domingo, 6 de agosto de 2023

Marcio Pochmann e a guerra híbrida 2.0

Marcio Pochmann. Foto: Pedro França/Agência Senado
Por Ângela Carrato, no blog Viomundo:


A indicação do economista Marcio Pochmann para presidir o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi o pretexto utilizado pela velha mídia para recolocar sua artilharia em cena e, com críticas virulentas, tentar desmoralizar o próprio governo Lula.

Famílias oligárquicas e mercado financeiro que controlam essa mídia (Grupo Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo para ficar nos casos mais evidentes) fizeram de tudo para “queimar” Pochmann com alegações absurdas e sem base na realidade.

Segundo colunistas e editorias dessa mídia, Pochmann poderia, no futuro, tentar manipular estatísticas e sua indicação seria uma espécie de volta do “aparelhamento” do Estado.

Quem tem mais de 30 anos conhece bem essas mentiras.

Foram elas que estiveram na raiz da campanha contra os governos petistas, que levaram ao golpe contra Dilma Rousseff, em 2016, ao empoderamento da Operação Lava Jato que prendeu, sem provas, Lula, e à vitória, em eleição manipulada, do extremista de direita, Jair Bolsonaro, em 2018.

Quando o Brasil, a duras penas, está saindo do fundo do poço, elas estão de volta.

Coincidência? De forma alguma.

Em sete meses, o terceiro governo Lula, com uma pauta desenvolvimentista, conseguiu o que alguns julgavam impossível: retornou com os exitosos programas sociais (Bolsa Família, Mais Médicos, Farmácia Popular), criou novos programas de forte impacto popular (Desenrola e Descomplica), investiu em educação e saúde e está garantindo condições para a economia voltar a crescer.

No próximo dia 11, no Rio de Janeiro, Lula lançará o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que além de focar em obras paradas, vai enfatizar investimentos em áreas essenciais como transportes, infraestrutura urbana, equipamentos sociais, abastecimento de água, comunicações e energia.

A previsão é de que o governo federal invista R$ 160 bilhões, contando com parceiros nacionais e internacionais.

O resultado não poderia ser outro. A inflação praticamente acabou – houve deflação em julho -, o índice de desemprego recuou para 8% (chegou a 14% sob Bolsonaro) e até as neoliberais agências internacionais de classificação de risco aumentaram a nota do Brasil.

O país ainda não chegou ao grau de investimento, mas está a caminho, apesar da sabotagem do presidente do Banco Central “independente”, Roberto Campos Neto, que insiste em defender os juros em patamares estratosféricos e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, falar até em semi-presidencialismo.

Detalhe: nesta altura do campeonato, pouca diferença faz cortar os juros em meros 0,5%, como talvez o Copom faça ainda esta semana.

Apesar de tudo, o terceiro governo Lula está dando certo.

Ótimo para a maioria da população brasileira, mas péssimo para a classe dominante e seus parceiros internacionais, que sempre lucraram com a fome e o desespero da maioria da população.

Setores que patrocinaram aqui e em diversas partes do mundo, golpes com o objetivo de se apoderarem das riquezas nacionais e garantirem mão de obra dócil e barata para seus negócios.

As primeiras ações do golpista Michel Temer foram isentar as petroleiras estrangeiras que atuavam no pré-sal de pagarem impostos e aprovar a tal Reforma Trabalhista, na realidade uma dura medida contra os trabalhadores.

Bolsonaro não deixou por menos. Além de aprovar a Reforma da Previdência, aquela em que praticamente não se aposenta mais, colocou todo o patrimônio nacional à venda, privatizou criminosamente a Eletrobras e quase destrói a Petrobras.

Tudo isso sob aplausos da mídia corporativa, que nunca tratou Bolsonaro como extremista de direita e para a qual o seu ministro da Economia, Paulo Guedes, era e continua sendo, uma espécie de ídolo.

Para essa mídia, o Brasil está proibido de dar certo.

Daí inventarem absurdos como os de que Pochmann poderia manipular índices.

Quem sempre manipulou índices no país foi a classe dominante. Basta lembrar que parte dos dados com os quais nos pautamos e pautam o próprio governo têm como referência os interesses das grandes empresas estrangeiras e dos mais ricos.

A título de exemplo, de hora em hora a velha mídia divulga os índices das Bolsas de Valores e cotação do dólar, mas a população nunca é informada sobre valores dos salários aqui e em várias partes do mundo, a composição da pirâmide social, índices de desemprego ou de crescimento da economia e valor da cesta básica.

Dados que têm um enorme impacto sobre o dia-a-dia de cada um, mas poucos se dão conta disso.

O ataque a Pochmann tinha ainda o objetivo de tentar desestruturar internamente o próprio governo, ao atritar Lula com a ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), a queridinha do Grupo Globo.

