Reproduzo artigo de Leonardo Sakamoto, publicado em seu blog:
Você é explorada sexualmente em uma boate e como pagamento ganha fichinhas que podem ser trocadas por produtos com preço superfaturado (como macarrão instantâneo, cigarros, bebidas…) na loja do próprio estabelecimento em que você trabalha. Se não quitar a dívida contraída dessa bola de neve fraudulenta, fica trabalhando. Para a alegria dos clientes e dos donos do estabelecimento.
Essa foi a situação a que estavam expostas 20 mulheres em Várzea Grande, município vizinho à capital do Estado do Mato Grosso, Cuiabá. De acordo com reportagem de Bárbara Vidal, da Repórter Brasil, elas estavam mantidas em alojamentos precários e superlotados no interior da casa noturna Star Night. As jovens eram obrigadas a permanecer o tempo inteiro (quando digo o tempo inteiro, refiro-me às 24 horas do dia) à disposição dos donos do lugar, localizado a cerca de um quilômetro do Aeroporto Internacional Marechal Rondon. Não tinham folga nem aos domingos ou feriados. Algumas delas assinaram um contrato – ilegal, é claro – que as proibia de deixar a boate se não houvesse pagamento das “dívidas”.
Segundo Valdiney Arruda, Superintendente Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso e acompanhou a ação, as mulheres “viviam em regime total de subordinação”. Além de precários e superlotados, os espaços não tinham ventilação adequada e proteção contra incêndio e não respeitavam normas de higiene.
Conversei com Valdiney e ele afirmou que “por estarem em uma profissão que é marginalizada, que sofre preconceito da sociedade, as mulheres libertadas não tinham para quem recorrer”. Segundo ele, isso aumentava a sujeição econômica e física diante do empregador.
Outros quatro trabalhadores (um gerente e três garçons) também foram retirados de lá. Não ficavam acomodados na boate e retornavam para suas casas após o expediente, mas enfrentavam condições precárias, com jornadas exaustivas e sem descanso. Todas as vítimas tinham entre 18 e 23 anos de idade.
A operação também contou com a participação da Polícia Civil, Guarda Municipal e Conselho Tutelar e foi realizada em novembro. Participaram ainda integrantes da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública e da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo do Mato Grosso, após investigações que começaram quatro meses antes. Os responsáveis pela boate não quiseram pagar os direitos trabalhistas e salários atrasados das vítimas, e por isso foram notificados. As mulheres foram orientadas para que retornassem a seus municípios de origem e vão receber seguro-desemprego enquanto se busca o pagamento de seus direitos por via judicial.
O Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas lançado no ano passado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e o Crime Organizado em parceria com a Iniciativa Global da ONU contra o Tráfico de Pessoas apontou que a forma mais comum de tráfico humano (79%) é para a exploração sexual, em que as vítimas são predominantemente mulheres e meninas. Em 30% dos países que fornecem informações sobre o gênero dos traficantes, as mulheres são a maioria dos traficantes.
Mulheres que vão buscar uma condição de vida melhor em outras cidades ou mesmo países e que não possuem informações sobre seus direitos são as mais atingidas pelo problema. Além disso, muitas acabam não procurando auxílio por vergonha de sua condição e medo de sanções criminais.
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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
ACM Neto, Kassab e o inferno dos demos
Por Altamiro Borges
Crescem as especulações de que o deputado federal ACM Neto já se mexe nos bastidores para abandonar o DEM. Desanimado com a fragorosa derrota dos demos nas eleições de 2010 e temendo por seu futuro político na Bahia, ele estaria articulando a criação de um novo partido, que contaria com um empurrãozinho do ex-governador mineiro Aécio Neves, ou poderia até se filiar a outra legenda partidária.
O jornalista Carlos Brickmann relatou recentemente que “o deputado federal pedetista Marcos Medrado convidou ACM Neto, neto do cacique baiano Antônio Carlos Magalhães, que fundou o PFL, a entrar no PDT. Medrado diz falar em nome de Carlos Lupi, ministro do Trabalho e presidente nacional do partido. Garantiu a ACM Neto legenda para disputar a Prefeitura de Salvador ou o governo baiano”. Aonde há fumaça, há fogo!
Debandada paulista e brigas fratricidas
Na mesma batida, Gilberto Kassab não esconde mais que também deve sair do DEM. As portas do PMDB, o partido ônibus do centro do espectro político, já foram abertas. Caso as articulações se confirmem, o prefeito da capital paulista, um dos demos de maior expressão nacional, poderá carregar com ele os seis deputados federais eleitos pela legenda em São Paulo, o que deixaria o partido sem mandato parlamentar na principal unidade da federação.
Toda esta pendenga deve ser concluída até março próximo, quando o partido realizará seu congresso nacional. Este foi antecipado exatamente devido às crescentes brigas internas entre os chefões da legenda de extrema-direita. De um lado, estão Jorge Bornhausen e Agripino Maia, que conseguiram eleger os dois únicos governadores da sigla (Santa Catarina e Rio Grande do Norte); do outro está o bloco comandado por Rodrigo Maia, filho do ex-prefeito da capital carioca, que sofreu uma humilhante derrota na disputa por uma vaga no Senado no Rio de Janeiro.
Encolhimento do partido da extrema-direita
Vários analistas políticos, inclusive da mídia demotucana, avaliam que está é a pior crise da agremiação desde que mudou de nome e deixou de ser o Partido da Frente Liberal (PFL). Nos últimos oito anos, o DEM encolheu pela metade suas bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Em 2002, o partido elegeu 84 deputados e 14 senadores. Já em 2010, foram eleitos 43 deputados e dois senadores.
Em 2007, depois de sair derrotado nas urnas no ano anterior, quando conseguiu eleger apenas um governador, José Roberto Arruda (DF) - que depois virou presidiário -, o partido fez uma tentativa de renovação. Trocou a sigla PFL, fundada em 1985 a partir da antiga Arena, ligada à ditadura militar, por Democratas, numa jogada marqueteira e diversionista. No mesmo dia em que rebatizaram o partido, os pefelistas elegeram o jovem Rodrigo Maia para substituir o veterano Jorge Bornhausen.
As reações no inferno
A promessa de renovação, porém, não vingou. Partido fisiológico e patrimonialista, que depende exclusivamente das benesses do Estado, ele não agüentou as mudanças no bloco de poder no governo federal, a partir da eleição de Lula. Os velhos coronéis foram sendo enterrados aos poucos – a derrota neste ano de Marco Maciel, “senador desde o império” e duas vezes vice de FHC, foi bastante emblemática – e as novas lideranças estaduais não se consolidaram.
A ameaça de saída de ACM Neto e Kassab comprova a gravidade da crise. Muitos demos, inclusive, já encontraram as causas e o causador desta falência. O declínio seria devido à perda de identidade do partido, que virou um mero apêndice do PSDB. O bode expiatório seria José Serra, que afundou o DEM nas últimas eleições. A morte parece inevitável. A dúvida é se o diabo vai aceitar os demos no inferno. Dizem que ele já ficou bastante irritado com o apelido do partido.
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Crescem as especulações de que o deputado federal ACM Neto já se mexe nos bastidores para abandonar o DEM. Desanimado com a fragorosa derrota dos demos nas eleições de 2010 e temendo por seu futuro político na Bahia, ele estaria articulando a criação de um novo partido, que contaria com um empurrãozinho do ex-governador mineiro Aécio Neves, ou poderia até se filiar a outra legenda partidária.
O jornalista Carlos Brickmann relatou recentemente que “o deputado federal pedetista Marcos Medrado convidou ACM Neto, neto do cacique baiano Antônio Carlos Magalhães, que fundou o PFL, a entrar no PDT. Medrado diz falar em nome de Carlos Lupi, ministro do Trabalho e presidente nacional do partido. Garantiu a ACM Neto legenda para disputar a Prefeitura de Salvador ou o governo baiano”. Aonde há fumaça, há fogo!
Debandada paulista e brigas fratricidas
Na mesma batida, Gilberto Kassab não esconde mais que também deve sair do DEM. As portas do PMDB, o partido ônibus do centro do espectro político, já foram abertas. Caso as articulações se confirmem, o prefeito da capital paulista, um dos demos de maior expressão nacional, poderá carregar com ele os seis deputados federais eleitos pela legenda em São Paulo, o que deixaria o partido sem mandato parlamentar na principal unidade da federação.
Toda esta pendenga deve ser concluída até março próximo, quando o partido realizará seu congresso nacional. Este foi antecipado exatamente devido às crescentes brigas internas entre os chefões da legenda de extrema-direita. De um lado, estão Jorge Bornhausen e Agripino Maia, que conseguiram eleger os dois únicos governadores da sigla (Santa Catarina e Rio Grande do Norte); do outro está o bloco comandado por Rodrigo Maia, filho do ex-prefeito da capital carioca, que sofreu uma humilhante derrota na disputa por uma vaga no Senado no Rio de Janeiro.
Encolhimento do partido da extrema-direita
Vários analistas políticos, inclusive da mídia demotucana, avaliam que está é a pior crise da agremiação desde que mudou de nome e deixou de ser o Partido da Frente Liberal (PFL). Nos últimos oito anos, o DEM encolheu pela metade suas bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Em 2002, o partido elegeu 84 deputados e 14 senadores. Já em 2010, foram eleitos 43 deputados e dois senadores.
Em 2007, depois de sair derrotado nas urnas no ano anterior, quando conseguiu eleger apenas um governador, José Roberto Arruda (DF) - que depois virou presidiário -, o partido fez uma tentativa de renovação. Trocou a sigla PFL, fundada em 1985 a partir da antiga Arena, ligada à ditadura militar, por Democratas, numa jogada marqueteira e diversionista. No mesmo dia em que rebatizaram o partido, os pefelistas elegeram o jovem Rodrigo Maia para substituir o veterano Jorge Bornhausen.
As reações no inferno
A promessa de renovação, porém, não vingou. Partido fisiológico e patrimonialista, que depende exclusivamente das benesses do Estado, ele não agüentou as mudanças no bloco de poder no governo federal, a partir da eleição de Lula. Os velhos coronéis foram sendo enterrados aos poucos – a derrota neste ano de Marco Maciel, “senador desde o império” e duas vezes vice de FHC, foi bastante emblemática – e as novas lideranças estaduais não se consolidaram.
A ameaça de saída de ACM Neto e Kassab comprova a gravidade da crise. Muitos demos, inclusive, já encontraram as causas e o causador desta falência. O declínio seria devido à perda de identidade do partido, que virou um mero apêndice do PSDB. O bode expiatório seria José Serra, que afundou o DEM nas últimas eleições. A morte parece inevitável. A dúvida é se o diabo vai aceitar os demos no inferno. Dizem que ele já ficou bastante irritado com o apelido do partido.
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Donos da mídia são contra a Constituição
Reproduzo mensagem enviada pelo professor Fábio Konder Comparato:
Meus caros:
Informo que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, proposta pelo PSOL em relação a vários artigos da Constituição sobre comunicação social, protocolada no Supremo Tribunal Federal como ADO-10, teve seu processamento retomado. A Ministra Ellen Gracie, relatora do feito, abriu vista para manifestação da Procuradoria-Geral da República, do Congresso Nacional e da Advocacia-Geral da União.
Reitero a necessidade de se pressionar o futuro governo federal, bem como o Congresso Nacional, para que eles reajam positivamente. É da maior importância que o projeto de lei preparado pelo Min. Frankin Martins sobre os meios de comunicação social, ou outro de teor semelhante, seja adotado pela presidente Dilma Roussef.
Gostaria de frisar que a campanha dos grandes veículos de comunicação social contra a regulamentação do setor é, na verdade, um movimento contrário à Constituição. Se os donos de jornais, rádios e TVs não querem essa regulamentação, então devem pedir a revogação dos artigos 220 e 221 da Constituição, bem como do dispositivo constitucional que assegura o direito de resposta através dos meios de comunicação social, todos eles carentes de regulamentação, vale dizer, sem aplicação prática.
Abraço, Fábio Konder Comparato
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Meus caros:
Informo que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, proposta pelo PSOL em relação a vários artigos da Constituição sobre comunicação social, protocolada no Supremo Tribunal Federal como ADO-10, teve seu processamento retomado. A Ministra Ellen Gracie, relatora do feito, abriu vista para manifestação da Procuradoria-Geral da República, do Congresso Nacional e da Advocacia-Geral da União.
Reitero a necessidade de se pressionar o futuro governo federal, bem como o Congresso Nacional, para que eles reajam positivamente. É da maior importância que o projeto de lei preparado pelo Min. Frankin Martins sobre os meios de comunicação social, ou outro de teor semelhante, seja adotado pela presidente Dilma Roussef.
Gostaria de frisar que a campanha dos grandes veículos de comunicação social contra a regulamentação do setor é, na verdade, um movimento contrário à Constituição. Se os donos de jornais, rádios e TVs não querem essa regulamentação, então devem pedir a revogação dos artigos 220 e 221 da Constituição, bem como do dispositivo constitucional que assegura o direito de resposta através dos meios de comunicação social, todos eles carentes de regulamentação, vale dizer, sem aplicação prática.
Abraço, Fábio Konder Comparato
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Ministro critica cegueira da revista Veja
Reproduzo a resposta do ministro Jorge Hage ao editorial de balanço da revista Veja, publicado no Blog do Planalto:
Brasília, 27 de dezembro de 2010.
Sr. Editor,
Apesar de não surpreender a ninguém que haja acompanhado as edições da sua revista nos últimos anos, o número 52 do ano de 2010, dito de “Balanço dos 8 anos de Lula”, conseguiu superar-se como confirmação final da cegueira a que a má vontade e o preconceito acabam por conduzir.
Qualquer leitor que não tenha desembarcado diretamente de Marte na noite anterior haverá de perguntar-se “de que país a Veja está falando?”. E, se o leitor for um brasileiro e não integrar aquela ínfima minoria de 4% que avalia o Governo Lula como ruim ou péssimo, haverá de enxergar-se um completo idiota, pois pensava que o Governo Lula fora ótimo, bom ou regular. Se isso se aplica a todas as “matérias” e artigos da dita retrospectiva, quero deter-me especialmente às páginas não-numeradas e não-assinadas, sob o título “Fecham-se as cortinas, termina o espetáculo”. Ali, dentre outras raivosas adjetivações (e sem apontar quaisquer fatos, registre-se), o Governo Lula é apontado como “o mais corrupto da República”.
Será ele o mais corrupto porque foi o primeiro Governo da República que colocou a Polícia Federal no encalço dos corruptos, a ponto de ter suas operações criticadas por expor aquelas pessoas à execração pública? Ou por ser o primeiro que levou até governadores à cadeia, um deles, aliás, objeto de matéria nesta mesma edição de Veja, à página 81? Ou será por ser este o primeiro Governo que fortaleceu a Controladoria-Geral da União e deu-lhe liberdade para investigar as fraudes que ocorriam desde sempre, desbaratando esquemas mafiosos que operavam desde os anos 90, (como as Sanguessugas, os Vampiros, os Gafanhotos, os Gabirus e tantos mais), e, em parceria com a PF e o Ministério Público, propiciar os inquéritos e as ações judiciais que hoje já se contam pelos milhares? Ou por ter indicado para dirigir o Ministério Público Federal o nome escolhido em primeiro lugar pelos membros da categoria, de modo a dispor da mais ampla autonomia de atuação, inclusive contra o próprio Governo, quando fosse o caso? Ou já foram esquecidos os tempos do “Engavetador-Geral da República”?
Ou talvez tenha sido por haver criado um Sistema de Corregedorias que já expulsou do serviço público mais de 2.800 agentes públicos de todos os níveis, incluindo altos funcionários como procuradores federais e auditores fiscais, além de diretores e superintendentes de estatais (como os Correios e a Infraero). Ou talvez este seja o governo mais corrupto por haver aberto as contas públicas a toda a população, no Portal da Transparência, que exibe hoje as despesas realizadas até a noite de ontem, em tal nível de abertura que se tornou referência mundial reconhecida pela ONU, OCDE e demais organismos internacionais.
Poderia estender-me aqui indefinidamente, enumerando os avanços concretos verificados no enfrentamento da corrupção, que é tão antiga no Brasil quanto no resto do mundo, sendo que a diferença que marcou este governo foi o haver passado a investigá-la e revelá-la, ao invés de varrê-la para debaixo do tapete, como sempre se fez por aqui.
Peço a publicação.
Jorge Hage Sobrinho - Ministro-Chefe da Controladoria-Geral da União
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Brasília, 27 de dezembro de 2010.
Sr. Editor,
Apesar de não surpreender a ninguém que haja acompanhado as edições da sua revista nos últimos anos, o número 52 do ano de 2010, dito de “Balanço dos 8 anos de Lula”, conseguiu superar-se como confirmação final da cegueira a que a má vontade e o preconceito acabam por conduzir.
Qualquer leitor que não tenha desembarcado diretamente de Marte na noite anterior haverá de perguntar-se “de que país a Veja está falando?”. E, se o leitor for um brasileiro e não integrar aquela ínfima minoria de 4% que avalia o Governo Lula como ruim ou péssimo, haverá de enxergar-se um completo idiota, pois pensava que o Governo Lula fora ótimo, bom ou regular. Se isso se aplica a todas as “matérias” e artigos da dita retrospectiva, quero deter-me especialmente às páginas não-numeradas e não-assinadas, sob o título “Fecham-se as cortinas, termina o espetáculo”. Ali, dentre outras raivosas adjetivações (e sem apontar quaisquer fatos, registre-se), o Governo Lula é apontado como “o mais corrupto da República”.
Será ele o mais corrupto porque foi o primeiro Governo da República que colocou a Polícia Federal no encalço dos corruptos, a ponto de ter suas operações criticadas por expor aquelas pessoas à execração pública? Ou por ser o primeiro que levou até governadores à cadeia, um deles, aliás, objeto de matéria nesta mesma edição de Veja, à página 81? Ou será por ser este o primeiro Governo que fortaleceu a Controladoria-Geral da União e deu-lhe liberdade para investigar as fraudes que ocorriam desde sempre, desbaratando esquemas mafiosos que operavam desde os anos 90, (como as Sanguessugas, os Vampiros, os Gafanhotos, os Gabirus e tantos mais), e, em parceria com a PF e o Ministério Público, propiciar os inquéritos e as ações judiciais que hoje já se contam pelos milhares? Ou por ter indicado para dirigir o Ministério Público Federal o nome escolhido em primeiro lugar pelos membros da categoria, de modo a dispor da mais ampla autonomia de atuação, inclusive contra o próprio Governo, quando fosse o caso? Ou já foram esquecidos os tempos do “Engavetador-Geral da República”?
Ou talvez tenha sido por haver criado um Sistema de Corregedorias que já expulsou do serviço público mais de 2.800 agentes públicos de todos os níveis, incluindo altos funcionários como procuradores federais e auditores fiscais, além de diretores e superintendentes de estatais (como os Correios e a Infraero). Ou talvez este seja o governo mais corrupto por haver aberto as contas públicas a toda a população, no Portal da Transparência, que exibe hoje as despesas realizadas até a noite de ontem, em tal nível de abertura que se tornou referência mundial reconhecida pela ONU, OCDE e demais organismos internacionais.
Poderia estender-me aqui indefinidamente, enumerando os avanços concretos verificados no enfrentamento da corrupção, que é tão antiga no Brasil quanto no resto do mundo, sendo que a diferença que marcou este governo foi o haver passado a investigá-la e revelá-la, ao invés de varrê-la para debaixo do tapete, como sempre se fez por aqui.
Peço a publicação.
Jorge Hage Sobrinho - Ministro-Chefe da Controladoria-Geral da União
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O Globo comete erros grosseiros
Reproduzo artigo de José Augusto Valente, publicado no sítio da Agência T1:
Matéria de capa de O Globo de hoje (29/12/2010) incorre em erro grosseiro ao passar uma idéia ao leitor de que é possível pagar todos os recursos orçamentário no ano da sua vigência.
A manchete de que “Governo só investiu 26% do previsto no ano todo” erra duas vezes:
. Ao desconsiderar que é impossível a total execução financeira dos investimentos, no ano do seu orçamento. Portanto, a conta certa são os 26% do orçamento de 2010 MAIS o Restos a Pagar executado relativo a 2009, porque é assim que funciona a Administração Pública. Quando, no texto, leva isso em consideração, o montante chega a 58,6%. Não quero discutir se é muito ou pouco, já que é pouco relevante, pela explicação abaixo.
. Ao desconsiderar a importância da execução física, que é o que interessa aos usuários e aos contribuintes. A estes pouco importa se o governo já pagou ou se pagará no futuro. O importante é que parte ou toda a obra tenha sido executada.
Para correto esclarecimento aos nossos leitores, reafirmamos: é impossível a qualquer governo, de qualquer partido, pagar todo o investimento previsto, no ano do seu orçamento.
Vamos aos fatos:
Grande parte dos investimentos autorizados no orçamento anual é de obras. Como funciona o processo, até o seu pagamento?
. A obra é contratada e um empenho é feito pelo administrador. O empenho representa a previsão de gasto, em geral, a cada ano da obra.
. A obra é iniciada e, a cada mês, é feita a medição dos serviços realizados. A empresa apresenta um relatório e a fiscalização atesta ou não as quantidades apresentadas.
. Uma vez atestada a medição, a fatura vai para liberação para pagamento. É o que se chama liquidação. A liquidação representa a seguinte posição da administração pública: “devo não nego, pagarei quando puder”.
. Se a obra estiver contemplada no PAC, o “quando puder” ocorre mais cedo do que das demais que não estão.
. Ainda assim, entre a execução física da obra e o seu pagamento decorre um tempo necessário de tramitação de, no mínimo, dois meses.
. Logo, tudo o que foi executado após o início de novembro somente será pago no ano seguinte, via rubrica Restos a Pagar.
Então, como queríamos demonstrar, é impossível pagar as obras e serviços realizados nos meses de novembro e dezembro no ano de vigência do orçamento. É assim no governo federal, nos governos estaduais e nas prefeituras. Idem no Judiciário e Legislativo.
***
Além dessa tramitação legal (e lógica) da administração pública, que não pode pagar o todo ou parte da obra não executada, há as situações normais de contingenciamento, que normalmente ocorrem no início do ano e que são uma precaução necessária da administração pública, diante da incerteza natural de que as receitas ocorrerão conforme a previsão quando se votou o orçamento.
