavam dotados da principal qualidade exigida para o exercício eficaz da tarefa que lhes estava sendo incumbida, ou seja, todos eles ostentavam uma absoluta falta de escrúpulos. E ser inescrupuloso era condição sine qua non para levar a cabo o trabalho sujo, ilegal e antiético que o momento exigia: inviabilizar politicamente Lula e seu partido, o PT, fosse como fosse.
No entanto, o aviso de alerta soou para as classes dominantes quando chegou o instante de efetuar o rodízio no comando governamental e fazer a substituição do usurpador Michel Temer por algum outro nome que pudesse dar continuidade ao projeto. Ninguém digno de confiança nas hostes oligarcas conseguiu despontar em condições de derrotar o nome alternativo a Lula indicado pelo campo popular, Fernando Haddad.
Foi então que se viram forçados a recorrer a outro gênio da maldade. Apelaram a um que há quase trinta anos andava perambulando pelo baixo clero parlamentar, fazendo seus trambiques de rachadinhas, apoiando atividades milicianas e acumulando patrimônio imobiliário centenário com dinheiro vivo. Era alguém ainda mais tosco e bestial do que os próceres lavajatistas. Em compensação, demonstrava estar resoluto a até meter a mão em excrementos para fazer valer seus próprios interesses. Além disso, com seu jeitão escroto, conseguia passar aos menos avisados uma imagem de ser “gente como a gente simples é”.
Ao final, como diz o velho ditado popular: “Se só tem tu, vai tu mesmo”. E foi assim que o candidato dos poderosos à presidência da nação em 2018 passou a ser o politiqueiro mais horripilante de que se tem conhecimento em nossa história. Mas, sem essa de romanticismo! Se for para salvaguardar os interesses supremos dos poderosos, que se dane que o governo seja entregue a um energúmeno!
Contudo, somos forçados a admitir que, em sua fase inicial, a escolha das classes dominantes parece ter atendido seus objetivos pragmáticos. O processo de retomada do neoliberalismo de Michel Temer foi não apenas mantido, mas acentuado. E não se viu, nem ouviu, nenhuma reclamação de parte dos senhores do dinheiro quanto ao programa que estava sendo implementado. Pelo contrário.
Vamos recordar algumas das medidas impulsadas pelo novo governo que assumiu após as eleições de 2018 e as reações correspondentes:
A decisão de sacramentar o teto de gastos foi muito bem recebida. Houve total concordância em manter esse instrumento que visa garantir que os recursos do Estado sejam destinados prioritariamente ao pagamento dos juros e dividendos dos portadores de títulos da dívida pública e, consequentemente, para impedir que sejam utilizados para atender necessidades básicas das maiorias populares, tais como educação, saúde, transporte e moradia.
Também contou com total aprovação, a determinação de avançar com a reforma trabalhista e anular quase todos os direitos contidos na C.L.T., os quais tinham sido conquistados ao longo de mais de um século de lutas das classes trabalhadoras.
Outro ponto consensual para nossas elites econômicas foi a execução da reforma da previdência, que acarretou na quase impossibilidade de os trabalhadores assalariados alcançarem uma aposentadoria digna ao final de sua carreira de trabalho. O fato de que isto implique em um futuro de incertezas, pavor e desamparo para as maiorias trabalhadoras não chega a ser motivo de nenhuma preocupação entre os senhores do capital. O que conta mesmo é que vai possibilitar uma maior disponibilidade de recursos para remunerar os detentores de títulos financeiros.
Tampouco houve contestação em relação às medidas de privatização da Eletrobrás, da entrega das jazidas do pré-sal a multinacionais petroleiras, ao desmonte da Petrobrás, ao aniquilamento de nossa base industrial. Como nossas classes dominantes vivem mais em função do rentismo financeiro e dos ganhos do agronegócio com a exportação, elas não veem muita necessidade de expandir o mercado interno, industrializar o país e garantir empregos para todo mundo.
Ou seja, em relação com a política econômica levada adiante pelo atual governante e sua equipe, não houve nenhuma desavença séria no seio das classes dominantes.
Entretanto, agora que o trabalho sujo já foi feito, nossas classes dominantes chegaram à conclusão que o pateta miliciano que tinham decidido aceitar em 2018 já não está em condições de continuar guiando o rumo de seus interesses. Sua imensa ignorância, sua escrotidão, suas atitudes repugnantes estão criando dificuldades para o bom fluir dos negócios que desejam realizar. Em outras palavras, o politiqueiro desprezível que despontou nas eleições anteriores como o último recurso para impedir que o comando do Estado voltasse para Lula, ou o PT, é agora visto como plenamente descartável.
Só que, curiosamente, neste momento, o único político nacional que pode efetivamente derrotar eleitoralmente o indesejável é Lula. E, sendo assim, as classes dominantes estão se aproximando de Lula e tendem a apoiá-lo no próximo pleito eleitoral.
Evidentemente, o que as classes dominantes pretendem é que Lula derrote o energúmeno sem interferir na essência da política neoliberal e antipovo que ele vem conduzindo. Este é o drama do presente.
Quanto ao campo popular, entendo que devemos aceitar de bom grado todos os apoios de gente oriunda dos próprios setores que geraram as condições para que a excrescência em pessoa chegasse ao comando da nação. O que não quer dizer que devamos concordar em ceder a eles com respeito às aspirações mais sentidas e necessárias das maiorias populares.
A derrota do miliciano troglodita nas urnas nem me parece ser a meta mais difícil de ser alcançada. O que precisamos ter sempre em mente é que o processo de luta não vai ser concluído com nossa vitória eleitoral. Muito longe disto, a partir de então, o confronto com as classes dominantes deve se acentuar, visto que, quase que certamente, eles vão querer inviabilizar nosso empenho para reverter as perversidades antipopulares que vêm sendo praticadas desde que usurparam o governo com o golpe de 2016.
A Lula e a toda a liderança do campo popular cabe fazer valer o compromisso de manter nosso povo consciente, organizado e preparado para enfrentar as batalhas que estão por vir.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ,
0 comentários:
Postar um comentário