sábado, 15 de janeiro de 2011
O futuro da internet em debate
Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, publicado no Blog da Cidadania:
Apaixonei-me pelo tema liberdade versus regulação da internet. Aprendi muito desde que publiquei aqui uma série de artigos oriundos dos casos espantosos de uso criminoso da rede que vieram a público recentemente. E o melhor é que, além de aprender, também ensinei algumas coisas. E tudo isso só foi possível graças aos militantes da liberdade na rede que, ainda que com truculência, fizeram crescer um debate necessário
A mais incrível forma de comunicação já criada vem sendo usada para propagar ódio, preconceitos, violência e perversões sexuais de natureza criminosa, por um lado. Mas, por outro lado, há interesses poderosos querendo acabar com a liberdade nesse meio de comunicação.
Na última sexta-feira, reuni-me, aqui em São Paulo, com expoentes do ativismo em defesa da liberdade na rede, tais como a historiadora Conceição de Oliveira (editora do blog Maria Frô) e o sociólogo Sérgio Amadeu (editor do blog Trezentos).
A reunião ocorreu por iniciativa desses ativistas, que pretenderam me explicar o que acreditavam que eu não entendia e que estaria fazendo com que, com a projeção que acreditam que tenho, estivesse colaborando com iniciativas maliciosas como a de Azeredo, notadamente a serviço de gente como o banqueiro Daniel Dantas ou de países e corporações incomodados pela liberdade na internet.
O projeto de Azeredo foi alcunhado como AI-5 digital por seu caráter intrínseco de pretender tolher parte da liberdade de todos em prol do combate aos criminosos digitais, uma idéia análoga à obra intelectual do filósofo inglês do século XVII Tomas Hobbes. E a mera leitura da proposição do parlamentar mineiro deixa ver a intenção de estabelecer controles que visam tolher a liberdade política sob a capa do combate a pedofilia, golpes, preconceitos etc.
Há leis já existentes que poderiam ser usadas para combater e punir o uso malicioso da internet, mas que não são efetivamente usadas a contento exatamente como grande parte do arcabouço legal do país não é usado no mundo físico por deficiências estruturais, filosóficas, políticas e éticas do Poder Judiciário.
A razão da virulência que se viu por parte da militância pela liberdade na rede contra este blogueiro, condenada inclusive pelos expoentes desse ativismo com os quais me reuni, na maior parte decorre da percepção de um plano verossímil de grandes interesses transnacionais de combater, por exemplo, fenômenos como o Wikileaks, que depende do anonimato na internet para existir.
Nesse encontro com ativistas pela liberdade na internet, porém, além de aprender tudo isso, também pude ensinar – o que foi reconhecido por meus interlocutores. Disse-lhes que esse debate não pode ser soterrado e que, ao contrário do que disseram vários comentaristas neste blog, muitos dos quais autores de ataques violentos contra mim em outras redes sociais, é improcedente a afirmação de que tal debate “já ocorreu”.
O debate, como se tornou consenso naquele encontro, ainda ocorrerá, porque há uma outra militância contrária à que defende a liberdade na rede e que contempla um sentimento legítimo e crescente na sociedade, um sentimento de temor da internet e do uso que vem sendo feito dela para delinqüir, difamar, aliciar, furtar, corromper moralmente etc., processo que visa, primordialmente, os jovens.
Por ser um debate público que ainda ocorrerá – até porque, tramitam, no Poder Legislativo, projetos de lei sobre controle da internet, os quais ainda serão votados –, a militância que combate o inegável viés político oriundo do interesse das grandes corporações, sobretudo as de mídia, terá que abandonar a tentativa de criminalizar opiniões contrárias se não quiser ser desmoralizada quando esse debate chegar ao grande público.
O grupo que se reuniu comigo para me explicar as razões da tal militância e para me convocar para colaborar com ela admitiu isso, que o debate é inevitável. E admitiu, também, que o discurso contrário ao AI-5 digital – como chamam a lei de Azeredo – é muito auto centrado e não está se preparando para o debate com os que pensam diferente.
Há um sentimento de medo da internet, na sociedade. Um medo que um de meus interlocutores bem classificou como análogo ao medo que regeu o plebiscito sobre as armas, no qual a aparente maioria que apoiava o desarmamento da sociedade foi fragorosamente derrotada quando os defensores do armamentismo amedrontaram o público.
Um ponto ficou em suspenso, ao fim do encontro com ativistas. Não houve esclarecimento sobre o aparente crescimento dos crimes pela internet. Apesar de dizerem que apenas parece que crescem porque estão sendo mais combatidos, não souberam me dizer quais seriam as estatísticas que comprovariam o fato, nem se os crimes não estão crescendo mais do que a inclusão digital, o que mostraria necessidade de se fazer alguma coisa a mais para combatê-los.
Fiz, então, uma sugestão àqueles que me propuseram a reunião para me esclarecerem sobre a questão da liberdade na internet: pessoas como eu poderiam ir para o lado deles – inclusive no conjunto da sociedade, quando esse debate vier a público – se quem combate projetos maliciosos como o de Azeredo se dispuser a tomar dos ditos “vigilantes” o discurso do medo.
Meus interlocutores titubearam quando lhes disse que quando esse debate vier a público, a tática do medo reduzirá a um miado de gatinho essa grande gritaria contra quem parece dissentir da liberdade na internet, exatamente como aconteceu no plebiscito das armas, pois a sociedade está assustada e indignada com o uso abusivo da rede.
Assumi o compromisso de me engajar na luta contra projetos que podem ser usados contra ciberativistas como eu mesmo, como o do senador Eduardo Azeredo, o “mensaleiro” de estimação da mídia. Contudo, desde que esse movimento se preocupe com os crimes na internet, tomando dos “vigilantes” o discurso do medo e, ao mesmo tempo, contemplando um sentimento que ganha força na sociedade.
Voltarei ao assunto.
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Apaixonei-me pelo tema liberdade versus regulação da internet. Aprendi muito desde que publiquei aqui uma série de artigos oriundos dos casos espantosos de uso criminoso da rede que vieram a público recentemente. E o melhor é que, além de aprender, também ensinei algumas coisas. E tudo isso só foi possível graças aos militantes da liberdade na rede que, ainda que com truculência, fizeram crescer um debate necessário
A mais incrível forma de comunicação já criada vem sendo usada para propagar ódio, preconceitos, violência e perversões sexuais de natureza criminosa, por um lado. Mas, por outro lado, há interesses poderosos querendo acabar com a liberdade nesse meio de comunicação.
Na última sexta-feira, reuni-me, aqui em São Paulo, com expoentes do ativismo em defesa da liberdade na rede, tais como a historiadora Conceição de Oliveira (editora do blog Maria Frô) e o sociólogo Sérgio Amadeu (editor do blog Trezentos).
A reunião ocorreu por iniciativa desses ativistas, que pretenderam me explicar o que acreditavam que eu não entendia e que estaria fazendo com que, com a projeção que acreditam que tenho, estivesse colaborando com iniciativas maliciosas como a de Azeredo, notadamente a serviço de gente como o banqueiro Daniel Dantas ou de países e corporações incomodados pela liberdade na internet.
O projeto de Azeredo foi alcunhado como AI-5 digital por seu caráter intrínseco de pretender tolher parte da liberdade de todos em prol do combate aos criminosos digitais, uma idéia análoga à obra intelectual do filósofo inglês do século XVII Tomas Hobbes. E a mera leitura da proposição do parlamentar mineiro deixa ver a intenção de estabelecer controles que visam tolher a liberdade política sob a capa do combate a pedofilia, golpes, preconceitos etc.
Há leis já existentes que poderiam ser usadas para combater e punir o uso malicioso da internet, mas que não são efetivamente usadas a contento exatamente como grande parte do arcabouço legal do país não é usado no mundo físico por deficiências estruturais, filosóficas, políticas e éticas do Poder Judiciário.
A razão da virulência que se viu por parte da militância pela liberdade na rede contra este blogueiro, condenada inclusive pelos expoentes desse ativismo com os quais me reuni, na maior parte decorre da percepção de um plano verossímil de grandes interesses transnacionais de combater, por exemplo, fenômenos como o Wikileaks, que depende do anonimato na internet para existir.
Nesse encontro com ativistas pela liberdade na internet, porém, além de aprender tudo isso, também pude ensinar – o que foi reconhecido por meus interlocutores. Disse-lhes que esse debate não pode ser soterrado e que, ao contrário do que disseram vários comentaristas neste blog, muitos dos quais autores de ataques violentos contra mim em outras redes sociais, é improcedente a afirmação de que tal debate “já ocorreu”.
O debate, como se tornou consenso naquele encontro, ainda ocorrerá, porque há uma outra militância contrária à que defende a liberdade na rede e que contempla um sentimento legítimo e crescente na sociedade, um sentimento de temor da internet e do uso que vem sendo feito dela para delinqüir, difamar, aliciar, furtar, corromper moralmente etc., processo que visa, primordialmente, os jovens.
Por ser um debate público que ainda ocorrerá – até porque, tramitam, no Poder Legislativo, projetos de lei sobre controle da internet, os quais ainda serão votados –, a militância que combate o inegável viés político oriundo do interesse das grandes corporações, sobretudo as de mídia, terá que abandonar a tentativa de criminalizar opiniões contrárias se não quiser ser desmoralizada quando esse debate chegar ao grande público.
O grupo que se reuniu comigo para me explicar as razões da tal militância e para me convocar para colaborar com ela admitiu isso, que o debate é inevitável. E admitiu, também, que o discurso contrário ao AI-5 digital – como chamam a lei de Azeredo – é muito auto centrado e não está se preparando para o debate com os que pensam diferente.
Há um sentimento de medo da internet, na sociedade. Um medo que um de meus interlocutores bem classificou como análogo ao medo que regeu o plebiscito sobre as armas, no qual a aparente maioria que apoiava o desarmamento da sociedade foi fragorosamente derrotada quando os defensores do armamentismo amedrontaram o público.
Um ponto ficou em suspenso, ao fim do encontro com ativistas. Não houve esclarecimento sobre o aparente crescimento dos crimes pela internet. Apesar de dizerem que apenas parece que crescem porque estão sendo mais combatidos, não souberam me dizer quais seriam as estatísticas que comprovariam o fato, nem se os crimes não estão crescendo mais do que a inclusão digital, o que mostraria necessidade de se fazer alguma coisa a mais para combatê-los.
Fiz, então, uma sugestão àqueles que me propuseram a reunião para me esclarecerem sobre a questão da liberdade na internet: pessoas como eu poderiam ir para o lado deles – inclusive no conjunto da sociedade, quando esse debate vier a público – se quem combate projetos maliciosos como o de Azeredo se dispuser a tomar dos ditos “vigilantes” o discurso do medo.
Meus interlocutores titubearam quando lhes disse que quando esse debate vier a público, a tática do medo reduzirá a um miado de gatinho essa grande gritaria contra quem parece dissentir da liberdade na internet, exatamente como aconteceu no plebiscito das armas, pois a sociedade está assustada e indignada com o uso abusivo da rede.
Assumi o compromisso de me engajar na luta contra projetos que podem ser usados contra ciberativistas como eu mesmo, como o do senador Eduardo Azeredo, o “mensaleiro” de estimação da mídia. Contudo, desde que esse movimento se preocupe com os crimes na internet, tomando dos “vigilantes” o discurso do medo e, ao mesmo tempo, contemplando um sentimento que ganha força na sociedade.
Voltarei ao assunto.
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Confecom corre risco de ser desconsiderada
Reproduzo matéria de Ana Rita Marini, publicada no sítio do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC):
No governo que se inicia, o Ministério das Comunicações precisa, efetivamente, se transformar em um local de políticas estratégicas de comunicação e não ser o balcão de negócios, de atendimento a demandas particulares. Dirigentes do FNDC avaliam que ao apontar para nova consulta pública sobre o marco regulatório do setor, como declarou recentemente o ministro Paulo Bernardo, o governo atual pode invalidar todo o esforço da Confecom.
A manifestação do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, acerca dos rumos que o governo federal dará ao marco regulatório do setor é preocupante, julga o coordenador geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Celso Schröder. “Ao apontar para uma nova consulta à população brasileira sobre a regulamentação da comunicação, este governo nega a Conferência Nacional de Comuicação (Confecom), que foi um espaço legítimo, constituído a partir do próprio governo, com participação da sociedade civil e dos empresários”, entende Schröder.
Ele ressalta que a Conferência apontou para decisões, para ações, e isso vinha sendo encaminhado, envolvendo muito esforço, muita gente. O governo anterior, além da Confecom, realizou, no final do ano passado, um Seminário Internacional de regulamentação da mídia, produziu um anteprojeto de lei. “Entendo que o governo atual tem a obrigação de se mover a partir desse projeto”, destaca o coordenador-geral do FNDC.
Já o secretário-geral do FNDC, José Sóter, tem uma avaliação diversa. Para ele, a estratégia de fazer audiências públicas, como o ministro sinalizou, abrir um amplo debate sobre o marco regulatório é fundamental para construir um dispositivo legal que atenda todos os segmentos da sociedade. “Vejo como positivo que se abra esta discussão, porque até hoje nenhum segmento da sociedade conhece o documento elaborado pelo ex-ministro Franklin Martins, que não foi aberto à participação dos segmentos. Como temos uma conformação diferente nesta nova legislatura, acho que não podemos perder a oportunidade de debater. Queremos saber o teor da proposta e poder discuti-la, ressalta Sóter.
Schröder, entrentanto, avalia que a sociedade já se manifestou e essa nova consulta seria para contemplar o grupo de empresários que se recusou a participar da Confecom. “O Ministério das Comunicações precisa, efetivamente, se transformar num ministério de políticas estratégicas de comunicao. Não pode ser o balcão de negócios, atendimento a demandas particulares”, afirma o coordenador-geral.
Quebra do pacto
Berenice Mendes, cineasta, membro da Coordenação Executiva do FNDC, ressalta que o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) - citado como prioridade pelo ministro Paulo Bernardo, em relação ao marco regulatório - é um sonho, uma necessidade, uma urgência, não só para o povo brasileiro, mas para a Nação. “Mas a sua execução, que é, talvez, a missão mais trabalhosa do ministro, não pode excluir que a Constituição Federal seja cumprida, destaca Berenice.
“Não é possível que 22 anos depois, continuemos descumprindo a nossa lei maior. O PNBL pode ser uma prioridade em termos de investimento, mas o cumprimento da Constituição Federal não é negociável, nem entra nesse âmbito. Ela tem que ser cumprida”, reforça a cineasta, adiantando que os movimentos sociais não vão abrir mão de exigir o cumprimento da Carta brasileira. “É o acordo social que este país tem em vigor. Ou então, quebre-se o pacto e vamos todos para uma nova Constituinte, vamos todos medir força novamente”, defende Berenice, ao destacar que a CF tem que ser protegida pelo poder Judiciário, cumprido pelo Executivo e pelo Legislativo, no que se refere à regulamentação do Capítulo V. “Tudo mais a gente senta e vê a razoabilidade, as possibilidades. Mas a regulamentação é inegociável”, afirma ela.
A psicóloga Roseli Goffman, representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP) na Coordenação Executiva do FNDC, salienta que o voto popular já mostrou que a população está mais consciente e é o momento deste governo reconhecer os 56% da votação brasileira, “pelos avanços da participação popular na política pública – com o histórico das conferências do governo Lula”, destaca ela. “Qual consulta pública foi mais importante que a Confecom, que mobilizou o país inteiro, num grande investimento do governo?”, ressalta Roseli, afirmando que o discurso do ministro Paulo Bernardo, de não encaminhar ao Congresso o anteprojeto de lei elaborado pelo governo anterior, foi entendido como um recuo do governo Dilma.
O CFP, neste momento, enfatiza ainda a necessidade da imediata regulação da publicidade dirigida à criança. “São 200 projetos no Parlamento sobre este assunto. Até quando um contingente de 100 parlamentares vão bloquear todos os avanços sociais brasileiros?”, questiona a psicóloga.
Se não der andamento ao anteprojeto de lei elaborado pelo governo anterior, a administração de Dilma se iniciará nesta área “com a mesma contaminação de todos os governos para trás dela”, avalia Berenice. “Se ela preza tanto a liberdade de expressão, que assegure de forma eficaz tudo o que está previsto no artigo V a Constituição Federal”, ressalta a cineasta.
O FNDC solicitou audiências com o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, e da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para tratar dos temas relativos ao período pós-Confecom.
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No governo que se inicia, o Ministério das Comunicações precisa, efetivamente, se transformar em um local de políticas estratégicas de comunicação e não ser o balcão de negócios, de atendimento a demandas particulares. Dirigentes do FNDC avaliam que ao apontar para nova consulta pública sobre o marco regulatório do setor, como declarou recentemente o ministro Paulo Bernardo, o governo atual pode invalidar todo o esforço da Confecom.
A manifestação do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, acerca dos rumos que o governo federal dará ao marco regulatório do setor é preocupante, julga o coordenador geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Celso Schröder. “Ao apontar para uma nova consulta à população brasileira sobre a regulamentação da comunicação, este governo nega a Conferência Nacional de Comuicação (Confecom), que foi um espaço legítimo, constituído a partir do próprio governo, com participação da sociedade civil e dos empresários”, entende Schröder.
Ele ressalta que a Conferência apontou para decisões, para ações, e isso vinha sendo encaminhado, envolvendo muito esforço, muita gente. O governo anterior, além da Confecom, realizou, no final do ano passado, um Seminário Internacional de regulamentação da mídia, produziu um anteprojeto de lei. “Entendo que o governo atual tem a obrigação de se mover a partir desse projeto”, destaca o coordenador-geral do FNDC.
Já o secretário-geral do FNDC, José Sóter, tem uma avaliação diversa. Para ele, a estratégia de fazer audiências públicas, como o ministro sinalizou, abrir um amplo debate sobre o marco regulatório é fundamental para construir um dispositivo legal que atenda todos os segmentos da sociedade. “Vejo como positivo que se abra esta discussão, porque até hoje nenhum segmento da sociedade conhece o documento elaborado pelo ex-ministro Franklin Martins, que não foi aberto à participação dos segmentos. Como temos uma conformação diferente nesta nova legislatura, acho que não podemos perder a oportunidade de debater. Queremos saber o teor da proposta e poder discuti-la, ressalta Sóter.
Schröder, entrentanto, avalia que a sociedade já se manifestou e essa nova consulta seria para contemplar o grupo de empresários que se recusou a participar da Confecom. “O Ministério das Comunicações precisa, efetivamente, se transformar num ministério de políticas estratégicas de comunicao. Não pode ser o balcão de negócios, atendimento a demandas particulares”, afirma o coordenador-geral.
Quebra do pacto
Berenice Mendes, cineasta, membro da Coordenação Executiva do FNDC, ressalta que o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) - citado como prioridade pelo ministro Paulo Bernardo, em relação ao marco regulatório - é um sonho, uma necessidade, uma urgência, não só para o povo brasileiro, mas para a Nação. “Mas a sua execução, que é, talvez, a missão mais trabalhosa do ministro, não pode excluir que a Constituição Federal seja cumprida, destaca Berenice.
“Não é possível que 22 anos depois, continuemos descumprindo a nossa lei maior. O PNBL pode ser uma prioridade em termos de investimento, mas o cumprimento da Constituição Federal não é negociável, nem entra nesse âmbito. Ela tem que ser cumprida”, reforça a cineasta, adiantando que os movimentos sociais não vão abrir mão de exigir o cumprimento da Carta brasileira. “É o acordo social que este país tem em vigor. Ou então, quebre-se o pacto e vamos todos para uma nova Constituinte, vamos todos medir força novamente”, defende Berenice, ao destacar que a CF tem que ser protegida pelo poder Judiciário, cumprido pelo Executivo e pelo Legislativo, no que se refere à regulamentação do Capítulo V. “Tudo mais a gente senta e vê a razoabilidade, as possibilidades. Mas a regulamentação é inegociável”, afirma ela.
A psicóloga Roseli Goffman, representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP) na Coordenação Executiva do FNDC, salienta que o voto popular já mostrou que a população está mais consciente e é o momento deste governo reconhecer os 56% da votação brasileira, “pelos avanços da participação popular na política pública – com o histórico das conferências do governo Lula”, destaca ela. “Qual consulta pública foi mais importante que a Confecom, que mobilizou o país inteiro, num grande investimento do governo?”, ressalta Roseli, afirmando que o discurso do ministro Paulo Bernardo, de não encaminhar ao Congresso o anteprojeto de lei elaborado pelo governo anterior, foi entendido como um recuo do governo Dilma.
O CFP, neste momento, enfatiza ainda a necessidade da imediata regulação da publicidade dirigida à criança. “São 200 projetos no Parlamento sobre este assunto. Até quando um contingente de 100 parlamentares vão bloquear todos os avanços sociais brasileiros?”, questiona a psicóloga.
Se não der andamento ao anteprojeto de lei elaborado pelo governo anterior, a administração de Dilma se iniciará nesta área “com a mesma contaminação de todos os governos para trás dela”, avalia Berenice. “Se ela preza tanto a liberdade de expressão, que assegure de forma eficaz tudo o que está previsto no artigo V a Constituição Federal”, ressalta a cineasta.
O FNDC solicitou audiências com o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, e da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para tratar dos temas relativos ao período pós-Confecom.
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Leonardo Boff e a tragédia no RJ
Reproduzo artigo enviado pelo teólogo Leonardo Bofff:
Estou enviando artigo sobre a tragédia que se abateu sobre as cidades serranas do Rio. É uma reflexão que procura ir às causas mais profundas deste cataclisma.
Um abraço, Lboff
O preço de não escutar a natureza
O cataclisma ambiental, social e humano que se abateu sobre as três cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, na segunda semana de janeiro, com centenas de mortos, destruição de regiões inteiras e um incomensurável sofrimento dos que perderam familiares, casas e todos os haveres tem como causa mais imediata as chuvas torrenciais, próprias do verão, a configuração geofísica das montanhas, com pouca capa de solo sobre o qual cresce exuberante floresta subtropical, assentada sobre imensas rochas lisas que por causa da infiltração das águas e o peso da vegetação provocam frequentemente deslizamentos fatais.
