Milei Motoserra, charge de Ramsés |
Os argentinos já derrubaram um presidente eleito, sem a ajuda dos militares, sem golpe, sem interferência americana. E criaram uma situação em que, depois dele, ninguém na linha de sucessão queria ou conseguia ser presidente.
Foi no final de 2001, quando Fernando de la Rúa, da União Cívica Radical, renunciou depois de dois anos de desgoverno.
Todas as abordagens sobre as causas da queda apontam para o desespero da falta de dólares, do desabastecimento, dos saques a supermercados, do empobrecimento e da desesperança.
O corralito, com o começo do fim da dolarização, havia retido o resto de dinheiro dos argentinos nos bancos. Não havia dólares para todos, nem comida.
As ações de rua que levaram à renúncia do presidente tiveram participação decisiva do ativismo peronista. De la Rúa havia sido chefe de governo de Buenos Aires (o prefeito da cidade). Tinha história como político e o suporte do mais antigo partido argentino, a UCR.
Havia sido eleito para consertar o fim de 10 anos da dolarização de Domingo Cavallo e Carlos Menem. E fracassou por não ter saídas, afogado nas expectativas que havia criado.
Até estado de sítio De la Rúa mandou baixar. Foi no final do seu governo que os protestos propagaram pela América Latina os panelaços. Renunciou e fugiu da Casa Rosada de helicóptero.
Seu sucessor, depois de três escolhas indiretas do Congresso, todas frustradas, foi o peronista Eduardo Duhalde, que havia sido vice de Menem.
Muitos jovens que votaram agora em Javier Milei estavam nascendo quando a tensão na Argentina, com saques e repressão, deixou mais de 40 mortos.
Os argentinos invadiam de mercadinhos a supermercados para ter o que comer e faziam filas nos bancos para sacar dólares e pesos em conta gotas.
Mesmo depois da queda de De la Rúa, eles continuavam protestando em Buenos Aires. A aposentada Rosa Ferreiro, então com 67 anos, liderava um grupo que saía com panelas e martelos pelo centro histórico.
Rosa levava uma panela e um martelo numa bolsa. Batia panela e desferia martelaços na fachada de ferro que revestia a parede de alguns bancos. E invadia agências que por descuido ficassem abertas.
Um dia invadiu com sua turma o Banco Galicia. Atacaram mesas, afugentaram funcionários e espalharam papéis pelo chão. Dona Rosa ria do que fazia. Sei porque acompanhei a invasão, em abril de 2002, como repórter de Zero Hora.
Eduardo Duhalde levou o mandato até o fim e em 2003 a Argentina elegeu Nestor Kirchner. O novo peronismo chegava da Patagônia à Casa Rosada. A esquerda argentina se reinventava e acabaria ficando 13 anos no poder.
E agora, Javier Milei? Agora é preciso pensar que pode acontecer de novo o que aconteceu há 20 anos, mesmo que o fascista decida correr para o centro, como sugere que fará.
Fernando de la Rúa era da ala de centro-direita dos radicais, que seriam originalmente a social-democracia argentina, o partido de Raúl Alfonsin, o presidente que ajudou a sepultar o militarismo derrotado na guerra das Malvinas.
De la Rúa era considerado sensato. Tinha lastro político orgânico. A UCR, criada no final do século 19, tinha uma base sólida. Mas, naquelas circunstâncias, com aquela urgência, ele não tinha o que fazer. Os argentinos exigiam pressa.
Já o lastro político de Milei é a coalizão da nova extrema direita do Liberdade Avança, inventada por ele há apenas dois anos e reforçada agora pela velha direita de Mauricio Macri e Patricia Bullrich.
Milei e Macri estão cercados de peronistas. A província de Buenos Aires é peronista, mesmo que tenha assegurado maioria estreita pró-Sergio Massa no segundo turno da eleição.
A província com alma peronista, governada pelo peronista Axel Kicillof, cerca Buenos Aires, a capital, a cidade autônoma que sempre vota na direita. Mas essa Buenos Aires não é milenista. É a base de Macri e de Patricia.
A cidade de Buenos Aires, com 2,5 milhões de habitantes, tem 7% dos eleitores da Argentina. A província tem uma população de 19 milhões e 37% dos eleitores.
Milei pode correr para o centro, pode ficar moderado e pode adiar o fechamento do Banco Central e desistir da dolarização.
Pode até passar a amar todos os que considerava comunistas. Mas nada disso irá lhe assegurar governabilidade para enfrentar quem pede soluções já.
De La Rúa era político. Tinha partido, base eleitoral histórica e aliados fortes na elite econômica. Milei é um picareta alucinado sem a confiança do empresariado. Dependerá de quase cem deputados e mais de 20 senadores macristas, ou não governa.
Vai depender mesmo da paciência do povo, e não só dos peronistas-kirchneristas, mas de todos os agrupamentos de esquerda, como os que saíram às ruas e bloquearam o trânsito na terça-feira em Buenos Aires.
A manifestação da chamada izquierda piquetera, organizada em torno do pequeno mas furioso Partido Obrero, foi o primeiro aviso a Milei.
