Charge: Jorge Braga |
A decisão do ministro Flávio Dino, unanimemente aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender a execução de emendas parlamentares anômalas desencadeou a possibilidade, na gradação da correlação de forças, de se corrigir distorções graves do uso do Orçamento Federal. É uma medida contra o crescente e indevido deslocamento para o Legislativo da gestão de parte do Orçamento que, na prática, subtrai do Executivo prerrogativas constitucionais, retirando-lhe recursos indispensáveis para a realização do programa de governo aprovado nas urnas.
Desde 2015, em linha crescente, na batida da escalada reacionária que atingiu o ápice no governo da extrema-direita, o parlamento passou a abocanhar, em números atualizados, cerca de 22% do gasto discricionário do Orçamento Federal, algo em torno de R$ 52 bilhões. Se trata da pequena e preciosa parcela que o poder público pode livremente escolher onde vai aplicar. Estudos apontam que no mundo esse percentual não tem paralelo. No geral é abaixo de 2%.
No Brasil, esse montante que, sem critério, não para de crescer, é apenas parte da distorção. Outro fato, não menos grave, é que parte dessas emendas viola os princípios básicos da transparência, rastreabilidade e eficácia do uso do dinheiro público, uma vez que se realizam de modo “secreto”. Não se sabe quem as propôs e não há clareza a quem ou a que se destinam.
O STF, por maioria, já no final de 2022, decidira pelo fim do chamado orçamento secreto, quando julgou inconstitucional as denominadas emendas de relator. Agora, dando resposta à petição de partidos políticos, o Supremo fez uma criteriosa averiguação, coordenada pelo ministro Flávio Dino, e se concluiu que o expediente inconstitucional prosseguia com outras denominações. Desse modo, as emendas impositivas (individuais e de bancadas) e as apelidadas de “pix” tiveram o pagamento suspenso.
O impacto dessa correta decisão provocou o prenúncio de uma crise institucional. Na Câmara, a presidência pautou matérias que, pelo teor, se qualificam perfeitamente de retaliação ao Supremo. A tensão se elevou, também, devido aos impactos na campanha eleitoral e na dinâmica da sucessão, já em andamento, às presidências do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.
Rapidamente, se realizou uma reunião englobando os três poderes, cuja composição não se via há muito tempo: o conjunto dos ministros do STF, os presidentes das duas casas do Congresso Nacional – Arthur Lira e Rodrigo Pacheco –, o ministro da Casa Civil – Rui Costa – e da Advocacia Geral da União – Jorge Messias –, além do titular da Procuradoria Geral da República, Paulo Gonet.
Ao final, foi anunciado um acordo que estabelece balizas importantes. Resumidamente: as emendas “pix” terão de ter transparência, com finalidade e destino; as emendas de bancada deverão se destinar a projetos estruturantes dos estados e do Distrito Federal (vedada a individualização), enquanto as de Comissão a projetos de interesse nacional ou regional serão priorizadas. Se espera, ainda, a fixação de algum critério para o aumento do valor total dessas emendas.
Todavia, tais balizas ainda requerem um regramento a ser elaborado, “de comum acordo”, entre Executivo e Legislativo, que terá de ser anunciado até o final deste mês. Neste meio tempo, a execução das emendas segue suspensa, com determinadas exceções, bem como tem continuidade o pente fino, a auditagem das já efetivadas.
O presidente Lula aplaudiu o acordo. Mas, antes, deixou clara a posição da Presidência da República: “Não tem lógica mais de R$ 50 bilhões nas mãos do Congresso. Qual a política pública que se institucionaliza no Brasil? Nenhuma. Qual é o lugar do mundo em que o Congresso tem isso? Não existe.”
De fato, como realizar o programa que o presidente, então candidato, se comprometeu com o povo, sem um quinto dos recursos? Ou, mais estrategicamente, como o governo pode impulsionar um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento com a pulverização e atomização anárquica, à margem de qualquer planejamento, de parte considerável do Orçamento?
Obviamente, são legítimas as emendas individuais, nos termos do interesse público, da moralidade e da transparência. Não é isso que está em questão, tampouco debilitar o Poder Legislativo enquanto tal.
Não se pode, também, abstrair o contexto deste conflito. Esse “sequestro” de parte volumosa do Orçamento se dá quando o país, suas forças democráticas, progressistas e populares, travam um confronto em defesa da democracia, e quando a extrema-direita, que tentou um golpe de Estado, segue forte. Salta aos olhos que o grosso de tais emendas “secretas” resultam em fortalecer o pendular centro do espectro político e também a numerosa bancada da extrema-direita e da direita.
Aguarda-se, portanto, o regramento do acordo firmado entre os representantes dos três poderes, quando efetivamente ficará claro o tamanho do passo dado para se corrigir as anomalias que resultam no descumprimento do preceito constitucional de que cabe ao Poder Executivo executar o Orçamento da União. A responsabilidade do Legislativo é elaborar a lei e fiscalizar a sua execução.
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