Às vésperas de uma possível reforma ministerial para incluir partidos conservadores a fim de garantir a governabilidade, questões desse tipo complicariam as negociações.

Não faltou nem mesmo colunista do Grupo Globo sugerindo que Tebet deveria pedir demissão, pois não havia sido consultada sobre a indicação de Pochmann.

Era a senha para que a crise fosse deflagrada. Só que não funcionou.

Para desespero da mídia golpista, Lula postou, na sexta-feira, em suas redes sociais, foto da reunião de trabalho que acabava de participar, para elaboração de propostas de empregos em parceria com os Estados Unidos, na qual Pochmann estava presente.

O recado foi óbvio. Lula deixou claro quem manda e praticamente colocou ponto final na questão.

No sábado, este assunto tornava-se residual.

Na Folha de S. Paulo, uma discreta chamada de capa dava conta de que Pochmann foi “escolha pessoal” de Lula e, no Globo, um dos paus mandados da família Marinho, Carlos Alberto Sardenberg, afirmava que a escolha era “um mau sinal”, mas com “danos limitados”.

É incrível como essa mídia cria narrativas e depois tenta impô-las como sendo a verdade.

É incrível, também, a capacidade dela para manter a temperatura contra o governo Lula alta.

Nesta terça-feira, outra vez, a Folha de S. Paulo, através do editorial “Vanguarda do atraso”, tentava arranjava outro assunto para criticar o governo.

No caso, o alvo foi a certíssima decisão do governo, via BNDES, de encomendar a estaleiros nacionais navios para a Petrobras. Se depender desta mídia, essas encomendas iriam todas para o exterior, com os estaleiros nacionais permanecendo ociosos e prevalecendo o desemprego neste setor.

Haja subserviência e compromisso com os interesses internacionais por parte desta mídia!

Voltando a Marcio Pochmann, com uma carreira acadêmica brilhante, mais de 60 livros publicados, ele é um economista desenvolvimentista e afinado com as propostas do PT.

Estranho seria se Lula escolhesse para o cargo um neoliberal, como os tantos endeusados e os únicos a terem voz e vez nesta mídia.

Some-se a isso que os Sardenbergs e as Leitão nunca questionaram, por exemplo, as escolhas de Fernando Henrique Cardoso, Temer e Bolsonaro para esses cargos.

No caso de FHC, todos os integrantes da área econômica eram neoliberais e afinados com o ideário tucano. Com Bolsonaro, foi pior: incompetentes e não raro atrás de uma boquinha.

Sob Bolsonaro, o IBGE deixou de realizar até o Censo 2020.

Não me recordo da mídia golpista brasileira se escandalizar com isso e muito menos ter visto algum problema em Paulo Guedes manter sua fortuna em paraísos fiscais. Em qualquer país minimamente civilizado, isso seria inaceitável.

Recentemente, essa mesma mídia fez silêncio absoluto diante da informação de que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em entrevista, afirmou que pode entregar parte das reservas internacionais do Brasil, o Fundo Soberano, para gestão do grupo multinacional de investimentos estadunidense BlackRock.

Fundado em 1988, esse grupo é considerado o maior do mundo, mas peca pela falta de transparência em seus negócios, além de pesar sobre ele acusações de estar por trás de muitos golpes de estado.

Não seria esse um “mau sinal” que pode custar caro ao Brasil e aos brasileiros?

É importante lembrar que Campos Neto é, junto com essa mídia, com setores da direita e da extrema-direita que controlam o Congresso Nacional e com parte dos militares, os braços golpistas que o terceiro governo Lula tem enfrentado desde que assumiu.

Braços que a mídia, claro, faz vista grossa. Até porque ela é parte dos que jogam contra o Brasil e o povo brasileiro.

O fato desta mídia aparentemente ter recuado no episódio Pochmann, não deve ser motivo de engano para ninguém.

Já está em cena a nova guerra híbrida, aquela, devidamente turbinada, em que potências imperialistas, lideradas pelos Estados Unidos, tentam enquadrar – e no limite derrubar – governos que não se pautem pela sua cartilha.

É o caso do governo Lula, seja pela proposta de desenvolver o Brasil, pela defesa de nossos recursos naturais e minerais, pela política externa independente e, sobretudo, pela defesa de um mundo multipolar.

Nada irrita mais os que se julgam donos do mundo e seus lacaios do que a presença do Brasil no BRICS, a defesa da paz na Ucrânia e o fim da hegemonia do dólar nas transações comerciais internacionais.

Propostas que têm em Lula defensor e articulador.

Críticas pesadas à política externa de Lula, aliás, já estão presentes na mídia, o mesmo podendo ser dito da permanente tentativa de levar o governo a cerrar fileiras com o “Ocidente” contra a Rússia e de hostilizar, sem motivo, Venezuela e Cuba.