Culpam-se pessoas que ocuparam áreas de risco, incriminam-se políticos corruptos que destribuíram terrenos perigosos a pobres, critica-se o poder público que se mostrou leniente e não fez obras de prevenção, por não serem visíveis e não angariarem votos. Nisso tudo há muita verdade. Mas nisso não reside a causa principal desta tragédia avassaladora.
A causa principal deriva do modo como costumamos tratar a natureza. Ela é generosa para conosco pois nos oferece tudo o que precisamos para viver. Mas nós, em contrapartida, a consideramos como um objeto qualquer, entregue ao nosso bel-prazer, sem nenhum sentido de responsabilidade pela sua preservação nem lhe damos alguma retribuição. Ao contrario, tratamo-la com violência, depredamo-la, arrancando tudo o que podemos dela para nosso benefício. E ainda a transformamos numa imensa lixeira de nossos dejetos.
Pior ainda: nós não conhecemos sua natureza e sua história. Somos analfabetos e ignorantes da história que se realizou nos nossos lugares no percurso de milhares e milhares de anos. Não nos preocupamos em conhecer a flora e a fauna, as montanhas, os rios, as paisagens, as pessoas significativas que ai viveram, artistas, poetas, governantes, sábios e construtores.
Somos, em grande parte, ainda devedores do espírito científico moderno que identifica a realidade com seus aspectos meramente materiais e mecanicistas sem incluir nela, a vida, a consciência e a comunhão íntima com as coisas que os poetas, músicos e artistas nos evocam em suas magníficas obras. O universo e a natureza possuem história. Ela está sendo contada pelas estrelas, pela Terra, pelo afloramento e elevação das montanhas, pelos animais, pelas florestas e pelos rios. Nossa tarefa é saber escutar e interpretar as mensagens que eles nos mandam.
Os povos originários sabiam captar cada movimento das nuvens, o sentido dos ventos e sabiam quando vinham ou não trombas d’água. Chico Mendes com quem participei de longas penetrações na floresta amazônica do Acre sabia interpretar cada ruído da selva, ler sinais da passagem de onças nas folhas do chão e, com o ouvido colado ao chão, sabia a direção em que ia a manada de perigosos porcos selvagens. Nós desaprendemos tudo isso. Com o recurso das ciências lemos a história inscrita nas camadas de cada ser. Mas esse conhecimento não entrou nos currículos escolares nem se transformou em cultura geral. Antes, virou técnica para dominar a natureza e acumular.
No caso das cidades serranas: é natural que haja chuvas torrenciais no verão. Sempre podem ocorrer desmoronamentos de encostas. Sabemos que já se instalou o aquecimento global que torna os eventos extremos mais freqüentes e mais densos. Conhecemos os vales profundos e os riachos que correm neles. Mas não escutamos a mensagem que eles nos enviam que é: não construir casas nas encostas; não morar perto do rio e preservar zelosamente a mata ciliar. O rio possui dois leitos: um normal, menor, pelo qual fluem as águas correntes e outro maior que dá vazão às grandes águas das chuvas torrenciais. Nesta parte não se pode construir e morar.
Estamos pagando alto preço pelo nosso descaso e pela dizimação da mata atlântica que equilibrava o regime das chuvas. O que se impõe agora é escutar a natureza e fazer obras preventivas que respeitem o modo de ser de cada encosta, de cada vale e de cada rio.
Só controlamos a natureza na medida em que lhe obedecemos e soubermos escutar suas mensagens e ler seus sinais. Caso contrário teremos que contar com tragédias fatais evitáveis.
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Estou enviando artigo sobre a tragédia que se abateu sobre as cidades serranas do Rio. É uma reflexão que procura ir às causas mais profundas deste cataclisma.
Um abraço, Lboff
O preço de não escutar a natureza
O cataclisma ambiental, social e humano que se abateu sobre as três cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, na segunda semana de janeiro, com centenas de mortos, destruição de regiões inteiras e um incomensurável sofrimento dos que perderam familiares, casas e todos os haveres tem como causa mais imediata as chuvas torrenciais, próprias do verão, a configuração geofísica das montanhas, com pouca capa de solo sobre o qual cresce exuberante floresta subtropical, assentada sobre imensas rochas lisas que por causa da infiltração das águas e o peso da vegetação provocam frequentemente deslizamentos fatais.
Culpam-se pessoas que ocuparam áreas de risco, incriminam-se políticos corruptos que destribuíram terrenos perigosos a pobres, critica-se o poder público que se mostrou leniente e não fez obras de prevenção, por não serem visíveis e não angariarem votos. Nisso tudo há muita verdade. Mas nisso não reside a causa principal desta tragédia avassaladora.
A causa principal deriva do modo como costumamos tratar a natureza. Ela é generosa para conosco pois nos oferece tudo o que precisamos para viver. Mas nós, em contrapartida, a consideramos como um objeto qualquer, entregue ao nosso bel-prazer, sem nenhum sentido de responsabilidade pela sua preservação nem lhe damos alguma retribuição. Ao contrario, tratamo-la com violência, depredamo-la, arrancando tudo o que podemos dela para nosso benefício. E ainda a transformamos numa imensa lixeira de nossos dejetos.
Pior ainda: nós não conhecemos sua natureza e sua história. Somos analfabetos e ignorantes da história que se realizou nos nossos lugares no percurso de milhares e milhares de anos. Não nos preocupamos em conhecer a flora e a fauna, as montanhas, os rios, as paisagens, as pessoas significativas que ai viveram, artistas, poetas, governantes, sábios e construtores.
Somos, em grande parte, ainda devedores do espírito científico moderno que identifica a realidade com seus aspectos meramente materiais e mecanicistas sem incluir nela, a vida, a consciência e a comunhão íntima com as coisas que os poetas, músicos e artistas nos evocam em suas magníficas obras. O universo e a natureza possuem história. Ela está sendo contada pelas estrelas, pela Terra, pelo afloramento e elevação das montanhas, pelos animais, pelas florestas e pelos rios. Nossa tarefa é saber escutar e interpretar as mensagens que eles nos mandam.
Os povos originários sabiam captar cada movimento das nuvens, o sentido dos ventos e sabiam quando vinham ou não trombas d’água. Chico Mendes com quem participei de longas penetrações na floresta amazônica do Acre sabia interpretar cada ruído da selva, ler sinais da passagem de onças nas folhas do chão e, com o ouvido colado ao chão, sabia a direção em que ia a manada de perigosos porcos selvagens. Nós desaprendemos tudo isso. Com o recurso das ciências lemos a história inscrita nas camadas de cada ser. Mas esse conhecimento não entrou nos currículos escolares nem se transformou em cultura geral. Antes, virou técnica para dominar a natureza e acumular.
No caso das cidades serranas: é natural que haja chuvas torrenciais no verão. Sempre podem ocorrer desmoronamentos de encostas. Sabemos que já se instalou o aquecimento global que torna os eventos extremos mais freqüentes e mais densos. Conhecemos os vales profundos e os riachos que correm neles. Mas não escutamos a mensagem que eles nos enviam que é: não construir casas nas encostas; não morar perto do rio e preservar zelosamente a mata ciliar. O rio possui dois leitos: um normal, menor, pelo qual fluem as águas correntes e outro maior que dá vazão às grandes águas das chuvas torrenciais. Nesta parte não se pode construir e morar.
Estamos pagando alto preço pelo nosso descaso e pela dizimação da mata atlântica que equilibrava o regime das chuvas. O que se impõe agora é escutar a natureza e fazer obras preventivas que respeitem o modo de ser de cada encosta, de cada vale e de cada rio.
Só controlamos a natureza na medida em que lhe obedecemos e soubermos escutar suas mensagens e ler seus sinais. Caso contrário teremos que contar com tragédias fatais evitáveis.
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As enchentes e a especulação imobiliária
Reproduzo artigo de Luiz Carlos Azenha, publicado no blog Viomundo:
Num evento recente do qual participei estava lá a arquiteta Ermínia Maricato. Ela pediu a palavra para dizer que, infelizmente, os movimentos sociais haviam se desarticulado na luta pela “reforma urbana”. Disse que o programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, tratava do subsidiário sem atacar o principal. Que, na verdade, o programa tinha sido responsável por inflacionar o estoque de terras, beneficiando a especulação imobiliária.
As tragédias do Rio de Janeiro e de São Paulo, além da inépcia generalizada — bombeiros sem equipamento para iluminação noturna, Defesa Civil dependente de aparelhos celulares, prefeituras que só agem (quando agem) para remediar as tragédias — demonstram o quanto somos reféns dos interesses imobiliários, que ao mesmo tempo determinam as leis de ocupação locais E financiam a mídia e as campanhas eleitorais.
Na entrevista abaixo, concedida antes das tragédias do Rio e de São Paulo à Caros Amigos, Ermínia faz previsões sombrias sobre o futuro das cidades se nada for feito. Meu pessimismo neste tema tem relação com o fato de que tanto o PT quanto o PSDB são almas gêmeas quando se trata da reforma urbana: ninguém fala do assunto para ver se o problema some.
Especulação da terra inviabiliza moradia popular
Participaram: Bárbara Mengardo, Gabriela Moncau, Hamilton Octavio de Souza, Júio Delmanto, Lúia Rodrigues, Otávio Nagoya, Tatiana Merlino.
A arquiteta Ermínia Maricato tem uma longa trajetória de reflexão teórica e enfrentamento dos problemas urbanos, como profissional e como militante do PT. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, coordenadora do programa de pós-graduação (1998-2002), foi também secretária de Habitação de São Paulo (1989-1992) e secretária-executiva do Ministério das Cidades (2003-2005). Na entrevista a seguir ela faz uma análise profunda e reveladora da situação caótica das cidades brasileiras. Vale a pena ler.
Hamilton Octávio de Souza: Onde você nasceu? O que estudou? Fale sobre a sua trajetória.
Eu nasci no interior do Estado de São Paulo, em uma cidade chamada Santa Ernestina, mas vim muito cedo para São Paulo. Meu pai foi camponês, mas se tornou um pequeno empresário, tinha uma granja de aves. A família é três quartos italiana e um quarto portuguesa. Nós tivemos que vir para São Paulo porque a minha mãe tinha uma doença, hoje eu sei que é psíquica, mas no interior nós não sabíamos bem o que era. Com 5 anos eu vim para São Paulo, estudei em escola pública, que era maravilhosa, morei no Brás e, enfim, sempre gostei muito de estudar, minha mãe não queria que eu estudasse, o meu pai me deu toda a força, acho que não tem tanta novidade aí. Foi um período em que era possível um filho de europeu, mesmo que viesse do campo, era fácil ter ascensão social em São Paulo. Foi o que aconteceu com o meu pai, ele amealhou um certo patrimoniozinho, então não é a mesma condição que o filho de camponês brasileiro, que tem origem muitas vezes na herança escrava, uma condição diferente. Bem, eu fiz química industrial no nível médio, comecei a faculdade de física na USP, depois é que eu passei para arquitetura; mas hoje eu acho que errei, estou muito apaixonada pela terra, por agricultura, por agricultura orgânica. Atualmente pertenço a uma associação que tem uma gleba de Mata Atlântica e nós estamos fazendo um pomar de frutas em extinção da Mata Atlântica, esse é o meu hobby atual. Então eu estou tão encantada, tão impressionada com a força e a exuberância da Mata Atlântica que fico pensando como nós conseguimos destruir essa riqueza.
Lúcia Rodrigues: Como surgiu essa ideia?
A associação já existia. Eu cheguei em um amigo e falei: acho que a gente devia comprar um pedaço de mata para deixar lá. E aí ele falou: mas eu já estou em um lugar que tem isso e tal. Aí eu fui, me encantei, entrei na diretoria. Temos uma médica homeopata como presidente, temos várias tribos ali, temos sete nascentes de água, então nós estamos trabalhando no tratamento e distribuição dessa água e agora nós passaremos a discutir o lixo, o esgoto.
Tatiana Merlino: Onde é?
Fica a uma hora de São Paulo, em São Lourenço da Serra. Então é a minha paixão atual e eu fiquei muito impressionada de como é que eu não fui para a agricultura, pois tem muito a ver com a questão ambiental. Eu comi uma fruta quando era criança e morava no interior que chamava pindaíva, é uma fruta lindíssima, vermelha, parece uma fruta do conde, ela é de uma árvore muito alta e aí eu falei: Mas cadê a fruta? Não existe mais. Então eu fui pesquisar e consegui, depois de muito procurar, achar uma muda da pindaíva, hoje nós plantamos quatro mudas lá no vale e aí tem outras frutas que eu nem sei o que são, comprei outras mudas, fui atrás, agora eu estou pesquisando isso. Lá tem uns malucos que entram na mata, pegam semente, estão plantando, tem um pessoal interessante. Eu gosto mais de falar disso do que falar de cidade, meu Deus do céu. O que eu quero deixar de fundamental em relação a questão urbana é que as cidades vão piorar.
Lúcia Rodrigues: Mais ainda?
Muito, muito.
Lúcia Rodrigues: Por que, professora?
Porque não tem nada sendo feito para contrariar o rumo.
Júlio Delmanto: As cidades que você diz não são só as grandes, né?
Não só as grandes, porque as cidades que mais crescem atualmente são as médias no Brasil, não são as metrópoles, as metrópoles deram uma recuada, desde a década de 80 as metrópoles estão crescendo menos e as cidades médias estão crescendo mais.
Tatiana Merlino: Nada está sendo feito nos âmbitos federal, estadual e municipal?
Não é só uma questão de governo. Primeiro não é uma questão restrita a governo, é uma questão do capitalismo periférico, eu quero fazer questão de falar isso porque muita gente fala: ah! falta vontade política! Eu vou dizer que tem problemas que são estruturais. Um deles: o mercado residencial, no capitalismo periférico, atinge uma pequena parte da população. Até 2004, quando começa uma mudança na política habitacional, da qual eu fiz parte, o mercado brasileiro produzia para 20% da população. Em São Luís (MA) é para 10% da população. Eu fico pensando, pela minha experiência, que São Paulo, por exemplo, chega a 40% da população, mas quando você vai para São Luís ou Belém (PA), o mercado não chega a 10% da população. O mercado, esse sim, segue a lei, que tem um investimento, às vezes tem um financiamento, ou às vezes até mesmo a empresa incorpora o teu financiamento, você faz um projeto que é aprovado na prefeitura de acordo com a legislação de código de obras, legislação de parcelamento do solo, legislação de zoneamento, aí isso é lançado, tem compradores que também podem ter um financiamento. Isso é o que? No Canadá, na Europa, nos EUA isso atinge de 70 a 80% da população. No Canadá isso é muito claro: 30% da população precisa de subsídio para comprar moradia. Aqui no Brasil é o oposto: tem 70% da população. Varia de cidade, de região, se tem uma classe média maior, esse número é maior, se você tem uma classe média menor, como as cidades do Norte e Nordeste, esse número é menor. Então, vivemos em uma sociedade em que uma parte da população se vira, ela não se integra ao mercado e não tem política pública para chegar nela. O financiamento, o investimento público habitacional ampliou muito a partir de 2004, é impressionante o aumento nos últimos anos. Mas na sociedade brasileira a classe média não entra no mercado. O que quer dizer que a classe média não entra no mercado? O policial, o funcionário da USP, o professor secundário mora em favela, isso é uma coisa comum. Então, o Brasil é um país típico de capitalismo periférico, onde um trabalhador regularmente empregado, com estabilidade no emprego, que é o caso de um funcionário público, não tem acesso à moradia no mercado.
Tatiana Merlino: Esse “se vira” a que você se referiu é equivalente ao déficit habitacional que há no Brasil?
É mais do que o déficit.
Tatiana Merlino: Qual é o déficit habitacional hoje do Brasil?
Olha, o déficit deve estar entre os 7 e 8 milhões, o déficit é sempre uma coisa que deve ser discutida, né? O que você considera déficit? Uma das questões que discutimos no ministério, por exemplo, é que o IBGE considera déficit a convivência de famílias e às vezes é uma decisão sua conviver com mais de uma família. Então, devo ou não considerar isso déficit? O que eu quero dizer é o seguinte: “parte da população brasileira se vira” significa que ela arruma terra, eu tenho muita restrição para usar a palavra invadindo, porque os movimentos sociais não gostam, digamos que ocupando ilegalmente, mas esse ocupando ilegalmente é uma coisa muito vasta. E construindo as próprias casas, como o Chico de Oliveira mostrou em um artigo que ficou clássico, em 1972, que essa autoconstrução, essas ocupações ilegais não eram uma coisa espontânea ou decisão deles, aquilo era o resultado do rebaixamento da força de trabalho, quer dizer uma força de trabalho que não ganha para comprar uma casa, para pagar para alguém construir, mas não dentro da lei, não é dentro do mercado, não consegue comprar a terra. E a terra é um capítulo a parte. Então essa condição de ilegalidade é geral no Brasil. Tem um município perto de Belém, Ananindeua, ou outros municípios na periferia de Recife, Salvador, Fortaleza, onde 90% dos domicílios são ilegais. Quando você chega à região metropolitana de Fortaleza o próprio IBGE dá 33% da chamada sub-habitação. Nós temos alguns estudos, não temos dados fidedignos, mas isso já mostra um pouco o que é a realidade brasileira. Quanto por cento da população brasileira mora em favela? Tem alguns trabalhos que mostram que há uma grande diferença de uma cidade para outra no Brasil, mas que a exceção que seria uma casa ilegal, construída completamente fora da lei em uma terra ocupada de forma completamente irregular, construída aos poucos, sem qualquer conhecimento de engenheiro ou arquiteto etc., é regra, não é mais exceção. Veja bem, o que era para ser exceção virou regra e o que era para ser regra virou exceção.
Tatiana Merlino: Essa é uma característica do capitalismo periférico?
É. Você vê isso no mundo inteirinho e varia um pouco em cada país. A Argentina, que já teve uma condição muito melhor socialmente na América Latina, agora está em uma situação dramática. Na Argentina você tinha menos disso, algo em torno de 20 ou 30 anos atrás, ela era mais formal, a cidade na Argentina. Fui convidada para ir a um encontro sobre moradores de rua na Argentina, eles ficaram encantados com a nossa política de morador de rua e aí eu falei: Bom, mas vocês não tinham porque vocês não tinham morador de rua e no Brasil tem há muito tempo. Se você vai para o Chile você tem uma formalidade maior na cidade, tem uma classe média mais forte. Agora o resto, Bolívia, Venezuela, que eu andei pelos morros em volta de Caracas, o próprio México, você tem uma situação que é pior do que algumas metrópoles brasileiras, porque o Brasil tem algumas coisas que são mais ricas e algumas coisas que são mais pobres.
Hamilton Octávio de Souza: Mas esse processo não está sendo revertido?
Ao contrário, as cidades do mundo estão se empobrecendo. Se você pegar a África é impressionante o que está acontecendo.
Hamilton Octávio de Souza: E São Paulo? O que acontece em São Paulo?
São Paulo está assim: o município concentra, se não me engano, 22% da população que ganha acima de 20 salários mínimos do Brasil. Então você tem uma grande concentração de renda em São Paulo, Ribeirão Preto, Santos, e Brasília – no plano piloto. Então você tem uma condição de expulsão da população desses municípios mais ricos.
Hamilton Octávio de Souza: A favelização aqui tem sido crescente, não tem? Desde a década de 50?
Mas muito mais nas periferias. Se eu pegar Cajamar, Franco da Rocha, Itapecerica da Serra, Embu, Embu-Guaçu, você tem uma periferização com o aumento da violência, com uma queda geral de índices e a gente trabalha com média, o que é complicado.
Lúcia Rodrigues: A concentração do capital é o que está levando ao empobrecimento das cidades, é isso?
Não é só. Você tem assim uma tradição de desigualdade histórica, você tem nesses países essa questão estrutural da informalidade tanto no trabalho quanto na ocupação do solo, então nós temos ilhas que são cidades do primeiro mundo, isso é tudo inadequado. Por isso que eu acho engraçado dizer que a questão é técnica. Na verdade nós copiamos a lei de zoneamento, toda a legislação do primeiro mundo e aí a gente garante uma ilha onde o resto não cabe. Para inserir a população pobre nessa cidade eu preciso transformar o conjunto, isso foi o que discutimos no Fórum Urbano Mundial e no Fórum Social Urbano.
Júlio Delmanto: Existe alguma diferença entre esses países que são chamados em desenvolvimento em relação ao resto da periferia?
Sim. O Brasil é diferente. É uma economia forte. É um player internacional. Ele passou de “nada dava certo” para “país do futuro” ou “do presente”. Mas a desigualdade é uma coisa escandalosa no Brasil. A África do Sul me impactou porque ela saiu do apartheid, em que a segregação, diferentemente da nossa, era jurídica. Então você não podia ir para a cidade se você fosse negro, a menos que você tivesse um passe. Vencer essa segregação quando o Mandela ganhou parecia fácil. Mas existe um problema que está atingindo todo o terceiro mundo que é a questão da terra. A questão da terra não foi superada com a luta contra o apartheid. Aliás, foi uma coisa que me impressionou muito, que eu ouvi de vários líderes: se a terra tivesse entrado em negociação, a paz não acontecia.
Hamilton Octavio de Souza: O que é a questão da terra? É a terra urbana?
É a terra urbana e rural. A terra está na essência da alma brasileira. A desigualdade no Brasil passa essencialmente pela questão fundiária. Campo e cidade. Só terminando a história dessa segregação, não tem nenhum mistério. Uma parte da população constrói as casas, constrói fora da lei e não tem lugar nas cidades. Às vezes os planos diretores não disseram onde os jovens iam morar, porque todo plano diretor é seguido de uma lei de zoneamento e a lei de zoneamento é lei para o mercado, e a nossa população tá fora do mercado. Então os urbanistas estão trabalhan do em um espaço de ficção, com realidade de ficção. Aliás, essa ausência dos engenheiros nem se fala. Eu quero falar depois do estrago que a engenharia fez em São Paulo.
