Ilustração: Pariplab Chakraborty |
Não há mais o que dizer sobre o balanço dos cem dias do governo Lula. Mas pouco se disse sobre o balanço dos cem dias da extrema direita fora do poder e ainda viva e ativa.
O fascismo está intacto. A estrutura política e criminosa, assumidamente envolvida na tentativa de golpe, ainda não foi abalada.
A base social se reanima e se rearticula. É mobilizada pelo sentimento de que os terroristas presos depois do 8 de janeiro são parte do custo da guerra e apenas perdas pontuais distantes da maioria impune.
É nesse contexto que são percebidas as romarias de pretensos arrependidos em direção a Brasília, virtual ou presencialmente.
Enquanto se reorganizam, os arrependidos pedem trégua e mandam recados. Não são os pequenos, amadores e subalternos, mas os arrependidos do primeiro time de golpistas e terroristas.
Não são tampouco os arrependidos da direita pragmática do centrão que se vendem por dinheiros fáceis. Esses são os profissionais do arrependimento.
O personagem agora é o arrependido protagonista da criação e manutenção da estrutura do golpe. Que financiou o gabinete do ódio, desfilou ao lado de Bolsonaro como golpista e apresenta-se como convertido aos valores da democracia.
Não precisamos citá-los, para não cometer o erro de esquecer alguém. E os arrependidos são perigosos, vingativos, ameaçadores. Não é bom nominá-los.
Arrependidos poderosos têm imposição econômica e são frequentadores de rodas de amigos de nome não só da extrema direita.
São passadores de mãos nas costas, enxergam o Judiciário como extensão das suas empresas e têm base parlamentar. Com suas armas e chantagens, vão sugerindo tréguas que alguns consideram possíveis.
Sabemos que circulam em Brasília emissários de arrependidos de grosso calibre que só se arrependeram do que fizeram nos invernos pós-2016 porque a mais recente tentativa de golpe não deu certo.
Não é arrependimento, nem rendição em alto estilo, é um ensaio de cumplicidade com os vencedores, para que as sujeiras sejam negociadas, com possíveis adiamentos de punições e reparações.
O arrependido poderoso não é o cantor sertanejo que pede desculpas por ter apoiado Bolsonaro e procura conter as perdas financeiras da aposta errada.
Não é tampouco o alienado que Alexandre de Moraes visitou na Papuda e disse ter esperado no dia 8 de janeiro em Brasília que um marciano descesse na Praça dos Três Poderes para ajudá-lo a derrubar Lula e acabar com o Congresso e o Supremo.
O arrependido que manda recados a Brasília e agora se considera até admirador de Lula faz um movimento arriscado, mas vive de correr riscos.
Depois de investir tudo no golpe, andar de braços dados com Bolsonaro, disparar mensagens em massa para sua rede de satélites de tios do zap e de financiar o golpe, esse arrependido arrisca-se agora a fingir que se arrependeu.
É um gesto de esperteza, mais do que de acovardamento. Não é uma trégua. O farsante envia a mensagem e avisa: digo que me entrego, mas cabe a vocês acreditarem na minha rendição.
Só a esquerda que também acredita em marcianos golpistas pode levar a sério o arrependimento dos manezões fascistas às vésperas do fim de Bolsonaro.
Os falsos arrependidos, que reorganizam suas bases em cidades que Brasília não enxerga, só não podem subestimar todos os que recebem suas mensagens pacificadoras. Subestimem só os mais crédulos.
Não dá para acreditar que o fascistão impune, depois de sustentar as milícias do ódio, disseminar mentiras, fazer ameaças e tentar impor o golpe com muito dinheiro, possa enganar os que ele cercou ao agir como jagunço de Bolsonaro.
Não dá para acreditar porque toda a resistência ao fascismo estaria desmoralizada e perderia sentido.
Não há perdão para o fascista que acena com o pedido de trégua apenas para sobreviver, se rearticular e voltar a atacar.
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