Charge: George Danby |
A última pesquisa de intenção de votos do New York Times e do Siena Miller foi um balde de água gelada para os que apostavam num crescimento das probabilidades de vitória da candidata democrata Kamala Harris.
A pesquisa mostra empate técnico entre Trump (48%) e Kamala (47%), com uma ligeira vantagem para o primeiro.
Não deixa de ser um resultado inesperado e desapontador.
Após um período de inicial de grande impulso, renovação e visibilidade, a candidatura de Harris estagnou-se e Trump voltou a crescer.
Ressalte-se que esse empate técnico se repete nos swing states, como Wisconsin, Pennsylvania, Michigan, Nevada, Arizona etc., os quais serão decisivos para uma vitória no vetusto colégio eleitoral, arcaísmo hoje em dia completamente injustificável.
Os apoiadores de Trump mostram-se muito resilientes e 28% dos entrevistados disseram que precisam conhecer mais sobre Kamala Harris para poder votar nela. Isso indica mais desconfiança que desconhecimento, pois Kamala Harris é figura pública já bastante conhecida.
Sem dúvida, o debate desta terça-feira (10/09) poderá ser decisivo para as pretensões do Partido Democrata.
Há um elemento de fundo que alimenta o trumpismo, além do festival impudico de fake news e de discursos de ódio.
A economia dos EUA voltou a patinar, o mercado de trabalho começa a revelar fragilidades e existe o temor de que uma recessão possa vir a se instalar nos próximos meses.
Há pouco dias, Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, publicou artigo no The New York Times, sugerindo que o FED corte rápida e decisivamente as taxas de juros, de modo a evitar que a atual “aterrisagem suave” se torne uma recessão técnica.
Ademais, há a “sensação” de que o custo de vida permanece caro, apesar da queda da inflação. Tal sensação é particularmente notória em algumas áreas, como a da habitação.
Os aluguéis e os preços dos imóveis subiram em torno de 30%, desde 2017, e estima-se que haja uma carência de 7 milhões de unidades habitacionais no mercado estadunidense.
Essa crise no mercado habitacional tem impacto direto no consumo.
Lembre-se que, antes da crise de 2008, o mercado de hipotecas, alimentava, em boa parte, o consumo das famílias dos EUA. Agora, a situação se inverteu. O custo elevado dos imóveis retira dinheiro para o consumo em outros segmentos da economia.
De qualquer forma, as perspectivas de uma vitória de Kamala Harris se reduziram.
Para o Brasil é uma notícia muito ruim.
A eventual eleição de Trump prejudicaria nosso país de múltiplas formas.
Em primeiro lugar, haveria prejuízos econômicos e comerciais.
Trump promete, logo de cara, aumentar as tarifas médias de importação em 10%, para todos os países, e em 60%, para produtos da China. Ora, as tarifas de importação médias dos EUA estão em torno de 3,4%.
Aumentá-las linearmente para 10%, para todos os produtos vindos do mundo, e em 60% especificamente para os produtos chineses, como promete Trump, teria um impacto muito grande, uma vez que ocorreriam as correspondentes retaliações.
Mas o problema maior seria o político.
Trump não disfarça que quer voltar para liderar a extrema-direita, em nível global. Esse será o centro de sua política externa.
Trump, se eleito, tenderá a criar uma ordem mundial ainda mais fragmentada, conflituosa e incerta.
Obviamente, em conluio com Musk, a cria bilionária do apartheid, Trump faria toda a pressão contra o Brasil e seu sistema judiciário para livrar os criminosos bolsonaristas do devido peso da lei, em nome da “liberdade de expressão”, conforme a extrema-direita a define.
Nesse quadro de pressão imperial, não se poderia descartar o uso de sanções contra o nosso país e nossas autoridades, como o Ministro Alexandre de Moraes, conforme pedem, há tempos, parlamentares bolsonaristas que mantêm contatos com parlamentares do Partido Republicano. Já foram feitas até viagens aos EUA para tal finalidade.
Para completar o desastre, Trump vê nossa região como uma fonte de grandes problemas (imigração, criminalidade, contrabando, tráfico de drogas, regimes “rebeldes” etc.), e não como um espaço para cooperação.
Para os trumpistas, os migrantes latinos, inclusive os brasileiros, são os principais responsáveis pelas supostas questões de insegurança dos EUA.
Trump despreza o Brasil e a América Latina.
Kamala Harris não seria nenhuma maravilha, é claro. Não podemos ser ingênuos. Mas a eventual eleição de Trump representaria um retrocesso gigantesco para o Brasil e todos os países da região e do mundo que têm governos progressistas.
Trump promoveu o 6 de janeiro, nos EUA, e, caso tivesse sido reeleito, ele teria apoiado o 8 de janeiro, no Brasil.
Trump representa um perigo para todas as democracias do mundo. Para a democracia brasileira, um grande perigo.
* Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
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