Assim, todo governo (federal, estadual e municipal), contingencia (ou “corta”, como a imprensa gosta de escrever) recursos para evitar que os gestores (das obras e serviços) autorizem gastos cuja receita possa não ser atingida no tempo certo. Ou seja, o empenho é para o ano todo mas a receita entra mês a mês. Tem que haver, portanto, sincronia entre a entrada de dinheiro nos cofres públicos e a respectiva saída.
Como conseqüência disso, ocorre uma corrida para gastar o autorizado nos últimos três meses do ano, quando já se tem uma visão mais segura do fluxo financeiro. Ainda nestes últimos dias do ano estarão sendo pagos elevados volumes de obras realizadas.
Concluímos propondo ao jornal O Globo - e à excelente jornalista Regina Alvarez, que não faria a tal manchete - que toda vez que avaliar o desempenho de um governo leve em conta as informações apresentadas acima, enfatizando o mais importante (a execução física) e falando corretamente sobre a execução orçamentária e financeira.
* José Augusto Valente - Diretor Técnico do T1
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Matéria de capa de O Globo de hoje (29/12/2010) incorre em erro grosseiro ao passar uma idéia ao leitor de que é possível pagar todos os recursos orçamentário no ano da sua vigência.
A manchete de que “Governo só investiu 26% do previsto no ano todo” erra duas vezes:
. Ao desconsiderar que é impossível a total execução financeira dos investimentos, no ano do seu orçamento. Portanto, a conta certa são os 26% do orçamento de 2010 MAIS o Restos a Pagar executado relativo a 2009, porque é assim que funciona a Administração Pública. Quando, no texto, leva isso em consideração, o montante chega a 58,6%. Não quero discutir se é muito ou pouco, já que é pouco relevante, pela explicação abaixo.
. Ao desconsiderar a importância da execução física, que é o que interessa aos usuários e aos contribuintes. A estes pouco importa se o governo já pagou ou se pagará no futuro. O importante é que parte ou toda a obra tenha sido executada.
Para correto esclarecimento aos nossos leitores, reafirmamos: é impossível a qualquer governo, de qualquer partido, pagar todo o investimento previsto, no ano do seu orçamento.
Vamos aos fatos:
Grande parte dos investimentos autorizados no orçamento anual é de obras. Como funciona o processo, até o seu pagamento?
. A obra é contratada e um empenho é feito pelo administrador. O empenho representa a previsão de gasto, em geral, a cada ano da obra.
. A obra é iniciada e, a cada mês, é feita a medição dos serviços realizados. A empresa apresenta um relatório e a fiscalização atesta ou não as quantidades apresentadas.
. Uma vez atestada a medição, a fatura vai para liberação para pagamento. É o que se chama liquidação. A liquidação representa a seguinte posição da administração pública: “devo não nego, pagarei quando puder”.
. Se a obra estiver contemplada no PAC, o “quando puder” ocorre mais cedo do que das demais que não estão.
. Ainda assim, entre a execução física da obra e o seu pagamento decorre um tempo necessário de tramitação de, no mínimo, dois meses.
. Logo, tudo o que foi executado após o início de novembro somente será pago no ano seguinte, via rubrica Restos a Pagar.
Então, como queríamos demonstrar, é impossível pagar as obras e serviços realizados nos meses de novembro e dezembro no ano de vigência do orçamento. É assim no governo federal, nos governos estaduais e nas prefeituras. Idem no Judiciário e Legislativo.
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Além dessa tramitação legal (e lógica) da administração pública, que não pode pagar o todo ou parte da obra não executada, há as situações normais de contingenciamento, que normalmente ocorrem no início do ano e que são uma precaução necessária da administração pública, diante da incerteza natural de que as receitas ocorrerão conforme a previsão quando se votou o orçamento.
Assim, todo governo (federal, estadual e municipal), contingencia (ou “corta”, como a imprensa gosta de escrever) recursos para evitar que os gestores (das obras e serviços) autorizem gastos cuja receita possa não ser atingida no tempo certo. Ou seja, o empenho é para o ano todo mas a receita entra mês a mês. Tem que haver, portanto, sincronia entre a entrada de dinheiro nos cofres públicos e a respectiva saída.
Como conseqüência disso, ocorre uma corrida para gastar o autorizado nos últimos três meses do ano, quando já se tem uma visão mais segura do fluxo financeiro. Ainda nestes últimos dias do ano estarão sendo pagos elevados volumes de obras realizadas.
Concluímos propondo ao jornal O Globo - e à excelente jornalista Regina Alvarez, que não faria a tal manchete - que toda vez que avaliar o desempenho de um governo leve em conta as informações apresentadas acima, enfatizando o mais importante (a execução física) e falando corretamente sobre a execução orçamentária e financeira.
* José Augusto Valente - Diretor Técnico do T1
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2010: ano dos blogs sujos e do Sujinho
Reproduzo artigo de Rodrigo Vianna, publicado no blog Escrevinhador:
Esse foi dos anos mais duros – e mais ricos – na minha vida de jornalista, blogueiro e cidadão.
Fui a Johannesburgo, no meio de 2010, cobrir a Copa do Mundo. Adorei ver de perto a engrenagem do futebol – essa mega empresa mundial. E adorei, sobretudo, conhecer a África – ainda que de forma limitada, com as lentes embaçadas pelo espetáculo da bola.
Muitas lembranças boas ficaram.
Uma tarde de rugby no Soweto – o bairro negro tomado pelos torcedores brancos! Negros abriram suas casas para os brancos – muitos nunca tinham pisado ali. Cena inusual. Emoção verdadeira.
Depois, a boa conversa com a bailarina que, durante o apartheid, dava aula de dança para negros e brancos, desafiando o regime racista. Detalhe: a bailarina era judia, ouvira do pai o que significava viver em guetos. Resistiu com a dança.
A visita ao Cabo da Boa Esperança, ou Cabo das Tormentas. As histórias de navegantes portugueses sempre me emocionam. Mar bravio, terrível. Paisagem maravilhosa. E a Cidade do Cabo tão linda. Quero voltar pra lá em breve.
Foram 50 dias longe de casa. E antes disso o ano já tinha sido cheio. De coisas boas. E de alguns sustos na vida familiar (já superados).
No primeiro semestre, fundamos o Centro de Estudos Barão de Itararé. Idéia do Altamiro Borges. Quando ele me ligou, no fim de 2009, com o convite para que eu entrasse na diretoria do Barão, cheguei a desdenhar: “Mas, Miro, pra que outra entidade na área de comunicação?” Ele me convenceu. E o Barão já fez muito. Foi no lançamento do instituto que surgiu a idéia de organizar um Encontro Nacional de Blogueiros. Idéia do Azenha – que viu esse movimento florescer nos Estados Unidos. E nós botamos em prática aqui no Brasil.
Foi uma delícia organizar o encontro. Primeiro, pelas reuniões. Todas elas no glorioso “Sujinho”, o bar-restaurante paulistano. Serra deve ter ficado sabendo, por isso resolveu chamar (acusar?) os blogueiros de ”sujos”. Assumimos o apelido, como uma medalha!
Mas o melhor foi ver o evento acontecer em São Paulo, no mês de agosto. 300 e tantos blogueiros de 19 estados. Uma trabalheira organizar isso tudo. Mas uma delícia conhecer tanta gente boa.
Logo depois,a pauleira da eleição. A mais suja da história: e aí a culpa não foi nossa. Era bola cantada. O embate entre Serra e Aécio já fora sujíssimo (todo mundo conhece os bastidores: dossiês, ameaças, “pó parar, governador” etc e tal). Quando Dilma disparou nas pesquisas, em agosto, era só esperar. Serra não decepcionou quem conhecia a fama dele – desde os anos 80. Foi uma campanha tensa, a mexer com os nervos e o estômago de qualquer um.
Tive a o orgulho e a felicidade de participar das batalhas – ajudando a desmontar farsas, e a iluminar um pouco o caminho: a bolinha de papel, o aborto, a gráfica dos panfletos…
Naquele sábado em que os panfletos foram encontrados em São Paulo, passei a madrugada com mais dois companheiros internéticos fuçando arquivos e documentos que ajudaram a descobrir a verdade: a gráfica pertencia à irmã de um dos coordenadores de campanha de Serra. Foi furo nosso, da blogosfera, e o Escrevinhador deu a história em primeira mão!
Tenho orgulho também de ter dito, três semanas antes do primeiro turno, que a bala de prata não era uma só. Mas uma sequência de balas. Dilma – que se preparara pra responder aos ataques sobre o passado de guerrilheira – não percebera o trabalho sujo feito nas igrejas, nos púlpitos, no boca a boca que disseminou o medo e o ódio religioso. Aqui no blog, gastei o verbo falando sobre isso. É a força da internet. Leitores de várias partes do país me avisavam: olha, a coisa está feia nas igrejas. Simplesmente registrei e dei o alerta. Mas a campanha de Dilma só acordou na última semana do primeiro turno, quando o estrago já estava feito.
Aí veio o segundo turno. Horrível. Mas com momentos hilários – como a tentativa de Serra de virar um Lacerda. Em vez de tiro no pé, levou bolinha de papel na cabeça. De todo jeito, foi tiro no pé.
A vitória de Dilma foi importante. Histórica. Todos os grandes jornais alinhados com o adversário, a Globo com o adversário… E Dilma ganhou. Derrotou Serra, derrotou a direita religiosa. Mas derrotou também Ali Kamel, Otavinho e o bando tresloucado de colunistas de “Veja”, “Estadão” e adjacências.
O que não deve nublar a verdade: o PT tentou ganhar sem fazer política. Tentou ganhar no embalo da popularidade de Lula. Quem politizou a eleição de 2010 foi Serra. Pela direita. Obrigando (?!) Dilma a buscar apoio da militância no segundo turno.
O Brasil conheceu uma nova direita. Parte da velha classe média tem medo e raiva – e a velha imprensa espelha esse setor. Mas a nova classe média – gestada na era Lula – nasceu já conservadora. A médio prazo, a equação pode não fechar para a esquerda. Isso ficou claro na campanha dominada por aborto, bispos, padres, pastores e reuniões com milicos de pijama.
O PT mostrou-se uma máquina eleitoral: cada vez mais afastado do “voto de opinião” e das antigas bases. Elegeu bancada forte, com apoio do prestígio de Lula. Mas abriu mão de sustentar valores de esquerda. Essa omissão (ou opção) pode custar caro mais tarde. Mas esse é tema para outros textos…
Novembro ainda foi mês cheio de emoções: a entrevista de Lula aos blogueiros foi histórica. Um marco que muitos não entenderam. “O Globo” entendeu, e desceu o sarrafo, passou recibo com chamada em primeira página. Algo se moveu na comunicação.
Tive a alegria, também, de ver uma série de reportagens sobre sítios clandestinos de tortura ser premiada pelo Movimento de Direitos Humanos, de Porto Alegre. Foi trabalho árduo: começou antes da Copa, e enquanto eu estava na África correndo atrás do Dunga uma equipe grande da TV Record seguia apurando e produzindo -com destaque para Luiz Malavolta e Tony Chastinet.
No mesmo ano, o trabalho na TV me deu a alegria de ir à Copa e de recontar um pedaço perdido da história da ditadura. Nada mal. Sem falar em mais uma meia dúzia de séries de reportagens especiais e de entrevistas (na “Record News”) das quais – quase sempre – só tenho motivos para orgulho.
2010 foi também o ano em que passei a escrever para a revista “Caros Amigos”. Estreei a coluna “Tacape” no mês em que meu ídolo -o doutor Sócrates – era capa da revista. E o mais curioso: o “colega de página” era Fidel Castro. Que responsa!
Cheguei a dezembro quase sem gás. Tirei uma semanade férias no Uruguai. Visitei as ruas, os cafés e as livrarias de Montevidéu, conheci praias lindas e travei de novo contato com a prosa e a poesia de Mario Benedetti. Um respiro, ao lado de minha mulher.
Quando voltei ao Brasil, havia se instalado um pandemônio na blogosfera. Tiroteio geral. Mais desgaste… A crise passou, felizmente. Mas o ano não terminou.
Descanso agora em São Paulo - a cidade está estranhamente vazia, uma delícia. Mas, no dia 30, pego o avião pra cobrir a posse de Dilma e a despedida de Lula – para a Record. De lá, pretendo atualizar o blog com as impressões do dia primeiro de janeiro. A era Lula acabou. Acabou? tenho dúvidas…
Obrigado a todos os leitores que fizeram o Escrevinhador explodir de audiência em 2010. Especialmente em outubro – quando passamos de 1 milhão de “páginas vistas” e batemos em 600 mil visitantes. O blog saiu do ar duas vezes: uma por ataque de hackers; a outra por excesso de tráfego!
Obrigado aos que me ajudam a fazer o blog, especialmente ao Leandro Guedes e à Juliana Sada – além dos colunistas e amigos mais próximos.
2010 foi intenso. Só comparável a 1989, quando eu ainda era um estudante e militante nas ruas – sem internet, com mais esperanças e também com mais ilusões. Daquela vez, senti o gosto da derrota. Dessa vez, sinto-me vitorioso – como tantos brasileiros. Mas sem ilusões. O que talvez seja uma vantagem.
Até 2011. É logo ali!
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Esse foi dos anos mais duros – e mais ricos – na minha vida de jornalista, blogueiro e cidadão.
Fui a Johannesburgo, no meio de 2010, cobrir a Copa do Mundo. Adorei ver de perto a engrenagem do futebol – essa mega empresa mundial. E adorei, sobretudo, conhecer a África – ainda que de forma limitada, com as lentes embaçadas pelo espetáculo da bola.
Muitas lembranças boas ficaram.
Uma tarde de rugby no Soweto – o bairro negro tomado pelos torcedores brancos! Negros abriram suas casas para os brancos – muitos nunca tinham pisado ali. Cena inusual. Emoção verdadeira.
Depois, a boa conversa com a bailarina que, durante o apartheid, dava aula de dança para negros e brancos, desafiando o regime racista. Detalhe: a bailarina era judia, ouvira do pai o que significava viver em guetos. Resistiu com a dança.
A visita ao Cabo da Boa Esperança, ou Cabo das Tormentas. As histórias de navegantes portugueses sempre me emocionam. Mar bravio, terrível. Paisagem maravilhosa. E a Cidade do Cabo tão linda. Quero voltar pra lá em breve.
Foram 50 dias longe de casa. E antes disso o ano já tinha sido cheio. De coisas boas. E de alguns sustos na vida familiar (já superados).
No primeiro semestre, fundamos o Centro de Estudos Barão de Itararé. Idéia do Altamiro Borges. Quando ele me ligou, no fim de 2009, com o convite para que eu entrasse na diretoria do Barão, cheguei a desdenhar: “Mas, Miro, pra que outra entidade na área de comunicação?” Ele me convenceu. E o Barão já fez muito. Foi no lançamento do instituto que surgiu a idéia de organizar um Encontro Nacional de Blogueiros. Idéia do Azenha – que viu esse movimento florescer nos Estados Unidos. E nós botamos em prática aqui no Brasil.
Foi uma delícia organizar o encontro. Primeiro, pelas reuniões. Todas elas no glorioso “Sujinho”, o bar-restaurante paulistano. Serra deve ter ficado sabendo, por isso resolveu chamar (acusar?) os blogueiros de ”sujos”. Assumimos o apelido, como uma medalha!
Mas o melhor foi ver o evento acontecer em São Paulo, no mês de agosto. 300 e tantos blogueiros de 19 estados. Uma trabalheira organizar isso tudo. Mas uma delícia conhecer tanta gente boa.
Logo depois,a pauleira da eleição. A mais suja da história: e aí a culpa não foi nossa. Era bola cantada. O embate entre Serra e Aécio já fora sujíssimo (todo mundo conhece os bastidores: dossiês, ameaças, “pó parar, governador” etc e tal). Quando Dilma disparou nas pesquisas, em agosto, era só esperar. Serra não decepcionou quem conhecia a fama dele – desde os anos 80. Foi uma campanha tensa, a mexer com os nervos e o estômago de qualquer um.
Tive a o orgulho e a felicidade de participar das batalhas – ajudando a desmontar farsas, e a iluminar um pouco o caminho: a bolinha de papel, o aborto, a gráfica dos panfletos…
Naquele sábado em que os panfletos foram encontrados em São Paulo, passei a madrugada com mais dois companheiros internéticos fuçando arquivos e documentos que ajudaram a descobrir a verdade: a gráfica pertencia à irmã de um dos coordenadores de campanha de Serra. Foi furo nosso, da blogosfera, e o Escrevinhador deu a história em primeira mão!
Tenho orgulho também de ter dito, três semanas antes do primeiro turno, que a bala de prata não era uma só. Mas uma sequência de balas. Dilma – que se preparara pra responder aos ataques sobre o passado de guerrilheira – não percebera o trabalho sujo feito nas igrejas, nos púlpitos, no boca a boca que disseminou o medo e o ódio religioso. Aqui no blog, gastei o verbo falando sobre isso. É a força da internet. Leitores de várias partes do país me avisavam: olha, a coisa está feia nas igrejas. Simplesmente registrei e dei o alerta. Mas a campanha de Dilma só acordou na última semana do primeiro turno, quando o estrago já estava feito.
Aí veio o segundo turno. Horrível. Mas com momentos hilários – como a tentativa de Serra de virar um Lacerda. Em vez de tiro no pé, levou bolinha de papel na cabeça. De todo jeito, foi tiro no pé.
A vitória de Dilma foi importante. Histórica. Todos os grandes jornais alinhados com o adversário, a Globo com o adversário… E Dilma ganhou. Derrotou Serra, derrotou a direita religiosa. Mas derrotou também Ali Kamel, Otavinho e o bando tresloucado de colunistas de “Veja”, “Estadão” e adjacências.
O que não deve nublar a verdade: o PT tentou ganhar sem fazer política. Tentou ganhar no embalo da popularidade de Lula. Quem politizou a eleição de 2010 foi Serra. Pela direita. Obrigando (?!) Dilma a buscar apoio da militância no segundo turno.
O Brasil conheceu uma nova direita. Parte da velha classe média tem medo e raiva – e a velha imprensa espelha esse setor. Mas a nova classe média – gestada na era Lula – nasceu já conservadora. A médio prazo, a equação pode não fechar para a esquerda. Isso ficou claro na campanha dominada por aborto, bispos, padres, pastores e reuniões com milicos de pijama.
O PT mostrou-se uma máquina eleitoral: cada vez mais afastado do “voto de opinião” e das antigas bases. Elegeu bancada forte, com apoio do prestígio de Lula. Mas abriu mão de sustentar valores de esquerda. Essa omissão (ou opção) pode custar caro mais tarde. Mas esse é tema para outros textos…
Novembro ainda foi mês cheio de emoções: a entrevista de Lula aos blogueiros foi histórica. Um marco que muitos não entenderam. “O Globo” entendeu, e desceu o sarrafo, passou recibo com chamada em primeira página. Algo se moveu na comunicação.
Tive a alegria, também, de ver uma série de reportagens sobre sítios clandestinos de tortura ser premiada pelo Movimento de Direitos Humanos, de Porto Alegre. Foi trabalho árduo: começou antes da Copa, e enquanto eu estava na África correndo atrás do Dunga uma equipe grande da TV Record seguia apurando e produzindo -com destaque para Luiz Malavolta e Tony Chastinet.
No mesmo ano, o trabalho na TV me deu a alegria de ir à Copa e de recontar um pedaço perdido da história da ditadura. Nada mal. Sem falar em mais uma meia dúzia de séries de reportagens especiais e de entrevistas (na “Record News”) das quais – quase sempre – só tenho motivos para orgulho.
2010 foi também o ano em que passei a escrever para a revista “Caros Amigos”. Estreei a coluna “Tacape” no mês em que meu ídolo -o doutor Sócrates – era capa da revista. E o mais curioso: o “colega de página” era Fidel Castro. Que responsa!
Cheguei a dezembro quase sem gás. Tirei uma semanade férias no Uruguai. Visitei as ruas, os cafés e as livrarias de Montevidéu, conheci praias lindas e travei de novo contato com a prosa e a poesia de Mario Benedetti. Um respiro, ao lado de minha mulher.
Quando voltei ao Brasil, havia se instalado um pandemônio na blogosfera. Tiroteio geral. Mais desgaste… A crise passou, felizmente. Mas o ano não terminou.
Descanso agora em São Paulo - a cidade está estranhamente vazia, uma delícia. Mas, no dia 30, pego o avião pra cobrir a posse de Dilma e a despedida de Lula – para a Record. De lá, pretendo atualizar o blog com as impressões do dia primeiro de janeiro. A era Lula acabou. Acabou? tenho dúvidas…
Obrigado a todos os leitores que fizeram o Escrevinhador explodir de audiência em 2010. Especialmente em outubro – quando passamos de 1 milhão de “páginas vistas” e batemos em 600 mil visitantes. O blog saiu do ar duas vezes: uma por ataque de hackers; a outra por excesso de tráfego!
Obrigado aos que me ajudam a fazer o blog, especialmente ao Leandro Guedes e à Juliana Sada – além dos colunistas e amigos mais próximos.
2010 foi intenso. Só comparável a 1989, quando eu ainda era um estudante e militante nas ruas – sem internet, com mais esperanças e também com mais ilusões. Daquela vez, senti o gosto da derrota. Dessa vez, sinto-me vitorioso – como tantos brasileiros. Mas sem ilusões. O que talvez seja uma vantagem.
Até 2011. É logo ali!
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Jornalismo para quem precisa
Reproduzo artigo de Leandro Fortes, publicado no blog Brasília, eu vi:
Há alguns dias, lancei na minha página do Facebook uma idéia que venho acalentando há tempos, desde que encerrei um curso de extensão para uma faculdade privada de jornalismo, aqui em Brasília. O curso, de Técnica Geral de Jornalismo, reuniu pouco mais de 10 alunos, basicamente, porque era muito caro. Embora tenha sido uma turma de bons estudantes, gente verdadeiramente animada e interessada no ofício, me senti desconectado da real intenção do curso, que era de fazer um contraponto de método, opinião e visão ideológica a esse jornalismo que aí vemos, montado em teses absurdas, em matérias incompletas e mentirosas, omissas em tudo e contra todos, a serviço de um pensamento conservador, reacionário e golpista disseminado, para infelicidade geral, como coisa normal. Não é. E é sobre isso que eu queria falar enquanto ensinava, dia a após dias, os fundamentos práticos da pauta, da entrevista, da redação jornalística, da nobre função do jornalista na sociedade, no Brasil, na História.
