Reproduzo reportagem de Leandro Fortes, publicada no sítio da revista CartaCapital:
Na noite de 15 de dezembro de 2010, o jornalista Luiz Armando Costa estava exultante. Assessor de imprensa da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), em Palmas, Costa usou o Twitter para fazer um anúncio em tom de aviso aos navegantes, às 21h30: “Caros, uma boa noite a todos. Amanhã o dia promete”. De fato, às 6h30 da manhã do dia seguinte, agentes da Polícia Federal desencadearam em Tocantins a Operação Maet, cujo alvo principal era o Tribunal de Justiça do estado. Ao fim da ação foram indiciados a presidente do tribunal, Willamara de Almeida, o vice-presidente Carlos Luiz de Souza e o desembargador José Liberato Povoa. Durante todo o dia, um animado Costa tuitou detalhes da operação para seus 320 seguidores. Na primeira manifestação, às 9h59 do dia 16, bradou: “BOMBA! Polícia Federal faz operação na residência da desembargadora Willamara, presidente do Tribunal de Justiça”. No fim do dia, satisfeito, finalizou com a seguinte mensagem, às 20h54: “Caros, uma boa noite. Como disse ontem, hoje o dia prometia, não é mesmo?”
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), de onde partiu a ordem da operação, a verborragia virtual de Luiz Armando Costa foi interpretada de duas formas: ou o assessor de Kátia Abreu é vidente ou teve informação privilegiada de uma operação baseada em inquérito de caráter sigiloso, em andamento desde 2007. No fim de fevereiro, a coordenadoria da corte especial do STJ, responsável pelo processo, sob as ordens do ministro João Otávio de Noronha, abriu investigação interna para verificar se o vazamento ocorreu no tribunal. Mas se especula que a fonte possa ter sido a própria PF. O fato é que, graças à Operação Maet (deusa da Justiça na mitologia egípcia representada de olhos abertos), o principal desafeto da senadora no tribunal, o desembargador Povoa, foi preso e afastado do TRE de Tocantins, onde era corregedor, assim como Willamara e Souza.
Do ponto de vista técnico, a Operação Maet foi um sucesso. Montada para investigar um esquema de venda de sentenças, sobretudo de cobranças de precatórios (dívidas judiciais) contra o Tesouro estadual, a operação resultou em nove conduções coercitivas (quando pessoas são levadas a depor pela polícia) e oito mandados de busca e apreensão no tribunal. Os agentes federais, durante as buscas nas residências dos acusados, acharam 375 mil reais em dinheiro e duas armas de fogo sem o devido porte legal.
Povoa, ex-corregedor do TRE de Tocantins, estava na mira de Kátia Abreu porque, em setembro de 2010, às vésperas das eleições estaduais, concedera uma liminar que proibia veículos de comunicação de publicarem informações sobre um suposto esquema de fraudes em licitações capitaneado pelo então governador candidato à reeleição Carlos Gaguim (PMDB), opositor do eleito, Siqueira Campos (PSDB), apoiado pela senadora. A liminar acabou derrubada pelo TRE dias depois, mas a parlamentar montou um palanque em cima do discurso de defesa da liberdade de imprensa para alavancar Siqueira Campos, de quem era coordenadora de campanha.
A cruzada da presidente da CNA contra Povoa pode ter sido o primeiro sinal de que não apenas o assessor Luiz Armando Costa, mas ela própria sabia com antecedência da operação da PF. Isso porque, em 15 de setembro de 2010, a senadora fez circular, via e-mail, uma nota à imprensa sobre uma audiência agendada por ela com a ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça. A parlamentar foi solicitar à ministra pressa em um processo contra Povoa, em trâmite no CNJ, no qual ele é acusado de enriquecimento ilícito. Kátia Abreu pedia providências sob o argumento de que o desembargador, então relator das ações que envolviam o governador Gaguim, estava sujeito à arguição de suspeição.
Estranhamente, entre os 13 endereços eletrônicos registrados pelo gabinete da senadora, ao menos dois destinatários nada tinham a ver com órgãos de imprensa: o desembargador Marco Anthony Steveson Villas Boas (marcovillasboas@terra.com.br) e o juiz Jacobine Leonardo (jaccobine@ig.com.br), integrantes do Tribunal de Justiça de Tocantins. “Isso pressupõe comprometimento desses magistrados com a parlamentar”, afirma Nathanael Lacerda, advogado de Povoa e autor da petição que desencadeou a investigação interna do STJ.
