Foto: Ricardo Stuckert/PR |
Peça 1 – as circunstâncias do jogo
Os seis anos de Temer-Bolsonaro não significaram apenas o desmonte do Estado brasileiro.
A longa conspiração contra a democracia, inaugurada oficialmente com o mensalão, provocou um desequilíbrio de toda ordem, um enfraquecimento inédito do Executivo, um protagonismo indevido do Supremo, do Ministério Público Federal, do poder militar, das religiões evangélicas, do mercado, um caos institucional e político que abriu espaço para o bolsonarismo – que se tornou força política polarizadora com o PT.
No início da conspiração, com o mensalão, os quadros do PT com maior conhecimento sobre os sistemas de poder – José Dirceu, José Genoino, Luiz Gushiken – foram expelidos e Lula passou a contar apenas com sua intuição.
Houve um interregno com a crise global de 2008 e o imenso sucesso de Lula enfrentando a borrasca e transformando o Brasil em modelo de democracia consolidada.
Foi o momento máximo da auto-confiança de Lula. Nos anos seguintes, o mundo cairia sobre ele, o PT e Dilma Rousseff e sobre a democracia brasileira, vítimas de uma conspiração que perdurou durante toda a década e que só diluiu quando o então Procurador Geral da República Rodrigo Janot investiu contra Michel Temer e Aécio Neves, rachando a frente golpista, mas deixando o campo aberto para Jair Bolsonaro.
A vitória sobre Bolsonaro, em 2022, foi a última enorme contribuição de Lula para a democracia.
Ele assumiu o poder com as seguintes restrições:
– um Estado desmontado;
– um Congresso instável passível de abertura de processos de impeachment a qualquer momento;
– o enorme poder do mercado-mídia de fazer barulho por qualquer coisa. Vide exemplo da Petrobras, que manteve uma política de distribuição ampla de dividendos, mas que foi considerada insuficiente.
Por outro lado – e a própria pesquisa Quaest demonstrou – a maior força que se tem no país é o anti-bolsonarismo, maior até que o anti-petismo.
É nesse quadro que Lula preparou sua estratégia defensiva.
Peça 2 – o jogo das concessões sucessivas
Quando Lula torna-se presidente, em 2002, a grande oposição era a social-democracia do PSDB – contaminada pelo liberalismo de Fernando Henrique Cardoso e desidratada depois da morte de Mário Covas.
A estratégia de Lula foi trazer o PT para a social-democracia, disputar o centro-esquerda, ocupando completamente o espaço do maior adversário.
Ao PSDB restou aderir ao discurso de ódio da mídia e ao moralismo evangélico. Quem não se recorda de José Serra entrando em uma casa e lendo a Biblia, ou de sua esposa acusando Dilma de assassina de crianças?
Agora, o grande adversário é a ultradireita e a disputa se dá em torno da centro-direita liberal.
Lula repete o mesmo movimento inicial, mas, agora, ultrapassando os limites da social-democracia, buscando ocupar o espaço no liberalismo raiz.
Sua estratégia é desenhar um governo liberal, seguindo todos os trâmites do mercado.
É um movimento muito mais radical e perigoso porque, de um lado, começa a provocar frustração em parcela relevante de sua base e da centro-esquerda independente, sem sinais de que Lula esteja sendo assimilado pela centro-direita.
Cada concessão é interpretada mais como sinal de fraqueza do que de convicção e gera mais cobranças sobre outros temas, do que adesão.
Até agora, ele surpreendeu nas seguintes situações:
– as declarações sobre o passado, enterrando qualquer tentativa de justiça de transição, como a Comissão dos Desaparecidos.
– a ordem para que nenhum ministério celebre o golpe de 1964.
– o projeto de lei dos aplicativos, endossando a propostas das empresas e afirmando que o trabalhador, hoje em dia, não quer mais a CLT.
– a fixação na meta de déficit zero, deixando a descoberto universidades federais, o sistema de ciência e tecnologia, os salários do funcionalismo público.
– a falta de qualquer ação em relação aos militares golpistas. Deixou todo o trabalho para o Supremo Tribunal Federal.
– o atendimento de demandas salariais apenas de forças de segurança.
– a completa inação em relação ao golpe da Eletrobras, uma empresa estratégica.
Peça 3 – as consequências
A estratégia permitiu avançar em algumas frentes liberais.
Aprovou uma boa reforma tributária; conseguiu uma melhora, ainda que tímida, na economia; trabalha em políticas de transição energética embora com metas pouco explícitas; apresentou um ensaio de política industrial cujo prazo precisou ser estendido para que as metas fossem mais definidas; conseguiu melhorias na arrecadação, mas que não irão reverter em mais investimentos públicos por conta do arcabouço fiscal.
A aposta é em uma melhoria lenta da economia que permita colher frutos mais adiante.
Por outro lado, a posição passiva tornou Lula alvo fácil de ataques dos mais ridículos.
Critica-se porque bancos públicos aumentaram o crédito (para o setor privado), porque o presidente falou em genocídio em Gaza, porque não atacou Maduro, porque a Petrobras não esvaziou seu lucro com distribuição total de dividendos.
Não se trata de um problema de comunicação – conforme algumas explicações simplistas -, mas de falta de um projeto de futuro. O projeto de Lula parece ser apenas o de aguardar as obras do PAC para poder aparecer nas inaugurações.