Perguntei, então, no Facebook, o que estudantes de jornalismos e jornalistas formados achariam de eu transferir essas aulas para um espaço barato e democrático, capaz de levar esses conhecimentos a muito mais gente, sobretudo ao estudante pobre – e, quem sabe, credenciar também os pobres a brigar por uma vaga nas redações, que se tornaram ambientes muito elitistas. Encaretadas por manuais de doutrina e comportamento, adestradas pela conduta neoliberal dos anos 1990, quando passaram a responder diretamente pelas demandas do Departamento Comercial, as redações brasileiras se desprenderam da ação política, dos movimentos sociais, do protagonismo histórico a favor dos direitos humanos e da luta contra a desigualdade. Passaram, sim, a reproduzir um universo medíocre de classe média, supostamente a favor de uma modernidade pós-muro de Berlim, onde bradar contra privatizações e a adoração ao deus mercado passou a ser encarado como esquerdismo imperdoável e anacrônico.
Não por outra razão, os movimentos corporativos a favor da manutenção da obrigatoriedade do diploma de jornalista, que resistiram a todo tipo de investida patronal ao longo de duas décadas, foram definitivamente golpeados com o apoio e, em parte, a omissão, da maioria dos jovens profissionais de imprensa, notadamente os bem colocados em redações da chamada grande mídia. Vale lembrar que o jornalismo é, provavelmente, a única profissão do mundo onde existem profissionais que pedem o fim do próprio diploma. Há muitas nuances, claro, nessa discussão, inclusive porque há gente muito boa que, historicamente, se coloca contra o diploma, sobretudo velhos jornalistas criados em velhas e românticas redações, cenas de um mundo que, infelizmente, não existe mais.
Na essência, o fim da obrigatoriedade do diploma não é uma demanda de jornalistas, mas de patrões, baseada num argumento falacioso de liberdade de expressão – na verdade, de opinião –, quando a verdadeira discussão está, justamente, na formação acadêmica dos repórteres. E há uma distância abissal entre opinião e reportagem, porque a primeira qualquer um tem, enquanto a segunda não é só fruto de talento, mas de aprendizado, técnica e repetição.
Nas grandes empresas, o fim da obrigatoriedade do diploma coroou uma estratégia que tem matado o jornalismo: a proliferação de cursinhos internos de treinees, tanto para estudantes como para recém-formados, cuja base de orientação profissional é a competitividade a qualquer custo, um conceito puramente empresarial copiado, sem aparas, do decadente yupismo americano. Digo que tem matado porque esses cursinhos de monstrinhos competitivos relegam o papel universal do jornalista ao segundo plano, quando não a plano algum. A idéia de que o jornalista deva ser um profissional solidário, inserido na sociedade para lhe decifrar os dramas e transmiti-los a outros seres humanos passou a ser um devaneio, um delírio socialista a ser combatido como a um inimigo. Para justificar essa sanha, reforça-se o mito da isenção e da imparcialidade de uma mídia paradoxalmente comprometida com tudo, menos com a sua essência informativa, originalmente baseada no universalismo e no compromisso com o cidadão.
Na outra ponta, o fim da obrigatoriedade do diploma abriu a porteira para jagunços e capangas ocuparem as redações da imprensa regional, longe da fiscalização da lei e dos sindicatos, alegremente autorizados a fazer, literalmente, qualquer coisa com qualquer pessoa. Mesmo para o novo modelo de jornalismo que se anuncia na internet, baseado em disseminação mútua de informações primárias, como no caso dos vazamentos do Wikileaks, haverá sempre a necessidade do tratamento jornalístico dos conteúdos. E, para esse serviço, não há outro trabalhador credenciado senão um bom repórter treinado e formado para essa missão. Formação esta que, insisto, deve ser feita na academia e reforçada na experiência diária da reportagem.
Recentemente, li sobre a criação, em 2010, do Instituto de Altos Estudos em Jornalismo, sob os auspícios da Editora Abril. Entre os mestres do tal centro estavam o dono da editora, Roberto Civita, mantenedor da Veja, e Carlos Alberto Di Franco, do Master de Jornalismo, uma espécie de Escola das Américas da mídia nacional voltada para a formação de “líderes” dentro das redações. Di Franco, além de tudo, é um dos expoentes, no Brasil, da ultradireitista seita católica Opus Dei, a face mais medieval e conservadora da Igreja Católica no mundo. Sinceramente, não vejo que “altos estudos”, muito menos de jornalismo, podem sair de um lugar assim.
Não tenho dúvidas de que a representação do tal instituto não é acadêmica, embora seja dirigido por Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás no governo do PT, renomado estudioso da imprensa no Brasil. Trata-se de uma representação fundamentalmente ideológica, a reforçar as mesmíssimas estruturas de poder das redações, estruturas ultraverticalizadas, essencialmente antidemocráticas e personalistas, onde a possibilidade de ascensão funcional, sobretudo a cargos de chefia, está diretamente ligada à capacidade de ser subserviente aos patrões e bestas-feras com os subordinados.
Felizmente, o surgimento da internet deu vazão a outro ambiente midiático, regido por outras regras e demandas, um devastador contraponto ao funcionamento hermético das grandes redações e ao poder hegemônico da velha mídia brasileira, inclusive de seus filhotes replicadores e retransmissores Brasil adentro. O fenômeno dos blogs e sua capacidade de mobilização informativa é só a parte mais visível de um processo de reordenamento da comunicação social no mundo. As redes sociais fragmentaram a disseminação de notícias, fatos, dados estatísticos, informes e informações em um nível adoravelmente incontrolável, criando um ambiente noticioso ainda a ser desbravado por novas gerações de repórteres que, para tal, precisam ser treinados e apresentados a novas técnicas e, sobretudo, a novas idéias.
A “era do aquário”, para ficar numa definição feliz do jornalista Franklin Martins – aliás, contrário à obrigatoriedade do diploma –, está prestes a terminar. O jornalismo decidido por cúpulas restritas, com pouco ou nenhum apego à verdade dos fatos, está reduzida a um universo patético de mau jornalismo desmascarado instantaneamente pela blogosfera, vide a versão rocambolesca da TV Globo sobre a bolinha de papel na cabeça de José Serra ou a farsa do grampo sem áudio que uniu, numa mesma trama bisonha, a revista Veja, o ministro Gilmar Mendes, do STF, e o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás.
Não será a escola de “altos estudos” da Veja e do professor Di Franco, portanto, a suprir essa necessidade. Essa demanda terá que ser suprida por repórteres ciosos de outro tipo de jornalismo, mais aberto e solidário, comprometido com a verdade factual e a honestidade intelectual, interessado em boas histórias. Um jornalismo mais leve e mais humano, mais preocupado com a qualidade da informação do que com a vaidade do furo. Um jornalismo vinculado à realidade, não a interesses econômicos. E isso, certamente, só poderá ser viabilizado dentro de outro modelo, cooperativo e democrático, a ser exercido a partir das novas mídias virtuais.
Por isso, é preciso estabelecer também um contraponto à ideologia da mídia hegemônica no campo da formação, em complemento aos cursos superiores de jornalismo. Abrir espaço para os milhares de estudantes de comunicação, em todo o Brasil, que não têm chance de participar dos cursinhos de treinees dos jornalões e das grandes emissoras de radiodifusão. Dar a eles, de forma prática e barata, uma oportunidade de aprender jornalismo com bons repórteres, com repórteres de verdade.
Foi nisso que pensei quando idealizei, em 2007, a Escola Livre de Jornalismo, junto com outros dois amigos, ambos ótimos jornalistas, Olímpio Cruz Neto e Gustavo Krieger. Com eles, ajudei a montar bem sucedidos ciclos de palestras e oficinas de jornalismo em Brasília. Em 2009, um ano antes do 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, em São Paulo, a Escola Livre, em parceria com o IESB, já havia conseguido reunir, na capital federal, os principais expoentes desse movimento no país: Luis Nassif (Blog do Nassif), Paulo Henrique Amorim (Conversa Afiada), Rodrigo Vianna (Escrevinhador), Marco Weissheimer (RS Urgente) e Luiz Carlos Azenha (Viomundo). Uma semana de debates ricos, bem humorados, em um auditório permanentemente lotado de estudantes de jornalismo e jornalistas profissionais. Foi nosso único evento gratuito e, claro, o de maior sucesso. Os ciclos e oficinas, embora tenham tido boa audiência, esbarravam sempre no problema do custo para os estudantes: como nos cursinhos de treinee da velha mídia, acabávamos por privilegiar um segmento de jovens já socialmente privilegiados. É dessa frustração e dessa armadilha que proponho fugir agora.
Por isso, expus no Facebook a idéia de ministrar minhas aulas de Técnica Geral de Jornalismo, divididas em módulos, de modo que cada estudante pague um valor baixo por cada aula. Ou seja, os estudantes vão às aulas que quiserem, pagam na entrada e participam de duas horas de aula de jornalismo sobre tópicos práticos e temas relevantes. Minha idéia é convocar outros repórteres de Brasília a participar desse movimento da Escola Livre de Jornalismo, com o compromisso de, em troca da aula de duas horas, receber 70% do valor arrecadado no dia, porque 30% serão sempre destinados à administração e organização do curso.
Além do valor da aula, ainda a ser estipulado, cada aluno deverá também levar um alimento não perecível qualquer, a ser distribuído para comunidades pobres do Distrito Federal ou instituições de assistência social a serem definidas com futuros parceiros. Esses mantimentos, inclusive, poderão ser usados como moeda de troca para podermos utilizar gratuitamente algum espaço físico em Brasília para ministrar as aulas. É algo ainda a ser definido.
A idéia está lançada. No Facebook, recebi quase 100 adesões imediatas de estudantes, jornalistas, incluindo alunos e ex-alunos realmente satisfeitos com a perspectiva de participar de um movimento interativo desse nível, a preços populares. Espero poder iniciar as primeiras aulas em fevereiro de 2011 e, desde já, conto com a participação de todos os amigos e colegas jornalistas do Brasil que quiserem compartilhar essa experiência. Quanto mais gente boa dando aula, mais gente boa a ser formada. Como nas experiências anteriores, a Escola Livre de Jornalismo espera contar com a parceria das faculdades de jornalismo do DF para transformar em crédito a freqüência dos estudantes nas aulas, de modo a colaborar com uma necessidade acadêmica deles, as horas extra-sala de atividades complementares.
Por favor, quem quiser participar dê o ar das graças. Nossa missão inicial é achar um lugar amplo e legal, com cadeiras e uma boa mesa de professor, para dar as aulas. A depender do nível de adesão dos colegas jornalistas, vamos organizar uma agenda para as aulas, que serão sempre aos sábados, em princípio, das 9 às 11 horas da manhã.
Por enquanto, é esse o meu manifesto, é essa a minha idéia. O resto virá, tenho certeza, na garupa de bons ventos.
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Há alguns dias, lancei na minha página do Facebook uma idéia que venho acalentando há tempos, desde que encerrei um curso de extensão para uma faculdade privada de jornalismo, aqui em Brasília. O curso, de Técnica Geral de Jornalismo, reuniu pouco mais de 10 alunos, basicamente, porque era muito caro. Embora tenha sido uma turma de bons estudantes, gente verdadeiramente animada e interessada no ofício, me senti desconectado da real intenção do curso, que era de fazer um contraponto de método, opinião e visão ideológica a esse jornalismo que aí vemos, montado em teses absurdas, em matérias incompletas e mentirosas, omissas em tudo e contra todos, a serviço de um pensamento conservador, reacionário e golpista disseminado, para infelicidade geral, como coisa normal. Não é. E é sobre isso que eu queria falar enquanto ensinava, dia a após dias, os fundamentos práticos da pauta, da entrevista, da redação jornalística, da nobre função do jornalista na sociedade, no Brasil, na História.
Perguntei, então, no Facebook, o que estudantes de jornalismos e jornalistas formados achariam de eu transferir essas aulas para um espaço barato e democrático, capaz de levar esses conhecimentos a muito mais gente, sobretudo ao estudante pobre – e, quem sabe, credenciar também os pobres a brigar por uma vaga nas redações, que se tornaram ambientes muito elitistas. Encaretadas por manuais de doutrina e comportamento, adestradas pela conduta neoliberal dos anos 1990, quando passaram a responder diretamente pelas demandas do Departamento Comercial, as redações brasileiras se desprenderam da ação política, dos movimentos sociais, do protagonismo histórico a favor dos direitos humanos e da luta contra a desigualdade. Passaram, sim, a reproduzir um universo medíocre de classe média, supostamente a favor de uma modernidade pós-muro de Berlim, onde bradar contra privatizações e a adoração ao deus mercado passou a ser encarado como esquerdismo imperdoável e anacrônico.
Não por outra razão, os movimentos corporativos a favor da manutenção da obrigatoriedade do diploma de jornalista, que resistiram a todo tipo de investida patronal ao longo de duas décadas, foram definitivamente golpeados com o apoio e, em parte, a omissão, da maioria dos jovens profissionais de imprensa, notadamente os bem colocados em redações da chamada grande mídia. Vale lembrar que o jornalismo é, provavelmente, a única profissão do mundo onde existem profissionais que pedem o fim do próprio diploma. Há muitas nuances, claro, nessa discussão, inclusive porque há gente muito boa que, historicamente, se coloca contra o diploma, sobretudo velhos jornalistas criados em velhas e românticas redações, cenas de um mundo que, infelizmente, não existe mais.
Na essência, o fim da obrigatoriedade do diploma não é uma demanda de jornalistas, mas de patrões, baseada num argumento falacioso de liberdade de expressão – na verdade, de opinião –, quando a verdadeira discussão está, justamente, na formação acadêmica dos repórteres. E há uma distância abissal entre opinião e reportagem, porque a primeira qualquer um tem, enquanto a segunda não é só fruto de talento, mas de aprendizado, técnica e repetição.
Nas grandes empresas, o fim da obrigatoriedade do diploma coroou uma estratégia que tem matado o jornalismo: a proliferação de cursinhos internos de treinees, tanto para estudantes como para recém-formados, cuja base de orientação profissional é a competitividade a qualquer custo, um conceito puramente empresarial copiado, sem aparas, do decadente yupismo americano. Digo que tem matado porque esses cursinhos de monstrinhos competitivos relegam o papel universal do jornalista ao segundo plano, quando não a plano algum. A idéia de que o jornalista deva ser um profissional solidário, inserido na sociedade para lhe decifrar os dramas e transmiti-los a outros seres humanos passou a ser um devaneio, um delírio socialista a ser combatido como a um inimigo. Para justificar essa sanha, reforça-se o mito da isenção e da imparcialidade de uma mídia paradoxalmente comprometida com tudo, menos com a sua essência informativa, originalmente baseada no universalismo e no compromisso com o cidadão.
Na outra ponta, o fim da obrigatoriedade do diploma abriu a porteira para jagunços e capangas ocuparem as redações da imprensa regional, longe da fiscalização da lei e dos sindicatos, alegremente autorizados a fazer, literalmente, qualquer coisa com qualquer pessoa. Mesmo para o novo modelo de jornalismo que se anuncia na internet, baseado em disseminação mútua de informações primárias, como no caso dos vazamentos do Wikileaks, haverá sempre a necessidade do tratamento jornalístico dos conteúdos. E, para esse serviço, não há outro trabalhador credenciado senão um bom repórter treinado e formado para essa missão. Formação esta que, insisto, deve ser feita na academia e reforçada na experiência diária da reportagem.
Recentemente, li sobre a criação, em 2010, do Instituto de Altos Estudos em Jornalismo, sob os auspícios da Editora Abril. Entre os mestres do tal centro estavam o dono da editora, Roberto Civita, mantenedor da Veja, e Carlos Alberto Di Franco, do Master de Jornalismo, uma espécie de Escola das Américas da mídia nacional voltada para a formação de “líderes” dentro das redações. Di Franco, além de tudo, é um dos expoentes, no Brasil, da ultradireitista seita católica Opus Dei, a face mais medieval e conservadora da Igreja Católica no mundo. Sinceramente, não vejo que “altos estudos”, muito menos de jornalismo, podem sair de um lugar assim.
Não tenho dúvidas de que a representação do tal instituto não é acadêmica, embora seja dirigido por Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás no governo do PT, renomado estudioso da imprensa no Brasil. Trata-se de uma representação fundamentalmente ideológica, a reforçar as mesmíssimas estruturas de poder das redações, estruturas ultraverticalizadas, essencialmente antidemocráticas e personalistas, onde a possibilidade de ascensão funcional, sobretudo a cargos de chefia, está diretamente ligada à capacidade de ser subserviente aos patrões e bestas-feras com os subordinados.
Felizmente, o surgimento da internet deu vazão a outro ambiente midiático, regido por outras regras e demandas, um devastador contraponto ao funcionamento hermético das grandes redações e ao poder hegemônico da velha mídia brasileira, inclusive de seus filhotes replicadores e retransmissores Brasil adentro. O fenômeno dos blogs e sua capacidade de mobilização informativa é só a parte mais visível de um processo de reordenamento da comunicação social no mundo. As redes sociais fragmentaram a disseminação de notícias, fatos, dados estatísticos, informes e informações em um nível adoravelmente incontrolável, criando um ambiente noticioso ainda a ser desbravado por novas gerações de repórteres que, para tal, precisam ser treinados e apresentados a novas técnicas e, sobretudo, a novas idéias.
A “era do aquário”, para ficar numa definição feliz do jornalista Franklin Martins – aliás, contrário à obrigatoriedade do diploma –, está prestes a terminar. O jornalismo decidido por cúpulas restritas, com pouco ou nenhum apego à verdade dos fatos, está reduzida a um universo patético de mau jornalismo desmascarado instantaneamente pela blogosfera, vide a versão rocambolesca da TV Globo sobre a bolinha de papel na cabeça de José Serra ou a farsa do grampo sem áudio que uniu, numa mesma trama bisonha, a revista Veja, o ministro Gilmar Mendes, do STF, e o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás.
Não será a escola de “altos estudos” da Veja e do professor Di Franco, portanto, a suprir essa necessidade. Essa demanda terá que ser suprida por repórteres ciosos de outro tipo de jornalismo, mais aberto e solidário, comprometido com a verdade factual e a honestidade intelectual, interessado em boas histórias. Um jornalismo mais leve e mais humano, mais preocupado com a qualidade da informação do que com a vaidade do furo. Um jornalismo vinculado à realidade, não a interesses econômicos. E isso, certamente, só poderá ser viabilizado dentro de outro modelo, cooperativo e democrático, a ser exercido a partir das novas mídias virtuais.
Por isso, é preciso estabelecer também um contraponto à ideologia da mídia hegemônica no campo da formação, em complemento aos cursos superiores de jornalismo. Abrir espaço para os milhares de estudantes de comunicação, em todo o Brasil, que não têm chance de participar dos cursinhos de treinees dos jornalões e das grandes emissoras de radiodifusão. Dar a eles, de forma prática e barata, uma oportunidade de aprender jornalismo com bons repórteres, com repórteres de verdade.
Foi nisso que pensei quando idealizei, em 2007, a Escola Livre de Jornalismo, junto com outros dois amigos, ambos ótimos jornalistas, Olímpio Cruz Neto e Gustavo Krieger. Com eles, ajudei a montar bem sucedidos ciclos de palestras e oficinas de jornalismo em Brasília. Em 2009, um ano antes do 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, em São Paulo, a Escola Livre, em parceria com o IESB, já havia conseguido reunir, na capital federal, os principais expoentes desse movimento no país: Luis Nassif (Blog do Nassif), Paulo Henrique Amorim (Conversa Afiada), Rodrigo Vianna (Escrevinhador), Marco Weissheimer (RS Urgente) e Luiz Carlos Azenha (Viomundo). Uma semana de debates ricos, bem humorados, em um auditório permanentemente lotado de estudantes de jornalismo e jornalistas profissionais. Foi nosso único evento gratuito e, claro, o de maior sucesso. Os ciclos e oficinas, embora tenham tido boa audiência, esbarravam sempre no problema do custo para os estudantes: como nos cursinhos de treinee da velha mídia, acabávamos por privilegiar um segmento de jovens já socialmente privilegiados. É dessa frustração e dessa armadilha que proponho fugir agora.
Por isso, expus no Facebook a idéia de ministrar minhas aulas de Técnica Geral de Jornalismo, divididas em módulos, de modo que cada estudante pague um valor baixo por cada aula. Ou seja, os estudantes vão às aulas que quiserem, pagam na entrada e participam de duas horas de aula de jornalismo sobre tópicos práticos e temas relevantes. Minha idéia é convocar outros repórteres de Brasília a participar desse movimento da Escola Livre de Jornalismo, com o compromisso de, em troca da aula de duas horas, receber 70% do valor arrecadado no dia, porque 30% serão sempre destinados à administração e organização do curso.
Além do valor da aula, ainda a ser estipulado, cada aluno deverá também levar um alimento não perecível qualquer, a ser distribuído para comunidades pobres do Distrito Federal ou instituições de assistência social a serem definidas com futuros parceiros. Esses mantimentos, inclusive, poderão ser usados como moeda de troca para podermos utilizar gratuitamente algum espaço físico em Brasília para ministrar as aulas. É algo ainda a ser definido.
A idéia está lançada. No Facebook, recebi quase 100 adesões imediatas de estudantes, jornalistas, incluindo alunos e ex-alunos realmente satisfeitos com a perspectiva de participar de um movimento interativo desse nível, a preços populares. Espero poder iniciar as primeiras aulas em fevereiro de 2011 e, desde já, conto com a participação de todos os amigos e colegas jornalistas do Brasil que quiserem compartilhar essa experiência. Quanto mais gente boa dando aula, mais gente boa a ser formada. Como nas experiências anteriores, a Escola Livre de Jornalismo espera contar com a parceria das faculdades de jornalismo do DF para transformar em crédito a freqüência dos estudantes nas aulas, de modo a colaborar com uma necessidade acadêmica deles, as horas extra-sala de atividades complementares.
Por favor, quem quiser participar dê o ar das graças. Nossa missão inicial é achar um lugar amplo e legal, com cadeiras e uma boa mesa de professor, para dar as aulas. A depender do nível de adesão dos colegas jornalistas, vamos organizar uma agenda para as aulas, que serão sempre aos sábados, em princípio, das 9 às 11 horas da manhã.