Em seguida, a informação foi replicada no site da jornalista Roberta Tum, de Tocantins, espécie de porta-voz informal da senadora. Sob o título “Os três passos de Kátia em Brasília”, o texto repete os termos da nota à imprensa enviada pela parlamentar à dupla de magistrados e afirma que a verdadeira investigação do CNJ diz respeito à venda de sentenças judiciais. Aliás, informação que a jornalista só poderia ter em mãos se tivesse tido acesso ao inquérito mantido sob sigilo pela PF e pelo STJ. Ou se alguém tivesse lhe contado.
O mais interessante ainda estava por vir. Às 17h03 de 15 de dezembro de 2010, às vésperas da Operação Maet, o Ministério Público Federal, por meio da subprocuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, protocolou no gabinete do ministro João Otávio de Noronha os pedidos de condução coercitiva e os mandados de busca e apreensão. A subprocuradora argumentou que a PF havia demonstrado, ao longo do inquérito, a existência de uma organização criminosa no tribunal de Tocantins, cuja principal atividade era a de facilitar e agilizar o pagamento de precatórios contra o Tesouro estadual.- Os advogados envolvidos no crime se comprometiam a entregar parte do valor aos desembargadores corruptos.
Antes de terminar o despacho ao STJ, como que em uma premonição, a subprocuradora Lindôra Araújo escreveu: “Pugno, por fim, pelo sigilo absoluto na execução das medidas requeridas, com a observação de que eventual vazamento, por menor que seja, ocasionará o cancelamento dos interrogatórios”. Em vão. Duas horas e vinte e sete minutos depois, o jornalista Luiz Armando Costa deu o alerta no Twitter.
“Há fortes indícios de que a senadora Kátia Abreu, ou pessoa relacionada a ela, teve informação privilegiada”, afirma Lacerda. Segundo ele, não há impedimento ético nem legal para um parlamentar transitar pelo Poder Judiciário. “O que não é admissível é que a referida senadora tenha feedback (retorno) de agente público, seja da Polícia Federal ou de qualquer órgão da administração, quando se trata de processo sob sigilo.”
Na petição entregue ao ministro Noronha, o advogado Lacerda insinua haver uma ligação entre a senadora Kátia Abreu e o superintendente da Polícia Federal em Tocantins, Cesar Augusto Martinez. A parlamentar teria sido responsável pela nomeação do delegado. Tanto o assessor de imprensa da senadora quanto o policial não atenderam aos pedidos de informação de CartaCapital.
Na noite de 15 de dezembro de 2010, o jornalista Luiz Armando Costa estava exultante. Assessor de imprensa da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), em Palmas, Costa usou o Twitter para fazer um anúncio em tom de aviso aos navegantes, às 21h30: “Caros, uma boa noite a todos. Amanhã o dia promete”. De fato, às 6h30 da manhã do dia seguinte, agentes da Polícia Federal desencadearam em Tocantins a Operação Maet, cujo alvo principal era o Tribunal de Justiça do estado. Ao fim da ação foram indiciados a presidente do tribunal, Willamara de Almeida, o vice-presidente Carlos Luiz de Souza e o desembargador José Liberato Povoa. Durante todo o dia, um animado Costa tuitou detalhes da operação para seus 320 seguidores. Na primeira manifestação, às 9h59 do dia 16, bradou: “BOMBA! Polícia Federal faz operação na residência da desembargadora Willamara, presidente do Tribunal de Justiça”. No fim do dia, satisfeito, finalizou com a seguinte mensagem, às 20h54: “Caros, uma boa noite. Como disse ontem, hoje o dia prometia, não é mesmo?”
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), de onde partiu a ordem da operação, a verborragia virtual de Luiz Armando Costa foi interpretada de duas formas: ou o assessor de Kátia Abreu é vidente ou teve informação privilegiada de uma operação baseada em inquérito de caráter sigiloso, em andamento desde 2007. No fim de fevereiro, a coordenadoria da corte especial do STJ, responsável pelo processo, sob as ordens do ministro João Otávio de Noronha, abriu investigação interna para verificar se o vazamento ocorreu no tribunal. Mas se especula que a fonte possa ter sido a própria PF. O fato é que, graças à Operação Maet (deusa da Justiça na mitologia egípcia representada de olhos abertos), o principal desafeto da senadora no tribunal, o desembargador Povoa, foi preso e afastado do TRE de Tocantins, onde era corregedor, assim como Willamara e Souza.
Do ponto de vista técnico, a Operação Maet foi um sucesso. Montada para investigar um esquema de venda de sentenças, sobretudo de cobranças de precatórios (dívidas judiciais) contra o Tesouro estadual, a operação resultou em nove conduções coercitivas (quando pessoas são levadas a depor pela polícia) e oito mandados de busca e apreensão no tribunal. Os agentes federais, durante as buscas nas residências dos acusados, acharam 375 mil reais em dinheiro e duas armas de fogo sem o devido porte legal.