Lúcia Rodrigues: Essas leis que você citou funcionam?
Nada. O estatuto da cidade é um sucesso no mundo. Do Brasil para o mundo. Eu sou convidada a consultoria internacional o tempo todo por conta do estatuto da cidade. Eu fui a poucos lugares, mas para onde eu fui eu falei que não está sendo aplicado no Brasil. Não está sendo aplicado.
Tatiana Merlino: Existe uma política habitacional para resolver essa questão do controle do solo?
Lei nós temos. O estatuto da cidade é ótimo. Constituição Federal nós temos. Só que nós não aplicamos a função social da propriedade. Só terminando aquilo. A nossa lógica é que a mão de obra barata de que o Celso Furtado falava muito, que garante a exportação de riqueza, que garante uma elite conspícua, que é patrimonialista, que se agarrou a este Estado e fez dele o que fez, tem a lógica de que nós temos que ter uma mão de obra absolutamente rebaixada no seu preço para poder segurar essa relação.
Lúcia Rodrigues: Mas isso não é anticapitalista? Por que se você tem gente ganhando mais, injeta força e fluxo no mercado.
É engraçado isso. Porque o Ford descobriu que os operários precisavam ganhar melhor para que o capitalismo fosse melhor em 1905, início do século 20. Não é essa a lógica no Brasil. Inclusive uma das coisas que nós nos perguntamos é se o capitalismo brasileiro, principalmente a burguesia nacional, porque as transnacionais não estão nem aí se vão esgotar as reservas, se as cidades vão virar um negócio inviável, pretende se tornar viável. O capitalismo no Brasil não está preocupado em viabilizar. As nossas cidades estão ficando inviáveis. O automóvel está inviabilizando não só São Paulo, mas todas as cidades brasileiras. Brasília está também com um problema seríssimo de trânsito. Então você tem um problema que também é estrutural. A indústria automobilística é responsável por 20% do PIB do mundo, se eu colocar a exploração de petróleo, a distribuição de petróleo, toda a indústria da borracha, das autopeças. E todas as obras nas cidades são uma questão de infraestrutura para o automóvel andar. Quebrar esse modelo é o que seria necessário para incorporar os pobres.
Lúcia Rodrigues: E como se quebra esse modelo?
Vamos primeiro falar da terra. Porque esse “como se quebra esse modelo” é uma reflexão muito difícil para eu fazer depois que eu saí do governo federal. A terra no Brasil durante vários séculos, a propriedade da terra, esteve ligada à detenção de poder social, político e econômico. É interessante perceber em uma cidade como São Paulo como é que a área de proteção dos mananciais, que é uma área protegida por lei federal, estadual e municipal e planos de tudo quanto é tipo, está sendo ocupada. O poder de polícia sobre o uso do solo tem cinco organismos: a Sabesp, a Cetesb, Eletropaulo, o poder municipal sobre o parcelamento do solo, e a Polícia Florestal. Todo mundo é responsável pela fiscalização. Então não falta lei, não falta plano. É bem importante deixar isso claro. Estou cansada de ouvir gente dizendo que falta planejamento, falta plano diretor. Não falta nada. E não falta lei no papel. O que falta é que essa população tem que morar em algum lugar. E ela vai morar onde? Então pensa na população que chega na cidade de São Paulo. O centro está se esvaziando. Isso parece incrível, aliás, em todas as cidades brasileiras grandes. Então nós temos em área de proteção dos mananciais, já vi secretário de meio ambiente falar em um milhão e quinhentas mil pessoas. E já ouvi gente da Empresa Metropolitana de Planejamento falar em dois milhões de pessoas. É uma ligeira margem de dúvida. Isso mostra que nós não sabemos quantas pessoas moram na área de proteção dos mananciais.
Hamilton Octavio de Souza: Qual a consequência disso para o abastecimento de São Paulo?
Nós estamos buscando água na bacia do rio Piracicaba. Falam em buscar água serra abaixo. Estão falando em buscar água não sei mais onde no vale do Paraíba, e nós temos duas represas em que a água vem por gravidade, mas a água está crescentemente contaminada, e eu estou me referindo à contaminação recém-descoberta de que mesmo depois do tratamento existem hormônios e antidepressivos na água. Mas isso é outra coisa, são pesquisas mais recentes. Eu tenho então uma metrópole na área de proteção dos mananciais. E se os governos decidissem cumprir a lei? Não entra mais ninguém ou tem que sair? O que aconteceria? Os conflitos do MST iam ser refresco. Eu já tive aluno que afirmou que haverá guerra civil. Eu concordo. Se voce de repente pega todo mundo que ocupou os morros do Rio de Janeiro, que estão desmoronando, ou dos morros de São Paulo, que desmoronaram meses atrás, e proíbe de ocupar, é guerra. Mas aí alguém fala: tem que ter uma política habitacional. Tem. Metade da população do Rio de Janeiro mora em domicílios ilegais. Como é que você faz uma política habitacional para incorporar metade da população sem uma completa revolução com a terra? Sem uma completa mudança na característica do mercado imobiliário? Sem uma completa mudança no direito de propriedade? Sem uma completa mudança da forma de ação do Estado? De que jeito?
Tatiana Merlino: Mas como é muito pouco provável que aconteça, para onde a gente vai caminhar?
Nós estamos caminhando para o caos.
Tatiana Merlino: O que aconteceu no Rio de Janeiro é a prova disso?
É. O que aconteceu em São Paulo, em todas as cidades, é a maior prova disso. Se você somar a falta de controle de uso e ocupação do solo, que não existe a consciência de que é necessário controlar, mais a falta de planejamento com a questão da macrodrenagem… E ainda com mais incentivo para a matriz automobilística, nós vamos piorar.
Lúcia Rodrigues: Mas como romper com esse modelo?
Eu acho sinceramente que não vai ser simples. A questão da terra sempre foi muito clara no campo, mas ela não foi muito clara na cidade. Por quê? Porque ninguém se dava conta de que a regra era exceção e a exceção era regra.
Lúcia Rodrigues: Mas qual é o problema da terra?
Um aluno meu me mostrou a funcionalidade da confusão registrária no Brasil. Ele mostrou que nos parques estaduais paulistas existiam sete andares de registro de propriedade no mesmo pedaço de terra. Por quê? Porque a história do registro de propriedades no Brasil é uma história de fraudes. Eu desagradei muita gente, mas falo isso o tempo todo. A história da propriedade privada no Brasil é uma história de fraudes sistemáticas. Não é que você tenha uma fraude ou outra. É regra de novo. O Ariovaldo Umbelino mostrou em uma de suas palestras (ele é um geógrafo competente, se aposentou da USP) um anúncio de venda de uma propriedade de 40 mil hectares, no qual a grande vantagem que oferecia era uma escritura de 4 mil hectares. Porque a cerca anda. Então ter uma escritura já é uma maravilha. E a cerca anda no Brasil. Então o que me impressionou na tese do Joaquim de Brito, esse meu aluno, é que o governo não tem nenhum interesse em cancelar registros que se revelam falsos.
Tatiana Merlino: E no caso da Cutrale?
Esse é outro exemplo que eu adoro dar. Quer dizer, para a mídia brasileira foi muito mais importante a derrubada de meia dúzia de pés de laranja do que o patrimônio público ser apropriado privadamente. Ora, é regra. O Pontal todo. E a polícia e o Judiciário têm a coragem de atacar o MST, que é meia dúzia de gente pobre que quer o mínimo, que é o acesso à terra. Vai fazer a discriminatória das terras públicas que você vai ver quanto esse país vai ganhar de terra!
Bárbara Mengardo: Existe uma estimativa de quantos hectares de terras griladas são ocupadas por grandes empresas?
Na verdade os documentos são produzidos. Foi isso que eu verifiquei com a tese do Joaquim de Brito, que, aliás, eu pedi que ele produzisse um texto que fosse mais palatável para a linguagem de um livro e ele morreu na madrugada que ele escreveu o texto. Aprendi muito com ele porque ele tinha documentos de todas as terras e dizia: “Olha, ainda tem registros novos aparecendo”. Ele mostrou que tinha propriedade no litoral que subia a serra. E aí quando eu vejo a mídia atacar o MST eu fico absolutamente impressionada. Em um país onde a história da propriedade é de fraude. Eu resolvi juntar livro sobre isso. Aí eu comecei a ver que nós temos uma produção gigantesca sobre a fraude na propriedade da terra, sobre as disputas de terra, sobre morte.
Lúcia Rodrigues: Quem está por trás disso? São os cartórios? É o governo?
Tudo. É a sociedade brasileira. É poder vinculado à propriedade.
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Num evento recente do qual participei estava lá a arquiteta Ermínia Maricato. Ela pediu a palavra para dizer que, infelizmente, os movimentos sociais haviam se desarticulado na luta pela “reforma urbana”. Disse que o programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, tratava do subsidiário sem atacar o principal. Que, na verdade, o programa tinha sido responsável por inflacionar o estoque de terras, beneficiando a especulação imobiliária.
As tragédias do Rio de Janeiro e de São Paulo, além da inépcia generalizada — bombeiros sem equipamento para iluminação noturna, Defesa Civil dependente de aparelhos celulares, prefeituras que só agem (quando agem) para remediar as tragédias — demonstram o quanto somos reféns dos interesses imobiliários, que ao mesmo tempo determinam as leis de ocupação locais E financiam a mídia e as campanhas eleitorais.
Na entrevista abaixo, concedida antes das tragédias do Rio e de São Paulo à Caros Amigos, Ermínia faz previsões sombrias sobre o futuro das cidades se nada for feito. Meu pessimismo neste tema tem relação com o fato de que tanto o PT quanto o PSDB são almas gêmeas quando se trata da reforma urbana: ninguém fala do assunto para ver se o problema some.
Especulação da terra inviabiliza moradia popular
Participaram: Bárbara Mengardo, Gabriela Moncau, Hamilton Octavio de Souza, Júio Delmanto, Lúia Rodrigues, Otávio Nagoya, Tatiana Merlino.
A arquiteta Ermínia Maricato tem uma longa trajetória de reflexão teórica e enfrentamento dos problemas urbanos, como profissional e como militante do PT. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, coordenadora do programa de pós-graduação (1998-2002), foi também secretária de Habitação de São Paulo (1989-1992) e secretária-executiva do Ministério das Cidades (2003-2005). Na entrevista a seguir ela faz uma análise profunda e reveladora da situação caótica das cidades brasileiras. Vale a pena ler.
Hamilton Octávio de Souza: Onde você nasceu? O que estudou? Fale sobre a sua trajetória.
Eu nasci no interior do Estado de São Paulo, em uma cidade chamada Santa Ernestina, mas vim muito cedo para São Paulo. Meu pai foi camponês, mas se tornou um pequeno empresário, tinha uma granja de aves. A família é três quartos italiana e um quarto portuguesa. Nós tivemos que vir para São Paulo porque a minha mãe tinha uma doença, hoje eu sei que é psíquica, mas no interior nós não sabíamos bem o que era. Com 5 anos eu vim para São Paulo, estudei em escola pública, que era maravilhosa, morei no Brás e, enfim, sempre gostei muito de estudar, minha mãe não queria que eu estudasse, o meu pai me deu toda a força, acho que não tem tanta novidade aí. Foi um período em que era possível um filho de europeu, mesmo que viesse do campo, era fácil ter ascensão social em São Paulo. Foi o que aconteceu com o meu pai, ele amealhou um certo patrimoniozinho, então não é a mesma condição que o filho de camponês brasileiro, que tem origem muitas vezes na herança escrava, uma condição diferente. Bem, eu fiz química industrial no nível médio, comecei a faculdade de física na USP, depois é que eu passei para arquitetura; mas hoje eu acho que errei, estou muito apaixonada pela terra, por agricultura, por agricultura orgânica. Atualmente pertenço a uma associação que tem uma gleba de Mata Atlântica e nós estamos fazendo um pomar de frutas em extinção da Mata Atlântica, esse é o meu hobby atual. Então eu estou tão encantada, tão impressionada com a força e a exuberância da Mata Atlântica que fico pensando como nós conseguimos destruir essa riqueza.
Lúcia Rodrigues: Como surgiu essa ideia?
A associação já existia. Eu cheguei em um amigo e falei: acho que a gente devia comprar um pedaço de mata para deixar lá. E aí ele falou: mas eu já estou em um lugar que tem isso e tal. Aí eu fui, me encantei, entrei na diretoria. Temos uma médica homeopata como presidente, temos várias tribos ali, temos sete nascentes de água, então nós estamos trabalhando no tratamento e distribuição dessa água e agora nós passaremos a discutir o lixo, o esgoto.
Tatiana Merlino: Onde é?
Fica a uma hora de São Paulo, em São Lourenço da Serra. Então é a minha paixão atual e eu fiquei muito impressionada de como é que eu não fui para a agricultura, pois tem muito a ver com a questão ambiental. Eu comi uma fruta quando era criança e morava no interior que chamava pindaíva, é uma fruta lindíssima, vermelha, parece uma fruta do conde, ela é de uma árvore muito alta e aí eu falei: Mas cadê a fruta? Não existe mais. Então eu fui pesquisar e consegui, depois de muito procurar, achar uma muda da pindaíva, hoje nós plantamos quatro mudas lá no vale e aí tem outras frutas que eu nem sei o que são, comprei outras mudas, fui atrás, agora eu estou pesquisando isso. Lá tem uns malucos que entram na mata, pegam semente, estão plantando, tem um pessoal interessante. Eu gosto mais de falar disso do que falar de cidade, meu Deus do céu. O que eu quero deixar de fundamental em relação a questão urbana é que as cidades vão piorar.
Lúcia Rodrigues: Mais ainda?
Muito, muito.
Lúcia Rodrigues: Por que, professora?
Porque não tem nada sendo feito para contrariar o rumo.
Júlio Delmanto: As cidades que você diz não são só as grandes, né?
Não só as grandes, porque as cidades que mais crescem atualmente são as médias no Brasil, não são as metrópoles, as metrópoles deram uma recuada, desde a década de 80 as metrópoles estão crescendo menos e as cidades médias estão crescendo mais.
Tatiana Merlino: Nada está sendo feito nos âmbitos federal, estadual e municipal?
Não é só uma questão de governo. Primeiro não é uma questão restrita a governo, é uma questão do capitalismo periférico, eu quero fazer questão de falar isso porque muita gente fala: ah! falta vontade política! Eu vou dizer que tem problemas que são estruturais. Um deles: o mercado residencial, no capitalismo periférico, atinge uma pequena parte da população. Até 2004, quando começa uma mudança na política habitacional, da qual eu fiz parte, o mercado brasileiro produzia para 20% da população. Em São Luís (MA) é para 10% da população. Eu fico pensando, pela minha experiência, que São Paulo, por exemplo, chega a 40% da população, mas quando você vai para São Luís ou Belém (PA), o mercado não chega a 10% da população. O mercado, esse sim, segue a lei, que tem um investimento, às vezes tem um financiamento, ou às vezes até mesmo a empresa incorpora o teu financiamento, você faz um projeto que é aprovado na prefeitura de acordo com a legislação de código de obras, legislação de parcelamento do solo, legislação de zoneamento, aí isso é lançado, tem compradores que também podem ter um financiamento. Isso é o que? No Canadá, na Europa, nos EUA isso atinge de 70 a 80% da população. No Canadá isso é muito claro: 30% da população precisa de subsídio para comprar moradia. Aqui no Brasil é o oposto: tem 70% da população. Varia de cidade, de região, se tem uma classe média maior, esse número é maior, se você tem uma classe média menor, como as cidades do Norte e Nordeste, esse número é menor. Então, vivemos em uma sociedade em que uma parte da população se vira, ela não se integra ao mercado e não tem política pública para chegar nela. O financiamento, o investimento público habitacional ampliou muito a partir de 2004, é impressionante o aumento nos últimos anos. Mas na sociedade brasileira a classe média não entra no mercado. O que quer dizer que a classe média não entra no mercado? O policial, o funcionário da USP, o professor secundário mora em favela, isso é uma coisa comum. Então, o Brasil é um país típico de capitalismo periférico, onde um trabalhador regularmente empregado, com estabilidade no emprego, que é o caso de um funcionário público, não tem acesso à moradia no mercado.
Tatiana Merlino: Esse “se vira” a que você se referiu é equivalente ao déficit habitacional que há no Brasil?
É mais do que o déficit.
Tatiana Merlino: Qual é o déficit habitacional hoje do Brasil?
Olha, o déficit deve estar entre os 7 e 8 milhões, o déficit é sempre uma coisa que deve ser discutida, né? O que você considera déficit? Uma das questões que discutimos no ministério, por exemplo, é que o IBGE considera déficit a convivência de famílias e às vezes é uma decisão sua conviver com mais de uma família. Então, devo ou não considerar isso déficit? O que eu quero dizer é o seguinte: “parte da população brasileira se vira” significa que ela arruma terra, eu tenho muita restrição para usar a palavra invadindo, porque os movimentos sociais não gostam, digamos que ocupando ilegalmente, mas esse ocupando ilegalmente é uma coisa muito vasta. E construindo as próprias casas, como o Chico de Oliveira mostrou em um artigo que ficou clássico, em 1972, que essa autoconstrução, essas ocupações ilegais não eram uma coisa espontânea ou decisão deles, aquilo era o resultado do rebaixamento da força de trabalho, quer dizer uma força de trabalho que não ganha para comprar uma casa, para pagar para alguém construir, mas não dentro da lei, não é dentro do mercado, não consegue comprar a terra. E a terra é um capítulo a parte. Então essa condição de ilegalidade é geral no Brasil. Tem um município perto de Belém, Ananindeua, ou outros municípios na periferia de Recife, Salvador, Fortaleza, onde 90% dos domicílios são ilegais. Quando você chega à região metropolitana de Fortaleza o próprio IBGE dá 33% da chamada sub-habitação. Nós temos alguns estudos, não temos dados fidedignos, mas isso já mostra um pouco o que é a realidade brasileira. Quanto por cento da população brasileira mora em favela? Tem alguns trabalhos que mostram que há uma grande diferença de uma cidade para outra no Brasil, mas que a exceção que seria uma casa ilegal, construída completamente fora da lei em uma terra ocupada de forma completamente irregular, construída aos poucos, sem qualquer conhecimento de engenheiro ou arquiteto etc., é regra, não é mais exceção. Veja bem, o que era para ser exceção virou regra e o que era para ser regra virou exceção.
Tatiana Merlino: Essa é uma característica do capitalismo periférico?
É. Você vê isso no mundo inteirinho e varia um pouco em cada país. A Argentina, que já teve uma condição muito melhor socialmente na América Latina, agora está em uma situação dramática. Na Argentina você tinha menos disso, algo em torno de 20 ou 30 anos atrás, ela era mais formal, a cidade na Argentina. Fui convidada para ir a um encontro sobre moradores de rua na Argentina, eles ficaram encantados com a nossa política de morador de rua e aí eu falei: Bom, mas vocês não tinham porque vocês não tinham morador de rua e no Brasil tem há muito tempo. Se você vai para o Chile você tem uma formalidade maior na cidade, tem uma classe média mais forte. Agora o resto, Bolívia, Venezuela, que eu andei pelos morros em volta de Caracas, o próprio México, você tem uma situação que é pior do que algumas metrópoles brasileiras, porque o Brasil tem algumas coisas que são mais ricas e algumas coisas que são mais pobres.
Hamilton Octávio de Souza: Mas esse processo não está sendo revertido?
Ao contrário, as cidades do mundo estão se empobrecendo. Se você pegar a África é impressionante o que está acontecendo.
Hamilton Octávio de Souza: E São Paulo? O que acontece em São Paulo?
São Paulo está assim: o município concentra, se não me engano, 22% da população que ganha acima de 20 salários mínimos do Brasil. Então você tem uma grande concentração de renda em São Paulo, Ribeirão Preto, Santos, e Brasília – no plano piloto. Então você tem uma condição de expulsão da população desses municípios mais ricos.
Hamilton Octávio de Souza: A favelização aqui tem sido crescente, não tem? Desde a década de 50?
Mas muito mais nas periferias. Se eu pegar Cajamar, Franco da Rocha, Itapecerica da Serra, Embu, Embu-Guaçu, você tem uma periferização com o aumento da violência, com uma queda geral de índices e a gente trabalha com média, o que é complicado.
Lúcia Rodrigues: A concentração do capital é o que está levando ao empobrecimento das cidades, é isso?
Não é só. Você tem assim uma tradição de desigualdade histórica, você tem nesses países essa questão estrutural da informalidade tanto no trabalho quanto na ocupação do solo, então nós temos ilhas que são cidades do primeiro mundo, isso é tudo inadequado. Por isso que eu acho engraçado dizer que a questão é técnica. Na verdade nós copiamos a lei de zoneamento, toda a legislação do primeiro mundo e aí a gente garante uma ilha onde o resto não cabe. Para inserir a população pobre nessa cidade eu preciso transformar o conjunto, isso foi o que discutimos no Fórum Urbano Mundial e no Fórum Social Urbano.
Júlio Delmanto: Existe alguma diferença entre esses países que são chamados em desenvolvimento em relação ao resto da periferia?
Sim. O Brasil é diferente. É uma economia forte. É um player internacional. Ele passou de “nada dava certo” para “país do futuro” ou “do presente”. Mas a desigualdade é uma coisa escandalosa no Brasil. A África do Sul me impactou porque ela saiu do apartheid, em que a segregação, diferentemente da nossa, era jurídica. Então você não podia ir para a cidade se você fosse negro, a menos que você tivesse um passe. Vencer essa segregação quando o Mandela ganhou parecia fácil. Mas existe um problema que está atingindo todo o terceiro mundo que é a questão da terra. A questão da terra não foi superada com a luta contra o apartheid. Aliás, foi uma coisa que me impressionou muito, que eu ouvi de vários líderes: se a terra tivesse entrado em negociação, a paz não acontecia.