Por enquanto, é esse o meu manifesto, é essa a minha idéia. O resto virá, tenho certeza, na garupa de bons ventos.
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terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Escola de samba provoca ira dos racistas
Reproduzo artigo de Jonas de Carvalho, publicado no blog Deu saúva no jardim:
Apenas por que a Escola de Samba Academicos do Tucuruvi optou por um samba enredo cujo titulo é: “Oxente, o que seria da gente sem essa gente? São Paulo: a capital do Nordeste!”, a escola recebeu oito emails ofensivos e ameaçadores de xenófobos paulistas que parecem não ter aprendido nada com a repercussão negativa de atitude parecida de Mayara Petruso, a infeliz que resolveu recomendar que matem nordestinos.
Dessa vez os xenófobos imbecis chegam ao ponto de ameaçar a escola e o texto de um dos emails diz o seguinte: “Vou dar um aviso: na primeira ameaça que alguém receber de qualquer verme dessa escola de samba, a coisa vai ficar preta".
Um outro xenófobo menos belicoso - como se existisse - consegue vomitar o seguinte: "Eu, como paulistano, tenho nojo dessa escola de samba e seu samba enredo. Assim como vários paulistas e paulistanos, repudio este enredo nojento e absurdo. Querem exaltar o Nordeste, desfilem por lá”.
Observem que o idiota diz ter nojo por ser paulistano, talvez não o tivesse se ele fosse goiano ou gaucho, donde se deduz que esse luminar da sabedoria humana restringe apenas aos abençoados nascidos em solo paulista a exclusividade do saber, da cultura, da riqueza e da diversão, ou seja, o mundo não pode existir se tudo não for uma exaltação à São Paulo. Talvez quem sabe ele faça uma exceção aos Estados Unidos da América do Norte, com quem ele deve estar acostumado a falar fino.
Triste e parodoxal esse nosso mundo. Nos dias atuais em que tantos esforços se fazem na busca de soluções que caminhem na direção do justo usufruto da vida, das benesses da natureza, justo quando mais se discute meios de preservar o planeta, exatamente por que cada vez mais se entende que tudo que existe por aqui além de vital é de direito de todos, ainda existem idiotas desse naipe - e que não são poucos - que não param de olhar para os próprios umbigos a julgarem-se o centro do universo. É de dar dó. Nunca sairão de seus quintais, por medo de descobrirem que o Brasil e o mundo podem perfeitamente funcionar sem São Paulo. Aliás podem funcionar não, funcionam de verdade.
Ainda bem que os dirigentes da escola já tomaram providencias para reprimir essa idiotice encaminhando as mensagens para a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).
E se por acaso no próximo carnaval eu estiver em São Paulo quem sabe vou até o Sambodromo enrolado na bandeira paulista só para aplaudir de pé o desfile dessa escola!
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Apenas por que a Escola de Samba Academicos do Tucuruvi optou por um samba enredo cujo titulo é: “Oxente, o que seria da gente sem essa gente? São Paulo: a capital do Nordeste!”, a escola recebeu oito emails ofensivos e ameaçadores de xenófobos paulistas que parecem não ter aprendido nada com a repercussão negativa de atitude parecida de Mayara Petruso, a infeliz que resolveu recomendar que matem nordestinos.
Dessa vez os xenófobos imbecis chegam ao ponto de ameaçar a escola e o texto de um dos emails diz o seguinte: “Vou dar um aviso: na primeira ameaça que alguém receber de qualquer verme dessa escola de samba, a coisa vai ficar preta".
Um outro xenófobo menos belicoso - como se existisse - consegue vomitar o seguinte: "Eu, como paulistano, tenho nojo dessa escola de samba e seu samba enredo. Assim como vários paulistas e paulistanos, repudio este enredo nojento e absurdo. Querem exaltar o Nordeste, desfilem por lá”.
Observem que o idiota diz ter nojo por ser paulistano, talvez não o tivesse se ele fosse goiano ou gaucho, donde se deduz que esse luminar da sabedoria humana restringe apenas aos abençoados nascidos em solo paulista a exclusividade do saber, da cultura, da riqueza e da diversão, ou seja, o mundo não pode existir se tudo não for uma exaltação à São Paulo. Talvez quem sabe ele faça uma exceção aos Estados Unidos da América do Norte, com quem ele deve estar acostumado a falar fino.
Triste e parodoxal esse nosso mundo. Nos dias atuais em que tantos esforços se fazem na busca de soluções que caminhem na direção do justo usufruto da vida, das benesses da natureza, justo quando mais se discute meios de preservar o planeta, exatamente por que cada vez mais se entende que tudo que existe por aqui além de vital é de direito de todos, ainda existem idiotas desse naipe - e que não são poucos - que não param de olhar para os próprios umbigos a julgarem-se o centro do universo. É de dar dó. Nunca sairão de seus quintais, por medo de descobrirem que o Brasil e o mundo podem perfeitamente funcionar sem São Paulo. Aliás podem funcionar não, funcionam de verdade.
Ainda bem que os dirigentes da escola já tomaram providencias para reprimir essa idiotice encaminhando as mensagens para a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).
E se por acaso no próximo carnaval eu estiver em São Paulo quem sabe vou até o Sambodromo enrolado na bandeira paulista só para aplaudir de pé o desfile dessa escola!
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Crise neoliberal e sofrimento humano
Reproduzo artigo do teólogo Leonardo Boff, publicado no sítio da Adital:
O balanço que faço de 2010 vai ser diferente. Enfatizo um dado pouco referido nas análises: o imenso sofrimento humano, a desestruturação subjetiva especialmente dos assalariados, devido à reorganização econômico-financeira mundial.
Há muito que se operou a "grande transformação" (Polaniy), colocando a economia como o eixo articulador de toda a vida social, subordinando a política e anulando a ética. Quando a economia entra em crise, como sucede atualmente, tudo é sacrificado para salvá-la. Penaliza-se toda a sociedade como na Grécia, na Irlanda, em Portugal, na Espanha e mesmo dos USA em nome do saneamento da economia. O que deveria ser meio transforma-se num fim em si mesmo.
Colocado em situação de crise, o sistema neoliberal tende a radicalizar sua lógica e a explorar mais ainda a força de trabalho. Ao invés de mudar de rumo, faz mais do mesmo, colocando pesada cruz sobre as costas dos trabalhadores. Não se trata daquilo relativamente já estudado do "assédio moral", vale dizer, das humilhações persistentes e prolongadas de trabalhadores e trabalhadoras para subordiná-los, amedrontá-los e, por fim, levá-los a deixar o trabalho. O sofrimento agora é mais generalizado e difuso afetando, ora mais ora menos, o conjunto dos países centrais. Trata-se de uma espécie de "mal-estar da globalização" em processo de erosão humanística.
Ele se expressa por grave depressão coletiva, destruição do horizonte da esperança, perda da alegria de viver, vontade de sumir do mapa e até, em muitos, de tirar a própria vida. Por causa da crise, as empresas e seus gestores levam a competitividade até a um limite extremo, estipulam metas quase inalcançáveis, infundindo nos trabalhadores, angústias, medo e, não raro, síndrome de pânico. Cobra-se tudo deles: entrega incondicional e plena disponibilidade, dilacerando sua subjetividade e destruindo as relações familiares. Estima-se que no Brasil cerca de 15 milhões de pessoas sofram este tipo de depressão, ligada às sobrecargas do trabalho.
A pesquisadora Margarida Barreto, médica especialista em saúde do trabalho, observou que no ano passado, numa pesquisa ouvindo 400 pessoas, que cerca de um quarto delas teve ideias suicidas por causa da excessiva cobrança no trabalho. Continua ela: "é preciso ver a tentativa de tirar a própria vida como uma grande denúncia às condições de trabalho impostas pelo neoliberalismo nas últimas décadas".
Especialmente são afetados os bancários do setor financeiro, altamente especulativo e orientado para a maximalização dos lucros. Uma pesquisa de 2009 feita pelo professor Marcelo Augusto Finazzi Santos, da Universidade de Brasília, apurou que entre 1996 a 2005, a cada 20 dias, um bancário se suicidava, por causa das pressões por metas, excesso de tarefas e pavor do desemprego. Os gestores atuais mostram-se insensíveis ao sofrimento de seus funcionários, acrescentando-lhes ainda mais sofrimento.
A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de três mil pessoas se suicidam diariamente, muitas delas por causa da abusiva pressão do trabalho. O Le Monde Diplomatique de novembro do corrente ano denunciou que entre os motivos das greves de outubro na França, se achava também o protesto contra o acelerado ritmo de trabalho imposto pelas fábricas causando nervosismo, irritabilidade e ansiedade. Relançou-se a frase de 1968 que rezava: "metrô, trabalho, cama", atualizando-a agora como "metrô, trabalho, túmulo". Quer dizer, doenças letais ou o suicídio como efeito da superexploração capitalista.
Nas análises que se fazem da atual crise, importa incorporar este dado perverso que é o oceano de sofrimento que está sendo imposto à população, sobretudo, aos pobres, no propósito de salvar o sistema econômico, controlado por poucas forças, extremamente fortes, mas desumanas e sem piedade. Uma razão a mais para superá-lo historicamente, além de condená-lo moralmente. Nessa direção caminha a consciência ética da humanidade, bem representada nas várias realizações do Fórum Social Mundial entre outras.
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O balanço que faço de 2010 vai ser diferente. Enfatizo um dado pouco referido nas análises: o imenso sofrimento humano, a desestruturação subjetiva especialmente dos assalariados, devido à reorganização econômico-financeira mundial.
Há muito que se operou a "grande transformação" (Polaniy), colocando a economia como o eixo articulador de toda a vida social, subordinando a política e anulando a ética. Quando a economia entra em crise, como sucede atualmente, tudo é sacrificado para salvá-la. Penaliza-se toda a sociedade como na Grécia, na Irlanda, em Portugal, na Espanha e mesmo dos USA em nome do saneamento da economia. O que deveria ser meio transforma-se num fim em si mesmo.
Colocado em situação de crise, o sistema neoliberal tende a radicalizar sua lógica e a explorar mais ainda a força de trabalho. Ao invés de mudar de rumo, faz mais do mesmo, colocando pesada cruz sobre as costas dos trabalhadores. Não se trata daquilo relativamente já estudado do "assédio moral", vale dizer, das humilhações persistentes e prolongadas de trabalhadores e trabalhadoras para subordiná-los, amedrontá-los e, por fim, levá-los a deixar o trabalho. O sofrimento agora é mais generalizado e difuso afetando, ora mais ora menos, o conjunto dos países centrais. Trata-se de uma espécie de "mal-estar da globalização" em processo de erosão humanística.
Ele se expressa por grave depressão coletiva, destruição do horizonte da esperança, perda da alegria de viver, vontade de sumir do mapa e até, em muitos, de tirar a própria vida. Por causa da crise, as empresas e seus gestores levam a competitividade até a um limite extremo, estipulam metas quase inalcançáveis, infundindo nos trabalhadores, angústias, medo e, não raro, síndrome de pânico. Cobra-se tudo deles: entrega incondicional e plena disponibilidade, dilacerando sua subjetividade e destruindo as relações familiares. Estima-se que no Brasil cerca de 15 milhões de pessoas sofram este tipo de depressão, ligada às sobrecargas do trabalho.
A pesquisadora Margarida Barreto, médica especialista em saúde do trabalho, observou que no ano passado, numa pesquisa ouvindo 400 pessoas, que cerca de um quarto delas teve ideias suicidas por causa da excessiva cobrança no trabalho. Continua ela: "é preciso ver a tentativa de tirar a própria vida como uma grande denúncia às condições de trabalho impostas pelo neoliberalismo nas últimas décadas".
Especialmente são afetados os bancários do setor financeiro, altamente especulativo e orientado para a maximalização dos lucros. Uma pesquisa de 2009 feita pelo professor Marcelo Augusto Finazzi Santos, da Universidade de Brasília, apurou que entre 1996 a 2005, a cada 20 dias, um bancário se suicidava, por causa das pressões por metas, excesso de tarefas e pavor do desemprego. Os gestores atuais mostram-se insensíveis ao sofrimento de seus funcionários, acrescentando-lhes ainda mais sofrimento.
A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de três mil pessoas se suicidam diariamente, muitas delas por causa da abusiva pressão do trabalho. O Le Monde Diplomatique de novembro do corrente ano denunciou que entre os motivos das greves de outubro na França, se achava também o protesto contra o acelerado ritmo de trabalho imposto pelas fábricas causando nervosismo, irritabilidade e ansiedade. Relançou-se a frase de 1968 que rezava: "metrô, trabalho, cama", atualizando-a agora como "metrô, trabalho, túmulo". Quer dizer, doenças letais ou o suicídio como efeito da superexploração capitalista.
Nas análises que se fazem da atual crise, importa incorporar este dado perverso que é o oceano de sofrimento que está sendo imposto à população, sobretudo, aos pobres, no propósito de salvar o sistema econômico, controlado por poucas forças, extremamente fortes, mas desumanas e sem piedade. Uma razão a mais para superá-lo historicamente, além de condená-lo moralmente. Nessa direção caminha a consciência ética da humanidade, bem representada nas várias realizações do Fórum Social Mundial entre outras.
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Um Plano Marshall para Cuba
Reproduzo artigo do sociólogo argentino Atilio Boron, publicado no sítio Rebelión:
Cuba enfrenta nestes dias um dilema de ferro: ou atualiza, revisa e reconstrói seu modelo econômico ou a revolução corre o sério risco de sucumbir diante da pressão combinada dos seus próprios erros e das agressões do bloqueio estadunidense. Os países da América Latina e Caribe, assim como a quase totalidade dos da África e Ásia, não podem permanecer indiferentes diante desta situação, ou limitar-se a contemplar como a revolução trava, sem outra ajuda além de suas próprias forças, esta decisiva batalha.
Mas o apoio não pode ser meramente declaratório. Isto é bom, mas é insuficiente. Cuba necessita de algo mais: concretamente, que seus credores, especialmente os de países da América Latina e Caribe, anulem sua dívida externa. Argentina é o maior credor – por um empréstimo concedido pelo governo de Hector Câmpora e seu ministro da Economia José B. Gelbard, em 1973 – e que o ex-ministro de Relações Exteriores do presidente Néstor Kirchner, Rafael Bielsa, propôs a quitação de 50% de seu montante, que somando o principal e os juros acumulados daria, na atualidade, aproximadamente 1,8 bilhão de dólares. Em dezembro de 2001, o seu colega de gabinete, o ministro da Economia Roberto Lavagna, propôs aos credores da Argentina quitar 75% sobre o valor nominal da dívida.
Como é sabido, este país finalmente atingiu a meta que, segundo os cálculos, flutua em torno de 70% do valor nominal dos bônus de sua dívida. A Casa Rosada deveria, ao menos, garantir a Cuba o mesmo tratamento que obteve de seus próprios credores. Isto seria o mínimo. O correto, o que seria eticamente impecável, seria cancelar esta dívida e, desse modo, aliviar a carga que pesa sobre a república-irmã de Cuba. Os 1.147 habitantes da Argentina que, graças a “Operação Milagro”, no último ano recuperaram gratuitamente a visão no Centro Oftalmológico Dr. Ernesto Guevara, de Córdoba, e os mais de 20 mil alfabetizados que aprenderam a ler e escrever com o programa cubano “Yo Si Puedo”, seriam a razão, entre outras, para cancelar esta dívida. Tal coisa seria um ato de estrita justiça. E o mesmo deveriam fazer os governos do México, que mantêm créditos da ordem de 500 milhões de dólares; Panamá, 200 milhões; Brasil, 40 milhões; Trinidad-Tobago, 30 milhões; e Uruguai, também com 30 milhões.
Por que de estrita justiça? Por várias razões. Expomos simplesmente duas. Em primeiro lugar, como equitativa retribuição pelo generoso e inigualável internacionalismo cubano, que levou essa revolução a transcender as suas fronteiras, semeando de médicos, enfermeiros, dentistas, educadores e instrutores esportivos ao mundo todo, enquanto o império e seus aliados o saturavam com militares, “comandos especiais”, espiões, agentes da inteligência, policiais e terroristas.
Ao longo das últimas décadas, Cuba enviou ao exterior uns 135 mil profissionais da saúde a mais de 100 países de todo o mundo, especialmente à América Latina e Caribe e África, mas também aos da Ásia. Os médicos cubanos estavam no Haiti muito antes do fatídico terremoto, enquanto os EUA aumentaram sua presença enviando... marines. A ajuda cubana para combater enfermidades e prevenir as mortes em tantos países foi e é concreta e efetiva. Agora, os povos e nações do Terceiro Mundo devem correr e ajudar esse farol da libertação nacional e social que há mais de meio século inspira e ilumina nobres lutas de nossos povos. E devem fazê-lo com uma solidariedade militante, traduzida em ajuda econômica efetiva. As declarações serão bem-vindas, mas são insuficientes.
Em segundo lugar, há uma obrigação moral de ajudar Cuba porque, pensemos: o que seria de nossos países se a sua revolução não tivesse resistido com pé firme sem arriar sua bandeira às pressões do imperialismo e à direita mundial, após a implosão da União Soviética? O que seria com uma Cuba de joelhos, vencida e desarmada diante da restauração do saque neocolonial que havia sido submetida desde 1898, com seus sonhos e utopias humanistas golpeados pelo retorno triunfal das máfias capitalistas como as que, até então, estavam arrasando a defunta União Soviética? O que seria com a revolução e a criação de uma sociedade solidária excomungadas como irresponsáveis a sonhar com falsos messias que inexoravelmente culminam em um infernal pesadelo.
Seria possível a transcendental mudança político-ideológica materializada na ascensão e consolidação do poder de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, para mencionar apenas os casos mais significativos? Mais, sem o estímulo emanado da heróica resistência de Cuba, de seu “mau exemplo” evidenciado em taxas de mortalidade infantil menores que as dos Estados Unidos apesar do bloqueio e das agressões, seria possível o surgimento da moderada centro-esquerda em países como Argentina, Brasil e Uruguai no começo do novo século? De maneira nenhuma! Se estes avanços foram possíveis foi, além das causas próprias de cada caso, porque Cuba resistiu. Se houvesse capitulado e fosse convertida a colônia estadunidense, o tsunami direitista teria arrasado esta parte do mundo. Graças a Cuba, nossos povos evitaram tamanha catástrofe.
Por isto, além de anular as dívidas existentes com os países da região, tanto os credores como aqueles que não são, deveriam criar, de imediato, um fundo especial de solidariedade com a revolução cubana. Os Estados Unidos fizeram o mesmo para salvar os europeus da debacle após a II Guerra Mundial, e seu êxito foi extraordinário. O Plano Marshall satisfez plenamente as expectativas que havia despertado e as economias européias rapidamente se recuperaram. Cuba, castigada com os planos Marshall contra – tal como é agora o custo do bloqueio estadunidense sobre a frágil economia cubana – merece muito um gesto similar de seus irmãos latino-americanos.
Estes contam com enormes reservas em seus bancos centrais. Em 2007, o presidente equatoriano Rafael Correa calculou que as reservas existentes na região estavam em torno de 200 bilhões de dólares, e esta cifra não deixou de crescer nos anos posteriores. Uma estatística realizada pelo FMI indica que no final de 2009 as reservas internacionais da Argentina ascendiam a 49,6 bilhões de dólares, 238,5 bilhões no Brasil, 90,8 no México, 26 no Chile, 25 na Colômbia, 32,8 no Peru e 35,8 na Venezuela. Sem dúvida alguma, com os aumentos registrados em 2010, as reservas cambiais destes países – além de outros como Bolívia, Equador e Uruguai que não foram contemplados na estatística – superariam folgadamente os 500 bilhões de dólares.
Daí a enorme importância de colocar em marcha, o quanto antes, o Banco do Sul, travado, todavia, por pretextos burocráticos e por miopía política de alguns governantes. Atingindo apenas 2% de tão fabulosas reservas, poderia criar, sem maior esforço, um fundo especial de 10 bilhões de dólares destinado a financiar o complexo processo de reformas econômicas socialistas que Cuba deve realizar urgentemente nos próximos meses.
Seria um gesto de merecida reciprocidade diante da comprovada solidariedade cubana com nossos países ao longo de cinco décadas; e também um ato de altruísmo calculado para o qual só falta vontade política, porque o dinheiro aí está. Ou será que algum governante da região pode ser tão ingênuo para não dar-se conta que se a Revolução Cubana fosse derrotada, o império daria uma guinada com toda sua força sobre nossos países, sem distinção da coloração ideológica, para recolonizar a sangue e fogo o continente e restaurar a ordem que Fidel e o Movimento 26 de Julho desafiaram em 1º de janeiro de 1959?
* Tradução de Sandra Luiz Alves.
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Cuba enfrenta nestes dias um dilema de ferro: ou atualiza, revisa e reconstrói seu modelo econômico ou a revolução corre o sério risco de sucumbir diante da pressão combinada dos seus próprios erros e das agressões do bloqueio estadunidense. Os países da América Latina e Caribe, assim como a quase totalidade dos da África e Ásia, não podem permanecer indiferentes diante desta situação, ou limitar-se a contemplar como a revolução trava, sem outra ajuda além de suas próprias forças, esta decisiva batalha.
Mas o apoio não pode ser meramente declaratório. Isto é bom, mas é insuficiente. Cuba necessita de algo mais: concretamente, que seus credores, especialmente os de países da América Latina e Caribe, anulem sua dívida externa. Argentina é o maior credor – por um empréstimo concedido pelo governo de Hector Câmpora e seu ministro da Economia José B. Gelbard, em 1973 – e que o ex-ministro de Relações Exteriores do presidente Néstor Kirchner, Rafael Bielsa, propôs a quitação de 50% de seu montante, que somando o principal e os juros acumulados daria, na atualidade, aproximadamente 1,8 bilhão de dólares. Em dezembro de 2001, o seu colega de gabinete, o ministro da Economia Roberto Lavagna, propôs aos credores da Argentina quitar 75% sobre o valor nominal da dívida.