De concreto, se tem:
– um afastamento gradativo das bases, especialmente dos mais pobres;
– mesmo com o Plano de Neoindustrialização, uma incapacidade de mobilizar o setor produtivo;
– como previsto, uma recuperação tímida da economia, que não permitirá colher frutos este ano, chave para as eleições municipais e, para os anos seguintes, aguardar apenas vôos de galinha;
– a falta de uma bandeira mobilizadora, mantendo o governo refém do Congresso;
Os sonhos de um Brasil grande, capaz de romper com a ultrafinanceirização, que alimentaram o mito de Lula 2010, viraram um retrato na parede.
Assim como a imagem de um ministério atuante, a fantástica orquestra de 2008-2010 conduzida por um maestro entusiasmado. A meta é chegar inteiro em 2026, ainda que com indicadores medíocres.
Em suma, um segundo governo FHC, mas sem as loucuras do antecessor. E, no final da linha, enfrentar uma ultradireita babando, tendo à frente um arremedo mais perigoso de Bolsonaro: o governador paulista Tarcísio de Freitas.
Peça 4 – O Sr. Crise pede o chapéu
O Brasil sempre foi movido a crises. Foi a crise das contas externas que levou Getulio Vargas a impedir o livre fluxo de capitais, iniciando a industrialização brasileira nos anos 30; a crise da Segunda Guerra que deu as bases para o grande salto de investimentos em infraestrutura; a crise energética que abriu espaço para a criação de Furnas; a crise de 2008 que transformou Lula em personagem da política mundial.
Agora, nem o desastre do bolsonarismo, da pandemia, da ameaça de golpe parecem ter o condão de acordar o país. Definitivamente, é um país que desaprendeu a sonhar.
Cada concessão é interpretada mais como sinal de fraqueza do que de convicção e gera mais cobranças sobre outros temas, do que adesão.
Até agora, ele surpreendeu nas seguintes situações:
– as declarações sobre o passado, enterrando qualquer tentativa de justiça de transição, como a Comissão dos Desaparecidos.
– a ordem para que nenhum ministério celebre o golpe de 1964.
– o projeto de lei dos aplicativos, endossando a propostas das empresas e afirmando que o trabalhador, hoje em dia, não quer mais a CLT.
– a fixação na meta de déficit zero, deixando a descoberto universidades federais, o sistema de ciência e tecnologia, os salários do funcionalismo público.
– a falta de qualquer ação em relação aos militares golpistas. Deixou todo o trabalho para o Supremo Tribunal Federal.
– o atendimento de demandas salariais apenas de forças de segurança.
– a completa inação em relação ao golpe da Eletrobras, uma empresa estratégica.
Peça 3 – as consequências
A estratégia permitiu avançar em algumas frentes liberais.
Aprovou uma boa reforma tributária; conseguiu uma melhora, ainda que tímida, na economia; trabalha em políticas de transição energética embora com metas pouco explícitas; apresentou um ensaio de política industrial cujo prazo precisou ser estendido para que as metas fossem mais definidas; conseguiu melhorias na arrecadação, mas que não irão reverter em mais investimentos públicos por conta do arcabouço fiscal.
A aposta é em uma melhoria lenta da economia que permita colher frutos mais adiante.
Por outro lado, a posição passiva tornou Lula alvo fácil de ataques dos mais ridículos.
Critica-se porque bancos públicos aumentaram o crédito (para o setor privado), porque o presidente falou em genocídio em Gaza, porque não atacou Maduro, porque a Petrobras não esvaziou seu lucro com distribuição total de dividendos.
Não se trata de um problema de comunicação – conforme algumas explicações simplistas -, mas de falta de um projeto de futuro. O projeto de Lula parece ser apenas o de aguardar as obras do PAC para poder aparecer nas inaugurações.
De concreto, se tem:
– um afastamento gradativo das bases, especialmente dos mais pobres;
– mesmo com o Plano de Neoindustrialização, uma incapacidade de mobilizar o setor produtivo;
– como previsto, uma recuperação tímida da economia, que não permitirá colher frutos este ano, chave para as eleições municipais e, para os anos seguintes, aguardar apenas vôos de galinha;
– a falta de uma bandeira mobilizadora, mantendo o governo refém do Congresso;
Os sonhos de um Brasil grande, capaz de romper com a ultrafinanceirização, que alimentaram o mito de Lula 2010, viraram um retrato na parede.
Assim como a imagem de um ministério atuante, a fantástica orquestra de 2008-2010 conduzida por um maestro entusiasmado. A meta é chegar inteiro em 2026, ainda que com indicadores medíocres.
Em suma, um segundo governo FHC, mas sem as loucuras do antecessor. E, no final da linha, enfrentar uma ultradireita babando, tendo à frente um arremedo mais perigoso de Bolsonaro: o governador paulista Tarcísio de Freitas.
Peça 4 – O Sr. Crise pede o chapéu
O Brasil sempre foi movido a crises. Foi a crise das contas externas que levou Getulio Vargas a impedir o livre fluxo de capitais, iniciando a industrialização brasileira nos anos 30; a crise da Segunda Guerra que deu as bases para o grande salto de investimentos em infraestrutura; a crise energética que abriu espaço para a criação de Furnas; a crise de 2008 que transformou Lula em personagem da política mundial.
Agora, nem o desastre do bolsonarismo, da pandemia, da ameaça de golpe parecem ter o condão de acordar o país. Definitivamente, é um país que desaprendeu a sonhar.
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