Hamilton Octavio de Souza: O que é a questão da terra? É a terra urbana?
É a terra urbana e rural. A terra está na essência da alma brasileira. A desigualdade no Brasil passa essencialmente pela questão fundiária. Campo e cidade. Só terminando a história dessa segregação, não tem nenhum mistério. Uma parte da população constrói as casas, constrói fora da lei e não tem lugar nas cidades. Às vezes os planos diretores não disseram onde os jovens iam morar, porque todo plano diretor é seguido de uma lei de zoneamento e a lei de zoneamento é lei para o mercado, e a nossa população tá fora do mercado. Então os urbanistas estão trabalhan do em um espaço de ficção, com realidade de ficção. Aliás, essa ausência dos engenheiros nem se fala. Eu quero falar depois do estrago que a engenharia fez em São Paulo.
Lúcia Rodrigues: Essas leis que você citou funcionam?
Nada. O estatuto da cidade é um sucesso no mundo. Do Brasil para o mundo. Eu sou convidada a consultoria internacional o tempo todo por conta do estatuto da cidade. Eu fui a poucos lugares, mas para onde eu fui eu falei que não está sendo aplicado no Brasil. Não está sendo aplicado.
Tatiana Merlino: Existe uma política habitacional para resolver essa questão do controle do solo?
Lei nós temos. O estatuto da cidade é ótimo. Constituição Federal nós temos. Só que nós não aplicamos a função social da propriedade. Só terminando aquilo. A nossa lógica é que a mão de obra barata de que o Celso Furtado falava muito, que garante a exportação de riqueza, que garante uma elite conspícua, que é patrimonialista, que se agarrou a este Estado e fez dele o que fez, tem a lógica de que nós temos que ter uma mão de obra absolutamente rebaixada no seu preço para poder segurar essa relação.
Lúcia Rodrigues: Mas isso não é anticapitalista? Por que se você tem gente ganhando mais, injeta força e fluxo no mercado.
É engraçado isso. Porque o Ford descobriu que os operários precisavam ganhar melhor para que o capitalismo fosse melhor em 1905, início do século 20. Não é essa a lógica no Brasil. Inclusive uma das coisas que nós nos perguntamos é se o capitalismo brasileiro, principalmente a burguesia nacional, porque as transnacionais não estão nem aí se vão esgotar as reservas, se as cidades vão virar um negócio inviável, pretende se tornar viável. O capitalismo no Brasil não está preocupado em viabilizar. As nossas cidades estão ficando inviáveis. O automóvel está inviabilizando não só São Paulo, mas todas as cidades brasileiras. Brasília está também com um problema seríssimo de trânsito. Então você tem um problema que também é estrutural. A indústria automobilística é responsável por 20% do PIB do mundo, se eu colocar a exploração de petróleo, a distribuição de petróleo, toda a indústria da borracha, das autopeças. E todas as obras nas cidades são uma questão de infraestrutura para o automóvel andar. Quebrar esse modelo é o que seria necessário para incorporar os pobres.
Lúcia Rodrigues: E como se quebra esse modelo?
Vamos primeiro falar da terra. Porque esse “como se quebra esse modelo” é uma reflexão muito difícil para eu fazer depois que eu saí do governo federal. A terra no Brasil durante vários séculos, a propriedade da terra, esteve ligada à detenção de poder social, político e econômico. É interessante perceber em uma cidade como São Paulo como é que a área de proteção dos mananciais, que é uma área protegida por lei federal, estadual e municipal e planos de tudo quanto é tipo, está sendo ocupada. O poder de polícia sobre o uso do solo tem cinco organismos: a Sabesp, a Cetesb, Eletropaulo, o poder municipal sobre o parcelamento do solo, e a Polícia Florestal. Todo mundo é responsável pela fiscalização. Então não falta lei, não falta plano. É bem importante deixar isso claro. Estou cansada de ouvir gente dizendo que falta planejamento, falta plano diretor. Não falta nada. E não falta lei no papel. O que falta é que essa população tem que morar em algum lugar. E ela vai morar onde? Então pensa na população que chega na cidade de São Paulo. O centro está se esvaziando. Isso parece incrível, aliás, em todas as cidades brasileiras grandes. Então nós temos em área de proteção dos mananciais, já vi secretário de meio ambiente falar em um milhão e quinhentas mil pessoas. E já ouvi gente da Empresa Metropolitana de Planejamento falar em dois milhões de pessoas. É uma ligeira margem de dúvida. Isso mostra que nós não sabemos quantas pessoas moram na área de proteção dos mananciais.
Hamilton Octavio de Souza: Qual a consequência disso para o abastecimento de São Paulo?
Nós estamos buscando água na bacia do rio Piracicaba. Falam em buscar água serra abaixo. Estão falando em buscar água não sei mais onde no vale do Paraíba, e nós temos duas represas em que a água vem por gravidade, mas a água está crescentemente contaminada, e eu estou me referindo à contaminação recém-descoberta de que mesmo depois do tratamento existem hormônios e antidepressivos na água. Mas isso é outra coisa, são pesquisas mais recentes. Eu tenho então uma metrópole na área de proteção dos mananciais. E se os governos decidissem cumprir a lei? Não entra mais ninguém ou tem que sair? O que aconteceria? Os conflitos do MST iam ser refresco. Eu já tive aluno que afirmou que haverá guerra civil. Eu concordo. Se voce de repente pega todo mundo que ocupou os morros do Rio de Janeiro, que estão desmoronando, ou dos morros de São Paulo, que desmoronaram meses atrás, e proíbe de ocupar, é guerra. Mas aí alguém fala: tem que ter uma política habitacional. Tem. Metade da população do Rio de Janeiro mora em domicílios ilegais. Como é que você faz uma política habitacional para incorporar metade da população sem uma completa revolução com a terra? Sem uma completa mudança na característica do mercado imobiliário? Sem uma completa mudança no direito de propriedade? Sem uma completa mudança da forma de ação do Estado? De que jeito?
Tatiana Merlino: Mas como é muito pouco provável que aconteça, para onde a gente vai caminhar?
Nós estamos caminhando para o caos.
Tatiana Merlino: O que aconteceu no Rio de Janeiro é a prova disso?
É. O que aconteceu em São Paulo, em todas as cidades, é a maior prova disso. Se você somar a falta de controle de uso e ocupação do solo, que não existe a consciência de que é necessário controlar, mais a falta de planejamento com a questão da macrodrenagem… E ainda com mais incentivo para a matriz automobilística, nós vamos piorar.
Lúcia Rodrigues: Mas como romper com esse modelo?
Eu acho sinceramente que não vai ser simples. A questão da terra sempre foi muito clara no campo, mas ela não foi muito clara na cidade. Por quê? Porque ninguém se dava conta de que a regra era exceção e a exceção era regra.
Lúcia Rodrigues: Mas qual é o problema da terra?
Um aluno meu me mostrou a funcionalidade da confusão registrária no Brasil. Ele mostrou que nos parques estaduais paulistas existiam sete andares de registro de propriedade no mesmo pedaço de terra. Por quê? Porque a história do registro de propriedades no Brasil é uma história de fraudes. Eu desagradei muita gente, mas falo isso o tempo todo. A história da propriedade privada no Brasil é uma história de fraudes sistemáticas. Não é que você tenha uma fraude ou outra. É regra de novo. O Ariovaldo Umbelino mostrou em uma de suas palestras (ele é um geógrafo competente, se aposentou da USP) um anúncio de venda de uma propriedade de 40 mil hectares, no qual a grande vantagem que oferecia era uma escritura de 4 mil hectares. Porque a cerca anda. Então ter uma escritura já é uma maravilha. E a cerca anda no Brasil. Então o que me impressionou na tese do Joaquim de Brito, esse meu aluno, é que o governo não tem nenhum interesse em cancelar registros que se revelam falsos.
Tatiana Merlino: E no caso da Cutrale?
Esse é outro exemplo que eu adoro dar. Quer dizer, para a mídia brasileira foi muito mais importante a derrubada de meia dúzia de pés de laranja do que o patrimônio público ser apropriado privadamente. Ora, é regra. O Pontal todo. E a polícia e o Judiciário têm a coragem de atacar o MST, que é meia dúzia de gente pobre que quer o mínimo, que é o acesso à terra. Vai fazer a discriminatória das terras públicas que você vai ver quanto esse país vai ganhar de terra!
Bárbara Mengardo: Existe uma estimativa de quantos hectares de terras griladas são ocupadas por grandes empresas?
Na verdade os documentos são produzidos. Foi isso que eu verifiquei com a tese do Joaquim de Brito, que, aliás, eu pedi que ele produzisse um texto que fosse mais palatável para a linguagem de um livro e ele morreu na madrugada que ele escreveu o texto. Aprendi muito com ele porque ele tinha documentos de todas as terras e dizia: “Olha, ainda tem registros novos aparecendo”. Ele mostrou que tinha propriedade no litoral que subia a serra. E aí quando eu vejo a mídia atacar o MST eu fico absolutamente impressionada. Em um país onde a história da propriedade é de fraude. Eu resolvi juntar livro sobre isso. Aí eu comecei a ver que nós temos uma produção gigantesca sobre a fraude na propriedade da terra, sobre as disputas de terra, sobre morte.
Lúcia Rodrigues: Quem está por trás disso? São os cartórios? É o governo?
Tudo. É a sociedade brasileira. É poder vinculado à propriedade.
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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
Um pouco do mesmo: a mídia em 2011
Reproduzo artigo de Izaías Almada, publicado no blog Escrevinhador:
Tudo indica que a temporada de caça ao governo Lula e agora ao governo Dilma vai continuar por parte da velha mídia. Natural pelo lado de quem faz oposição, mas irresponsável e antibrasileiro por outro, pela maneira e desfaçatez com que é feita. Evidencia-se quase que uma obsessão, onde a frustração, a inveja e o preconceito são bem maiores do que aquilo que se poderia imaginar. E a má fé também, não sendo apenas retórica eleitoral. Motivos para isso – é claro – nunca irão faltar. E se por acaso faltarem, não há problema: inventam-se novos. Não tem sido assim nos últimos oito anos?
Embora se possa argumentar que boa parte do povo brasileiro já não dá ouvidos a uma imprensa venal, manipuladora e que se considera acima do bem e do mal, ainda assim ela continua a causar estragos e – o que é mais grave, até por ser uma vitória parcial desse nocivo conglomerado midiático – consegue propositadamente misturar alhos com bugalhos e lançar a dúvida, a descrença e a desesperança em muitos corações e mentes. Um povo ignorante de seus direitos ou sem discernimento sobre muitas das questões que lhe afetam no dia a dia é sempre mais fácil de manipular. A democracia que se vende não é exatamente aquela que se pratica.
Se, por exemplo, o uso indevido e indiscriminado de passaportes diplomáticos tem sido usado há muitos anos por autoridades (sic) brasileiras, por qual motivo só agora, quando beneficiariam os filhos do presidente Lula, foram denunciados como graves crimes de favorecimento? Que se devolvam, então, todos os passaportes ilegalmente distribuídos, se a lei assim o determina, para todos aqueles que se julgam acima dela, provavelmente incluindo-se aí nesta lista alguns figurões dos nossos meios de comunicação, empresários e políticos de todos os partidos.
E a tentativa capciosa de desviar a atenção dos leitores, ouvintes e telespectadores com questões mundanas sobre a nova presidenta Dilma Roussef? Bobagens e idiotices como saber se estava bem vestida no dia da posse, especular sobre o seu apoio ou não aos estilistas de moda brasileiros, sobre o seu novo cabeleireiro, suas eventuais ligações à Tradicional Família Mineira e os bailes da sociedade belorizontina quando adolescente. Assuntos sérios e relevantes, como se pode notar.
E agora, com a temporada de chuvas, deslizamentos e alagamento, a hipocrisia e o cinismo chegam quase à perfeição. No Rio de Janeiro, o culpado pela tragédia é o governo federal. Em São Paulo, estado e capital, exemplos de grandes administrações públicas, a responsabilidade é da natureza, para não dizer de Deus, pois a mídia, mesmo livrando a cara do governo demo tucano, ficaria mal com a Opus Dei. Pior ainda: seria temerário equiparar Deus e Lula, jogá-los no mesmo samburá… Não por temerem a Deus, é claro, mas por temerem aumentar a popularidade do ex-presidente, colocado em tão honrosa companhia.
E assim começa o novo ano, o novo governo. Renovam-se expectativas, esperanças e temores. A sociedade contemporânea com suas invenções e tecnologias, seu consumismo desenfreado, define o que devemos comprar, o que devemos vestir, o que devemos pensar, a quem devemos amar ou odiar, nesse vale-tudo ideológico e cultural, onde uma sinfonia de Beethoven ou um chorinho de Pixinguinha têm menos valor que uma cena degradante de um BBB; onde a televisão e a internet ensinam como o cidadão deve odiar e atirar numa deputada em Tucson, ou ainda como leiloar um jogador de futebol, atualmente mais famoso pelas suas noitadas do que pelos gols que marca.
Berlusconi é um exemplo de ética e moralidade pública. Obama, o prêmio Nobel da Paz aprova o maior orçamento militar da história dos EUA, os vazamentos wikis confirmam para o mundo como é que se faz política de dominação e a Cuba do ditador Fidel Castro envia 1200 médicos para ajudar a combater a cólera no Haiti.
Engraçado, acho que essa última frase ficou fora do contexto…
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Tudo indica que a temporada de caça ao governo Lula e agora ao governo Dilma vai continuar por parte da velha mídia. Natural pelo lado de quem faz oposição, mas irresponsável e antibrasileiro por outro, pela maneira e desfaçatez com que é feita. Evidencia-se quase que uma obsessão, onde a frustração, a inveja e o preconceito são bem maiores do que aquilo que se poderia imaginar. E a má fé também, não sendo apenas retórica eleitoral. Motivos para isso – é claro – nunca irão faltar. E se por acaso faltarem, não há problema: inventam-se novos. Não tem sido assim nos últimos oito anos?
Embora se possa argumentar que boa parte do povo brasileiro já não dá ouvidos a uma imprensa venal, manipuladora e que se considera acima do bem e do mal, ainda assim ela continua a causar estragos e – o que é mais grave, até por ser uma vitória parcial desse nocivo conglomerado midiático – consegue propositadamente misturar alhos com bugalhos e lançar a dúvida, a descrença e a desesperança em muitos corações e mentes. Um povo ignorante de seus direitos ou sem discernimento sobre muitas das questões que lhe afetam no dia a dia é sempre mais fácil de manipular. A democracia que se vende não é exatamente aquela que se pratica.
Se, por exemplo, o uso indevido e indiscriminado de passaportes diplomáticos tem sido usado há muitos anos por autoridades (sic) brasileiras, por qual motivo só agora, quando beneficiariam os filhos do presidente Lula, foram denunciados como graves crimes de favorecimento? Que se devolvam, então, todos os passaportes ilegalmente distribuídos, se a lei assim o determina, para todos aqueles que se julgam acima dela, provavelmente incluindo-se aí nesta lista alguns figurões dos nossos meios de comunicação, empresários e políticos de todos os partidos.
E a tentativa capciosa de desviar a atenção dos leitores, ouvintes e telespectadores com questões mundanas sobre a nova presidenta Dilma Roussef? Bobagens e idiotices como saber se estava bem vestida no dia da posse, especular sobre o seu apoio ou não aos estilistas de moda brasileiros, sobre o seu novo cabeleireiro, suas eventuais ligações à Tradicional Família Mineira e os bailes da sociedade belorizontina quando adolescente. Assuntos sérios e relevantes, como se pode notar.
E agora, com a temporada de chuvas, deslizamentos e alagamento, a hipocrisia e o cinismo chegam quase à perfeição. No Rio de Janeiro, o culpado pela tragédia é o governo federal. Em São Paulo, estado e capital, exemplos de grandes administrações públicas, a responsabilidade é da natureza, para não dizer de Deus, pois a mídia, mesmo livrando a cara do governo demo tucano, ficaria mal com a Opus Dei. Pior ainda: seria temerário equiparar Deus e Lula, jogá-los no mesmo samburá… Não por temerem a Deus, é claro, mas por temerem aumentar a popularidade do ex-presidente, colocado em tão honrosa companhia.
E assim começa o novo ano, o novo governo. Renovam-se expectativas, esperanças e temores. A sociedade contemporânea com suas invenções e tecnologias, seu consumismo desenfreado, define o que devemos comprar, o que devemos vestir, o que devemos pensar, a quem devemos amar ou odiar, nesse vale-tudo ideológico e cultural, onde uma sinfonia de Beethoven ou um chorinho de Pixinguinha têm menos valor que uma cena degradante de um BBB; onde a televisão e a internet ensinam como o cidadão deve odiar e atirar numa deputada em Tucson, ou ainda como leiloar um jogador de futebol, atualmente mais famoso pelas suas noitadas do que pelos gols que marca.
Berlusconi é um exemplo de ética e moralidade pública. Obama, o prêmio Nobel da Paz aprova o maior orçamento militar da história dos EUA, os vazamentos wikis confirmam para o mundo como é que se faz política de dominação e a Cuba do ditador Fidel Castro envia 1200 médicos para ajudar a combater a cólera no Haiti.
Engraçado, acho que essa última frase ficou fora do contexto…
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As enchentes tratadas como espetáculo
Reproduzo artigo de Laurindo Lalo Leal Filho, publicado no sítio Carta Maior:
Todas as redes comerciais de televisão no Brasil têm as suas moças do tempo. São herdeiras, em São Paulo, do Narciso Vernizzi, o primeiro “homem do tempo” da rádio Jovem Pan.
Elas surgem do nada, entre uma notícia e outra, aparecem no canto da tela e caminham para o centro, mostrando mais que o tempo as suas belas curvas.
Em casa, o telespectador vê atrás das moças as indicações do clima e da temperatura em todo o Brasil. Com algumas variações, esse tipo de informação é universal. O canal mundial da BBC mostra o tempo em várias partes do mundo, sem as moças.
São informações úteis, mas limitadas. Ajudam a sair de guarda-chuva no dia seguinte ou, aos viajantes, a escolha do que colocar na mala. Não sei se informações tão superficiais e genéricas contribuem para decisões mais importantes, como dos agricultores, por exemplo.
Apesar do avanço da internet, o rádio e a televisão ainda são os mais eficientes e abrangentes serviços públicos de informação. Não há outro meio que consiga falar de forma tão rápida para milhões de pessoas ao mesmo tempo.
Em momentos críticos tornam-se imprescindíveis. Pena que, por aqui, são pouco usados nesse tipo de prestação de serviços.
No caso de tragédias, como as deste início de ano, ao invés de moças desfilando à frente de ilustrações artísticas, deveríamos ter as programações interrompidas.
Em seu lugar seriam formadas cadeias nacionais ou locais de rádio e TV, antes das catástrofes, dando orientações seguras para a população. Sem pânico, mas com precisão e firmeza. E não generalizando com frases do tipo “chove no litoral do nordeste”.
Trata-se de um de trabalho que deve ser o mais localizado possível, com o envolvimento articulado dos serviços de meteorologia, da defesa civil e do jornalismo, na produção das informações.
Quantas vidas não poderiam ter sido salvas se, em vez colocar no ar o Ratinho ou o Big Brother, as emissoras tivessem avisado à população de que fortes chuvas estavam previstas para a serra fluminense na noite anterior à tragédia, com instruções dos poderes públicos sobre como agir.
Ou, no caso, de São Paulo que vias deveriam ser evitadas na iminência dos temporais, já que não há segredo nessa cidade sobre onde se localizam os eternos pontos de alagamento.
Para obter mais eficiência, esse serviço deveria ter seu foco nas informações locais. Dai a importância da regionalização das programações de rádio e TV, tão combatida pelos concessionários do setor.
No entanto são elas que darão às emissoras regionais e locais experiência, tanto na produção como na técnica, para enfrentar com competência situações extraordinárias.
Nem todos se salvariam, é verdade. Mas, com certeza, os danos seriam menores.
Furacões violentos que varrem o Caribe todos os anos causam grandes estragos materiais em Cuba, mas pouquíssimas vítimas.
Simplesmente porque as autoridades estabelecem planos precisos para a retirada da população das áreas criticas e a orientam através do rádio e da TV, com razoável antecedência, sobre as medidas que devem ser tomadas.
Muitos navios não foram à pique na costa brasileira graças ao programa radiofônico “A Voz do Brasil”. A seção “Aviso aos navegantes” informava todos os dias, minuciosamente, as condições das bóias de luz, sinalizadoras dos perigos naturais existentes no mar.
Era o rádio atuando como serviço público numa época de recursos eletrônicos muito limitados, se comparada aos hoje existentes.
Satélites transmitem informações meteorológicas com alto grau de precisão e as redes de rádio e TV cobrem todo o território nacional.
Falta apenas articular esses dois serviços com planos nacionais e locais de prevenção à catástrofes naturais.
No caso das enchentes no sudeste e centro-oeste, trata-se de problema datado, de dezembro a março. Há todo o resto do ano para o trabalho de planejamento e articulação.
Quem toma a iniciativa?
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Todas as redes comerciais de televisão no Brasil têm as suas moças do tempo. São herdeiras, em São Paulo, do Narciso Vernizzi, o primeiro “homem do tempo” da rádio Jovem Pan.
Elas surgem do nada, entre uma notícia e outra, aparecem no canto da tela e caminham para o centro, mostrando mais que o tempo as suas belas curvas.
Em casa, o telespectador vê atrás das moças as indicações do clima e da temperatura em todo o Brasil. Com algumas variações, esse tipo de informação é universal. O canal mundial da BBC mostra o tempo em várias partes do mundo, sem as moças.
São informações úteis, mas limitadas. Ajudam a sair de guarda-chuva no dia seguinte ou, aos viajantes, a escolha do que colocar na mala. Não sei se informações tão superficiais e genéricas contribuem para decisões mais importantes, como dos agricultores, por exemplo.