Como é sabido, este país finalmente atingiu a meta que, segundo os cálculos, flutua em torno de 70% do valor nominal dos bônus de sua dívida. A Casa Rosada deveria, ao menos, garantir a Cuba o mesmo tratamento que obteve de seus próprios credores. Isto seria o mínimo. O correto, o que seria eticamente impecável, seria cancelar esta dívida e, desse modo, aliviar a carga que pesa sobre a república-irmã de Cuba. Os 1.147 habitantes da Argentina que, graças a “Operação Milagro”, no último ano recuperaram gratuitamente a visão no Centro Oftalmológico Dr. Ernesto Guevara, de Córdoba, e os mais de 20 mil alfabetizados que aprenderam a ler e escrever com o programa cubano “Yo Si Puedo”, seriam a razão, entre outras, para cancelar esta dívida. Tal coisa seria um ato de estrita justiça. E o mesmo deveriam fazer os governos do México, que mantêm créditos da ordem de 500 milhões de dólares; Panamá, 200 milhões; Brasil, 40 milhões; Trinidad-Tobago, 30 milhões; e Uruguai, também com 30 milhões.
Por que de estrita justiça? Por várias razões. Expomos simplesmente duas. Em primeiro lugar, como equitativa retribuição pelo generoso e inigualável internacionalismo cubano, que levou essa revolução a transcender as suas fronteiras, semeando de médicos, enfermeiros, dentistas, educadores e instrutores esportivos ao mundo todo, enquanto o império e seus aliados o saturavam com militares, “comandos especiais”, espiões, agentes da inteligência, policiais e terroristas.
Ao longo das últimas décadas, Cuba enviou ao exterior uns 135 mil profissionais da saúde a mais de 100 países de todo o mundo, especialmente à América Latina e Caribe e África, mas também aos da Ásia. Os médicos cubanos estavam no Haiti muito antes do fatídico terremoto, enquanto os EUA aumentaram sua presença enviando... marines. A ajuda cubana para combater enfermidades e prevenir as mortes em tantos países foi e é concreta e efetiva. Agora, os povos e nações do Terceiro Mundo devem correr e ajudar esse farol da libertação nacional e social que há mais de meio século inspira e ilumina nobres lutas de nossos povos. E devem fazê-lo com uma solidariedade militante, traduzida em ajuda econômica efetiva. As declarações serão bem-vindas, mas são insuficientes.
Em segundo lugar, há uma obrigação moral de ajudar Cuba porque, pensemos: o que seria de nossos países se a sua revolução não tivesse resistido com pé firme sem arriar sua bandeira às pressões do imperialismo e à direita mundial, após a implosão da União Soviética? O que seria com uma Cuba de joelhos, vencida e desarmada diante da restauração do saque neocolonial que havia sido submetida desde 1898, com seus sonhos e utopias humanistas golpeados pelo retorno triunfal das máfias capitalistas como as que, até então, estavam arrasando a defunta União Soviética? O que seria com a revolução e a criação de uma sociedade solidária excomungadas como irresponsáveis a sonhar com falsos messias que inexoravelmente culminam em um infernal pesadelo.
Seria possível a transcendental mudança político-ideológica materializada na ascensão e consolidação do poder de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, para mencionar apenas os casos mais significativos? Mais, sem o estímulo emanado da heróica resistência de Cuba, de seu “mau exemplo” evidenciado em taxas de mortalidade infantil menores que as dos Estados Unidos apesar do bloqueio e das agressões, seria possível o surgimento da moderada centro-esquerda em países como Argentina, Brasil e Uruguai no começo do novo século? De maneira nenhuma! Se estes avanços foram possíveis foi, além das causas próprias de cada caso, porque Cuba resistiu. Se houvesse capitulado e fosse convertida a colônia estadunidense, o tsunami direitista teria arrasado esta parte do mundo. Graças a Cuba, nossos povos evitaram tamanha catástrofe.
Por isto, além de anular as dívidas existentes com os países da região, tanto os credores como aqueles que não são, deveriam criar, de imediato, um fundo especial de solidariedade com a revolução cubana. Os Estados Unidos fizeram o mesmo para salvar os europeus da debacle após a II Guerra Mundial, e seu êxito foi extraordinário. O Plano Marshall satisfez plenamente as expectativas que havia despertado e as economias européias rapidamente se recuperaram. Cuba, castigada com os planos Marshall contra – tal como é agora o custo do bloqueio estadunidense sobre a frágil economia cubana – merece muito um gesto similar de seus irmãos latino-americanos.
Estes contam com enormes reservas em seus bancos centrais. Em 2007, o presidente equatoriano Rafael Correa calculou que as reservas existentes na região estavam em torno de 200 bilhões de dólares, e esta cifra não deixou de crescer nos anos posteriores. Uma estatística realizada pelo FMI indica que no final de 2009 as reservas internacionais da Argentina ascendiam a 49,6 bilhões de dólares, 238,5 bilhões no Brasil, 90,8 no México, 26 no Chile, 25 na Colômbia, 32,8 no Peru e 35,8 na Venezuela. Sem dúvida alguma, com os aumentos registrados em 2010, as reservas cambiais destes países – além de outros como Bolívia, Equador e Uruguai que não foram contemplados na estatística – superariam folgadamente os 500 bilhões de dólares.
Daí a enorme importância de colocar em marcha, o quanto antes, o Banco do Sul, travado, todavia, por pretextos burocráticos e por miopía política de alguns governantes. Atingindo apenas 2% de tão fabulosas reservas, poderia criar, sem maior esforço, um fundo especial de 10 bilhões de dólares destinado a financiar o complexo processo de reformas econômicas socialistas que Cuba deve realizar urgentemente nos próximos meses.
Seria um gesto de merecida reciprocidade diante da comprovada solidariedade cubana com nossos países ao longo de cinco décadas; e também um ato de altruísmo calculado para o qual só falta vontade política, porque o dinheiro aí está. Ou será que algum governante da região pode ser tão ingênuo para não dar-se conta que se a Revolução Cubana fosse derrotada, o império daria uma guinada com toda sua força sobre nossos países, sem distinção da coloração ideológica, para recolonizar a sangue e fogo o continente e restaurar a ordem que Fidel e o Movimento 26 de Julho desafiaram em 1º de janeiro de 1959?
* Tradução de Sandra Luiz Alves.
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Estadão é inimigo da reforma agrária
Por Altamiro Borges
O jornal O Estado de S. Paulo, que já nasceu demonizando as lutas camponesas (basta lembrar suas matérias hidrófobas contra a revolta de Canudos) e defendendo os interesses da oligarquia paulista do café, não desiste nunca da sua cruzada contra a reforma agrária. Em editorial na semana passada, intitulado “Deixem a agricultura trabalhar”, ele voltou a atacar todos - MST, sindicalismo rural, partidos de esquerda e setores do governo Lula – que defendem uma justa distribuição de terras num dos países de maior concentração fundiária do planeta. Todos seriam entraves ao “desenvolvimento econômico” do Brasil.
Para o Estadão, os heróis do povo brasileiro são os ricos fazendeiros. “Com superávit comercial de US$ 58,2 bilhões neste ano, o agronegócio é mais uma vez a principal fonte de sustentação das contas externas brasileiras, graças ao seu poder de competição”, bajula o editorial, que parece saudoso das velhas teses oligárquicas sobre a “natureza agrícola” do país. Não há qualquer linha de crítica à concentração de terras nas mãos de poucos latifundiários, ao uso do trabalho escravo e infantil, à abjeta contratação de jagunços e pistoleiros ou às práticas devastadoras do meio ambiente tão comuns no campo brasileiro.
“Um recado político” para Dilma
Mais este editorial, dos vários já publicados, tem um objetivo nítido. Com base numa entrevista do atual ministro da Agricultura, Wagner Rossi, já confirmado para continuar no cargo, ele visa dar um “recado político” para o futuro governo. “O setor precisa de segurança para produzir bem e para ser competitivo. É um lembrete oportuno, a duas semanas da posse da presidente eleita, Dilma Rousseff”. O texto do Estadão expressa o temor dos ruralistas, para quem “o agronegócio continua na mira do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do PT, do MST e de outras organizações comprometidas com as bandeiras do atraso”.
Sempre ancorado na entrevista do ministro, o Estadão centra seus ataques exatamente na revisão dos índices de produtividade usados para a desapropriação de terras. Lembra que uma portaria já passou pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, mas que está engavetada no Ministério da Agricultura – e assim deve continuar. Em síntese, a família Mesquita se mantém na dianteira da luta contra a reforma agrária. Para ela, esta bandeira é coisa do passado e seus defensores representam o “atraso”. Neste esforço militante, o jornal não vacila em abandonar qualquer tipo de imparcialidade e difunde as maiores mentiras.
Mentiras sem escrúpulos
Sem escrúpulos, o editorial afirma que o agronegócio é responsável pela “produção eficiente de alimentos abundantes, bons e baratos, acessíveis a qualquer trabalhador... Pode ter havido razão econômica para a reforma agrária há algumas décadas. Mas a agropecuária transformou-se amplamente nos últimos 40 anos. O setor produz muito mais que o necessário para abastecer o mercado interno e para atender à crescente demanda internacional... A agropecuária brasileira se modernizou. Os defensores da reforma agrária continuam no passado. A presidente eleita faria bem ao País se escolhesse o compromisso com a modernidade”.
Estas teses, infelizmente encampadas por alguns desenvolvimentistas, não levam em conta que a reforma agrária é uma questão de justiça social e de ampliação da democracia no Brasil – a vitória do direitista José Serra nos redutos do agronegócio deveria servir de alerta! Elas também ignoram o papel econômico de uma distribuição mais justa das terras no Brasil. Neste sentido, o Estadão mente descaradamente. Não é verdade que o agronegócio garante a comida na mesa dos brasileiros. Muito pelo contrário. São os 4,5 milhões de famílias de pequenos proprietários que garantem 80% dos alimentos consumidos no país.
Atentado à inteligência do leitor
Como observou Lúcio Mello, num excelente artigo publicado no Blog da Reforma Agrária, o editorial do Estadão é um atentado à inteligência dos leitores. Ele abusa da desinformação e das meias-verdades. Omite, inclusive, os dados oficiais recém divulgados pelo censo do IBGE. “O agronegócio não é responsável por alimentos bons, baratos e de qualidade. Por mais que comamos soja, açúcar e café e [bebamos] suco de laranja, é o produtor familiar que abastece em sua maioria as cidades de leite, feijão e mandioca, gerando renda e impedindo o aumento do fluxo migratório para São Paulo, Rio de Janeiro” e outras capitais.
Ponderado, ele observa que “o editorial louva a importância do agronegócio na sociedade, sobretudo na pauta das exportações brasileiras e na promoção do superávit primário. Até aí, nada de errado. É reconhecido o papel da monocultura agroexportadora na chamada modernização conservadora entre 1964 e o fim da década de 70”. De resto, tudo é mentira.
Entre outras distorções, o Estadão omite que o agronegócio “tem parcela de culpa considerável na dívida pública brasileira, seja através das sucessivas dívidas simplesmente não pagas ou de repasses com ônus ao tesouro de projetos agropecuários faraônicos”, explica Lúcio Mello. Estima-se que esta dívida atingiu R$74 bilhões em maio de 2008. Isto sem falar da anistias às dívidas, dos juros subsidiados e de outras benesses do Estado.
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O jornal O Estado de S. Paulo, que já nasceu demonizando as lutas camponesas (basta lembrar suas matérias hidrófobas contra a revolta de Canudos) e defendendo os interesses da oligarquia paulista do café, não desiste nunca da sua cruzada contra a reforma agrária. Em editorial na semana passada, intitulado “Deixem a agricultura trabalhar”, ele voltou a atacar todos - MST, sindicalismo rural, partidos de esquerda e setores do governo Lula – que defendem uma justa distribuição de terras num dos países de maior concentração fundiária do planeta. Todos seriam entraves ao “desenvolvimento econômico” do Brasil.
Para o Estadão, os heróis do povo brasileiro são os ricos fazendeiros. “Com superávit comercial de US$ 58,2 bilhões neste ano, o agronegócio é mais uma vez a principal fonte de sustentação das contas externas brasileiras, graças ao seu poder de competição”, bajula o editorial, que parece saudoso das velhas teses oligárquicas sobre a “natureza agrícola” do país. Não há qualquer linha de crítica à concentração de terras nas mãos de poucos latifundiários, ao uso do trabalho escravo e infantil, à abjeta contratação de jagunços e pistoleiros ou às práticas devastadoras do meio ambiente tão comuns no campo brasileiro.
“Um recado político” para Dilma
Mais este editorial, dos vários já publicados, tem um objetivo nítido. Com base numa entrevista do atual ministro da Agricultura, Wagner Rossi, já confirmado para continuar no cargo, ele visa dar um “recado político” para o futuro governo. “O setor precisa de segurança para produzir bem e para ser competitivo. É um lembrete oportuno, a duas semanas da posse da presidente eleita, Dilma Rousseff”. O texto do Estadão expressa o temor dos ruralistas, para quem “o agronegócio continua na mira do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do PT, do MST e de outras organizações comprometidas com as bandeiras do atraso”.
Sempre ancorado na entrevista do ministro, o Estadão centra seus ataques exatamente na revisão dos índices de produtividade usados para a desapropriação de terras. Lembra que uma portaria já passou pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, mas que está engavetada no Ministério da Agricultura – e assim deve continuar. Em síntese, a família Mesquita se mantém na dianteira da luta contra a reforma agrária. Para ela, esta bandeira é coisa do passado e seus defensores representam o “atraso”. Neste esforço militante, o jornal não vacila em abandonar qualquer tipo de imparcialidade e difunde as maiores mentiras.
Mentiras sem escrúpulos
Sem escrúpulos, o editorial afirma que o agronegócio é responsável pela “produção eficiente de alimentos abundantes, bons e baratos, acessíveis a qualquer trabalhador... Pode ter havido razão econômica para a reforma agrária há algumas décadas. Mas a agropecuária transformou-se amplamente nos últimos 40 anos. O setor produz muito mais que o necessário para abastecer o mercado interno e para atender à crescente demanda internacional... A agropecuária brasileira se modernizou. Os defensores da reforma agrária continuam no passado. A presidente eleita faria bem ao País se escolhesse o compromisso com a modernidade”.
Estas teses, infelizmente encampadas por alguns desenvolvimentistas, não levam em conta que a reforma agrária é uma questão de justiça social e de ampliação da democracia no Brasil – a vitória do direitista José Serra nos redutos do agronegócio deveria servir de alerta! Elas também ignoram o papel econômico de uma distribuição mais justa das terras no Brasil. Neste sentido, o Estadão mente descaradamente. Não é verdade que o agronegócio garante a comida na mesa dos brasileiros. Muito pelo contrário. São os 4,5 milhões de famílias de pequenos proprietários que garantem 80% dos alimentos consumidos no país.
Atentado à inteligência do leitor
Como observou Lúcio Mello, num excelente artigo publicado no Blog da Reforma Agrária, o editorial do Estadão é um atentado à inteligência dos leitores. Ele abusa da desinformação e das meias-verdades. Omite, inclusive, os dados oficiais recém divulgados pelo censo do IBGE. “O agronegócio não é responsável por alimentos bons, baratos e de qualidade. Por mais que comamos soja, açúcar e café e [bebamos] suco de laranja, é o produtor familiar que abastece em sua maioria as cidades de leite, feijão e mandioca, gerando renda e impedindo o aumento do fluxo migratório para São Paulo, Rio de Janeiro” e outras capitais.
Ponderado, ele observa que “o editorial louva a importância do agronegócio na sociedade, sobretudo na pauta das exportações brasileiras e na promoção do superávit primário. Até aí, nada de errado. É reconhecido o papel da monocultura agroexportadora na chamada modernização conservadora entre 1964 e o fim da década de 70”. De resto, tudo é mentira.
Entre outras distorções, o Estadão omite que o agronegócio “tem parcela de culpa considerável na dívida pública brasileira, seja através das sucessivas dívidas simplesmente não pagas ou de repasses com ônus ao tesouro de projetos agropecuários faraônicos”, explica Lúcio Mello. Estima-se que esta dívida atingiu R$74 bilhões em maio de 2008. Isto sem falar da anistias às dívidas, dos juros subsidiados e de outras benesses do Estado.
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Jornalismo apressado e mal feito
Reproduzo artigo do jornalista e escritor Washington Araújo, publicado no sítio Carta Maior:
Mais alguns dias e adeus 2010. Tempo de pensar (e repensar) sobre tudo o que foi notícia e não merecia e também sobre tudo o que não foi notícia, e merecia. Momento especialmente propício para refletirmos se realmente o Brasil tem a imprensa que merece. Sim, porque é mais fácil mudar o curso do rio São Francisco do que ver nossa velha imprensa deixar de lado os velhos cacoetes que tanto lhe entortaram a escrita através dos anos. É mais fácil redesenhar a pirâmide da mobilidade social no Brasil do que ver ser resgatada de forma inconteste a credibilidade de parte considerável de nossos meios de comunicação.
Mas é também momento de passar em revista as muitas idas e vindas de uma imprensa quase sempre errática ao longo do ano. Imprensa que não precisou se esforçar muito para nos deixar estupefatos com o pouco caso com que princípios básicos do bom jornalismo foram relegados a segundos e terceiros planos: objetividade jornalística, relevância das pautas, importância e raridade de temas, investigação responsável antes da publicação de denúncias, respeito ao chamado "outro lado" e por aí afora.
Período de altos e baixos e onde os baixos predominaram quase que ininterruptamente. A seguir, o resultado da faina laboriosa de meus dois neurônios de estimação para me contar como foi 2010.
Previsão furada
Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope, em entrevista publicada na revista Veja (nº 2127, de 22/8/2009) aposta que o governo, apesar da imensa popularidade do presidente Lula, não conseguirá fazer o sucessor – no caso, a ministra Dilma Rousseff. Também afirma que o PT está em processo de decomposição. Como vimos nem uma coisa, nem outra. Montenegro como vidente tem sido excelente presidente do Ibope.
A longa jornada em busca do fato novo
Recorrente em todo o ano foi a busca desenfreada de vistosos veículos de comunicação por fatos novos, aqui entendidos como aqueles fatos capazes de frear o favoritismo da então candidata governista Dilma Rousseff e, simultaneamente, alavancar a candidatura oposicionista de José Serra. Ao longo do ano foram rotulados como fatos novos coisas antigas, sem qualquer sombra de ineditismo, como a muito falada e pouco conhecida ficha da terrorista "Vanda" nos anos de chumbo, a quebra do sigilo fiscal de quase 4.000 brasileiros – sendo que destes apenas cinco ou seis cidadãos recebiam pesado e explícito apoio da imprensa diária e semanal, escrita, radiofônica e televisiva, cobrando sempre em tom alarmante urgentes providências para se descobrirem os beneficiários de tais malfeitos.
A grande imprensa abdicou de utilizar a percepção, a intuição e a inteligência jornalística para responder a questões importantes como estas: a quem interessaria (no duro mesmo!) a quebra do sigilo fiscal nos últimos meses de 2009 de Eduardo Jorge Caldas Pereira, vice-presidente do PSDB, de seus companheiros de partido, de Samuel Klein (dono da Casas Bahia) e da apresentadora da TV Globo Ana Maria Braga? Quem estaria mais necessitado de um balão de oxigênio que atendesse pelo nome fato novo?
Capas da Folha de S.Paulo
O jornal paulista continuou sua trajetória política de "morde-e-assopra" em busca de um cada vez mais impossível equilíbrio entre ser pró-governo e pró-oposição. Mas não deixou de reduzir a pó sua alegação recorrente de pairar acima dos partidos políticos, suas metas, desafios, anseios e motivações. Isto aconteceu num domingo (5/9/2010), quando estampou em sua capa a manchete que terá carregar durante muitos anos como pura irresponsabilidade jornalística: "Consumidor de luz pagou R$ 1 bi por falha de Dilma".
A reportagem atribuía à então candidata Dilma Rousseff um erro na cobrança da tarifa social de energia elétrica quando era ministra das Minas e Energia. Segundo o Tribunal de Contas da União, o desperdício foi de R$ 989 milhões no tempo em que Dilma ocupava aquela pasta (2003-2005). A notícia estava destinada a se contrapor à propaganda eleitoral, que apresentava a candidata à Presidência pelo PT como uma eficiente gestora e colocava em xeque essa imagem.
A propósito, informe-se que a tarifa social foi criada em 2002, ainda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. As mudanças solicitadas pelo TCU ocorreram em 2007, dois anos depois da saída de Dilma da pasta. A lei que regula a tarifa social foi alterada em 2010.
A inusitada manchete reunindo em poucos caracteres acusação explosiva de erro monumental (falha), cifra impressionante (R$ 1 bi) e ainda o nome bem estampado da candidata-líder (Dilma) em pesquisas de opinião na corrida para o Palácio do Planalto, tinha tudo para chamar a atenção de qualquer observador da mídia minimamente comprometido com o embate petistas versus demotucanos.
Alguns tuiteiros se recusaram a aceitar esse papel(ão) do jornal paulista e divulgaram milhares de mensagens de 140 caracteres sugerindo outras manchetes para o jornal da Barão de Limeira. Pincei três: "Em 2000, Dilma aconselhou o FHC: não precisa investir em energia. O risco de racionamento é zero"; "Dilma joga moeda de um real na pista de Congonhas e derruba avião da TAM"; "Erro de Dilma soterra mineiros no Chile e é a principal pedra que impede a saída dos mineiros chilenos da mina".
Jornalismo apressado e mal feito
O jornalismo brasileiro, que já não era muito assertivo, termina 2010 vestido em forma de grande ponto de interrogação, jornalismo que acha, além de improdutivo, entediante investigar os fatos e os dados antes de publicar a matéria. Com bem poucas exceções sobrevivemos doze meses sob o império do "grande Se", sob o domínio do "achismo", desde as coisas mais banais até às mais importantes para o país. Às favas com a busca da verdade, imparcialidade, busca incessante pela objetividade jornalística. É como se as primeiras páginas dos jornais, seus espaços nobres e vistosos, se transformassem do dia para a noite em editoriais alagadiços, transbordando de uma seção a outra, de uma editoria a outra, irrompendo em colunas de notas políticas, avançando por sobre o colunismo social e até mesmo impregnando o espaço dos leitores com a opinião amplamente vociferada em flamejantes editoriais.
Ufa! Mas não fica por aí. Durante a exibição do Jornal da Globo do dia 27/8/2010, o apresentador William Waack perde a paciência e grita "Cala Boca" durante a entrevista da ex-ministra Dilma Rousseff.