Povoa, ex-corregedor do TRE de Tocantins, estava na mira de Kátia Abreu porque, em setembro de 2010, às vésperas das eleições estaduais, concedera uma liminar que proibia veículos de comunicação de publicarem informações sobre um suposto esquema de fraudes em licitações capitaneado pelo então governador candidato à reeleição Carlos Gaguim (PMDB), opositor do eleito, Siqueira Campos (PSDB), apoiado pela senadora. A liminar acabou derrubada pelo TRE dias depois, mas a parlamentar montou um palanque em cima do discurso de defesa da liberdade de imprensa para alavancar Siqueira Campos, de quem era coordenadora de campanha.
A cruzada da presidente da CNA contra Povoa pode ter sido o primeiro sinal de que não apenas o assessor Luiz Armando Costa, mas ela própria sabia com antecedência da operação da PF. Isso porque, em 15 de setembro de 2010, a senadora fez circular, via e-mail, uma nota à imprensa sobre uma audiência agendada por ela com a ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça. A parlamentar foi solicitar à ministra pressa em um processo contra Povoa, em trâmite no CNJ, no qual ele é acusado de enriquecimento ilícito. Kátia Abreu pedia providências sob o argumento de que o desembargador, então relator das ações que envolviam o governador Gaguim, estava sujeito à arguição de suspeição.
Estranhamente, entre os 13 endereços eletrônicos registrados pelo gabinete da senadora, ao menos dois destinatários nada tinham a ver com órgãos de imprensa: o desembargador Marco Anthony Steveson Villas Boas (marcovillasboas@terra.com.br) e o juiz Jacobine Leonardo (jaccobine@ig.com.br), integrantes do Tribunal de Justiça de Tocantins. “Isso pressupõe comprometimento desses magistrados com a parlamentar”, afirma Nathanael Lacerda, advogado de Povoa e autor da petição que desencadeou a investigação interna do STJ.
Em seguida, a informação foi replicada no site da jornalista Roberta Tum, de Tocantins, espécie de porta-voz informal da senadora. Sob o título “Os três passos de Kátia em Brasília”, o texto repete os termos da nota à imprensa enviada pela parlamentar à dupla de magistrados e afirma que a verdadeira investigação do CNJ diz respeito à venda de sentenças judiciais. Aliás, informação que a jornalista só poderia ter em mãos se tivesse tido acesso ao inquérito mantido sob sigilo pela PF e pelo STJ. Ou se alguém tivesse lhe contado.
O mais interessante ainda estava por vir. Às 17h03 de 15 de dezembro de 2010, às vésperas da Operação Maet, o Ministério Público Federal, por meio da subprocuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, protocolou no gabinete do ministro João Otávio de Noronha os pedidos de condução coercitiva e os mandados de busca e apreensão. A subprocuradora argumentou que a PF havia demonstrado, ao longo do inquérito, a existência de uma organização criminosa no tribunal de Tocantins, cuja principal atividade era a de facilitar e agilizar o pagamento de precatórios contra o Tesouro estadual.- Os advogados envolvidos no crime se comprometiam a entregar parte do valor aos desembargadores corruptos.
Antes de terminar o despacho ao STJ, como que em uma premonição, a subprocuradora Lindôra Araújo escreveu: “Pugno, por fim, pelo sigilo absoluto na execução das medidas requeridas, com a observação de que eventual vazamento, por menor que seja, ocasionará o cancelamento dos interrogatórios”. Em vão. Duas horas e vinte e sete minutos depois, o jornalista Luiz Armando Costa deu o alerta no Twitter.
“Há fortes indícios de que a senadora Kátia Abreu, ou pessoa relacionada a ela, teve informação privilegiada”, afirma Lacerda. Segundo ele, não há impedimento ético nem legal para um parlamentar transitar pelo Poder Judiciário. “O que não é admissível é que a referida senadora tenha feedback (retorno) de agente público, seja da Polícia Federal ou de qualquer órgão da administração, quando se trata de processo sob sigilo.”
Na petição entregue ao ministro Noronha, o advogado Lacerda insinua haver uma ligação entre a senadora Kátia Abreu e o superintendente da Polícia Federal em Tocantins, Cesar Augusto Martinez. A parlamentar teria sido responsável pela nomeação do delegado. Tanto o assessor de imprensa da senadora quanto o policial não atenderam aos pedidos de informação de CartaCapital.
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