Apesar do avanço da internet, o rádio e a televisão ainda são os mais eficientes e abrangentes serviços públicos de informação. Não há outro meio que consiga falar de forma tão rápida para milhões de pessoas ao mesmo tempo.
Em momentos críticos tornam-se imprescindíveis. Pena que, por aqui, são pouco usados nesse tipo de prestação de serviços.
No caso de tragédias, como as deste início de ano, ao invés de moças desfilando à frente de ilustrações artísticas, deveríamos ter as programações interrompidas.
Em seu lugar seriam formadas cadeias nacionais ou locais de rádio e TV, antes das catástrofes, dando orientações seguras para a população. Sem pânico, mas com precisão e firmeza. E não generalizando com frases do tipo “chove no litoral do nordeste”.
Trata-se de um de trabalho que deve ser o mais localizado possível, com o envolvimento articulado dos serviços de meteorologia, da defesa civil e do jornalismo, na produção das informações.
Quantas vidas não poderiam ter sido salvas se, em vez colocar no ar o Ratinho ou o Big Brother, as emissoras tivessem avisado à população de que fortes chuvas estavam previstas para a serra fluminense na noite anterior à tragédia, com instruções dos poderes públicos sobre como agir.
Ou, no caso, de São Paulo que vias deveriam ser evitadas na iminência dos temporais, já que não há segredo nessa cidade sobre onde se localizam os eternos pontos de alagamento.
Para obter mais eficiência, esse serviço deveria ter seu foco nas informações locais. Dai a importância da regionalização das programações de rádio e TV, tão combatida pelos concessionários do setor.
No entanto são elas que darão às emissoras regionais e locais experiência, tanto na produção como na técnica, para enfrentar com competência situações extraordinárias.
Nem todos se salvariam, é verdade. Mas, com certeza, os danos seriam menores.
Furacões violentos que varrem o Caribe todos os anos causam grandes estragos materiais em Cuba, mas pouquíssimas vítimas.
Simplesmente porque as autoridades estabelecem planos precisos para a retirada da população das áreas criticas e a orientam através do rádio e da TV, com razoável antecedência, sobre as medidas que devem ser tomadas.
Muitos navios não foram à pique na costa brasileira graças ao programa radiofônico “A Voz do Brasil”. A seção “Aviso aos navegantes” informava todos os dias, minuciosamente, as condições das bóias de luz, sinalizadoras dos perigos naturais existentes no mar.
Era o rádio atuando como serviço público numa época de recursos eletrônicos muito limitados, se comparada aos hoje existentes.
Satélites transmitem informações meteorológicas com alto grau de precisão e as redes de rádio e TV cobrem todo o território nacional.
Falta apenas articular esses dois serviços com planos nacionais e locais de prevenção à catástrofes naturais.
No caso das enchentes no sudeste e centro-oeste, trata-se de problema datado, de dezembro a março. Há todo o resto do ano para o trabalho de planejamento e articulação.
Quem toma a iniciativa?
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Mídia: regulamentar para democratizar
Reproduzo artigo de Rita Casaro, publicado no sítio Ciranda Brasil:
A necessidade de estabelecer regras de participação e controle social no setor de comunicações no Brasil foi colocada em pauta durante o debate promovido em 11 de janeiro pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, na sede do Sindicato dos Jornalistas. A atividade contou com a participação do presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Marcio Pochmann, que apresentou o trabalho “Panorama Brasileiro da Comunicação e das Telecomunicações” – lançado no mesmo dia pela instituição e pela SociCom (Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação) –, do jurista Fábio Konder Comparato e do jornalista Paulo Henrique Amorim.
“Estamos diante de duas estradas a percorrer”, pontuou Amorim. “A primeira é lutar pela lei de meios a qual tenho medo que tenha o mesmo destino que as quatro propostas de Fernando Henrique Cardoso: a cesta de lixo”, afirmou, ao defender a instituição do marco regulatório que havia sido anunciado no apagar das luzes do governo Lula pelo ex-ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins. Para justificar o receio, o jornalista criticou as recentes entrevistas dadas pelo atual ministro das Comunicações Paulo Bernardo, nas quais esse aparentou recuar na proposta diante das críticas dos veículos. “Bernardo está com medo da Globo”, resumiu.
A segunda frente nessa batalha, defendeu, é fazer pressão para que o STF (Supremo Tribunal Federal) julgue as ADOs (Ações Diretas por Omissão) que visam obrigar o Congresso a regulamentar os capítulos da Constituição que dizem respeito à comunicação. “Para tanto, o primeiro passo é que a AGU (Advocacia Geral da União) dê um parecer favorável às ações”, apontou.
Tais medidas, de autoria de Fábio Comparato, visam regulamentar o Artigo 5º da Carta Magna, em seu parágrafo 5º, que trata do direito de resposta, eliminado da legislação brasileira juntamente com a Lei de Imprensa, considerada inconstitucional pelo STF. Também o Artigo 220, nos parágrafos 3º, inciso II, e 5º, que dizem respeito ao direito de defesa de programação ofensiva à pessoa ou publicidade de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. Por fim, o Artigo 221, que trata dos princípios aos quais o conteúdo veiculado em rádio e TV devem atender, como por exemplo, dar preferência a finalidades educativas, artísticas e culturais e promover a cultura nacional e regional, estimulando a produção independente. “Tais dispositivos sem regulamentação são nada”, setenciou o jurista.
Fazer valer tais regras, que hoje são meras intenções, é fundamental, lembrou ele, para “desprivatizar a comunicação social, que deve se desenvolver no espaço público”. Um das graves consequências à falta de regulamentação é o oligopólio observado dos veículos de comunicação, embora seja proibido pela Constituição. “No Brasil há quatro grandes conglomerados, supera os Estados Unidos, onde são cinco”, criticou.
Trabalho imaterial
Esse concentração excessiva da riqueza nessa área foi justamente um dos estímulo à pesquisa desenvolvida pela Ipea, informou Pochmann. “Esses países baleias, de dimensões continentais, enormes população e mercado interno, têm uma oportunidade singular do ponto de vista histórico”, salientou. No entanto, ponderou, esse potencial enfrenta dificuldades de se viabilizar devido à concentração no setor privado, notadamente nas comunicações no qual há um processo de hipermonopolização. “Essas empresas são tão grandes que não podem quebrar, sob o risco de arrasar a economia, e o Estado passa a ser sócio desses grandes empreendimentos”. Para ele, é preciso entender e mudar essa realidade para que as possibilidades abertas a nações como o Brasil, a partir da crise financeira internacional de 2008, sejam aproveitadas.
A segunda motivação, informou, foi a transição na sustentação da economia do trabalho material para o imaterial. “O setor de serviços já responde por 70% dos empregos”, exemplificou. Há, segundo o presidente do Ipea, um processo de intensificação e extensão da jornada de trabalho graças às novas tecnologias. “Levamos o trabalho para casa e ficamos conectados a ele 24 horas por dia. É o fim do descanso semanal remunerado. Isso vem ocorrendo de forma alienada, sem qualquer crítica, mesmo por parte dos sindicatos que não são parceiros do futuro”.
A pesquisa do Ipea
De acordo com a divulgação feita pelo Ipea, o novo trabalho traça um panorama do setor de comunicação e telecomunicações, estratégico para o País, que, apesar de ser muito debatido, não é objeto de muitas pesquisas por parte dos órgãos de Estado. Nos três volumes do livro, foram reunidas diferentes dimensões que se complementam e ajudam na elaboração de futuras políticas públicas para o País. O estudo conta com a participação de pesquisadores renomados da comunicação no Brasil. Mestres e doutores foram selecionados por meio de chamada pública para participar da pesquisa.
O primeiro volume é dividido em duas partes. A primeira traz o estudo das tendências nas telecomunicações e reúne artigos escritos exclusivamente para o livro, além de textos publicados originalmente na edição especial do Boletim Radar, do Ipea, sobre telecomunicações. A segunda parte traz artigos que oferecem um panorama das indústrias criativas e de conteúdos.
O segundo volume da obra é dedicado a resgatar a memória das associações científicas e acadêmicas de comunicação no Brasil. O texto descreve e diagnostica a produção de conhecimento nos principais segmentos da comunicação nacionalmente institucionalizados ou publicamente legitimados nesta primeira década do século XXI.
No terceiro volume, é apresentado o resultado parcial de quatro pesquisas sobre o Estado da Arte no campo da comunicação. O volume traz dados sobre o número de faculdades e cursos de pós-graduação em comunicação no país, com áreas de concentração e crescimento; sobre as profissões existentes na área e as novas habilidades necessárias para uma indústria de conteúdos e serviços digitais; e sobre as indústrias criativas e de conteúdos e os movimentos das empresas em direção ao modelo digital, além de uma comparação com outros países, possibilitando a análise das fragilidades e potencialidades do Brasil.
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EUA e Brasil: efeitos da retórica do ódio
Reproduzo excelente artigo de Luiz Carlos Azenha, publicado no blog Viomundo:
O debate do momento nos Estados Unidos é sobre se a retórica raivosa da extrema-direita foi responsável ou não, ainda que indiretamente, pelo massacre de Tucson (aquele, em que o atirador matou um juiz federal e acertou a deputada democrata Gabrielle Giffords).
O debate nasceu do fato de que a republicana Sarah Palin, em sua campanha contra a reforma do sistema de saúde proposta por Barack Obama, ilustrou com a mira de uma arma os distritos em que os eleitores e ativistas republicanos deveriam concentrar seus esforços para “abater” os democratas. Um dos distritos era o de Giffords, no Arizona.
Mais que isso, na campanha eleitoral de 2010, o adversário derrotado por Giffords, Jesse Kelly, do Partido Republicano, promoveu um evento batizado assim: “Acerte o alvo para a vitória em novembro. Ajude a remover Gabrielle Giffords. Venha dar tiros com uma M16 automática com Jesse Kelly”.
Isso mesmo: Kelly, um veterano de guerra, convidou eleitores para brincar de tiro ao alvo com ele. Literalmente [Denúncia feita no Daily Kos].
A origem desta retórica explosiva, no entanto, vem de muito antes.
É um fenômeno que nasceu em consequência do processo de “industrialização da notícia”, que se deu quando surgiu a primeira das emissoras de notícias 24 horas por dia, nos Estados Unidos. Eu mesmo, lá nos anos 80, quando era correspondente da TV Manchete em Nova York, escrevi alguns frilas para a Folha de S. Paulo dando conta do nascimento da CNN internacional.
O formato da CNN pegou de surpresa a TV “tradicional” da época tanto quanto a blogosfera ameaça, agora, a hegemonia dos jornalões. A CNN transmitia tudo ao vivo, antecipando os fatos relevantes que os telejornais noturnos das grandes redes (ABC, NBC e CBS) reservavam para o horário nobre (nos Estados Unidos, seis e meia da tarde). A CNN aniquilou a geração de grandes âncoras inspirados no legendário Edward Murrow e deu origem ao mix cultivado hoje em dia, em que a “personalidade” e o “carisma televisivo” valem mais, para quem aparece no vídeo, que a experiência de repórter ou o faro jornalístico.
O problema de emissoras como a CNN, no entanto, era a falta de regularidade da audiência. Todo mundo corria para a CNN na hora da tragédia, dos acontecimentos históricos, da notícia importante. A CNN era fato-dependente. Quando tudo estava bem, as pessoas preferiam ficar com os seus âncoras regulares, nos quais “confiavam”: Peter Jennings, Ted Koppel, Dan Rather, Tom Brokaw.
Por motivos meramente comerciais, a CNN começou a desenvolver uma programação para sustentar a audiência fora dos horários das notícias quentes. Nasceu então o programa noturno de entrevistas de Larry King, por exemplo, que fazia um mix de artistas, políticos e “personagens” dos fatos do dia. Larry foi trabalhado como a primeira grande estrela da CNN.
Pode se dizer que a emissora de Atlanta, na Geórgia — chamada pelo establishment do eixo Nova York-Washington, de forma pejorativa, de Chicken News Network, por causa de sua origem caipira — representou o amadurecimento da indústria da TV a cabo nos Estados Unidos. Logo surgiram as concorrentes, a competição se acirrou e tivemos um novo passo do jornalismo-show: a migração de homens de sucesso do rádio para a TV (Larry King, aliás, começou no rádio).
Os chamados “shock jocks”, como Howard Stern, especializados em chocar a audiência, ganharam espaço. Era o choque como um valor em si, através do uso de linguagem que desafiava os padrões vigentes, de promoções bizarras (corrida de anões, etc.) e da sátira política numa linha mais ousada — alguns diriam grosseira — que a do Saturday Night Life.
Não se intimide com os nomes e programas dos quais você nunca ouviu falar. Você não perdeu nada: está tudo aí na TV brasileira, com outro nome.
O choque como um valor em si precedeu o choque com valor ideológico, do qual um dos primeiros representantes na tv americana foi, na CNN, o Lou Dobbs.
Eu poderia ter citado outros — hoje eles existem às dezenas –, mas escolhi o Dobbs por ter acompanhado a transformação dele de um mero apresentador de notícias em “personalidade televisiva”; Dobbs surfou e ao mesmo tempo ajudou a promover, na CNN, a onda anti-imigrantes que hoje deixou de ser coisa da extrema-direita e já penetrou, sob disfarces, até mesmo na retórica dos democratas conservadores.
Dobbs assumiu a persona do telejornalista que “fala o que pensa”. Usou de um histrionismo ensaiado, também comum, hoje, nos programas policiais da TV brasileira.
Dobbs está entre os que se autopromoveram denunciando Washington e os políticos com uma espécie de telepopulismo — colhendo, em troca, uma boa audiência televisiva, bons contratos para escrever livros “impressionistas” e outras benesses devidas às celebridades.
A escolha de Lou Dobbs como exemplo é boa porque ele não tem nada de extraordinário. Nem brilho intelectual, nem insights: é a encarnação do homem comum.
O homem “de bem” numa sociedade cheia de males representa a última barreira contra alienígenas que não comungam dos valores nacionais, sejam eles imigrantes hispânicos, políticos inescrupulosos que não vivem como o povo ou “elitistas” da academia (uma das frases sob as quais se esconde o antissemitismo nos Estados Unidos).
Dobbs ajudou a trazer para dentro da TV a cabo assuntos e pontos-de-vista que haviam sido banidos da mídia pelo politicamente correto. Mas ele é um lorde inglês se comparado a gente como Sean Hannity, Glenn Beck e Bill O’Reilly, que tornaram aceitável para uma parcela considerável dos telespectadores da Fox um discurso muito mais raivoso e preconceituoso.
Foi graças a esse discurso que a Fox cresceu e ocupou um importante nicho de mercado nos Estados Unidos apesar de ter surgido no momento em que a blogosfera já ameaçava o poder dos grupos tradicionais. Aliás, podemos dizer que a Fox foi a resposta televisiva à blogosfera: o opinionismo eletrônico criou uma verdadeira simbiose entre os apresentadores e os telespectadores.
Se a CNN cresceu por causa das notícias frescas e, mais tarde, por motivos comerciais, personalizou sua grade de programação, a Fox cresceu sustentada por uma tropa de choque com uma visão muito particular e “original” das notícias. Mais que noticiário, a Fox apresenta diariamente uma narrativa, um teatro mesmo, em que os telespectadores são convocados a participar de uma espécia de catarse coletiva, cujo objetivo é “purificar” os Estados Unidos, livrando o país de ameaças como o “socialista Obama”, a “máfia sindical”, o “islamofascismo” ou os “esquerdistas” (invariavelmente traidores da Pátria).
É por isso que a Fox se parece muito mais com um partido político: os apresentadores se sustentam na contínua mobilização ideológica da maioria dos telespectadores, no divertimento de alguns e na curiosidade do punhado de viciados em kitsch.
É, como escrevi acima, uma espécie de teatro.
Um modelo cuja sobrevivência depende da manutenção da capacidade de chocar. No momento em que as redes sociais e o You Tube garantem a qualquer um os 15 minutos diários de fama, a tarefa dos animadores da Fox exige um esforço cada vez maior.
O problema da retórica do ódio e do preconceito não está no Lou Dobbs, nem no Sean Hannity, muito menos no Luiz Carlos Prates. Todos, por motivo de autopreservação, dificilmente sairiam por aí cometendo atrocidades para além da retórica.
O problema está nas consequências sociais desta retórica, especialmente quando quem ouve tem à disposição ferramentas para amplificar o alcance da mensagem.
O problema é nosso quando surgem os que pregam o afogamento dos nordestinos ou o assassinato da presidenta Dilma Rousseff, “de brincadeira”, no twitter.
Vivemos numa sociedade crescentemente midiatizada, que submete o conteúdo à forma, o íntimo ao público, a razão à emoção. É o narcisismo coletivo e instantâneo. Chocar para aparecer ganha ares de expressão artística. Nunca vivemos nada parecido antes no campo da comunicação de massas.
Nem exemplos clássicos, como o da rádio Mil Colinas, se aplicam. A rádio, para quem não acompanhou, foi usada para fomentar o ódio, arregimentar militantes e organizar o genocídio de Ruanda. O genocídio aconteceu dentro de condições históricas, políticas e econômicas muito específicas. A rádio foi apenas um meio. Mas, se a rádio existisse numa sociedade saturada de telefones celulares, de conexões de internet e de militantes habilitados para usá-las, o discurso de ódio transmitido por ela poderia ter alcance e impacto ainda maiores.
Meu ponto é que estamos em terreno desconhecido quando falamos sobre o discurso de ódio em sociedades altamente midiatizadas, em que o discurso político trafega em alta velocidade e em múltiplas direções.
Por via das dúvidas, nos Estados Unidos, depois da tragédia de Tucson, a direção da Fox pediu aos apresentadores para amenizar o tom.
Quanto a Lou Dobbs, deixou a CNN em 2009, depois de dar voz na emissora ao movimento dos birthers, aqueles que não acreditam que Barack Obama nasceu nos Estados Unidos e que portanto o consideram usurpador do cargo. As formas que o racismo encontra de se manifestar…
Dobbs deixou a emissora depois de ser alvo de uma campanha que mirou nos interesses comerciais da CNN junto à comunidade latina. Recebeu 8 milhões de dólares de indenização. E foi contratado pela Fox.
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O debate do momento nos Estados Unidos é sobre se a retórica raivosa da extrema-direita foi responsável ou não, ainda que indiretamente, pelo massacre de Tucson (aquele, em que o atirador matou um juiz federal e acertou a deputada democrata Gabrielle Giffords).
O debate nasceu do fato de que a republicana Sarah Palin, em sua campanha contra a reforma do sistema de saúde proposta por Barack Obama, ilustrou com a mira de uma arma os distritos em que os eleitores e ativistas republicanos deveriam concentrar seus esforços para “abater” os democratas. Um dos distritos era o de Giffords, no Arizona.
Mais que isso, na campanha eleitoral de 2010, o adversário derrotado por Giffords, Jesse Kelly, do Partido Republicano, promoveu um evento batizado assim: “Acerte o alvo para a vitória em novembro. Ajude a remover Gabrielle Giffords. Venha dar tiros com uma M16 automática com Jesse Kelly”.
Isso mesmo: Kelly, um veterano de guerra, convidou eleitores para brincar de tiro ao alvo com ele. Literalmente [Denúncia feita no Daily Kos].
A origem desta retórica explosiva, no entanto, vem de muito antes.
É um fenômeno que nasceu em consequência do processo de “industrialização da notícia”, que se deu quando surgiu a primeira das emissoras de notícias 24 horas por dia, nos Estados Unidos. Eu mesmo, lá nos anos 80, quando era correspondente da TV Manchete em Nova York, escrevi alguns frilas para a Folha de S. Paulo dando conta do nascimento da CNN internacional.
O formato da CNN pegou de surpresa a TV “tradicional” da época tanto quanto a blogosfera ameaça, agora, a hegemonia dos jornalões. A CNN transmitia tudo ao vivo, antecipando os fatos relevantes que os telejornais noturnos das grandes redes (ABC, NBC e CBS) reservavam para o horário nobre (nos Estados Unidos, seis e meia da tarde). A CNN aniquilou a geração de grandes âncoras inspirados no legendário Edward Murrow e deu origem ao mix cultivado hoje em dia, em que a “personalidade” e o “carisma televisivo” valem mais, para quem aparece no vídeo, que a experiência de repórter ou o faro jornalístico.
O problema de emissoras como a CNN, no entanto, era a falta de regularidade da audiência. Todo mundo corria para a CNN na hora da tragédia, dos acontecimentos históricos, da notícia importante. A CNN era fato-dependente. Quando tudo estava bem, as pessoas preferiam ficar com os seus âncoras regulares, nos quais “confiavam”: Peter Jennings, Ted Koppel, Dan Rather, Tom Brokaw.
Por motivos meramente comerciais, a CNN começou a desenvolver uma programação para sustentar a audiência fora dos horários das notícias quentes. Nasceu então o programa noturno de entrevistas de Larry King, por exemplo, que fazia um mix de artistas, políticos e “personagens” dos fatos do dia. Larry foi trabalhado como a primeira grande estrela da CNN.
Pode se dizer que a emissora de Atlanta, na Geórgia — chamada pelo establishment do eixo Nova York-Washington, de forma pejorativa, de Chicken News Network, por causa de sua origem caipira — representou o amadurecimento da indústria da TV a cabo nos Estados Unidos. Logo surgiram as concorrentes, a competição se acirrou e tivemos um novo passo do jornalismo-show: a migração de homens de sucesso do rádio para a TV (Larry King, aliás, começou no rádio).
Os chamados “shock jocks”, como Howard Stern, especializados em chocar a audiência, ganharam espaço. Era o choque como um valor em si, através do uso de linguagem que desafiava os padrões vigentes, de promoções bizarras (corrida de anões, etc.) e da sátira política numa linha mais ousada — alguns diriam grosseira — que a do Saturday Night Life.
Não se intimide com os nomes e programas dos quais você nunca ouviu falar. Você não perdeu nada: está tudo aí na TV brasileira, com outro nome.