Reinações dos especialistas em opinar
Em 2010, as notícias foram divulgadas de forma mais adjetivadas que o normal. Pouco de substância. Opinião quase sempre exacerbada, tingida por cores ideológicas. Quanto mais os grandes jornais e revistas do país tratavam de mostrar ao longo de 2010 seu decantado – mas nunca explícito – não-alinhamento partidário, mais seus colunistas carregavam nas tintas para defender seu candidato ao Planalto.
Fiquemos em apenas uma exemplificação que já estará de bom tamanho. Consideremos, a título ilustrativo, o caso Merval Pereira, principal comentarista de política do jornal O Globo e da rádio CBN, que no curto período de 15/6/2010 a 17/8/2010 criou e tratou de difundir ao máximo sua alcunha para Dilma Rousseff – a laranja eleitoral. Ele escreveu coisas como:
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"De um lado, a candidata oficial, Dilma Rousseff, transformada pelo próprio Lula em sua `laranja´ eleitoral..." (O Globo, 15/6/2010);
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"Ela já era figura proeminente antes mesmo de surgir do bolso do colete de Lula para ser impingida ao eleitorado como sua `laranja eleitoral´" (O Globo, 6/7/2010);
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"...que o seu eventual primeiro mandato será o terceiro de Lula, o que pode transformá-la em uma mera `laranja eleitoral´ do seu mentor" (O Globo, 16/7/2010);
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"... enquanto Dilma a cada dia valoriza mais o papel de `laranja eleitoral´ de Lula..." (O Globo, 11/8/2010);
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"Mas, como não é ele que concorre, e sim uma sua `laranja eleitoral´, a transferência de votos ainda não é total, e possivelmente não será" (O Globo, 17/8/2010).
A conferir se o sapiente comentarista das Organizações Globo irá, a partir do dia 1º de janeiro de 2011, elevar sua criação linguística à condição de pronome de tratamento regular para quando se referir à presidente Dilma Rousseff grafar algo como "Dilma Rousseff, a Presidente Laranja do Brasil".
O falso debate camuflando reais intenções
A imprensa clamou desde a primeira semana do ano até esta semana que no Brasil a liberdade de expressão estava por um triz. O risco vinha embutido em qualquer ideia, qualquer iniciativa, qualquer autoridade do governo que ousasse mencionar a (já) imperiosa necessidade de regulamentar – minimamente que seja – os veículos de comunicação. Para aproveitar o bordão presidencial, tomo a liberdade de, solene como sói acontecer, declarar que nunca antes na história deste país se usufruiu de tanta liberdade – opinião, expressão, imprensa – como nos dias atuais.
Ficou evidente que o combustível por trás da luta por liberdade de expressão no Brasil está na manutenção dos monopólios midiáticos, a liberdade para decidir a seu bel-prazer o que deve ser consumido pela sociedade sem qualquer consulta aos poderes constituídos. A grande imprensa se fecha em copas quando o assunto é a regulamentação dos artigos 223 e 224 da Constituição de 1988. E se abre de par em par quando é defender seus interesses corporativos, quase sempre em benefício direto de não mais que uma dezena de famílias.
Previsão furada de 2010 para 2010
Oscar Quiroga, astrólogo do jornal Estado de S. Paulo que recebeu amplo espaço da revista Veja (2161, 21/4/2010) para reunir a confraria dos astros em apoio ao candidato José Serra à Presidência, afirmou nas páginas da revista que, considerando "a notável coincidência de que no dia 10 de abril, quando sua pré-candidatura a presidente foi formalizada, o planeta Urano tenha atingido a localização em que o Sol se encontrava no momento do seu nascimento", e agregado o fato de que "Júpiter também atingirá a posição de seu mapa natal no fim de maio e de setembro, o que é outro sinal positivo para seu desempenho como candidato à Presidência... seria tolice não arriscar a afirmação de que José Serra deve ser o próximo presidente do Brasil".
Como vimos, os astros ouvidos por Veja entendiam tanto de futuro quanto o deputado eleito Tiririca de processo legislativo.
Tipo de não-fato potencializado pela imprensa
O tumulto que aconteceu no dia 20/10/2010 no bairro do Campo Grande, no Rio de Janeiro, entre simpatizantes das candidaturas de Serra e Dilma, teve como maior protagonista uma bolinha de papel que quicou na calva de José Serra. Foi difícil para a imprensa, principalmente a televisiva, informar bem seus telespectadores – cada qual assumindo a versão favorável a seu candidato à presidência. Entretanto, é preciso relatar os fatos como eles aconteceram e, entre os telejornais exibidos na noite daquela quarta-feira (20/10), parece que apenas o SBT Brasil conseguiu mostrar toda a sequência dos acontecimentos.
Na matéria, fica claro que o objeto que atingiu a cabeça do candidato foi uma simples bolinha de papel. Não foi uma pedra, nem um rolo de papel, nem um rolo de adesivos – versão final comprada pelos jornais do dia – como publicaram os principais portais de notícias. Resumo da ópera: o caso Bolinha de Papel virou jogo online no portal UOL com a chamada: "Teste sua pontaria atirando bolinhas de papel no candidato José Serra. Mova o mouse para os lados para apontar e quando Serra aparecer, clique para jogar as bolinhas e marcar muitos pontos."
Capas de Veja
A revista Veja mostrou pouca criatividade para tentar influir na campanha eleitoral de 2010. Bateu – com gosto, muito gosto – no governo Lula. Se fosse contratada pela oposição dificilmente conseguiria realizar melhor trabalho de desconstrução de oito anos de governo. Algumas das recentes edições do carro-chefe da Editora Abril trouxeram na capa, sempre carregando na cor vermelho-escarlate, chamadas como...
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"Lula, o mito, a fita e os fatos" (edição 2140);
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"Caiu a casa do tesoureiro do PT" (edição 2155);
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"Ele cobra 12% de comissão para o PT" (edição 2156);
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"O monstro do radicalismo" (edição 2173).
Vejamos as edições das três semanas anteriores ao primeiro turno das eleições deste ano: a edição nº 2181, de 8/9/2010, trazia na capa a ilustração em primeiro plano de um polvo se enroscando no brasão da República. Manchete: "O partido do polvo"; e o subtítulo: "A quebra de sigilo fiscal de filha de José Serra é sintoma do avanço tentacular de interesses partidários e ideológicos sobre o Estado brasileiro". A ediçãonº 2182, de 15/9/2010, repetia na capa a mesma ilustração, sendo que agora o polvo enrosca seus tentáculos em maços de dinheiro.
Manchete: "Exclusivo – O polvo no poder"; subtítulo: "Empresário conta como obteve contratos de 84 milhões de reais no governo graças à intermediação do filho de Erenice Guerra, ministra-chefe da Casa Civil, que foi o braço direito de Dilma Rousseff". A ediçãonº 2183, de 22/9/2010, tem novamente na capa o famoso molusco marinho lançando gigantescos tentáculos dentro do espelho d´água do Palácio do Planalto. A manchete: "A alegria do polvo", um balão daqueles de revista em quadrinhos e delimitado por raios abarcava a interjeição: "Caraca! Que dinheiro é esse?"
Há que se destacar, ainda, o perfil eminentemente partidário da revista Veja: em 54 semanas, nenhuma capa foi dedicada ao sr. Índio da Costa, muito menos ao sr. Paulo Preto, menos ainda ao Dersa e ao Rodoanel de São Paulo. O Brasil ter sido o último a sentir os feitos da crise econômica mundial e também o primeiro a desta sair... não foi, definitivamente, assunto jornalístico à altura da capa de Veja.
Deu no WikiLeaks
Julian Assange, com seu WikiLeaks, deu uma levantada na moral da velha imprensa ao instrumentalizá-la com formidáveis 250.725 documentos diplomáticos do governo dos Estados Unidos. The New York Times, El País, Le Monde, The Guardian e Der Spiegel foram os principais veículos por ele escolhidos para repercutir segredos diplomáticos que criaram – e continuarão a criar – embaraços ao governo Obama e saias justas à sua secretária de Estado, Hillary Clinton. Sintomático que um expoente do que autodesigna jornalismo científico, claramente gerado nos meios digitais, tenha requerido a experiência e tradição da velha imprensa para "filtrar" dezenas desses documentos e torná-los acessíveis com um mínimo de contextualização possível às massas da sociedade.
Preso por supostos crimes sexuais ocorridos na Suécia, Julian Assange teve inicialmente seu pedido de fiança negado. O recebimento de fundos em contas do WikiLeaks foi literalmente bloqueado pela Mastercard, Visa, PayPal e Amazon. Todas, grandes multinacionais estadunidenses.
No caso do Brasil, onde a grande imprensa tenta nos vender a todo custo a impressão de que a liberdade de expressão está com suas horas contadas, nada de substancial foi publicado, seja na forma de editoriais ou não, em defesa do australiano. E, no entanto, concordo integralmente quando o cineasta Michael Moore o descreve como "um pioneiro da liberdade de expressão, do governo independente e da revolução digital do jornalismo".
A grande novidade em nosso Brejo da Cruz foi, com grande possibilidade de acerto, a importância assumida pela WikiLeaks, seu impressionante grau de articulação e mobilização e seu recado aos Senhores Tradicionais da Mídia, como a dizer: "Baby, e nós... ainda nem começamos!"
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Mais alguns dias e adeus 2010. Tempo de pensar (e repensar) sobre tudo o que foi notícia e não merecia e também sobre tudo o que não foi notícia, e merecia. Momento especialmente propício para refletirmos se realmente o Brasil tem a imprensa que merece. Sim, porque é mais fácil mudar o curso do rio São Francisco do que ver nossa velha imprensa deixar de lado os velhos cacoetes que tanto lhe entortaram a escrita através dos anos. É mais fácil redesenhar a pirâmide da mobilidade social no Brasil do que ver ser resgatada de forma inconteste a credibilidade de parte considerável de nossos meios de comunicação.
Mas é também momento de passar em revista as muitas idas e vindas de uma imprensa quase sempre errática ao longo do ano. Imprensa que não precisou se esforçar muito para nos deixar estupefatos com o pouco caso com que princípios básicos do bom jornalismo foram relegados a segundos e terceiros planos: objetividade jornalística, relevância das pautas, importância e raridade de temas, investigação responsável antes da publicação de denúncias, respeito ao chamado "outro lado" e por aí afora.
Período de altos e baixos e onde os baixos predominaram quase que ininterruptamente. A seguir, o resultado da faina laboriosa de meus dois neurônios de estimação para me contar como foi 2010.
Previsão furada
Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope, em entrevista publicada na revista Veja (nº 2127, de 22/8/2009) aposta que o governo, apesar da imensa popularidade do presidente Lula, não conseguirá fazer o sucessor – no caso, a ministra Dilma Rousseff. Também afirma que o PT está em processo de decomposição. Como vimos nem uma coisa, nem outra. Montenegro como vidente tem sido excelente presidente do Ibope.
A longa jornada em busca do fato novo
Recorrente em todo o ano foi a busca desenfreada de vistosos veículos de comunicação por fatos novos, aqui entendidos como aqueles fatos capazes de frear o favoritismo da então candidata governista Dilma Rousseff e, simultaneamente, alavancar a candidatura oposicionista de José Serra. Ao longo do ano foram rotulados como fatos novos coisas antigas, sem qualquer sombra de ineditismo, como a muito falada e pouco conhecida ficha da terrorista "Vanda" nos anos de chumbo, a quebra do sigilo fiscal de quase 4.000 brasileiros – sendo que destes apenas cinco ou seis cidadãos recebiam pesado e explícito apoio da imprensa diária e semanal, escrita, radiofônica e televisiva, cobrando sempre em tom alarmante urgentes providências para se descobrirem os beneficiários de tais malfeitos.
A grande imprensa abdicou de utilizar a percepção, a intuição e a inteligência jornalística para responder a questões importantes como estas: a quem interessaria (no duro mesmo!) a quebra do sigilo fiscal nos últimos meses de 2009 de Eduardo Jorge Caldas Pereira, vice-presidente do PSDB, de seus companheiros de partido, de Samuel Klein (dono da Casas Bahia) e da apresentadora da TV Globo Ana Maria Braga? Quem estaria mais necessitado de um balão de oxigênio que atendesse pelo nome fato novo?
Capas da Folha de S.Paulo
O jornal paulista continuou sua trajetória política de "morde-e-assopra" em busca de um cada vez mais impossível equilíbrio entre ser pró-governo e pró-oposição. Mas não deixou de reduzir a pó sua alegação recorrente de pairar acima dos partidos políticos, suas metas, desafios, anseios e motivações. Isto aconteceu num domingo (5/9/2010), quando estampou em sua capa a manchete que terá carregar durante muitos anos como pura irresponsabilidade jornalística: "Consumidor de luz pagou R$ 1 bi por falha de Dilma".
A reportagem atribuía à então candidata Dilma Rousseff um erro na cobrança da tarifa social de energia elétrica quando era ministra das Minas e Energia. Segundo o Tribunal de Contas da União, o desperdício foi de R$ 989 milhões no tempo em que Dilma ocupava aquela pasta (2003-2005). A notícia estava destinada a se contrapor à propaganda eleitoral, que apresentava a candidata à Presidência pelo PT como uma eficiente gestora e colocava em xeque essa imagem.
A propósito, informe-se que a tarifa social foi criada em 2002, ainda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. As mudanças solicitadas pelo TCU ocorreram em 2007, dois anos depois da saída de Dilma da pasta. A lei que regula a tarifa social foi alterada em 2010.
A inusitada manchete reunindo em poucos caracteres acusação explosiva de erro monumental (falha), cifra impressionante (R$ 1 bi) e ainda o nome bem estampado da candidata-líder (Dilma) em pesquisas de opinião na corrida para o Palácio do Planalto, tinha tudo para chamar a atenção de qualquer observador da mídia minimamente comprometido com o embate petistas versus demotucanos.
Alguns tuiteiros se recusaram a aceitar esse papel(ão) do jornal paulista e divulgaram milhares de mensagens de 140 caracteres sugerindo outras manchetes para o jornal da Barão de Limeira. Pincei três: "Em 2000, Dilma aconselhou o FHC: não precisa investir em energia. O risco de racionamento é zero"; "Dilma joga moeda de um real na pista de Congonhas e derruba avião da TAM"; "Erro de Dilma soterra mineiros no Chile e é a principal pedra que impede a saída dos mineiros chilenos da mina".
Jornalismo apressado e mal feito
O jornalismo brasileiro, que já não era muito assertivo, termina 2010 vestido em forma de grande ponto de interrogação, jornalismo que acha, além de improdutivo, entediante investigar os fatos e os dados antes de publicar a matéria. Com bem poucas exceções sobrevivemos doze meses sob o império do "grande Se", sob o domínio do "achismo", desde as coisas mais banais até às mais importantes para o país. Às favas com a busca da verdade, imparcialidade, busca incessante pela objetividade jornalística. É como se as primeiras páginas dos jornais, seus espaços nobres e vistosos, se transformassem do dia para a noite em editoriais alagadiços, transbordando de uma seção a outra, de uma editoria a outra, irrompendo em colunas de notas políticas, avançando por sobre o colunismo social e até mesmo impregnando o espaço dos leitores com a opinião amplamente vociferada em flamejantes editoriais.
Ufa! Mas não fica por aí. Durante a exibição do Jornal da Globo do dia 27/8/2010, o apresentador William Waack perde a paciência e grita "Cala Boca" durante a entrevista da ex-ministra Dilma Rousseff.
Reinações dos especialistas em opinar
Em 2010, as notícias foram divulgadas de forma mais adjetivadas que o normal. Pouco de substância. Opinião quase sempre exacerbada, tingida por cores ideológicas. Quanto mais os grandes jornais e revistas do país tratavam de mostrar ao longo de 2010 seu decantado – mas nunca explícito – não-alinhamento partidário, mais seus colunistas carregavam nas tintas para defender seu candidato ao Planalto.
Fiquemos em apenas uma exemplificação que já estará de bom tamanho. Consideremos, a título ilustrativo, o caso Merval Pereira, principal comentarista de política do jornal O Globo e da rádio CBN, que no curto período de 15/6/2010 a 17/8/2010 criou e tratou de difundir ao máximo sua alcunha para Dilma Rousseff – a laranja eleitoral. Ele escreveu coisas como:
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"De um lado, a candidata oficial, Dilma Rousseff, transformada pelo próprio Lula em sua `laranja´ eleitoral..." (O Globo, 15/6/2010);
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"Ela já era figura proeminente antes mesmo de surgir do bolso do colete de Lula para ser impingida ao eleitorado como sua `laranja eleitoral´" (O Globo, 6/7/2010);
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"...que o seu eventual primeiro mandato será o terceiro de Lula, o que pode transformá-la em uma mera `laranja eleitoral´ do seu mentor" (O Globo, 16/7/2010);
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"... enquanto Dilma a cada dia valoriza mais o papel de `laranja eleitoral´ de Lula..." (O Globo, 11/8/2010);
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"Mas, como não é ele que concorre, e sim uma sua `laranja eleitoral´, a transferência de votos ainda não é total, e possivelmente não será" (O Globo, 17/8/2010).
A conferir se o sapiente comentarista das Organizações Globo irá, a partir do dia 1º de janeiro de 2011, elevar sua criação linguística à condição de pronome de tratamento regular para quando se referir à presidente Dilma Rousseff grafar algo como "Dilma Rousseff, a Presidente Laranja do Brasil".
O falso debate camuflando reais intenções
A imprensa clamou desde a primeira semana do ano até esta semana que no Brasil a liberdade de expressão estava por um triz. O risco vinha embutido em qualquer ideia, qualquer iniciativa, qualquer autoridade do governo que ousasse mencionar a (já) imperiosa necessidade de regulamentar – minimamente que seja – os veículos de comunicação. Para aproveitar o bordão presidencial, tomo a liberdade de, solene como sói acontecer, declarar que nunca antes na história deste país se usufruiu de tanta liberdade – opinião, expressão, imprensa – como nos dias atuais.
Ficou evidente que o combustível por trás da luta por liberdade de expressão no Brasil está na manutenção dos monopólios midiáticos, a liberdade para decidir a seu bel-prazer o que deve ser consumido pela sociedade sem qualquer consulta aos poderes constituídos. A grande imprensa se fecha em copas quando o assunto é a regulamentação dos artigos 223 e 224 da Constituição de 1988. E se abre de par em par quando é defender seus interesses corporativos, quase sempre em benefício direto de não mais que uma dezena de famílias.
Previsão furada de 2010 para 2010
Oscar Quiroga, astrólogo do jornal Estado de S. Paulo que recebeu amplo espaço da revista Veja (2161, 21/4/2010) para reunir a confraria dos astros em apoio ao candidato José Serra à Presidência, afirmou nas páginas da revista que, considerando "a notável coincidência de que no dia 10 de abril, quando sua pré-candidatura a presidente foi formalizada, o planeta Urano tenha atingido a localização em que o Sol se encontrava no momento do seu nascimento", e agregado o fato de que "Júpiter também atingirá a posição de seu mapa natal no fim de maio e de setembro, o que é outro sinal positivo para seu desempenho como candidato à Presidência... seria tolice não arriscar a afirmação de que José Serra deve ser o próximo presidente do Brasil".
Como vimos, os astros ouvidos por Veja entendiam tanto de futuro quanto o deputado eleito Tiririca de processo legislativo.
Tipo de não-fato potencializado pela imprensa
O tumulto que aconteceu no dia 20/10/2010 no bairro do Campo Grande, no Rio de Janeiro, entre simpatizantes das candidaturas de Serra e Dilma, teve como maior protagonista uma bolinha de papel que quicou na calva de José Serra. Foi difícil para a imprensa, principalmente a televisiva, informar bem seus telespectadores – cada qual assumindo a versão favorável a seu candidato à presidência. Entretanto, é preciso relatar os fatos como eles aconteceram e, entre os telejornais exibidos na noite daquela quarta-feira (20/10), parece que apenas o SBT Brasil conseguiu mostrar toda a sequência dos acontecimentos.
Na matéria, fica claro que o objeto que atingiu a cabeça do candidato foi uma simples bolinha de papel. Não foi uma pedra, nem um rolo de papel, nem um rolo de adesivos – versão final comprada pelos jornais do dia – como publicaram os principais portais de notícias. Resumo da ópera: o caso Bolinha de Papel virou jogo online no portal UOL com a chamada: "Teste sua pontaria atirando bolinhas de papel no candidato José Serra. Mova o mouse para os lados para apontar e quando Serra aparecer, clique para jogar as bolinhas e marcar muitos pontos."
Capas de Veja
A revista Veja mostrou pouca criatividade para tentar influir na campanha eleitoral de 2010. Bateu – com gosto, muito gosto – no governo Lula. Se fosse contratada pela oposição dificilmente conseguiria realizar melhor trabalho de desconstrução de oito anos de governo. Algumas das recentes edições do carro-chefe da Editora Abril trouxeram na capa, sempre carregando na cor vermelho-escarlate, chamadas como...
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"Lula, o mito, a fita e os fatos" (edição 2140);
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"Caiu a casa do tesoureiro do PT" (edição 2155);
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"Ele cobra 12% de comissão para o PT" (edição 2156);
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"O monstro do radicalismo" (edição 2173).
Vejamos as edições das três semanas anteriores ao primeiro turno das eleições deste ano: a edição nº 2181, de 8/9/2010, trazia na capa a ilustração em primeiro plano de um polvo se enroscando no brasão da República. Manchete: "O partido do polvo"; e o subtítulo: "A quebra de sigilo fiscal de filha de José Serra é sintoma do avanço tentacular de interesses partidários e ideológicos sobre o Estado brasileiro". A ediçãonº 2182, de 15/9/2010, repetia na capa a mesma ilustração, sendo que agora o polvo enrosca seus tentáculos em maços de dinheiro.
Manchete: "Exclusivo – O polvo no poder"; subtítulo: "Empresário conta como obteve contratos de 84 milhões de reais no governo graças à intermediação do filho de Erenice Guerra, ministra-chefe da Casa Civil, que foi o braço direito de Dilma Rousseff". A ediçãonº 2183, de 22/9/2010, tem novamente na capa o famoso molusco marinho lançando gigantescos tentáculos dentro do espelho d´água do Palácio do Planalto. A manchete: "A alegria do polvo", um balão daqueles de revista em quadrinhos e delimitado por raios abarcava a interjeição: "Caraca! Que dinheiro é esse?"
