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Atualmente duas hipóteses cercam esta pergunta que não quer calar.
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro alega que ele dormiu lá para “manter contato com autoridades daquele país”. Convenhamos que é uma alegação inverossímil. Para manter tais contatos ele nem precisaria ir à embaixada, quanto mais dormir nela por duas noites, em pleno carnaval. Bastaria telefonar, marcar um zoom, skype, ou algo parecido, mesmo que encriptado.
A outra hipótese, mais provável, diz que, com o passaporte apreendido, ele executou o que em xadrez se chama de um “roque preventivo”. Naqueles dias de incerteza, temendo ser preso, recolheu-se ao teto amigo, onde, em caso de necessidade, poderia pedir asilo político.
Mas vá lá: qualquer que seja a hipótese aceita, a resposta àquela pergunta é: Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, seu correligionário de extrema-direita, com quem costuma trocar elogios.
Mas afinal, quem é e o que pretende Viktor Orbán?
Para começo de conversa, no poder há 14 anos, Orbán é o segundo governante mais longevo no cargo no continente europeu, só perdendo para Alexander Lukashenko, da Bielorrússia, na presidência de seu país desde 1994.
Analistas de variadas tendências apontam que ele é um político que ostenta uma formação universitária complexa e sofisticada e ao mesmo tempo é capaz de gestos simbólicos como o de se juntar a bombeiros e trabalhadores braçais, amontoando sacos de areia para deter uma enchente.
Também se aponta sua habilidade em escolher alvos de fácil identificação como inimigos preferenciais de seu país. Um deles, por exemplo, foi o bilionário e conterrâneo George Soros, caracterizando-o como uma espécie de Mágico de Oz disposto a controlar a Hungria desde os bastidores da política. Através desta manobra, Orbán se opôs ao liberalismo político que dominava a cena europeia no século XXI e consolidou a ideia de que pretende criar um regime que caracteriza como “iliberal”.
Nesta esteira avançou seu controle sobre a mídia e o parlamento. Conseguiu expulsar para Viena, na Áustria, a maior parte das atividades da universidade que Soros financiara em Budapest, a capital húngara.
Orbán fundou o partido Fidesz, que lidera até hoje, ainda quando era estudante universitário, prometendo lutar pela “liberdade” depois do fim dos regimes comunistas na Europa Oriental. Entretanto seus críticos o apontam como o líder autoritário e autocrático de sucesso mais proeminente e duradouro na Europa de hoje.
Além de Soros, Orbán apontou para seu público uma série variada de inimigos: o imigrante ou refugiado do “Sul do Mundo” e o muçulmano, que acusou frequentemente de trazer “tendências terroristas” para a Europa. “A Europa para os europeus, a Hungria para os húngaros”, é um de seus slogans preferidos.
Apresenta-se como um defensor de valores cristãos e da família heterossexual, condenando qualquer outro tipo de relação sexo-afetiva.
Com tal folha de serviços pretende fazer de si e da Hungria uma referência internacional para políticas de extrema-direita. Além de Bolsonaro, é amigo de Benjamin Netanyahu e é considerado o líder europeu mais próximo de Vladimir Putin, sendo crítico em relação ao apoio dado pelo Ocidente à Ucrânia, defendendo que esta não tem condições de vencer a Rússia na guerra ali travada. Compareceu à posse de Javier Milei na Argentina e é admirador de Donald Trump, a quem dá conselhos. Leva pelo menos uma vantagem sobre o norte-americano: prestes a completar 61 anos, parece um “jovem” diante dos 77 de Trump.
Além destas “afinidades eletivas”, há mais um fator importante na preferência de Bolsonaro pela embaixada da Hungria. Em novembro de 2018, o ex-primeiro-ministro da pequena Macedônia do Norte, o direitista Nikola Gruevski, estava prestes a cumprir pena de prisão, condenado por atos de corrupção. No dia em que deveria se apresentar para cumprir a pena, não o fez. Três dias depois apareceu em Budapeste, na Hungria, e dali a uma semana Órban concedeu-lhe asilo, que perdura até hoje. Pesquisas posteriores demonstraram que da Macedônia do Norte até a Hungria, Gruevski passou de carro por três outros países, Albânia, Montenegro e Sérvia, sempre escoltado por diplomatas húngaros.
Ou seja: a embaixada da Hungria seria mesmo o caminho mais seguro para o ex-presidente brasileiro manter-se livre, caso sua prisão fosse decretada naqueles dias de Carnaval. Até mesmo o ditador Pinochet no Chile e os golpistas de 64 no Brasil respeitaram este direito de asilo em embaixadas, que é uma tradição latino-americana.
* Flávio Aguiar, da Rádio France-Internacional, especialmente para a Agência Rádio-Web.
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