O choque como um valor em si precedeu o choque com valor ideológico, do qual um dos primeiros representantes na tv americana foi, na CNN, o Lou Dobbs.
Eu poderia ter citado outros — hoje eles existem às dezenas –, mas escolhi o Dobbs por ter acompanhado a transformação dele de um mero apresentador de notícias em “personalidade televisiva”; Dobbs surfou e ao mesmo tempo ajudou a promover, na CNN, a onda anti-imigrantes que hoje deixou de ser coisa da extrema-direita e já penetrou, sob disfarces, até mesmo na retórica dos democratas conservadores.
Dobbs assumiu a persona do telejornalista que “fala o que pensa”. Usou de um histrionismo ensaiado, também comum, hoje, nos programas policiais da TV brasileira.
Dobbs está entre os que se autopromoveram denunciando Washington e os políticos com uma espécie de telepopulismo — colhendo, em troca, uma boa audiência televisiva, bons contratos para escrever livros “impressionistas” e outras benesses devidas às celebridades.
A escolha de Lou Dobbs como exemplo é boa porque ele não tem nada de extraordinário. Nem brilho intelectual, nem insights: é a encarnação do homem comum.
O homem “de bem” numa sociedade cheia de males representa a última barreira contra alienígenas que não comungam dos valores nacionais, sejam eles imigrantes hispânicos, políticos inescrupulosos que não vivem como o povo ou “elitistas” da academia (uma das frases sob as quais se esconde o antissemitismo nos Estados Unidos).
Dobbs ajudou a trazer para dentro da TV a cabo assuntos e pontos-de-vista que haviam sido banidos da mídia pelo politicamente correto. Mas ele é um lorde inglês se comparado a gente como Sean Hannity, Glenn Beck e Bill O’Reilly, que tornaram aceitável para uma parcela considerável dos telespectadores da Fox um discurso muito mais raivoso e preconceituoso.
Foi graças a esse discurso que a Fox cresceu e ocupou um importante nicho de mercado nos Estados Unidos apesar de ter surgido no momento em que a blogosfera já ameaçava o poder dos grupos tradicionais. Aliás, podemos dizer que a Fox foi a resposta televisiva à blogosfera: o opinionismo eletrônico criou uma verdadeira simbiose entre os apresentadores e os telespectadores.
Se a CNN cresceu por causa das notícias frescas e, mais tarde, por motivos comerciais, personalizou sua grade de programação, a Fox cresceu sustentada por uma tropa de choque com uma visão muito particular e “original” das notícias. Mais que noticiário, a Fox apresenta diariamente uma narrativa, um teatro mesmo, em que os telespectadores são convocados a participar de uma espécia de catarse coletiva, cujo objetivo é “purificar” os Estados Unidos, livrando o país de ameaças como o “socialista Obama”, a “máfia sindical”, o “islamofascismo” ou os “esquerdistas” (invariavelmente traidores da Pátria).
É por isso que a Fox se parece muito mais com um partido político: os apresentadores se sustentam na contínua mobilização ideológica da maioria dos telespectadores, no divertimento de alguns e na curiosidade do punhado de viciados em kitsch.
É, como escrevi acima, uma espécie de teatro.
Um modelo cuja sobrevivência depende da manutenção da capacidade de chocar. No momento em que as redes sociais e o You Tube garantem a qualquer um os 15 minutos diários de fama, a tarefa dos animadores da Fox exige um esforço cada vez maior.
O problema da retórica do ódio e do preconceito não está no Lou Dobbs, nem no Sean Hannity, muito menos no Luiz Carlos Prates. Todos, por motivo de autopreservação, dificilmente sairiam por aí cometendo atrocidades para além da retórica.
O problema está nas consequências sociais desta retórica, especialmente quando quem ouve tem à disposição ferramentas para amplificar o alcance da mensagem.
O problema é nosso quando surgem os que pregam o afogamento dos nordestinos ou o assassinato da presidenta Dilma Rousseff, “de brincadeira”, no twitter.
Vivemos numa sociedade crescentemente midiatizada, que submete o conteúdo à forma, o íntimo ao público, a razão à emoção. É o narcisismo coletivo e instantâneo. Chocar para aparecer ganha ares de expressão artística. Nunca vivemos nada parecido antes no campo da comunicação de massas.
Nem exemplos clássicos, como o da rádio Mil Colinas, se aplicam. A rádio, para quem não acompanhou, foi usada para fomentar o ódio, arregimentar militantes e organizar o genocídio de Ruanda. O genocídio aconteceu dentro de condições históricas, políticas e econômicas muito específicas. A rádio foi apenas um meio. Mas, se a rádio existisse numa sociedade saturada de telefones celulares, de conexões de internet e de militantes habilitados para usá-las, o discurso de ódio transmitido por ela poderia ter alcance e impacto ainda maiores.
Meu ponto é que estamos em terreno desconhecido quando falamos sobre o discurso de ódio em sociedades altamente midiatizadas, em que o discurso político trafega em alta velocidade e em múltiplas direções.
Por via das dúvidas, nos Estados Unidos, depois da tragédia de Tucson, a direção da Fox pediu aos apresentadores para amenizar o tom.
Quanto a Lou Dobbs, deixou a CNN em 2009, depois de dar voz na emissora ao movimento dos birthers, aqueles que não acreditam que Barack Obama nasceu nos Estados Unidos e que portanto o consideram usurpador do cargo. As formas que o racismo encontra de se manifestar…
Dobbs deixou a emissora depois de ser alvo de uma campanha que mirou nos interesses comerciais da CNN junto à comunidade latina. Recebeu 8 milhões de dólares de indenização. E foi contratado pela Fox.
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Globo culpa Lula pela tragédia no RJ
Reproduzo artigo de Augusto da Fonseca, publicado no blog Festival de Besteiras na Imprensa:
No dia 11 passado, escrevi um post – que repercutiu em toda a blogosfera -, com o título “Alaga São Paulo”: imprensa continua atuando de forma irresponsável!
Neste post demonstrei como as Organizações Serra (Globo, Folha, Estadão e Veja, entre outros) se omitiam de cobrar dos governos tucanos e do DEM, no Estado de São Paulo, suas responsabilidades pelas tragédias que se seguem após cada chuva intensa, normal no verão.
Profeticamente, escrevi o seguinte parágrafo:
“Daqui a pouco, as Organizações Serra vão inventar um jeito de mostrar que tudo isso que ocorre anualmente em São Paulo é culpa do Lula e será culpa da Dilma.”
Não deu outra! O jornal O Globo – a rede Globo em geral – que passou estes últimos dois meses atribuindo às chuvas a culpa pelas seguintes enchentes, alagamentos, transbordamentos de rios em São Paulo, precisou de apens dois dias de tragédia no Rio para fazer o que?
Colocar a culpa de todas as tragédias no Governo Lula!!!
O Globo surtou de vez, ou será que os Marinho acham que um leitor medianamente esclarecido vai aceitar que as obras de contenção e de prevenção de encostas e a repressão à ocupação irregular das mesmas é culpa do governo federal?
Será que O Globo pensa que o seu leitor é burro o suficiente para não saber que o governo federal não tem atribuição para fazer nada disso, que são atribuições das Prefeituras e dos Governos Estaduais???
O Globo não sabe que o governo federal tem recursos financeiros para estados e municípios, mas que só pode liberá-los mediante existência de projetos, o que raramente ocorre?
Quem tem atribuição para fazer mapeamento de risco? A Prefeitura ou o Governo do Estado.
Quem tem atribuição para reprimir as ocupações ilegais ou de risco nas encostas (incluindo a ocupação dos riscos nos morros da Zona Sul do Rio)? A Prefeitura e o Governo do Estado.
Quem tem atribuição para construir obras de contenção de encostas? A Prefeitura ou o Governo do Estado.
Quem tem atribuição para construir obras de amortecimento das enxurradas? A Prefeitura ou o Governo do Estado.
O governo federal, somente se solicitado e mediante projeto adequado, pode liberar algum recurso financeiro, mas o grosso desses recursos têm que vir dos cofres das Prefeituras e dos Governos dos Estados.
*****
Tenham certeza de que a rede Globo vai bater bumbo o dia inteiro na responsabilidade do Lula por tudo o que está acontecendo no Rio. Tudo o que ela tinha que ter feito em São Paulo e não fez.
Essa conjugação de omissão em relação a São Paulo e de exacerbação da luta política contra os governos Lula e Dilma dá toda a razão ao Paulo Henrique Amorim que os classifica como imprensa golpista.
Esse é o único objetivo do Globo: derrubar a Dilma, já que não conseguiu derrubar o Lula.
Nesse intento, esperem atuações patéticas do Jabor, da Míriam, do Merval, do Bonner, do Waack, do Piotto e de outros militantes do movimento “Derruba a Dilma“.
Para concluir, é importante ressaltar a minha posição. Eu não critico apenas o Serra e o Kassab. Ao contrário, eu sempre digo que o papel da chuva é chover, o papel dos governantes é eliminar ou minimizar os efeitos das chuvas intensas e das prolongadas, mas tão importante quanto, o papel de uma imprensa sadia – e não golpista – é informar corretamente e cobrar dos governantes – especialmente dos prefeitos e governadores – ações preventivas, com investimentos volumosos, mas também com ações de emergência, quando a tragédia ocorre.
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No dia 11 passado, escrevi um post – que repercutiu em toda a blogosfera -, com o título “Alaga São Paulo”: imprensa continua atuando de forma irresponsável!
Neste post demonstrei como as Organizações Serra (Globo, Folha, Estadão e Veja, entre outros) se omitiam de cobrar dos governos tucanos e do DEM, no Estado de São Paulo, suas responsabilidades pelas tragédias que se seguem após cada chuva intensa, normal no verão.
Profeticamente, escrevi o seguinte parágrafo:
“Daqui a pouco, as Organizações Serra vão inventar um jeito de mostrar que tudo isso que ocorre anualmente em São Paulo é culpa do Lula e será culpa da Dilma.”
Não deu outra! O jornal O Globo – a rede Globo em geral – que passou estes últimos dois meses atribuindo às chuvas a culpa pelas seguintes enchentes, alagamentos, transbordamentos de rios em São Paulo, precisou de apens dois dias de tragédia no Rio para fazer o que?
Colocar a culpa de todas as tragédias no Governo Lula!!!
O Globo surtou de vez, ou será que os Marinho acham que um leitor medianamente esclarecido vai aceitar que as obras de contenção e de prevenção de encostas e a repressão à ocupação irregular das mesmas é culpa do governo federal?
Será que O Globo pensa que o seu leitor é burro o suficiente para não saber que o governo federal não tem atribuição para fazer nada disso, que são atribuições das Prefeituras e dos Governos Estaduais???
O Globo não sabe que o governo federal tem recursos financeiros para estados e municípios, mas que só pode liberá-los mediante existência de projetos, o que raramente ocorre?
Quem tem atribuição para fazer mapeamento de risco? A Prefeitura ou o Governo do Estado.
Quem tem atribuição para reprimir as ocupações ilegais ou de risco nas encostas (incluindo a ocupação dos riscos nos morros da Zona Sul do Rio)? A Prefeitura e o Governo do Estado.
Quem tem atribuição para construir obras de contenção de encostas? A Prefeitura ou o Governo do Estado.
Quem tem atribuição para construir obras de amortecimento das enxurradas? A Prefeitura ou o Governo do Estado.
O governo federal, somente se solicitado e mediante projeto adequado, pode liberar algum recurso financeiro, mas o grosso desses recursos têm que vir dos cofres das Prefeituras e dos Governos dos Estados.
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Tenham certeza de que a rede Globo vai bater bumbo o dia inteiro na responsabilidade do Lula por tudo o que está acontecendo no Rio. Tudo o que ela tinha que ter feito em São Paulo e não fez.
Essa conjugação de omissão em relação a São Paulo e de exacerbação da luta política contra os governos Lula e Dilma dá toda a razão ao Paulo Henrique Amorim que os classifica como imprensa golpista.
Esse é o único objetivo do Globo: derrubar a Dilma, já que não conseguiu derrubar o Lula.
Nesse intento, esperem atuações patéticas do Jabor, da Míriam, do Merval, do Bonner, do Waack, do Piotto e de outros militantes do movimento “Derruba a Dilma“.
Para concluir, é importante ressaltar a minha posição. Eu não critico apenas o Serra e o Kassab. Ao contrário, eu sempre digo que o papel da chuva é chover, o papel dos governantes é eliminar ou minimizar os efeitos das chuvas intensas e das prolongadas, mas tão importante quanto, o papel de uma imprensa sadia – e não golpista – é informar corretamente e cobrar dos governantes – especialmente dos prefeitos e governadores – ações preventivas, com investimentos volumosos, mas também com ações de emergência, quando a tragédia ocorre.
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BBB-11: A ética pelo ralo
Reproduzo artigo de Washington Araújo, publicado no sítio Carta Maior:
No dia 11/1/2011 a TV Globo levou ao ar seu programa de maior audiência no verão brasileiro: Big Brother Brasil 11. Sucesso de público, sucesso de marketing, sucesso financeiro, sempre na casa dos milhões de reais. Fracasso ético, fracasso de cidadania, fracasso de respeito aos direitos humanos fundamentais.
O prêmio será de R$ 1,5 milhão para o vencedor. O segundo e terceiro lugares levam, respectivamente, R$ 150 mil e R$ 50 mil. As inscrições para a próxima edição do BBB já estão encerradas. Ao todo, nas dez edições, foram 140 participantes. E já foram entregues mais de R$ 8,5 milhões em prêmios. Balanço raquítico, tanto numérico quanto financeiro para seus participantes, para um programa que se especializou em degradar a condição humana.
Aos 11 anos de existência, roubando sempre 25% do ano (janeiro a março) e agora entrando na puberdade como se humano fosse, o BBB começa anunciando que passará por mudanças na edição 2011. Se você pensou que as mudanças seriam para melhorar o que não tem como ser melhorado se enganou redondamente. O formato será sempre o mesmo, consagrado pelo público e pelos anunciantes: invasão de privacidade com a venda de corpos quase sempre sarados, bronzeados e bem torneados e com a exposição de mentes vazias a abrigar ideias que trafegam entre a futilidade e a galeria de preconceitos contra negros, pobres, analfabetos funcionais.
Após dez anos seguidos, sabemos que a receita do reality show inclui em sua base de sustentação as antivirtudes da mentira, da deslealdade, dos conluios e... da cafajestagem. Aos poucos, todos irão se despir de sua condição humana tão logo um deles diga que "isto aqui é um jogo". Outros ensaiarão frases pretensamente fincadas na moral: "Mas nem tudo vou fazer para ganhar esse jogo."
Como miquinhos amestrados, os participantes estarão ali para serem desrespeitados, não poucas vezes humilhados e muitas vezes objeto de escárnio e lições filosóficas extraídas de diferentes placas de caminhões e compartilhadas quase diariamente pelo jornalista Pedro Bial, ao que parece, senhor absoluto do reality show. Não faltarão "provas" grotescas, como colocar uma participante para botar ovo a cada trinta minutos; outra para latir ou miar a cada hora cheia; algum outro para passar 24 horas de sua vida fantasiado de bailarina ou para pular e coaxar como sapo sempre que for ativado determinado sinal acústico. O domador, que terá como chicote sua lábia de ocasião ou nalgumas vezes sua língua afiada, continuará sendo Pedro Bial que, a meu ver, representa um claro sinal de como as engrenagens que movem a televisão guardam estreita semelhança com aqueles velhos moedores de carne.
O último a sair da jaula
É inegável que Bial é talentoso. É inegável que passou parte de sua vida tendo páginas de livros ao alcance das mãos e dos olhos. É inegável também que parece inconsciente dos prejuízos éticos e morais que haverá de carregar vida afora. Isto porque a cada nova edição do reality mais se plasmam os nomes BBB e Pedro Bial. E será difícil ao ouvir um não lembrar imediatamente o outro. Porque lançamos aqui nosso nome, que poderá ter vida fugaz de cigarra ou ecoará pela eternidade. Imagino, daqui a uns 25 anos, em 2035, quando um descendente deste Pedro for reconhecido como bisneto daquele homem engraçado que fazia o Big Brother no Brasil. E os milhares de vídeos armazenados virtualmente no YouTube darão conta de ilustrar as gerações do porvir.
E, no entanto, essas quase duas dezenas de jovens estarão ali para ganhar fama instantânea, como se estivessem acondicionados naqueles pacotinhos de sopa da marca Miojo. Imagino cada um deles a envergar letreiro imaginário a nos dizer com a tristeza possível que "Coloco à venda meu corpo sem alma, meu coração quebrado e minha inteligência esgotada; vendo tudo isso muito barato porque vejo que há muita oferta no mercado". E teremos aquele interminável desfile de senso comum. Afinal, serão 90 dias de vida desperdiçada, ou melhor, de vida em que a principal atividade humana será jogar conversa fora. O que dá no mesmo. E não será o senso comum exatamente aquele conjunto de preconceitos adquiridos antes de completarmos 15 anos de vida?
Friederich Nietzsche (1844-1900) parecia ter o dom da premonição. É que o filósofo alemão se antecipava muito quando se tratava de projetar ideias sobre a condição humana. É dele esta percepção: "O macaco é um animal demasiado simpático para que o homem descenda dele". Isto porque Nietzsche foi poupado de atrações quase sérias e semi-circenses, como o BBB. No picadeiro, o macaco é aplaudido por sua imitação do humano: se equilibra e passeia de triciclo e de bicicleta, se veste de gente, com casaca e gravata, sabe usar vaso sanitário, descasca alimentos. No picadeiro do BBB, os seres humanos são aplaudidos por se mostrarem intolerantes uns com os outros, se vestem de papagaios, ladram, miam, coaxam, zumbem – e tudo como se animais fossem. Chegam a botar ovo em momento predeterminado. Se vestem de esponja e se encharcam de detergente a limpar pratos descomunais noite afora.
Em sua imitação de animal, o humano que se sobressai no BBB é aquele que consegue ficar engaiolado – digo, literalmente engaiolado – junto com outros bípedes não emplumados – por grande quantidade de horas. E sem poder satisfazer as necessidades humanas básicas, muitas vezes tendo que ficar em uma mesma posição, como seriemas destreinadas. E são os únicos animais que demonstram imensa felicidade em permanecer por mais tempo na gaiola. Não lhes jogam bananas nem pipocas, mas quem for o último a sair da jaula semi-humana ganha uma prenda. Pode ser um passeio de helicóptero, pode ser um carro, pode ser uma noite na Marquês de Sapucaí.
Heidegger reconheceria
O leitor atento deve ter percebido que em algum momento deste texto mencionei que o BBB 11 terá mudanças. Nem vou me dar ao trabalho de editar. Eis o que copiei do site G1:
"Boninho, diretor do BBB, falou em seu Twitter nesta quarta-feira, 24/11, sobre a nova edição do programa, a 11ª, que estreará em janeiro de 2011. E ele adianta que, desta vez, as coisas vão mudar. ‘Esse ano tudo vai ser diferente... Nada é proibido no BBB, pode fazer o que quiser’, postou Boninho em seu microblog. Questionado sobre o que estaria liberado no confinamento que não estava em edições anteriores, ele respondeu: ‘Esse ano... liberado! Vai valer tudo, até porrada’. Boninho também comentou sobre as bebidas no reality show: ‘Acabou o ice no BBB... Vai ser power... chega de bebida de criança’, escreveu."
Não terá chegado a hora de o portentoso império Globo de comunicação negociar com o governo italiano a cessão do Coliseu romano para parte das locações, ao menos aquelas em que murros e safanões, sob efeito de álcool ou não, certamente ocorrerão? E como nada compreendo de Heidegger, só me resta dizer que ao longo de toda sua vida madura Heidegger esteve obcecado pela possibilidade de haver um sentido básico do verbo "ser" que estaria por trás de sua variedade de usos. E são recorrentes suas concepções quanto ao que existe, o estudo do que é, do que existe: a questão do Ser (i.e. uma Ontologia) dependente dos filósofos antes de Sócrates, da filosofia de Platão e de Aristóteles e dos Gnósticos.
Quem sabe tivesse assistido uma única noite do BBB – caso o formato da Endemol estivesse em cena antes de 1976 –, o filósofo, por muitos cultuado, não apenas teria uma confirmação segura de que não valia mesmo a pena publicar o segundo volume de sua obra principal, O Ser e o Tempo, como também haveria de reconhecer a inexistência de algo anterior ao ser. Mas, com certeza, se fartaria com a miríade de usos dados ao verbo "ser".
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No dia 11/1/2011 a TV Globo levou ao ar seu programa de maior audiência no verão brasileiro: Big Brother Brasil 11. Sucesso de público, sucesso de marketing, sucesso financeiro, sempre na casa dos milhões de reais. Fracasso ético, fracasso de cidadania, fracasso de respeito aos direitos humanos fundamentais.
O prêmio será de R$ 1,5 milhão para o vencedor. O segundo e terceiro lugares levam, respectivamente, R$ 150 mil e R$ 50 mil. As inscrições para a próxima edição do BBB já estão encerradas. Ao todo, nas dez edições, foram 140 participantes. E já foram entregues mais de R$ 8,5 milhões em prêmios. Balanço raquítico, tanto numérico quanto financeiro para seus participantes, para um programa que se especializou em degradar a condição humana.
Aos 11 anos de existência, roubando sempre 25% do ano (janeiro a março) e agora entrando na puberdade como se humano fosse, o BBB começa anunciando que passará por mudanças na edição 2011. Se você pensou que as mudanças seriam para melhorar o que não tem como ser melhorado se enganou redondamente. O formato será sempre o mesmo, consagrado pelo público e pelos anunciantes: invasão de privacidade com a venda de corpos quase sempre sarados, bronzeados e bem torneados e com a exposição de mentes vazias a abrigar ideias que trafegam entre a futilidade e a galeria de preconceitos contra negros, pobres, analfabetos funcionais.