Há que se destacar, ainda, o perfil eminentemente partidário da revista Veja: em 54 semanas, nenhuma capa foi dedicada ao sr. Índio da Costa, muito menos ao sr. Paulo Preto, menos ainda ao Dersa e ao Rodoanel de São Paulo. O Brasil ter sido o último a sentir os feitos da crise econômica mundial e também o primeiro a desta sair... não foi, definitivamente, assunto jornalístico à altura da capa de Veja.
Deu no WikiLeaks
Julian Assange, com seu WikiLeaks, deu uma levantada na moral da velha imprensa ao instrumentalizá-la com formidáveis 250.725 documentos diplomáticos do governo dos Estados Unidos. The New York Times, El País, Le Monde, The Guardian e Der Spiegel foram os principais veículos por ele escolhidos para repercutir segredos diplomáticos que criaram – e continuarão a criar – embaraços ao governo Obama e saias justas à sua secretária de Estado, Hillary Clinton. Sintomático que um expoente do que autodesigna jornalismo científico, claramente gerado nos meios digitais, tenha requerido a experiência e tradição da velha imprensa para "filtrar" dezenas desses documentos e torná-los acessíveis com um mínimo de contextualização possível às massas da sociedade.
Preso por supostos crimes sexuais ocorridos na Suécia, Julian Assange teve inicialmente seu pedido de fiança negado. O recebimento de fundos em contas do WikiLeaks foi literalmente bloqueado pela Mastercard, Visa, PayPal e Amazon. Todas, grandes multinacionais estadunidenses.
No caso do Brasil, onde a grande imprensa tenta nos vender a todo custo a impressão de que a liberdade de expressão está com suas horas contadas, nada de substancial foi publicado, seja na forma de editoriais ou não, em defesa do australiano. E, no entanto, concordo integralmente quando o cineasta Michael Moore o descreve como "um pioneiro da liberdade de expressão, do governo independente e da revolução digital do jornalismo".
A grande novidade em nosso Brejo da Cruz foi, com grande possibilidade de acerto, a importância assumida pela WikiLeaks, seu impressionante grau de articulação e mobilização e seu recado aos Senhores Tradicionais da Mídia, como a dizer: "Baby, e nós... ainda nem começamos!"
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Por que a mídia não se autoavalia?
Reproduzo artigo de Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:
Final de ano é tempo de balanços e previsões. Pessoais e institucionais. É momento de parar e refletir sobre o que se fez, identificar erros e acertos, corrigir o que pode ser melhorado, reavaliar caminhos e objetivos, planejar o futuro.
A grande mídia faz avaliações públicas e previsões de e para tudo: de todos os setores do governo, da iniciativa privada, das ONGs, da política, de todas as artes, esportes, religiões, do clima, das tendências... Por óbvio, a grande mídia faz avaliações e previsões internas, como em todas as empresas privadas comerciais que precisam dar conta a acionistas de metas e resultados.
O que a grande mídia não faz são avaliações públicas de si mesma, de seu próprio desempenho, de sua parcialidade, de seus preconceitos, de suas tendências, de suas omissões, de suas escolhas, de seu papel na democracia. O que a grande mídia omite é a avaliação de si mesma como um serviço que, apesar de explorado pela iniciativa privada, não perde sua natureza de serviço público.
Por que será que a mídia, apesar da indiscutível posição de centralidade que ocupa nas sociedades contemporâneas, não pauta o debate sobre seu papel como faz permanentemente em relação a todas as outras instituições na sociedade?
Adaptação do panem et circenses
A explicação da grande mídia será sempre aquela que atribui ao mercado o papel de seu único e supremo avaliador. A grande mídia dirá que é permanentemente avaliada por seus consumidores/leitores/ouvintes/telespectadores e que seu sucesso ou fracasso comercial significa o cumprimento ou não de sua missão e o atendimento ou não das necessidades de seu "público". Se o jornal é comprado por X consumidores é porque satisfaz a eles. E essa é a melhor avaliação que pode existir. Essa é uma das versões da conhecida "teoria do controle remoto": se o consumidor não gosta do que vê, ele pode trocar de canal ou desligar o aparelho de TV.
Como já argumentei em outra oportunidade [ver "Donos da mídia - A falácia dos argumentos"], a "teoria do controle remoto" ignora como se formam, se desenvolvem e se consolidam os hábitos culturais, incluindo aqui o hábito de assistir determinados canais e/ou programas de TV ou de ler determinadas revistas e/ou jornais. Este é um fascinante campo da complexa "sociologia do gosto". Quando se atribui, sem mais, ao mercado o papel de supremo avaliador, reduz-se toda a problemática da comunicação de massa a uma única dimensão - do "consumo" individual - e ignora-se a complexa questão da formação social do gosto e do papel determinante que a própria mídia nela desempenha.
Além disso, o argumento pressupõe um mercado de mídia democratizado, onde estariam representadas a pluralidade e a diversidade da sociedade, o que, por óbvio, não existe. Ignora ainda o fato elementar de que não se pode gostar ou deixar de gostar daquilo que não se conhece ou cujas chances de se conhecer são extremamente reduzidas.
No fundo, trata-se de uma adaptação contemporânea [sem as problematizações levantadas por historiadores como Renata Garraffoni] do panem et circenses romano. Naturalmente, o sacrifício de cristãos, entregues às feras em espetáculos públicos, não torna a prática dos imperadores romanos correta. Dito de outra forma, nem tudo que agrada a parcela importante da população é automaticamente ético e correto.
Omissão grave
A transparência que a grande mídia corretamente cobra de outras instituições – públicas e privadas, ela não pratica em relação a si mesma. Permanecemos em 2010 sendo um país democrático onde sequer existe um cadastro geral com acesso público dos concessionários do serviço de radiodifusão.
A transparência pública aplicada aos grupos dominantes da grande mídia certamente revelaria redes de interesses e compromissos - nem sempre legítimos - dos mais variados tipos, locais e globais. No que se refere à radiodifusão, por exemplo, revelaria os absurdos do "coronelismo eletrônico" enraizado em diferentes esferas do poder público; a propriedade cruzada como prática garantidora de oligopólios e monopólios; a exclusão de muitos e a liberdade de poucos apresentada e defendida em nome dos valores universais da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.
Ainda não será ao final deste ano de 2010 que a grande mídia fará uma avaliação pública de si mesma. Mas, com certeza, esta omissão grave já não passa despercebida para um número cada vez maior de brasileiros.
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Final de ano é tempo de balanços e previsões. Pessoais e institucionais. É momento de parar e refletir sobre o que se fez, identificar erros e acertos, corrigir o que pode ser melhorado, reavaliar caminhos e objetivos, planejar o futuro.
A grande mídia faz avaliações públicas e previsões de e para tudo: de todos os setores do governo, da iniciativa privada, das ONGs, da política, de todas as artes, esportes, religiões, do clima, das tendências... Por óbvio, a grande mídia faz avaliações e previsões internas, como em todas as empresas privadas comerciais que precisam dar conta a acionistas de metas e resultados.
O que a grande mídia não faz são avaliações públicas de si mesma, de seu próprio desempenho, de sua parcialidade, de seus preconceitos, de suas tendências, de suas omissões, de suas escolhas, de seu papel na democracia. O que a grande mídia omite é a avaliação de si mesma como um serviço que, apesar de explorado pela iniciativa privada, não perde sua natureza de serviço público.
Por que será que a mídia, apesar da indiscutível posição de centralidade que ocupa nas sociedades contemporâneas, não pauta o debate sobre seu papel como faz permanentemente em relação a todas as outras instituições na sociedade?
Adaptação do panem et circenses
A explicação da grande mídia será sempre aquela que atribui ao mercado o papel de seu único e supremo avaliador. A grande mídia dirá que é permanentemente avaliada por seus consumidores/leitores/ouvintes/telespectadores e que seu sucesso ou fracasso comercial significa o cumprimento ou não de sua missão e o atendimento ou não das necessidades de seu "público". Se o jornal é comprado por X consumidores é porque satisfaz a eles. E essa é a melhor avaliação que pode existir. Essa é uma das versões da conhecida "teoria do controle remoto": se o consumidor não gosta do que vê, ele pode trocar de canal ou desligar o aparelho de TV.
Como já argumentei em outra oportunidade [ver "Donos da mídia - A falácia dos argumentos"], a "teoria do controle remoto" ignora como se formam, se desenvolvem e se consolidam os hábitos culturais, incluindo aqui o hábito de assistir determinados canais e/ou programas de TV ou de ler determinadas revistas e/ou jornais. Este é um fascinante campo da complexa "sociologia do gosto". Quando se atribui, sem mais, ao mercado o papel de supremo avaliador, reduz-se toda a problemática da comunicação de massa a uma única dimensão - do "consumo" individual - e ignora-se a complexa questão da formação social do gosto e do papel determinante que a própria mídia nela desempenha.
Além disso, o argumento pressupõe um mercado de mídia democratizado, onde estariam representadas a pluralidade e a diversidade da sociedade, o que, por óbvio, não existe. Ignora ainda o fato elementar de que não se pode gostar ou deixar de gostar daquilo que não se conhece ou cujas chances de se conhecer são extremamente reduzidas.
No fundo, trata-se de uma adaptação contemporânea [sem as problematizações levantadas por historiadores como Renata Garraffoni] do panem et circenses romano. Naturalmente, o sacrifício de cristãos, entregues às feras em espetáculos públicos, não torna a prática dos imperadores romanos correta. Dito de outra forma, nem tudo que agrada a parcela importante da população é automaticamente ético e correto.
Omissão grave
A transparência que a grande mídia corretamente cobra de outras instituições – públicas e privadas, ela não pratica em relação a si mesma. Permanecemos em 2010 sendo um país democrático onde sequer existe um cadastro geral com acesso público dos concessionários do serviço de radiodifusão.
A transparência pública aplicada aos grupos dominantes da grande mídia certamente revelaria redes de interesses e compromissos - nem sempre legítimos - dos mais variados tipos, locais e globais. No que se refere à radiodifusão, por exemplo, revelaria os absurdos do "coronelismo eletrônico" enraizado em diferentes esferas do poder público; a propriedade cruzada como prática garantidora de oligopólios e monopólios; a exclusão de muitos e a liberdade de poucos apresentada e defendida em nome dos valores universais da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.
Ainda não será ao final deste ano de 2010 que a grande mídia fará uma avaliação pública de si mesma. Mas, com certeza, esta omissão grave já não passa despercebida para um número cada vez maior de brasileiros.
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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Vídeos-2010: O circo do Instituto Millenium
Legenda postada em 2 de março de 2010
Vídeo da União Nacional dos Estudantes (UNE) mostra algumas cenas do protesto irreverente e aquático, debaixo de muita chuva, realizado contra a direita midiática em São Paulo.
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WikiLeaks e a blogueira Yoani Sanchez
Reproduzo artigo de Daniella Cambaúva, publicado no sítio Opera Mundi:
Mensagens secretas enviadas pelo chefe do Escritório de Interesses dos Estados Unidos em Havana, Jonathan Farrar, ao Departamento de Estado e divulgadas pelo Wikileaks descrevem o encontro entre a subsecretária de Estado adjunta para a América Latina, Bisa Williams, e dissidentes cubanos.
Durante uma visita feita a Havana, em setembro de 2009, cujo objetivo era dialogar sobre o restabelecimento de correspondência direta entre Cuba e os EUA, a norte-americana – a funcionária de mais alto nível que visitou Cuba em décadas – se reuniu com blogueiros oposicionistas do regime cubano, entre eles, a sensação internacional Yoani Sanchez.
O informe foi enviado em 25 de setembro de 2009 e divulgado no domingo (19/12). Ao referir-se ao encontro que a funcionária teve com os blogueiros, Farrar escreveu: “Os blogueiros que, em parte por sua própria preservação, não querem estar agrupados com a comunidade dissidente, estavam igualmente otimistas com o curso dos acontecimentos.”
De acordo com os vazamentos, o chefe do Escritório de Interesses em Havana assegurou que “é a nova geração de ‘dissidentes não tradicionais’, como [a blogueira] Yoani Sanchez, poderia ter impacto de longo prazo na Cuba pós-Fidel Castro”.
Na reunião, Yoani defendeu a aproximação com os EUA para mudar a política da ilha. “Uma melhora das relações dos EUA é absolutamente necessária para que surja a democracia aqui”, disse a blogueira dissidente.
No encontro, foi destacado um pedido feito por Yoani: o fim da restrição a compras feitas pela internet. “As restrições só nos prejudicam”, disse a cubana. “Sabe o quanto poderíamos fazer se pudéssemos usar o Pay Pal ou comprar produtos on-line com um cartão de crédito?”, sugeriu ela à Bisa.
Segundo documentos públicos do Senado norte-americano, a maior parte dos fundos públicos destinados a promover a mudança de governo em Cuba é enviada aos blogueiros e tuiteiros. São mais de cinco milhões de dólares por ano, informou o site cubano Cuba Debate.
Em outro despacho, datado de 27 de novembro de 2006, o ex-chefe do Escritório de Interesses, Michel E. Parmly, descreve uma reunião de funcionários da sede diplomática com “jovens ativistas pela democracia”, realizada “no quintal da residência de um diplomata norte-americano em Havana”.
Parmly escreveu que esperava que as autoridades cubanas reagissem a esse encontro “carimbando os jovens líderes como agentes do governo dos EUA… [Nós] estaremos trabalhando da mesma maneira que o governo cubano para incentivar as ações em outra direção, mais concretamente, articulando um maior e melhor trabalho na rede com os estudantes universitários que se opõem ao regime.”
Em 1º de junho de 2010, um despacho enviado pelo representante máximo da diplomacia norte-americana na ilha, Johnatan Farrar, dedica um trecho de seu informe à Yoani Sanchez e à atenção dispensada pelo governo dos EUA:
“O pensamento convencional em Havana é que o governo de Cuba vê os blogueiros como seu mais sério desafio, que tem dificuldades para conter como fez com os grupos tradicionais de oposição. Os dissidentes da ‘velha guarda’ estão bastante isolados do resto da ilha. O governo de Cuba não presta muita atenção a seus artigos e manifestos, porque não têm ressonância nacional e possuem um peso muito limitado internacionalmente”.
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Mensagens secretas enviadas pelo chefe do Escritório de Interesses dos Estados Unidos em Havana, Jonathan Farrar, ao Departamento de Estado e divulgadas pelo Wikileaks descrevem o encontro entre a subsecretária de Estado adjunta para a América Latina, Bisa Williams, e dissidentes cubanos.
Durante uma visita feita a Havana, em setembro de 2009, cujo objetivo era dialogar sobre o restabelecimento de correspondência direta entre Cuba e os EUA, a norte-americana – a funcionária de mais alto nível que visitou Cuba em décadas – se reuniu com blogueiros oposicionistas do regime cubano, entre eles, a sensação internacional Yoani Sanchez.
O informe foi enviado em 25 de setembro de 2009 e divulgado no domingo (19/12). Ao referir-se ao encontro que a funcionária teve com os blogueiros, Farrar escreveu: “Os blogueiros que, em parte por sua própria preservação, não querem estar agrupados com a comunidade dissidente, estavam igualmente otimistas com o curso dos acontecimentos.”
De acordo com os vazamentos, o chefe do Escritório de Interesses em Havana assegurou que “é a nova geração de ‘dissidentes não tradicionais’, como [a blogueira] Yoani Sanchez, poderia ter impacto de longo prazo na Cuba pós-Fidel Castro”.
Na reunião, Yoani defendeu a aproximação com os EUA para mudar a política da ilha. “Uma melhora das relações dos EUA é absolutamente necessária para que surja a democracia aqui”, disse a blogueira dissidente.
No encontro, foi destacado um pedido feito por Yoani: o fim da restrição a compras feitas pela internet. “As restrições só nos prejudicam”, disse a cubana. “Sabe o quanto poderíamos fazer se pudéssemos usar o Pay Pal ou comprar produtos on-line com um cartão de crédito?”, sugeriu ela à Bisa.
Segundo documentos públicos do Senado norte-americano, a maior parte dos fundos públicos destinados a promover a mudança de governo em Cuba é enviada aos blogueiros e tuiteiros. São mais de cinco milhões de dólares por ano, informou o site cubano Cuba Debate.
Em outro despacho, datado de 27 de novembro de 2006, o ex-chefe do Escritório de Interesses, Michel E. Parmly, descreve uma reunião de funcionários da sede diplomática com “jovens ativistas pela democracia”, realizada “no quintal da residência de um diplomata norte-americano em Havana”.
Parmly escreveu que esperava que as autoridades cubanas reagissem a esse encontro “carimbando os jovens líderes como agentes do governo dos EUA… [Nós] estaremos trabalhando da mesma maneira que o governo cubano para incentivar as ações em outra direção, mais concretamente, articulando um maior e melhor trabalho na rede com os estudantes universitários que se opõem ao regime.”
Em 1º de junho de 2010, um despacho enviado pelo representante máximo da diplomacia norte-americana na ilha, Johnatan Farrar, dedica um trecho de seu informe à Yoani Sanchez e à atenção dispensada pelo governo dos EUA:
“O pensamento convencional em Havana é que o governo de Cuba vê os blogueiros como seu mais sério desafio, que tem dificuldades para conter como fez com os grupos tradicionais de oposição. Os dissidentes da ‘velha guarda’ estão bastante isolados do resto da ilha. O governo de Cuba não presta muita atenção a seus artigos e manifestos, porque não têm ressonância nacional e possuem um peso muito limitado internacionalmente”.
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Vídeos-2010: A ressaca de Lucia Hippolito
Lucia Hippolito bebeu ou rifou o Serra?
Por Altamiro Borges, postado em 26 de fevereiro de 2010
A jornalista Lucia Hippolito, umas das estrelas da Rede Globo, ficou famosa por seus ataques recorrentes e raivosos ao governo Lula. Na chamada crise do “mensalão do PT”, ela chegou a sugerir o impeachment do presidente, reforçando o coro golpista. Como uma das “meninas do Jô [Soares]”, ela sempre foi a mais sarcástica nas críticas às esquerdas. Por estes e outros motivos, Hippolito virou motivo de chacotas, sendo encarada como porta-voz estridente dos tucanos.
Agora, diante da grave crise que afeta a oposição neoliberal-conservadora, a jornalista deu uma guinada no seu discurso. Ninguém entendeu direito o motivo da radical conversão. No seu blog, nesta semana, ela postou o excelente artigo “O inferno astral de Serra”, que é um petardo nas ambições do grão-tucano. Segundo Hippolito, a candidatura demo-tucano vive seu pior momento e pode fazer água – termo detestado por Serra nestes dias de enchentes e congestionamentos em São Paulo.
“Globo desembarcou da candidatura Serra”
“Enquanto no campo do governo tudo parece dar certo, no da oposição é um desastre atrás do outro... Nas pesquisas, Dilma vem crescendo consistentemente, alimentando a argumentação de que é possível fazer uma eleição plebiscitária. Já no campo da oposição, o inferno astral do governador José Serra parece não ter fim. Estacionado nas pesquisas em 35%, pouco mais ou pouco menos, Serra desperta suspeitas, até entre os tucanos de alta plumagem, de que tenha atingido seu teto. Se Dilma continuar em tendência de alta, as coisas podem ficar feias”, afirma a comentarista da Globo.
Para reforçar seu argumento – ou será um alerta desesperado? -, Hippolito cita as enchentes em São Paulo, “e suas explicações esfarrapadas”, o mensalão dos demos no Distrito Federal, “que sepultou de vez as articulações já iniciadas para fazer de José Roberto Arruda o vice de Serra” e a cassação meteórica de Gilberto Kassab, “por recebimento de doações ilegais”. Ela também adverte que “a campanha [de Serra] está desorganizada, sem comando, sem planejamento”.
A guinada de Lucia Hippolito, uma antilulista estridente, gera suspeitas. Alguns mais maliciosos lembram um episódio risível, em que a comentarista da CBN parece estar embriagada (vídeo acima). Seria uma nova bebedeira? Já o blogueiro Luis Nassif, sempre antenado, desconfia que as elites e sua mídia já estejam rifando o tucano paulista. “Dado o grau de controle de O Globo sobre a opinião dos colunistas, é evidente que houve um liberou geral. O Globo desembarcou da candidatura Serra”.
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Blogs progressistas: Abrir caminho, sempre
Reproduzo artigo de Luiz Carlos Azenha, publicado no blog Viomundo:
Nas últimas semanas uma fatia significativa da direitona brasileira admitiu o óbvio: o presidente Lula foi melhor que o presidente FHC e não apenas uma continuação dele.
A Folha de S. Paulo, doente de pesquisismo, escondeu seu diagnóstico atrás da “descoberta” de que 83% dos brasileiros consideraram o governo Lula ótimo ou bom.
A gente, da blogosfera progressista, já sabia disso.
“No pós-ditadura, nenhum presidente eleito diretamente deixou o cargo tão bem avaliado, o que se explica sobretudo pela melhora do emprego, da renda e de sua distribuição”, escreveu a Folha em um caderno especial, publicado no mesmo dia em que o jornal, em editorial de primeira página, admitiu: o governo Lula, cheio de defeitos, foi bom.
E, no entanto, por dizer exatamente isso na campanha eleitoral nós, blogueiros progressistas e leitores progressistas, fomos tachados de sujos, de chapa-branca, de vendidos e de outros adjetivos. O resumo dos xingamentos está no inesquecível discurso do deputado derrotado Marcelo Itagiba, no Congresso. Os impropérios continuam, como notou o Miguel do Rosário a propósito do texto de um colunista do Estadão. São tão poucos os leitores deles que já não vale a pena promovê-los.
O que isso nos diz sobre a blogosfera progressista? Diz que em 2010 fizemos, sim, a diferença. Enquanto alguns se entregavam ao onanismo intelectual, perguntando se “progressista” não era algo datado, do século 19, se não seria melhor usar “independente”, “de esquerda” ou “do diabo”, nós fizemos a diferença ao desmoralizar a bolinha de papel, ao desencavar o que foi dito sobre a privatização da Petrobras, ao demonstrar que o candidato da direita não era apenas o do atraso, mas também da hipocrisia e da mentira. O que quero dizer é que fomos suficientemente ágeis, pragmáticos e leais uns aos outros e às nossas ideias e que isso deu mais resultado que qualquer debate estéril sobre o sexo dos anjos.