Os piqueteiros esquerdistas apitaram para os peronistas avisando que podem contar com eles para o que importa, que é cercar Milei e Macri. Não é adivinhação pensar que talvez o fascista não aguente o tranco.
Foi no final de 2001, quando Fernando de la Rúa, da União Cívica Radical, renunciou depois de dois anos de desgoverno.
Todas as abordagens sobre as causas da queda apontam para o desespero da falta de dólares, do desabastecimento, dos saques a supermercados, do empobrecimento e da desesperança.
O corralito, com o começo do fim da dolarização, havia retido o resto de dinheiro dos argentinos nos bancos. Não havia dólares para todos, nem comida.
As ações de rua que levaram à renúncia do presidente tiveram participação decisiva do ativismo peronista. De la Rúa havia sido chefe de governo de Buenos Aires (o prefeito da cidade). Tinha história como político e o suporte do mais antigo partido argentino, a UCR.
Havia sido eleito para consertar o fim de 10 anos da dolarização de Domingo Cavallo e Carlos Menem. E fracassou por não ter saídas, afogado nas expectativas que havia criado.
Até estado de sítio De la Rúa mandou baixar. Foi no final do seu governo que os protestos propagaram pela América Latina os panelaços. Renunciou e fugiu da Casa Rosada de helicóptero.
Seu sucessor, depois de três escolhas indiretas do Congresso, todas frustradas, foi o peronista Eduardo Duhalde, que havia sido vice de Menem.
Muitos jovens que votaram agora em Javier Milei estavam nascendo quando a tensão na Argentina, com saques e repressão, deixou mais de 40 mortos.
Os argentinos invadiam de mercadinhos a supermercados para ter o que comer e faziam filas nos bancos para sacar dólares e pesos em conta gotas.
Mesmo depois da queda de De la Rúa, eles continuavam protestando em Buenos Aires. A aposentada Rosa Ferreiro, então com 67 anos, liderava um grupo que saía com panelas e martelos pelo centro histórico.
Rosa levava uma panela e um martelo numa bolsa. Batia panela e desferia martelaços na fachada de ferro que revestia a parede de alguns bancos. E invadia agências que por descuido ficassem abertas.
Um dia invadiu com sua turma o Banco Galicia. Atacaram mesas, afugentaram funcionários e espalharam papéis pelo chão. Dona Rosa ria do que fazia. Sei porque acompanhei a invasão, em abril de 2002, como repórter de Zero Hora.
Eduardo Duhalde levou o mandato até o fim e em 2003 a Argentina elegeu Nestor Kirchner. O novo peronismo chegava da Patagônia à Casa Rosada. A esquerda argentina se reinventava e acabaria ficando 13 anos no poder.
E agora, Javier Milei? Agora é preciso pensar que pode acontecer de novo o que aconteceu há 20 anos, mesmo que o fascista decida correr para o centro, como sugere que fará.
Fernando de la Rúa era da ala de centro-direita dos radicais, que seriam originalmente a social-democracia argentina, o partido de Raúl Alfonsin, o presidente que ajudou a sepultar o militarismo derrotado na guerra das Malvinas.
De la Rúa era considerado sensato. Tinha lastro político orgânico. A UCR, criada no final do século 19, tinha uma base sólida. Mas, naquelas circunstâncias, com aquela urgência, ele não tinha o que fazer. Os argentinos exigiam pressa.
Já o lastro político de Milei é a coalizão da nova extrema direita do Liberdade Avança, inventada por ele há apenas dois anos e reforçada agora pela velha direita de Mauricio Macri e Patricia Bullrich.
Milei e Macri estão cercados de peronistas. A província de Buenos Aires é peronista, mesmo que tenha assegurado maioria estreita pró-Sergio Massa no segundo turno da eleição.
A província com alma peronista, governada pelo peronista Axel Kicillof, cerca Buenos Aires, a capital, a cidade autônoma que sempre vota na direita. Mas essa Buenos Aires não é milenista. É a base de Macri e de Patricia.
A cidade de Buenos Aires, com 2,5 milhões de habitantes, tem 7% dos eleitores da Argentina. A província tem uma população de 19 milhões e 37% dos eleitores.
Milei pode correr para o centro, pode ficar moderado e pode adiar o fechamento do Banco Central e desistir da dolarização.
Pode até passar a amar todos os que considerava comunistas. Mas nada disso irá lhe assegurar governabilidade para enfrentar quem pede soluções já.
De La Rúa era político. Tinha partido, base eleitoral histórica e aliados fortes na elite econômica. Milei é um picareta alucinado sem a confiança do empresariado. Dependerá de quase cem deputados e mais de 20 senadores macristas, ou não governa.
Vai depender mesmo da paciência do povo, e não só dos peronistas-kirchneristas, mas de todos os agrupamentos de esquerda, como os que saíram às ruas e bloquearam o trânsito na terça-feira em Buenos Aires.
A manifestação da chamada izquierda piquetera, organizada em torno do pequeno mas furioso Partido Obrero, foi o primeiro aviso a Milei.
Os piqueteiros esquerdistas apitaram para os peronistas avisando que podem contar com eles para o que importa, que é cercar Milei e Macri. Não é adivinhação pensar que talvez o fascista não aguente o tranco.
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