Após dez anos seguidos, sabemos que a receita do reality show inclui em sua base de sustentação as antivirtudes da mentira, da deslealdade, dos conluios e... da cafajestagem. Aos poucos, todos irão se despir de sua condição humana tão logo um deles diga que "isto aqui é um jogo". Outros ensaiarão frases pretensamente fincadas na moral: "Mas nem tudo vou fazer para ganhar esse jogo."
Como miquinhos amestrados, os participantes estarão ali para serem desrespeitados, não poucas vezes humilhados e muitas vezes objeto de escárnio e lições filosóficas extraídas de diferentes placas de caminhões e compartilhadas quase diariamente pelo jornalista Pedro Bial, ao que parece, senhor absoluto do reality show. Não faltarão "provas" grotescas, como colocar uma participante para botar ovo a cada trinta minutos; outra para latir ou miar a cada hora cheia; algum outro para passar 24 horas de sua vida fantasiado de bailarina ou para pular e coaxar como sapo sempre que for ativado determinado sinal acústico. O domador, que terá como chicote sua lábia de ocasião ou nalgumas vezes sua língua afiada, continuará sendo Pedro Bial que, a meu ver, representa um claro sinal de como as engrenagens que movem a televisão guardam estreita semelhança com aqueles velhos moedores de carne.
O último a sair da jaula
É inegável que Bial é talentoso. É inegável que passou parte de sua vida tendo páginas de livros ao alcance das mãos e dos olhos. É inegável também que parece inconsciente dos prejuízos éticos e morais que haverá de carregar vida afora. Isto porque a cada nova edição do reality mais se plasmam os nomes BBB e Pedro Bial. E será difícil ao ouvir um não lembrar imediatamente o outro. Porque lançamos aqui nosso nome, que poderá ter vida fugaz de cigarra ou ecoará pela eternidade. Imagino, daqui a uns 25 anos, em 2035, quando um descendente deste Pedro for reconhecido como bisneto daquele homem engraçado que fazia o Big Brother no Brasil. E os milhares de vídeos armazenados virtualmente no YouTube darão conta de ilustrar as gerações do porvir.
E, no entanto, essas quase duas dezenas de jovens estarão ali para ganhar fama instantânea, como se estivessem acondicionados naqueles pacotinhos de sopa da marca Miojo. Imagino cada um deles a envergar letreiro imaginário a nos dizer com a tristeza possível que "Coloco à venda meu corpo sem alma, meu coração quebrado e minha inteligência esgotada; vendo tudo isso muito barato porque vejo que há muita oferta no mercado". E teremos aquele interminável desfile de senso comum. Afinal, serão 90 dias de vida desperdiçada, ou melhor, de vida em que a principal atividade humana será jogar conversa fora. O que dá no mesmo. E não será o senso comum exatamente aquele conjunto de preconceitos adquiridos antes de completarmos 15 anos de vida?
Friederich Nietzsche (1844-1900) parecia ter o dom da premonição. É que o filósofo alemão se antecipava muito quando se tratava de projetar ideias sobre a condição humana. É dele esta percepção: "O macaco é um animal demasiado simpático para que o homem descenda dele". Isto porque Nietzsche foi poupado de atrações quase sérias e semi-circenses, como o BBB. No picadeiro, o macaco é aplaudido por sua imitação do humano: se equilibra e passeia de triciclo e de bicicleta, se veste de gente, com casaca e gravata, sabe usar vaso sanitário, descasca alimentos. No picadeiro do BBB, os seres humanos são aplaudidos por se mostrarem intolerantes uns com os outros, se vestem de papagaios, ladram, miam, coaxam, zumbem – e tudo como se animais fossem. Chegam a botar ovo em momento predeterminado. Se vestem de esponja e se encharcam de detergente a limpar pratos descomunais noite afora.
Em sua imitação de animal, o humano que se sobressai no BBB é aquele que consegue ficar engaiolado – digo, literalmente engaiolado – junto com outros bípedes não emplumados – por grande quantidade de horas. E sem poder satisfazer as necessidades humanas básicas, muitas vezes tendo que ficar em uma mesma posição, como seriemas destreinadas. E são os únicos animais que demonstram imensa felicidade em permanecer por mais tempo na gaiola. Não lhes jogam bananas nem pipocas, mas quem for o último a sair da jaula semi-humana ganha uma prenda. Pode ser um passeio de helicóptero, pode ser um carro, pode ser uma noite na Marquês de Sapucaí.
Heidegger reconheceria
O leitor atento deve ter percebido que em algum momento deste texto mencionei que o BBB 11 terá mudanças. Nem vou me dar ao trabalho de editar. Eis o que copiei do site G1:
"Boninho, diretor do BBB, falou em seu Twitter nesta quarta-feira, 24/11, sobre a nova edição do programa, a 11ª, que estreará em janeiro de 2011. E ele adianta que, desta vez, as coisas vão mudar. ‘Esse ano tudo vai ser diferente... Nada é proibido no BBB, pode fazer o que quiser’, postou Boninho em seu microblog. Questionado sobre o que estaria liberado no confinamento que não estava em edições anteriores, ele respondeu: ‘Esse ano... liberado! Vai valer tudo, até porrada’. Boninho também comentou sobre as bebidas no reality show: ‘Acabou o ice no BBB... Vai ser power... chega de bebida de criança’, escreveu."
Não terá chegado a hora de o portentoso império Globo de comunicação negociar com o governo italiano a cessão do Coliseu romano para parte das locações, ao menos aquelas em que murros e safanões, sob efeito de álcool ou não, certamente ocorrerão? E como nada compreendo de Heidegger, só me resta dizer que ao longo de toda sua vida madura Heidegger esteve obcecado pela possibilidade de haver um sentido básico do verbo "ser" que estaria por trás de sua variedade de usos. E são recorrentes suas concepções quanto ao que existe, o estudo do que é, do que existe: a questão do Ser (i.e. uma Ontologia) dependente dos filósofos antes de Sócrates, da filosofia de Platão e de Aristóteles e dos Gnósticos.
Quem sabe tivesse assistido uma única noite do BBB – caso o formato da Endemol estivesse em cena antes de 1976 –, o filósofo, por muitos cultuado, não apenas teria uma confirmação segura de que não valia mesmo a pena publicar o segundo volume de sua obra principal, O Ser e o Tempo, como também haveria de reconhecer a inexistência de algo anterior ao ser. Mas, com certeza, se fartaria com a miríade de usos dados ao verbo "ser".
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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
Os adoradores do mercado e os mortos do RJ
Por Altamiro Borges
As cenas na televisão são chocantes, entristecedoras, revoltantes. Corpos sendo carregados em cobertores, em pedaços de pau. Pessoas chorando os seus familiares mortos. Casas destruídas, ruas tomadas pelas águas barrentas, alojamentos precários lotados por famílias de desabrigados. A população do Rio de Janeiro, em especial da sua região serrana, está em luto.
As cenas na televisão são chocantes, entristecedoras, revoltantes. Corpos sendo carregados em cobertores, em pedaços de pau. Pessoas chorando os seus familiares mortos. Casas destruídas, ruas tomadas pelas águas barrentas, alojamentos precários lotados por famílias de desabrigados. A população do Rio de Janeiro, em especial da sua região serrana, está em luto.
Prates, “o elitista”, dançou na RBS/Globo
Por Altamiro Borges
O jornalista Luiz Carlos Prates, que ficou famoso ao criticar os “miseráveis que agora compram carro” num telejornal RBS, não terá mais espaço para seus comentários preconceituosos. Em nota divulgada nesta quarta-feira (12), a empresa informou que ele agora vai se dedicar aos seus “projetos pessoais”. Prates deixará de aparecer nas telinhas no Jornal do Almoço e de escrever para o jornal Diário Catarinense, também de propriedade da poderosa RBS, afiliada da Rede Globo na região Sul do país.
Tanto o colunista como os patrões tentam transparecer que a saída foi amigável, que não teve qualquer motivação política. Prates estava na empresa 23 anos. Mas há quem desconfie desta versão. O jornalista Sérgio Rubim, criador do Cangablog, garante que “a demissão do polêmico comentarista Luiz Carlos Prates foi decisão da direção da RBS em Porto Alegre. Prates voltava de férias e, imagino, não encontrou seu cartão ponto na parede da empresa. Ao perguntar para o porteiro pelo seu cartão deve ter sido aconselhado a passar no departamento de pessoal. Bem ao estilo da empresa”.
Vitima do seu próprio ódio
Ainda segundo Rubim, que conhece Prates desde os anos 1980, o motivo da demissão foi o seu comentário no Jornal do Almoço sobre os “miseráveis que tem carro”. Ele lembra que Prates mudava de comportamento na televisão. “Ele se transformava em um radical da oratória desempenhando um papel para o público conservador. É um bom ator. Fala com veemência, aos gritos, condena, critica, gesticula com competência e... nada!”. Para ele, “Prates foi vítima da sua própria atuação. Radicalizou tanto na fala que acabou perdendo a mão... e o emprego”.
De fato, o colunista exagerava na dose para seduzir o público conservador e agradar seus patrões da RBS/Globo. Em dezembro de 2009, ele fez rasgados elogios à ditadura militar, que “ensinou o caminho da verdadeira e legítima democracia”. No final do ano passado, porém, ele acusou o governo Lula de “espúrio” pela ampliação do crédito e ao lamentar que hoje “qualquer miserável tem carro”. A reação da sociedade foi imediata. O vídeo com suas declarações elitistas bombou na internet. Agora, ele dançou!
Boris Casoy, Willian Waack, Arnaldo Jabor e tantos outros "calunistas" das telinhas, que também gostam de destilar veneno preconceituoso, que fiquem espertos. Depois de sugar ao máximo, patrões costumam jogar o bagaço fora!
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Alckmin, Kassab e as mentiras deslavadas
Por Altamiro Borges
A desculpa deslavada de que a chuva é a principal culpada pela tragédia humana vivida pela população paulista não está colando mais. Juntinhos, o tucano Geraldo Alckmin e o demo Gilberto Kassab reconheceram ontem (11), em entrevista coletiva, que há falhas na execução das obras de combate às enchentes no estado e na capital. Até a mídia demotucana, que também insistia na linha de criticar Deus pelas inundações, começa a mudar timidamente sua cobertura – para não afundar de vez sua credibilidade.
A desculpa deslavada de que a chuva é a principal culpada pela tragédia humana vivida pela população paulista não está colando mais. Juntinhos, o tucano Geraldo Alckmin e o demo Gilberto Kassab reconheceram ontem (11), em entrevista coletiva, que há falhas na execução das obras de combate às enchentes no estado e na capital. Até a mídia demotucana, que também insistia na linha de criticar Deus pelas inundações, começa a mudar timidamente sua cobertura – para não afundar de vez sua credibilidade.
Mídia esconde as causas das enchentes
Reproduzo comentário de Luis Nassif, publicado em seu blog:
Nas enchentes de 2009, a mais importante matéria do período foi da Conceição Lemes, no blog Vi o Mundo.
Nela, o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto mostra que as enchentes foram fruto de duas irresponsabilidades: redução das obras de limpeza do rio Tietê na gestão Serra e não cumprimento das metas de construção de piscinões nos últimos dez anos.
Levei o engenheiro em um Brasilianas sobre defesa civil. Ele foi taxativo: "Qualquer geólogo e qualquer técnico do DAEE sabe disso. Mas os jornais estão escondendo".
A velha mídia escondeu a causa da maior tragédia coletiva da história da cidade.
*****
Enchentes em SP refletem falta de governo
Matéria trazida do Viomundo antigo. Publicada originalmente em 20 de dezembro de 2009:
Por Conceição Lemes
Filho feio não tem pai. Já se o rebento tem pedigree, sobram candidatos.
O governador de São Paulo, José Serra, é hors concours na área. Assume como dele a criação do Programa Nacional de DST/Aids, do Ministério da Saúde, considerado um exemplo no mundo. Só que os verdadeiros criadores são a doutora Lair Guerra de Macedo Rodrigues e o professor Adib Jatene.
“Serra, pai dos genéricos? PSDB, criador dos genéricos? Assumir como deles é um embuste!”, disse em junho ao Viomundo, o médico Jamil Haddad, falecido na semana passada, aos 83 anos. Ex- deputado federal, ex-prefeito do Rio Janeiro e ministro da Saúde de outubro de 1992 a agosto de1993, Jamil Haddad é o verdadeiro pai dos genéricos do Brasil.
Em compensação, Serra nunca é pai de perebentos. Inexoravelmente culpa os outros. Tanto que terceirizou a paternidade das inundações em São Paulo. Além do desplante de dizer que o noticiário negativo era obra do que chamou de PT Press, o governador afirmou que problema da enchente foi a enorme, anormal, atípica chuva.
Para colocar os pingos nos is, o Viomundo entrevistou o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto. Durante 30 anos – está com 80 – foi professor de Hidráulica e Saneamento da Escola Politécnica/USP. É considerado um dos grandes especialistas do Brasil nessa área.
Nos últimos dois meses, São Paulo submergiu duas vezes. O prefeito Gilberto Kassab (DEM) e o governador José Serra (PSDB) culparam principalmente a “quantidade anormal de chuvas no período” e “ lixo jogado na rua pela população”. São Pedro e o povo são os responsáveis por essas duas inundações históricas?
Não. Querendo dourar a pílula, as autoridades lançaram mão de vários parâmetros para confundir a opinião pública. Esses fatores realmente existem. Porém, São Pedro e a educação sanitária não são os causadores das enchentes de 8 de setembro e 8 dezembro.
São Pedro não teve mesmo culpa no cartório?
Nas duas inundações deste ano, São Pedro está completamente isento. As duas chuvas [8 de setembro e 8 dezembro] não foram catastróficas, elas foram moderadas. Aliás, sempre que acontece uma enchente dessas, o prefeito, o governador, os secretários aparecem dizendo que São Pedro foi o responsável. Nada deixa a população mais irritada do que essa desculpa esfarrapada.
E o lixo jogado na rua?
Prejudica um pouco, mas não é o principal. É só um fator colocado no debate pelas autoridades para confundir a opinião pública, e esconder os verdadeiros responsáveis.
Então quais as causas principais dessas enchentes?
Uma delas, o assoreamento do Tietê. Assoreamento é o material sólido que vem na corrente líquida do rio: terra, erosão, lixo, entulho de obra. Na cidade de São Paulo, a declividade do Tietê é muito pequena e a velocidade, muito baixa. É como se o rio estivesse quase parado. Todo material sólido deposita-se, então, no fundo do canal, reduzindo a profundidade. Consequentemente, diminui também a capacidade de transporte de água na hora da chuva. É o que acontece com o Tietê. Em vez de ter espaço para passar, por exemplo, 1.000 metros cúbicos por segundo, só “cabem” 500. Os outros 500 transbordam.
Isso acontece também com os afluentes do Tietê?
Pelo contrário. Eles têm declividade forte e velocidade grande de água e não assoreiam. Consequentemente, das cabeceiras até chegar ao Tietê, eles têm facilidade de transporte de material sólido. E como o Tietê tem velocidade muito baixa, esse material se deposita no canal do próprio Tietê.
Sempre foi assim?
O Tietê sempre teve velocidade baixa. Não dá para modificar isso. É a conformação geológica e topográfica do rio.
Anualmente quanto de resíduos o Tietê recebe?
Na cidade de São Paulo, entre a barragem da Penha [Zona Leste] e o Cebolão [Zona Oeste], aproximadamente 1,2 milhão de metros cúbicos de terra. Se você deixar isso no fundo do rio, a capacidade dele diminui. E o que o Departamento de Águas e Energia Elétrica, o DAEE do governo do Estado de São Paulo, tem feito? O DAEE faz a limpeza, mas tira apenas 400 mil metros cúbicos por ano.
O DAEE tira só um terço.
Deixa, portanto, anualmente uma quantidade muito grande de sedimentos no Tietê, diminuindo capacidade de ele transportar as vazões de enchentes. No dia 8 de setembro, às 16h30m, no Viaduto da Casa Verde, um engenheiro mediu a quantidade de água que passava no rio. Deu 735 metros cúbicos por segundo. Ali, naquele trecho, se o canal do Tietê estivesse limpo, poderia passar mais de 1.000 metros cúbicos por segundo. Se o Tietê já transbordou com 735 metros cúbicos é porque estava assoreado.
Se o Tietê não estivesse assoreado, a inundação de setembro não teria havido?
A inundação aconteceu porque o Tietê estava com mais da metade da sua capacidade obstruída por resíduos depositados no fundo do seu canal e que não foram limpos adequadamente pelo governo do estado.
E no dia 8 dezembro?
Nenhum engenheiro foi lá medir. Mas pelas consequências a coisa foi muito semelhante à de 8 de setembro. Se a vazão não foi 735 metros cúbicos por segundo, foi de 835, 800, ou algo parecido. Se não houvesse assoreamento, a cidade não teria inundado. Houve inundação, porque o Tietê estava ainda mais assoreado do que em setembro. As causas que levam às enchentes são principalmente o assoreamento e a má limpeza do rio.
Ou seja, tem de se varrer todo dia o lixo da “casa”(rio). Se acumular, com o tempo a gente não passa mais…
Você tem um rio que deveria ter capacidade de 1.000 metros cúbicos por segundo. Se ele está sujo, a capacidade dele fica reduzida para 500, por exemplo. Assim, se a quantidade de água devido à chuva for de 700 metros cúbicos por segundo, ele extravasa. Não tem jeito. Encheu porque estava assoreado.
Alargar o Tietê, avançando sobre as marginais, resolveria as enchentes?
Não acho que a solução seja por aí. Outro dia vi uma entrevista de um urbanista, dizendo que a prefeitura precisava tirar as marginais da várzea e colocá-las na encosta. No meu entender, tirar as marginais do lugar é algo totalmente fora de propósito.
E o que fazer?
A calha do Tietê foi projetada há 20 anos. Na época, previa-se que a vazão de 1.000 metros cúbicos por segundo seria adequada para os nossos dias. Dez anos depois de iniciada a obra [levou 20 para ficar pronta], verificou-se que os 1.000 metros cúbicos já não seriam suficientes. Eram necessários 1.400. A urbanização foi muito mais intensa e mais rápida do que o imaginado. Ampliar o tamanho da calha não dá mais. A única forma de fazer com que a vazão voltasse a ser de 1.000 metros cúbicos por segundo é fazer piscinões. Infelizmente, pois são um mal necessário.
Por que infelizmente?
Do ponto de vista hidráulico, os piscinões são perfeitos. Retêm o pico das cheias dos afluentes, diminuindo a quantidade de água que chega ao Tietê. É o único jeito de fazermos com que a vazão do Tietê baixe de 1.400 metros cúbicos por segundo para 1.000. Para isso, o governo do estado de São Paulo, via DAEE, projetou 134 piscinões. Entretanto, nos últimos dez anos, construiu apenas 43.
Um terço…
Pois é. Com isso, não conseguiu baixar a vazão de 1.400 metros cúbicos para 1.000. Ou seja, mesmo que a calha do Tietê estivesse limpa, ela seria insuficiente para uma capacidade de 1.300 metros cúbicos por segundo, por exemplo, que são vazões que ocorrerão daqui para frente, no período chuvoso, que vai principalmente de janeiro a março.
Então até agora não choveu muito mesmo?
As duas enchentes ocorreram com chuvas moderadas. São chuvas do período de estiagem. Ou seja, o pior está por vir.
E como resolver a questão das enchentes a curto prazo?
A calha do Tietê tem duas deficiências importantes e não há como resolvê-las de pronto. Vamos ter de conviver com a insuficiência da calha por muitos anos ainda.
Por quê?
Primeiro: temos de fazer 91 piscinões. Se eles levaram [o governo São Paulo] 10 anos para fazer 43, levarão mais 20 para fazer os que faltam. Segundo: o governo do estado não está disposto a gastar mais do que a limpeza [de resíduos da calha] de 400 mil metros cúbicos por ano, quando são necessários 1,2 milhão. São duas deficiências que precisam ser resolvidas. Ou o governo do estado faz mais piscinões e limpa a calha do Tietê ou vamos ter enchentes frequentemente.
O senhor disse que os piscinões são um mal necessário. Gostaria que me explicasse por quê.
Nós temos um sistema que conduz o esgoto doméstico e outro, as águas pluviais. Chama-se sistema separador absoluto. Porém, há 30 anos, a nossa “magnífica” Sabesp constrói redes coletoras de esgoto que jogam o esgoto diretamente no córrego mais próximo. O córrego é do sistema de drenagem e não do sistema de esgotos. Então, todos os córregos da região metropolitana de São Paulo e o próprio rio Tietê – deste eu nem preciso falar para você – são esgotos a céu aberto. Os esgotos saem da rede, entram nos córregos. Portanto, quando se faz um piscinão num córrego desses, você retém não apenas a água da chuva mas a do esgoto também.
Quer dizer que o piscinão é um “esgotão”?
Na prática, os piscinões são verdadeiros esgotos, sim. Ainda mais quando a água fica parada. Daí, sim, ela decanta, formando um lodo no fundo. É uma situação sanitária extremamente desfavorável. Esse é um dos aspectos pelos quais eu não gosto dos piscinões. Na sequência, eles se tornam um tremendo problema; são foco de proliferação de doenças na cidade.
Ou seja, do ponto de vista de saúde pública o piscinão é péssimo?
Sim. Por isso eu digo que é um mal necessário. Só deve ser feito onde não há outra coisa a fazer. Não façam, pelo amor de Deus, piscinões para resolver alagamentos das cidades da região metropolitana, que são as enchentes das prefeituras. Deixem a água correr normalmente.
A curto prazo, o senhor já disse que não tem solução para o Tietê. Se o governo acelerar hoje a limpeza do rio, o resultado não vai aparecer amanhã. E agora?