Fiquei igualmente satisfeito pelo fato de que um grupo de blogueiros sujos conseguiu, no Palácio do Planalto, algo que o PIG não conseguiu ao longo dos dois mandatos de Lula: definir claramente os limites do governo que finda.
Hoje, na Folha, em “Ecos da Ditadura”, o articulista Fernando de Barros e Silva lamenta o papel de Nelson Jobim no debate sobre a Comissão de Verdade. Barros atribui a Jobim “pressão obscurantista”. Isso também a gente já sabia. Está na pergunta que Leandro Fortes fez ao presidente no Palácio do Planalto. Assim como estiveram nas perguntas de Rodrigo Vianna, Eduardo Guimarães, Conceição Oliveira e Altamiro Borges os limites de Lula nas questões da comunicação, educação e direitos trabalhistas.
Nós, da dita blogosfera progressista, fomos os primeiros a reconhecer a ousadia do Itamaraty na política externa, quando os chanceleres de pijama que frequentam as colunas de opinião dos grandes jornais pregavam a invasão da Bolívia e a derrubada de Hugo Chávez. Só depois de descobrir que o Departamento de Estado de Hillary Clinton estuda o Itamaraty para descobrir como o Brasil ganhou peso internacional sem uma única ogiva nuclear é que a grande mídia brasileira vai dizer, sobre a política externa de Lula, o que nós já sabíamos.
Afinal, foi só depois do vazamento dos telegramas diplomáticos do WikiLeaks que nossa mídia “descobriu” o que denunciamos na campanha eleitoral: na questão do pré-sal, José Serra era owned pelas petroleiras.
Ser blogueiro “progressista”, “de esquerda”, “independente”, “sujo” ou o que quer que seja é isso: abrir caminho, ousar, desafiar o lugar comum, peitar o discurso único e, acima de tudo, se divertir com a incompetência, o horizonte limitado e a submissão intelectual de nossas grandes redações. Feliz 2011 a todos!
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Nas últimas semanas uma fatia significativa da direitona brasileira admitiu o óbvio: o presidente Lula foi melhor que o presidente FHC e não apenas uma continuação dele.
A Folha de S. Paulo, doente de pesquisismo, escondeu seu diagnóstico atrás da “descoberta” de que 83% dos brasileiros consideraram o governo Lula ótimo ou bom.
A gente, da blogosfera progressista, já sabia disso.
“No pós-ditadura, nenhum presidente eleito diretamente deixou o cargo tão bem avaliado, o que se explica sobretudo pela melhora do emprego, da renda e de sua distribuição”, escreveu a Folha em um caderno especial, publicado no mesmo dia em que o jornal, em editorial de primeira página, admitiu: o governo Lula, cheio de defeitos, foi bom.
E, no entanto, por dizer exatamente isso na campanha eleitoral nós, blogueiros progressistas e leitores progressistas, fomos tachados de sujos, de chapa-branca, de vendidos e de outros adjetivos. O resumo dos xingamentos está no inesquecível discurso do deputado derrotado Marcelo Itagiba, no Congresso. Os impropérios continuam, como notou o Miguel do Rosário a propósito do texto de um colunista do Estadão. São tão poucos os leitores deles que já não vale a pena promovê-los.
O que isso nos diz sobre a blogosfera progressista? Diz que em 2010 fizemos, sim, a diferença. Enquanto alguns se entregavam ao onanismo intelectual, perguntando se “progressista” não era algo datado, do século 19, se não seria melhor usar “independente”, “de esquerda” ou “do diabo”, nós fizemos a diferença ao desmoralizar a bolinha de papel, ao desencavar o que foi dito sobre a privatização da Petrobras, ao demonstrar que o candidato da direita não era apenas o do atraso, mas também da hipocrisia e da mentira. O que quero dizer é que fomos suficientemente ágeis, pragmáticos e leais uns aos outros e às nossas ideias e que isso deu mais resultado que qualquer debate estéril sobre o sexo dos anjos.
Fiquei igualmente satisfeito pelo fato de que um grupo de blogueiros sujos conseguiu, no Palácio do Planalto, algo que o PIG não conseguiu ao longo dos dois mandatos de Lula: definir claramente os limites do governo que finda.
Hoje, na Folha, em “Ecos da Ditadura”, o articulista Fernando de Barros e Silva lamenta o papel de Nelson Jobim no debate sobre a Comissão de Verdade. Barros atribui a Jobim “pressão obscurantista”. Isso também a gente já sabia. Está na pergunta que Leandro Fortes fez ao presidente no Palácio do Planalto. Assim como estiveram nas perguntas de Rodrigo Vianna, Eduardo Guimarães, Conceição Oliveira e Altamiro Borges os limites de Lula nas questões da comunicação, educação e direitos trabalhistas.
Nós, da dita blogosfera progressista, fomos os primeiros a reconhecer a ousadia do Itamaraty na política externa, quando os chanceleres de pijama que frequentam as colunas de opinião dos grandes jornais pregavam a invasão da Bolívia e a derrubada de Hugo Chávez. Só depois de descobrir que o Departamento de Estado de Hillary Clinton estuda o Itamaraty para descobrir como o Brasil ganhou peso internacional sem uma única ogiva nuclear é que a grande mídia brasileira vai dizer, sobre a política externa de Lula, o que nós já sabíamos.
Afinal, foi só depois do vazamento dos telegramas diplomáticos do WikiLeaks que nossa mídia “descobriu” o que denunciamos na campanha eleitoral: na questão do pré-sal, José Serra era owned pelas petroleiras.
Ser blogueiro “progressista”, “de esquerda”, “independente”, “sujo” ou o que quer que seja é isso: abrir caminho, ousar, desafiar o lugar comum, peitar o discurso único e, acima de tudo, se divertir com a incompetência, o horizonte limitado e a submissão intelectual de nossas grandes redações. Feliz 2011 a todos!
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Folha detesta sindicalistas; prefere tucanos
Por Altamiro Borges
A Folha de S. Paulo nunca escondeu a sua rejeição ao sindicalismo. Qualquer greve ou passeata é tratada como culpada pelo “caos no trânsito”, que prejudica a população – numa ardilosa manipulação para jogar a sociedade, formada por trabalhadores, contra os próprios trabalhadores. Qualquer reivindicação trabalhista é encarada como algo que “engessará a economia” e, no caso do setor público, que “elevará a gastança do Estado”.
Este ódio é antigo. Na década de 1960, a família Frias repetiu a exaustão o bordão da “república sindicalista” para assustar a errática “classe média” e para preparar o clima para o golpe militar. Durante a sanguinária ditadura, ela distorceu as biografias de vários sindicalistas presos, “desaparecidos” e assassinados, rotulando-os de “terroristas”. Já no governo Lula, a Folha voltou a repetir o bordão da “república sindicalista” na sua recaída golpista.
Cunha entre Lula e Dilma
A “reporcagem” da Folha de hoje (27), intitulada “Sindicalistas detêm 43% da elite dos cargos de confiança”, segue a mesma toada. O objetivo é atemorizar seus leitores – cada vez mais reduzidos – de que o governo Lula sofreu uma perigosa “infiltração sindical”. Lembra a neura da chamada “guerra fria”, com o fantasma da infiltração comunista. A matéria informa que o governo federal possui 22 mil cargos de confiança, mas que “1.305 são a elite do batalhão de comissionados”. Destes cargos, 42,8% seriam ocupados por líderes sindicais – sendo 84,3% petistas.
A Folha também visa colocar uma cunha entre o atual governo e a presidenta recém-eleita. “Ao receber a faixa das mãos do presidente Lula, no próximo dia 1º, Dilma Rousseff herdará a máquina federal com quase a metade da cúpula dos cargos de confiança, sem concurso público, tomada por sindicalistas. Sem vínculo umbilical com o sindicalismo, ao contrário do antecessor, Dilma terá de administrar a pressão das centrais para manter e ampliar a cota desses cargos, os chamados DAS 5 a 6 (Direção e Assessoramento Superiores) e NES (Natureza Especial)”.
Visceral ódio de classe
A manipulação da Folha só engana os ingênuos. O jornal da família Frias não está preocupado com os entraves do governo Dilma nem com as debilidades e desafios do sindicalismo – que são muitos. Seu objetivo é criar cizânia no futuro governo e estigmatizar o movimento sindical. Como reagiu o presidente da CUT, Artur Henrique, “esse negócio de república sindical é bobagem porque o PT e a Central Única do Trabalhador têm a mesma raiz. O próprio Palocci foi dirigente da CUT e ninguém fala dele. Seria absurdo se fossem tucanos".
O presidente da CUT acertou na mosca. No seu visceral ódio de classe, a Folha nunca tolerou o novo bloco de poder no governo federal. Para ela, trabalhador é para trabalhar, para acatar ordens; quem deve dirigir o país e ocupar os seus principais postos são os representantes das elites. Ela nunca reclamou dos tucanos que ocuparam todos os cargos estratégicos no triste reinado de FHC – ou no governo de José Serra em São Paulo. Talvez o seu desejo fosse ter Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e executiva do Grupo Folha, no cargo de ministra de Comunicações – com o Otavinho como comissionado do DAS-5.
As viagens de Lula e FHC
A “reporcagem” confirma que a Folha não dará tréguas para Dilma Rousseff, que é encarada, de maneira machista, como mera continuadora do governo Lula. A cada dia, o jornal inventa um factóide com o intento de desgastar a futura presidenta, que ainda nem tomou posse. Na semana passada, a UOL, do mesmo grupo, fez estardalhaço com as viagens internacionais do presidente Lula. A manchete escandalosa informou que ele fez 470 viagens. No meio do texto, bem escondidinha, até apareceu a informação sobre as 447 viagens internacionais de FHC.
A diferença no volume não é tão grande nem merecia tanto alarde. Já a diferença na qualidade é abissal – e isto a Folha preferiu não analisar. Enquanto o grão-tucano foi várias vezes ao exterior – inclusive para gozar de suas férias – e não produziu quase nada de positivo para o país, o operário Lula projetou o Brasil no cenário mundial, promoveu inúmeros acordos comerciais e diplomáticos, reforçou a integração latino-americana, priorizou as relações Sul-Sul, inclusive com várias viagens à esquecida África – e até tirou suas férias em bases militares no litoral brasileiro.
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A Folha de S. Paulo nunca escondeu a sua rejeição ao sindicalismo. Qualquer greve ou passeata é tratada como culpada pelo “caos no trânsito”, que prejudica a população – numa ardilosa manipulação para jogar a sociedade, formada por trabalhadores, contra os próprios trabalhadores. Qualquer reivindicação trabalhista é encarada como algo que “engessará a economia” e, no caso do setor público, que “elevará a gastança do Estado”.
Este ódio é antigo. Na década de 1960, a família Frias repetiu a exaustão o bordão da “república sindicalista” para assustar a errática “classe média” e para preparar o clima para o golpe militar. Durante a sanguinária ditadura, ela distorceu as biografias de vários sindicalistas presos, “desaparecidos” e assassinados, rotulando-os de “terroristas”. Já no governo Lula, a Folha voltou a repetir o bordão da “república sindicalista” na sua recaída golpista.
Cunha entre Lula e Dilma
A “reporcagem” da Folha de hoje (27), intitulada “Sindicalistas detêm 43% da elite dos cargos de confiança”, segue a mesma toada. O objetivo é atemorizar seus leitores – cada vez mais reduzidos – de que o governo Lula sofreu uma perigosa “infiltração sindical”. Lembra a neura da chamada “guerra fria”, com o fantasma da infiltração comunista. A matéria informa que o governo federal possui 22 mil cargos de confiança, mas que “1.305 são a elite do batalhão de comissionados”. Destes cargos, 42,8% seriam ocupados por líderes sindicais – sendo 84,3% petistas.
A Folha também visa colocar uma cunha entre o atual governo e a presidenta recém-eleita. “Ao receber a faixa das mãos do presidente Lula, no próximo dia 1º, Dilma Rousseff herdará a máquina federal com quase a metade da cúpula dos cargos de confiança, sem concurso público, tomada por sindicalistas. Sem vínculo umbilical com o sindicalismo, ao contrário do antecessor, Dilma terá de administrar a pressão das centrais para manter e ampliar a cota desses cargos, os chamados DAS 5 a 6 (Direção e Assessoramento Superiores) e NES (Natureza Especial)”.
Visceral ódio de classe
A manipulação da Folha só engana os ingênuos. O jornal da família Frias não está preocupado com os entraves do governo Dilma nem com as debilidades e desafios do sindicalismo – que são muitos. Seu objetivo é criar cizânia no futuro governo e estigmatizar o movimento sindical. Como reagiu o presidente da CUT, Artur Henrique, “esse negócio de república sindical é bobagem porque o PT e a Central Única do Trabalhador têm a mesma raiz. O próprio Palocci foi dirigente da CUT e ninguém fala dele. Seria absurdo se fossem tucanos".
O presidente da CUT acertou na mosca. No seu visceral ódio de classe, a Folha nunca tolerou o novo bloco de poder no governo federal. Para ela, trabalhador é para trabalhar, para acatar ordens; quem deve dirigir o país e ocupar os seus principais postos são os representantes das elites. Ela nunca reclamou dos tucanos que ocuparam todos os cargos estratégicos no triste reinado de FHC – ou no governo de José Serra em São Paulo. Talvez o seu desejo fosse ter Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e executiva do Grupo Folha, no cargo de ministra de Comunicações – com o Otavinho como comissionado do DAS-5.
As viagens de Lula e FHC
A “reporcagem” confirma que a Folha não dará tréguas para Dilma Rousseff, que é encarada, de maneira machista, como mera continuadora do governo Lula. A cada dia, o jornal inventa um factóide com o intento de desgastar a futura presidenta, que ainda nem tomou posse. Na semana passada, a UOL, do mesmo grupo, fez estardalhaço com as viagens internacionais do presidente Lula. A manchete escandalosa informou que ele fez 470 viagens. No meio do texto, bem escondidinha, até apareceu a informação sobre as 447 viagens internacionais de FHC.
A diferença no volume não é tão grande nem merecia tanto alarde. Já a diferença na qualidade é abissal – e isto a Folha preferiu não analisar. Enquanto o grão-tucano foi várias vezes ao exterior – inclusive para gozar de suas férias – e não produziu quase nada de positivo para o país, o operário Lula projetou o Brasil no cenário mundial, promoveu inúmeros acordos comerciais e diplomáticos, reforçou a integração latino-americana, priorizou as relações Sul-Sul, inclusive com várias viagens à esquecida África – e até tirou suas férias em bases militares no litoral brasileiro.
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A entrevista-bomba de Franklin Martins
Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, publicado no Blog da Cidadania:
No entreato de Natal e Ano Novo, com a turma ainda se recuperando da ressaca natalina, o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, concedeu uma daquelas entrevistas que a imprensa costuma dizer “bombásticas”. Pena que a audiência deva ter sido pequena. Kennedy Alencar, em seu “É Notícia”, da Rede TV, deu ao ministro uma chance de falar o que o resto das televisões lhe negou nos últimos quatro anos, desde que assumiu a pasta.
Devido ao amadorismo da Rede TV – que, no meio da manhã de segunda-feira, 27 de dezembro, está com seu site fora do ar –, o blogueiro se vê obrigado a escrever “de cabeça” sobre o que assistiu. Mas, assim que possível, o vídeo da entrevista será divulgado, de forma que seja possível ao leitor conferir a quantas anda a memória deste que escreve.
Em verdade, não será tão difícil porque a parte “bombástica” da entrevista não foi tão longa assim. Versou sobre a suposição de Globo, Folha, Estadão, Veja e companhia sobre existência de intenções governamentais de “censurar a imprensa” e sobre a relação do governo Lula com ela.
Note-se que o ministro foi extremamente hábil, pois reconheceu méritos no governo FHC e em seu titular pela estabilização da moeda sem deixar de dizer exatamente em que ponto ele se perdeu – na falta de um espírito desenvolvimentista e social e na adoção dos cânones neoliberais em geral, do que resultou a privataria. E apesar de dizer que o mensalão não passou de caixa-dois, fez a necessária crítica ao PT de que “ver uma devassa saindo de um prostíbulo não choca, mas ver uma freirinha saindo, é chocante”.
Na parte sobre regulação da mídia, Martins deixou muito claro que o tipo de regulação que se quer fazer é exatamente o mesmo que existe em qualquer grande democracia. Explicou a sinuca de bico em que a parcela da mídia supracitada se encontra por ter que combater a regulamentação e ao mesmo tempo almejá-la para que seja protegida das “teles”, ou seja, das multinacionais de telecomunicações que ameaçam esmagar o PIG com um poderio econômico muito acima do que detém a radiodifusão nacional.
Acima de tudo, nessa questão, o ministro da Comunicação Social deu um recadinho a jornais que acusou de terem servido à ditadura militar: “Não venham nos dar aulas de democracia”. Mas a coisa pegou fogo mesmo quando a entrevista enveredou pelas relações do governo com a mídia corporativa. Martins acusou, nominalmente, Folha, Estadão, Globo e outros de fazerem uma jogada com a oposição tucano-pefelê: “Um levanta e o outro corta”, pontuou o ministro com todas as letras.
E não ficou por aí…
Ao exemplificar o partidarismo midiático, Martins abordou, primeiro, a questão da “bolinha de papel”, lembrando que a Globo, com o peso de sua “credibilidade” – palavra que proferiu em tom irônico –, veiculou uma reportagem de sete longos minutos bancando a versão de José Serra de que teria sido atingido por um segundo objeto, sustentando-a com um laudo fajuto que, na madrugada que se seguiu àquela edição do Jornal Nacional, foi “desmontado pela blogosfera”.
Como se não bastasse, citou, nominalmente, a Folha de São Paulo e a ficha falsa de Dilma, ponderando com o entrevistador o absurdo de um jornal como aquele publicar uma “falsificação contra um candidato” amparando-se na justificativa mambembe de que não podia confirmar ou negar sua veracidade, concluindo que, dessa maneira, o jornal deixa ver que publica qualquer coisa que lhe chegue às mãos contra adversários políticos.
Esta é a síntese da mais dura crítica ao PIG que alguém do governo fez publicamente em oito anos de mandato do atual presidente. Resta lamentar que assuntos dessa relevância e opiniões tão sonegadas ao público pela grande mídia durante oito anos tenham vindo à tona em um programa que avançou pela madrugada de domingo para segunda em uma época de festas em que ninguém assiste a esse tipo de programa.
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No entreato de Natal e Ano Novo, com a turma ainda se recuperando da ressaca natalina, o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, concedeu uma daquelas entrevistas que a imprensa costuma dizer “bombásticas”. Pena que a audiência deva ter sido pequena. Kennedy Alencar, em seu “É Notícia”, da Rede TV, deu ao ministro uma chance de falar o que o resto das televisões lhe negou nos últimos quatro anos, desde que assumiu a pasta.
Devido ao amadorismo da Rede TV – que, no meio da manhã de segunda-feira, 27 de dezembro, está com seu site fora do ar –, o blogueiro se vê obrigado a escrever “de cabeça” sobre o que assistiu. Mas, assim que possível, o vídeo da entrevista será divulgado, de forma que seja possível ao leitor conferir a quantas anda a memória deste que escreve.
Em verdade, não será tão difícil porque a parte “bombástica” da entrevista não foi tão longa assim. Versou sobre a suposição de Globo, Folha, Estadão, Veja e companhia sobre existência de intenções governamentais de “censurar a imprensa” e sobre a relação do governo Lula com ela.
Note-se que o ministro foi extremamente hábil, pois reconheceu méritos no governo FHC e em seu titular pela estabilização da moeda sem deixar de dizer exatamente em que ponto ele se perdeu – na falta de um espírito desenvolvimentista e social e na adoção dos cânones neoliberais em geral, do que resultou a privataria. E apesar de dizer que o mensalão não passou de caixa-dois, fez a necessária crítica ao PT de que “ver uma devassa saindo de um prostíbulo não choca, mas ver uma freirinha saindo, é chocante”.
Na parte sobre regulação da mídia, Martins deixou muito claro que o tipo de regulação que se quer fazer é exatamente o mesmo que existe em qualquer grande democracia. Explicou a sinuca de bico em que a parcela da mídia supracitada se encontra por ter que combater a regulamentação e ao mesmo tempo almejá-la para que seja protegida das “teles”, ou seja, das multinacionais de telecomunicações que ameaçam esmagar o PIG com um poderio econômico muito acima do que detém a radiodifusão nacional.
Acima de tudo, nessa questão, o ministro da Comunicação Social deu um recadinho a jornais que acusou de terem servido à ditadura militar: “Não venham nos dar aulas de democracia”. Mas a coisa pegou fogo mesmo quando a entrevista enveredou pelas relações do governo com a mídia corporativa. Martins acusou, nominalmente, Folha, Estadão, Globo e outros de fazerem uma jogada com a oposição tucano-pefelê: “Um levanta e o outro corta”, pontuou o ministro com todas as letras.
E não ficou por aí…
Ao exemplificar o partidarismo midiático, Martins abordou, primeiro, a questão da “bolinha de papel”, lembrando que a Globo, com o peso de sua “credibilidade” – palavra que proferiu em tom irônico –, veiculou uma reportagem de sete longos minutos bancando a versão de José Serra de que teria sido atingido por um segundo objeto, sustentando-a com um laudo fajuto que, na madrugada que se seguiu àquela edição do Jornal Nacional, foi “desmontado pela blogosfera”.
Como se não bastasse, citou, nominalmente, a Folha de São Paulo e a ficha falsa de Dilma, ponderando com o entrevistador o absurdo de um jornal como aquele publicar uma “falsificação contra um candidato” amparando-se na justificativa mambembe de que não podia confirmar ou negar sua veracidade, concluindo que, dessa maneira, o jornal deixa ver que publica qualquer coisa que lhe chegue às mãos contra adversários políticos.
Esta é a síntese da mais dura crítica ao PIG que alguém do governo fez publicamente em oito anos de mandato do atual presidente. Resta lamentar que assuntos dessa relevância e opiniões tão sonegadas ao público pela grande mídia durante oito anos tenham vindo à tona em um programa que avançou pela madrugada de domingo para segunda em uma época de festas em que ninguém assiste a esse tipo de programa.
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