Como Lula é, nos dias atuais, ídolo e referência para todo o Sul global, não dá para combatê-lo abertamente na arena internacional. Daí, o imperialismo se voltar para o plano interno, onde possuem velhos aliados, com os quais sempre contam para novos processos de desestabilização.

Cabe à velha mídia dar a partida, como tentou fazer agora. É sua incumbência recolocar em cena preconceitos por ela criados e disseminados como os do “aparelhamento”, “mau sinal”, além da tática de queimar nomes essenciais para o governo.

Quem se lembra do que aconteceu com José Dirceu e José Genoíno?

Por falar nisso, o nome do excelente ex-ministro da Economia, Guido Mantega, cotado para dirigir a Mineradora Vale, já começa a ser fritado.

Curioso vai ser assistir à ginástica verbal que a mídia fará para tentar convencer o respeitável público de que a Vale tem uma gestão “técnica e competente” depois dos crimes humano e ambiental em Bento Rodrigues e Brumadinho, com quase 300 mortos.

Já as redes sociais, por sua vez, amplificam o processo, com um cuidadoso trabalho de ênfase no discurso de ódio e no terrorismo cultural.

Ao contrário do que se pensa, velha mídia e redes sociais jogam juntas, mesmo tendo divergências quando se trata da divisão do bolo publicitário ou da presença da mídia independente nas plataformas dos gigantes da tecnologia (big techs).

Quem está estudando o funcionamento desses discursos, mas se “esquece” de situá-los num contexto mais amplo, a da guerra híbrida 2.0, não está entendendo nada.

Por tudo isso, é importante o governo Lula ter em mente a importância estratégica da comunicação pública para enfrentar esta situação. Comunicação que, em muitos aspectos, depende apenas dele.

Era para a TV Brasil, a TV pública brasileira, já estar chegando, em sinal aberto, em todo o país com programação e jornalismo de excelência.

Ela está melhorando, mas de forma muito lenta, enquanto a população brasileira continua sendo bombardeada por desinformação e mentiras 24 horas por dia.

Na semana passada, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) lançou o canal Gov, que pretende dar visibilidade às ações do governo federal. Foi o retorno, repaginado, da TV NBR, destruída por Bolsonaro.

Um canal onde a população possa se informar e tirar dúvidas sobre as ações do governo é indispensável.

O problema é que ele está em sinal aberto apenas em alguns estados e acessá-lo pela internet não é simples para os pobres e os que vivem em regiões distantes.

Existem também as rádios comunitárias, que continuam abandonadas pelo atual governo, apesar de estarem presentes em todo país e se valerem de tecnologia nacional, diferentemente da mídia digital independente que, num enfrentamento maior com os interesses internacionais, pode ser tirada do ar num piscar de olhos.

Aliás, o apagamento (sombreamento) da mídia digital progressista brasileira já vem acontecendo, com os algoritmos jogando a visibilidade dela para baixo, no You Tube, no Facebook e no Instagram.

Há dias foi divulgado, pela Folha de S. Paulo, o balanço da publicidade oficial nos seis primeiros meses do terceiro governo Lula.

Quem voltou a liderar a recebimento dessas verbas foi a TV Globo, com 57% (54, 4 milhões), seguida pela TV Record (13 milhões), SBT (11 milhões), Band (5 milhões) e Rede TV e EBC com R$ 1 milhão cada.

O valor das campanhas dos bancos públicos (Brasil e Caixa Econômica Federal) e da Petrobras não foi divulgado.

O ministro Paulo Pimenta, titular da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) garantiu que foram seguidos critérios técnicos, mas a verba para a TV Globo parece superestimada.

Mesmo ainda sendo líder de audiência na velha mídia, a TV Globo não tem a importância de outras épocas.

A maioria dos jovens passa longe das TVs tradicionais e parte da classe média migrou para canais pagos e para os streamings.

A distribuição dessas verbas precisaria levar isso em conta.

Com a atual composição do Congresso Nacional, não há correlação de forças para se fazer a necessária e urgente regulação da mídia, de toda a mídia no país e não apenas das plataformas, como defende a velha mídia.

Mas isso não pode ser motivo para o terceiro governo Lula perder de vista o que a velha mídia golpista fez no passado e o potencial que ela e as redes sociais têm de continuarem forjando crises e divulgando mentiras.

No entanto, quando integrantes do governo Lula criticam mentiras e fake news, eles se referem apenas às redes sociais, sem qualquer menção à velha mídia.

Se o governo tinha ilusão de o Grupo Globo havia mudado, o episódio envolvendo Pochmann serve de alerta.

Já entramos na guerra híbrida 2.0 e ela vai se intensificar.

É só questão de tempo.

* Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.

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