Esse trabalho tem de ser iniciado já. O governo do estado tem de passar a tirar 1,2 milhão metros cúbicos de resíduos do Tietê. Precisa colocar mais dinheiro no orçamento do ano que vem, porque essas obras não são feitas em uma semana. E esse trabalho de limpeza tem de ser feito o ano inteiro – de janeiro a dezembro. Ininterruptamente. É tirar, tirar, tirar, para evitar o acúmulo de resíduos no fundo do rio.
E se governo do estado de São Paulo não fizer a limpeza diária como tem de ser feita, nem investir os recursos necessários?
Então que avise a população. Avise-a também que a cidade vai inundar. Quanto aos piscinões, em vez de levar 10 anos para fazer os que 91 que faltam, que faça em 5 anos.
E se o governo disser que não pode?
Pode, sim. É só colocar dinheiro.
Isso implica estabelecer as enchentes como prioridade.
Se é que é uma prioridade… Não me parece. Até agora, o governo de São Paulo não disse a que veio. Na quarta-feira, a Câmara Municipal aprovou o orçamento da Prefeitura. Para 2010, a verba de córregos e galerias para o sistema de drenagem pluvial da cidade foi cortada pela metade. E olha que provavelmente nem o orçamento inicial seria suficiente. Mas não cortaram a verba de publicidade da prefeitura. Com essas atitudes, o recado que deram é o de que enchente não é um problema importante.
Será que a Prefeitura e o Governo do Estado de São Paulo estão contando com a ajuda especial de São Pedro nos próximos meses?
Eu não vejo com otimismo a nossa próxima estação chuvosa, não. Janeiro, fevereiro e março são os meses das grandes chuvas. E nós vamos ter situações piores do que as tivemos em setembro e dezembro.
Há quatro anos, quando foi concluído o bilionário rebaixamento da calha do Tietê, se propagandeou que São Paulo não teria mais enchentes. E agora?
Essa informação de que não teríamos mais enchentes em São Paulo era simplesmente uma mentira. Primeiro, a calha não tem a capacidade que deveria ter. Segundo, faltam 91 piscinões. Terceiro, se o governo não se propuser a tirar do fundo do rio a quantidade necessária de resíduos, nós vamos continuar tendo mais enchentes . Portanto, é mentira que não teríamos mais enchentes aqui.
Mas não tem jeito mesmo de se evitar inundação nesses próximos meses em Sâo Paulo?
A não ser que São Pedro se transforme num anjinho e diga: “Não chova mais na região de São Paulo, a não ser umas gotinhas…” Mas isso a gente não pode esperar, concorda?
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Nas enchentes de 2009, a mais importante matéria do período foi da Conceição Lemes, no blog Vi o Mundo.
Nela, o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto mostra que as enchentes foram fruto de duas irresponsabilidades: redução das obras de limpeza do rio Tietê na gestão Serra e não cumprimento das metas de construção de piscinões nos últimos dez anos.
Levei o engenheiro em um Brasilianas sobre defesa civil. Ele foi taxativo: "Qualquer geólogo e qualquer técnico do DAEE sabe disso. Mas os jornais estão escondendo".
A velha mídia escondeu a causa da maior tragédia coletiva da história da cidade.
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Enchentes em SP refletem falta de governo
Matéria trazida do Viomundo antigo. Publicada originalmente em 20 de dezembro de 2009:
Por Conceição Lemes
Filho feio não tem pai. Já se o rebento tem pedigree, sobram candidatos.
O governador de São Paulo, José Serra, é hors concours na área. Assume como dele a criação do Programa Nacional de DST/Aids, do Ministério da Saúde, considerado um exemplo no mundo. Só que os verdadeiros criadores são a doutora Lair Guerra de Macedo Rodrigues e o professor Adib Jatene.
“Serra, pai dos genéricos? PSDB, criador dos genéricos? Assumir como deles é um embuste!”, disse em junho ao Viomundo, o médico Jamil Haddad, falecido na semana passada, aos 83 anos. Ex- deputado federal, ex-prefeito do Rio Janeiro e ministro da Saúde de outubro de 1992 a agosto de1993, Jamil Haddad é o verdadeiro pai dos genéricos do Brasil.
Em compensação, Serra nunca é pai de perebentos. Inexoravelmente culpa os outros. Tanto que terceirizou a paternidade das inundações em São Paulo. Além do desplante de dizer que o noticiário negativo era obra do que chamou de PT Press, o governador afirmou que problema da enchente foi a enorme, anormal, atípica chuva.
Para colocar os pingos nos is, o Viomundo entrevistou o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto. Durante 30 anos – está com 80 – foi professor de Hidráulica e Saneamento da Escola Politécnica/USP. É considerado um dos grandes especialistas do Brasil nessa área.
Nos últimos dois meses, São Paulo submergiu duas vezes. O prefeito Gilberto Kassab (DEM) e o governador José Serra (PSDB) culparam principalmente a “quantidade anormal de chuvas no período” e “ lixo jogado na rua pela população”. São Pedro e o povo são os responsáveis por essas duas inundações históricas?
Não. Querendo dourar a pílula, as autoridades lançaram mão de vários parâmetros para confundir a opinião pública. Esses fatores realmente existem. Porém, São Pedro e a educação sanitária não são os causadores das enchentes de 8 de setembro e 8 dezembro.
São Pedro não teve mesmo culpa no cartório?
Nas duas inundações deste ano, São Pedro está completamente isento. As duas chuvas [8 de setembro e 8 dezembro] não foram catastróficas, elas foram moderadas. Aliás, sempre que acontece uma enchente dessas, o prefeito, o governador, os secretários aparecem dizendo que São Pedro foi o responsável. Nada deixa a população mais irritada do que essa desculpa esfarrapada.
E o lixo jogado na rua?
Prejudica um pouco, mas não é o principal. É só um fator colocado no debate pelas autoridades para confundir a opinião pública, e esconder os verdadeiros responsáveis.
Então quais as causas principais dessas enchentes?
Uma delas, o assoreamento do Tietê. Assoreamento é o material sólido que vem na corrente líquida do rio: terra, erosão, lixo, entulho de obra. Na cidade de São Paulo, a declividade do Tietê é muito pequena e a velocidade, muito baixa. É como se o rio estivesse quase parado. Todo material sólido deposita-se, então, no fundo do canal, reduzindo a profundidade. Consequentemente, diminui também a capacidade de transporte de água na hora da chuva. É o que acontece com o Tietê. Em vez de ter espaço para passar, por exemplo, 1.000 metros cúbicos por segundo, só “cabem” 500. Os outros 500 transbordam.
Isso acontece também com os afluentes do Tietê?
Pelo contrário. Eles têm declividade forte e velocidade grande de água e não assoreiam. Consequentemente, das cabeceiras até chegar ao Tietê, eles têm facilidade de transporte de material sólido. E como o Tietê tem velocidade muito baixa, esse material se deposita no canal do próprio Tietê.
Sempre foi assim?
O Tietê sempre teve velocidade baixa. Não dá para modificar isso. É a conformação geológica e topográfica do rio.
Anualmente quanto de resíduos o Tietê recebe?
Na cidade de São Paulo, entre a barragem da Penha [Zona Leste] e o Cebolão [Zona Oeste], aproximadamente 1,2 milhão de metros cúbicos de terra. Se você deixar isso no fundo do rio, a capacidade dele diminui. E o que o Departamento de Águas e Energia Elétrica, o DAEE do governo do Estado de São Paulo, tem feito? O DAEE faz a limpeza, mas tira apenas 400 mil metros cúbicos por ano.
O DAEE tira só um terço.
Deixa, portanto, anualmente uma quantidade muito grande de sedimentos no Tietê, diminuindo capacidade de ele transportar as vazões de enchentes. No dia 8 de setembro, às 16h30m, no Viaduto da Casa Verde, um engenheiro mediu a quantidade de água que passava no rio. Deu 735 metros cúbicos por segundo. Ali, naquele trecho, se o canal do Tietê estivesse limpo, poderia passar mais de 1.000 metros cúbicos por segundo. Se o Tietê já transbordou com 735 metros cúbicos é porque estava assoreado.
Se o Tietê não estivesse assoreado, a inundação de setembro não teria havido?
A inundação aconteceu porque o Tietê estava com mais da metade da sua capacidade obstruída por resíduos depositados no fundo do seu canal e que não foram limpos adequadamente pelo governo do estado.
E no dia 8 dezembro?
Nenhum engenheiro foi lá medir. Mas pelas consequências a coisa foi muito semelhante à de 8 de setembro. Se a vazão não foi 735 metros cúbicos por segundo, foi de 835, 800, ou algo parecido. Se não houvesse assoreamento, a cidade não teria inundado. Houve inundação, porque o Tietê estava ainda mais assoreado do que em setembro. As causas que levam às enchentes são principalmente o assoreamento e a má limpeza do rio.
Ou seja, tem de se varrer todo dia o lixo da “casa”(rio). Se acumular, com o tempo a gente não passa mais…
Você tem um rio que deveria ter capacidade de 1.000 metros cúbicos por segundo. Se ele está sujo, a capacidade dele fica reduzida para 500, por exemplo. Assim, se a quantidade de água devido à chuva for de 700 metros cúbicos por segundo, ele extravasa. Não tem jeito. Encheu porque estava assoreado.
Alargar o Tietê, avançando sobre as marginais, resolveria as enchentes?
Não acho que a solução seja por aí. Outro dia vi uma entrevista de um urbanista, dizendo que a prefeitura precisava tirar as marginais da várzea e colocá-las na encosta. No meu entender, tirar as marginais do lugar é algo totalmente fora de propósito.
E o que fazer?
A calha do Tietê foi projetada há 20 anos. Na época, previa-se que a vazão de 1.000 metros cúbicos por segundo seria adequada para os nossos dias. Dez anos depois de iniciada a obra [levou 20 para ficar pronta], verificou-se que os 1.000 metros cúbicos já não seriam suficientes. Eram necessários 1.400. A urbanização foi muito mais intensa e mais rápida do que o imaginado. Ampliar o tamanho da calha não dá mais. A única forma de fazer com que a vazão voltasse a ser de 1.000 metros cúbicos por segundo é fazer piscinões. Infelizmente, pois são um mal necessário.
Por que infelizmente?
Do ponto de vista hidráulico, os piscinões são perfeitos. Retêm o pico das cheias dos afluentes, diminuindo a quantidade de água que chega ao Tietê. É o único jeito de fazermos com que a vazão do Tietê baixe de 1.400 metros cúbicos por segundo para 1.000. Para isso, o governo do estado de São Paulo, via DAEE, projetou 134 piscinões. Entretanto, nos últimos dez anos, construiu apenas 43.
Um terço…
Pois é. Com isso, não conseguiu baixar a vazão de 1.400 metros cúbicos para 1.000. Ou seja, mesmo que a calha do Tietê estivesse limpa, ela seria insuficiente para uma capacidade de 1.300 metros cúbicos por segundo, por exemplo, que são vazões que ocorrerão daqui para frente, no período chuvoso, que vai principalmente de janeiro a março.
Então até agora não choveu muito mesmo?
As duas enchentes ocorreram com chuvas moderadas. São chuvas do período de estiagem. Ou seja, o pior está por vir.
E como resolver a questão das enchentes a curto prazo?
A calha do Tietê tem duas deficiências importantes e não há como resolvê-las de pronto. Vamos ter de conviver com a insuficiência da calha por muitos anos ainda.
Por quê?
Primeiro: temos de fazer 91 piscinões. Se eles levaram [o governo São Paulo] 10 anos para fazer 43, levarão mais 20 para fazer os que faltam. Segundo: o governo do estado não está disposto a gastar mais do que a limpeza [de resíduos da calha] de 400 mil metros cúbicos por ano, quando são necessários 1,2 milhão. São duas deficiências que precisam ser resolvidas. Ou o governo do estado faz mais piscinões e limpa a calha do Tietê ou vamos ter enchentes frequentemente.
O senhor disse que os piscinões são um mal necessário. Gostaria que me explicasse por quê.
Nós temos um sistema que conduz o esgoto doméstico e outro, as águas pluviais. Chama-se sistema separador absoluto. Porém, há 30 anos, a nossa “magnífica” Sabesp constrói redes coletoras de esgoto que jogam o esgoto diretamente no córrego mais próximo. O córrego é do sistema de drenagem e não do sistema de esgotos. Então, todos os córregos da região metropolitana de São Paulo e o próprio rio Tietê – deste eu nem preciso falar para você – são esgotos a céu aberto. Os esgotos saem da rede, entram nos córregos. Portanto, quando se faz um piscinão num córrego desses, você retém não apenas a água da chuva mas a do esgoto também.
Quer dizer que o piscinão é um “esgotão”?
Na prática, os piscinões são verdadeiros esgotos, sim. Ainda mais quando a água fica parada. Daí, sim, ela decanta, formando um lodo no fundo. É uma situação sanitária extremamente desfavorável. Esse é um dos aspectos pelos quais eu não gosto dos piscinões. Na sequência, eles se tornam um tremendo problema; são foco de proliferação de doenças na cidade.
Ou seja, do ponto de vista de saúde pública o piscinão é péssimo?
Sim. Por isso eu digo que é um mal necessário. Só deve ser feito onde não há outra coisa a fazer. Não façam, pelo amor de Deus, piscinões para resolver alagamentos das cidades da região metropolitana, que são as enchentes das prefeituras. Deixem a água correr normalmente.
A curto prazo, o senhor já disse que não tem solução para o Tietê. Se o governo acelerar hoje a limpeza do rio, o resultado não vai aparecer amanhã. E agora?
Esse trabalho tem de ser iniciado já. O governo do estado tem de passar a tirar 1,2 milhão metros cúbicos de resíduos do Tietê. Precisa colocar mais dinheiro no orçamento do ano que vem, porque essas obras não são feitas em uma semana. E esse trabalho de limpeza tem de ser feito o ano inteiro – de janeiro a dezembro. Ininterruptamente. É tirar, tirar, tirar, para evitar o acúmulo de resíduos no fundo do rio.
E se governo do estado de São Paulo não fizer a limpeza diária como tem de ser feita, nem investir os recursos necessários?
Então que avise a população. Avise-a também que a cidade vai inundar. Quanto aos piscinões, em vez de levar 10 anos para fazer os que 91 que faltam, que faça em 5 anos.
E se o governo disser que não pode?
Pode, sim. É só colocar dinheiro.
Isso implica estabelecer as enchentes como prioridade.
Se é que é uma prioridade… Não me parece. Até agora, o governo de São Paulo não disse a que veio. Na quarta-feira, a Câmara Municipal aprovou o orçamento da Prefeitura. Para 2010, a verba de córregos e galerias para o sistema de drenagem pluvial da cidade foi cortada pela metade. E olha que provavelmente nem o orçamento inicial seria suficiente. Mas não cortaram a verba de publicidade da prefeitura. Com essas atitudes, o recado que deram é o de que enchente não é um problema importante.
Será que a Prefeitura e o Governo do Estado de São Paulo estão contando com a ajuda especial de São Pedro nos próximos meses?
Eu não vejo com otimismo a nossa próxima estação chuvosa, não. Janeiro, fevereiro e março são os meses das grandes chuvas. E nós vamos ter situações piores do que as tivemos em setembro e dezembro.
Há quatro anos, quando foi concluído o bilionário rebaixamento da calha do Tietê, se propagandeou que São Paulo não teria mais enchentes. E agora?
Essa informação de que não teríamos mais enchentes em São Paulo era simplesmente uma mentira. Primeiro, a calha não tem a capacidade que deveria ter. Segundo, faltam 91 piscinões. Terceiro, se o governo não se propuser a tirar do fundo do rio a quantidade necessária de resíduos, nós vamos continuar tendo mais enchentes . Portanto, é mentira que não teríamos mais enchentes aqui.
Mas não tem jeito mesmo de se evitar inundação nesses próximos meses em Sâo Paulo?
A não ser que São Pedro se transforme num anjinho e diga: “Não chova mais na região de São Paulo, a não ser umas gotinhas…” Mas isso a gente não pode esperar, concorda?
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A fetichização da banda larga
Reproduzo artigo de Paulo Henrique Amorim, publicado no blog Conversa Afiada:
O Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé organizou ontem, no Sindicato dos Jornalistas, em São Paulo, evento para discutir o lançamento do “Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil”.
Trata-se de importante publicação do Ipea, em três volumes, realizado sob a batuta do presidente do Ipea, Marcio Pochmann, e de Daniel Castro, que ali falaram sobre essa iniciativa que compensou o fato de em 46 anos de existência o Ipea não ter produzido uma linha sobre a indústria da Comunicação no Brasil.
Por que será, amigo navegante?
Evento transformou-se, na verdade, numa aula magna do professor Fábio Konder Comparato sobre a necessidade de se instalar na agenda política do país a discussão sobre a Comunicação.
Comparato explicou as duas ADOs (Ações por Omissão) que o Supremo Tribunal Federal aceitou julgar – clique aqui para ler entrevista de Comparato ao Vermelho.
As ADOs são para condenar “por omissão” o Congresso que, desde 1988, não regulamenta os artigos da Constituição que tratam da Comunicação (por medo da Globo).
São artigos que asseguram o direito de resposta – suprimido pela extinção da Lei de Imprensa.
Trata da proibição do monopólio (como o da Globo).
Que proíbe programas que façam mal à sociedade e à saúde do povo.
Que estimulam a produção independente e a regionalização.
Comparato conclamou a plateia – cerca de 150 pessoas presentes e outras 150 na internet – para manter a questão na agenda política do país, de forma permanente.
Ali presente, este modesto blogueiro ficou a pensar: por que um deputado do PT não sobe à tribuna e defende as ADOs do Comparato ?
Por que a Senadora Martha Suplicy, futura líder do Governo no Senado, não faz o mesmo ?
Ou o Senador Suplicy, que levou um pito do Lula por bajular a Globo, na festa da Carta Capital ?
Por que o Suplicy não sobe à tribuna, defende as ADOs do Comparato, e se redime do pito ?
Este ansioso blogueiro tem a certeza de que uma deputada da fibra de Luiza Erundina vai fazer isso antes de qualquer petista.
Este ansioso blogueiro, ali presente, resumiu sua modesta participação a ler em voz alta o que já tinha escrito neste ansioso blog: “Paulo Bernardo até que ia bem, mas está com medo da Globo”.
Além disso, este ansioso blogueiro achou relevante advertir para o perigo da fetichização da banda larga.
O Ministro Paulo Bernardo dá a impressão de que a banda larga é uma espécie de óleo de jurubeba.
Cura dor de corno, azia, má digestão, prisão de ventre e frieira.
Da mesma forma, os blogueiros sujos podem cair na armadilha.
Dê-me a banda larga que a democratização estará feita.
Este ansioso blogueiro lembrou que a banda larga é o trilho.
As ADOs do Comparato e a Ley de Medios são a carga do trem.
Quanto mais longe for o trilho, melhor.
Desde que o trilho leve um trem que tenha dentro a democracia.
Se o trilho conduzir um vagão cheio de Nelson Johnbim, não me interessa.
A propósito: o grande Ministro Gilberto Gil tem uma música que enaltece os poderes mágicos do óleo de jurubeba.
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O Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé organizou ontem, no Sindicato dos Jornalistas, em São Paulo, evento para discutir o lançamento do “Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil”.
Trata-se de importante publicação do Ipea, em três volumes, realizado sob a batuta do presidente do Ipea, Marcio Pochmann, e de Daniel Castro, que ali falaram sobre essa iniciativa que compensou o fato de em 46 anos de existência o Ipea não ter produzido uma linha sobre a indústria da Comunicação no Brasil.
Por que será, amigo navegante?
Evento transformou-se, na verdade, numa aula magna do professor Fábio Konder Comparato sobre a necessidade de se instalar na agenda política do país a discussão sobre a Comunicação.
Comparato explicou as duas ADOs (Ações por Omissão) que o Supremo Tribunal Federal aceitou julgar – clique aqui para ler entrevista de Comparato ao Vermelho.
As ADOs são para condenar “por omissão” o Congresso que, desde 1988, não regulamenta os artigos da Constituição que tratam da Comunicação (por medo da Globo).
São artigos que asseguram o direito de resposta – suprimido pela extinção da Lei de Imprensa.
Trata da proibição do monopólio (como o da Globo).
Que proíbe programas que façam mal à sociedade e à saúde do povo.
Que estimulam a produção independente e a regionalização.
Comparato conclamou a plateia – cerca de 150 pessoas presentes e outras 150 na internet – para manter a questão na agenda política do país, de forma permanente.
Ali presente, este modesto blogueiro ficou a pensar: por que um deputado do PT não sobe à tribuna e defende as ADOs do Comparato ?
Por que a Senadora Martha Suplicy, futura líder do Governo no Senado, não faz o mesmo ?
Ou o Senador Suplicy, que levou um pito do Lula por bajular a Globo, na festa da Carta Capital ?
Por que o Suplicy não sobe à tribuna, defende as ADOs do Comparato, e se redime do pito ?
Este ansioso blogueiro tem a certeza de que uma deputada da fibra de Luiza Erundina vai fazer isso antes de qualquer petista.
Este ansioso blogueiro, ali presente, resumiu sua modesta participação a ler em voz alta o que já tinha escrito neste ansioso blog: “Paulo Bernardo até que ia bem, mas está com medo da Globo”.
Além disso, este ansioso blogueiro achou relevante advertir para o perigo da fetichização da banda larga.
O Ministro Paulo Bernardo dá a impressão de que a banda larga é uma espécie de óleo de jurubeba.
Cura dor de corno, azia, má digestão, prisão de ventre e frieira.
Da mesma forma, os blogueiros sujos podem cair na armadilha.
Dê-me a banda larga que a democratização estará feita.
Este ansioso blogueiro lembrou que a banda larga é o trilho.
As ADOs do Comparato e a Ley de Medios são a carga do trem.
Quanto mais longe for o trilho, melhor.
Desde que o trilho leve um trem que tenha dentro a democracia.
Se o trilho conduzir um vagão cheio de Nelson Johnbim, não me interessa.
A propósito: o grande Ministro Gilberto Gil tem uma música que enaltece os poderes mágicos do óleo de jurubeba.
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