Por Elaine Tavares, no blog Palavras Insurgentes:
A revista de reportagem Pobres e Nojentas entrou, neste 2011, no seu sexto ano de vida. Nascida em maio de 2006 chegou como um espaço onde as vozes caladas dos empobrecidos e das vidas da periferia pudessem se expressar. A mídia “normal” é casa do poder, é lugar onde as gentes não têm vez, onde só aparecem como vítimas ou bandidas. Na Pobres não, é lugar da palavra bendita, do povo que faz a história andar, dos que lutam, dos que assumem suas escolhas, dos que insistem em dizer: “aquilo que é, não pode ser verdade”.
Mas a Pobres é uma revista de papel, que precisa ser impressa na gráfica, que precisa de dinheiro para se pagar. Em Santa Catarina, periferia da periferia, é sempre muito difícil fazer coisas que precisem de grana. Afinal, no capitalismo dependente já conhecemos a lição: para que um viva, outro precisa morrer. É espaço da competição, do jogo, da picuinha. Não aceitamos isso! Recusamos-nos a caminhar por essa vereda. Nas palavras do nazareno nos miramos: estamos no mundo (capitalismo), mas não somos do mundo. Por isso vamos pelejando para nos manter vivas, a despeito de tudo.
A esquerda esclarecida, essa que vive detonando a mídia comercial burguesa, não compra a Pobres. Quer de graça. Mas a nossa idéia é oferecer essa iguaria aos empobrecidos. A lógica sempre foi: os que têm dinheiro pagam e as gentes recebem nas comunidades a sua voz impressa. Então, a cada edição vivemos o impasse. Temos a palavra, mas não temos o dinheiro para imprimi-la. Os amigos dizem: “façam virtual, que não tem custo”. Não. As gentes empobrecidas não têm acesso ao virtual. Elas estão na vida, buscando o pão do agora. Não passam seus dias a navegar na internet. Então, apostamos no talvez.
Toda edição é assim. Escrevemos, fazemos, mandamos para a gráfica. Quando ela chega, alguma de nós dá um cheque (coisa antiga) para 30 dias, e nesse ínterim temos de rebolar para conseguir o dinheiro que venha cobrir o “voador”. No geral não conseguimos. Temos um único apoio, do Sindprevs-SC, o sindicato dos previdenciários, que dá 200 reais. E é tudo. O resto é batalha. No mais das vezes sai do nosso salário. Mas a Pobres renasce a cada edição.
Nesse inverno de 2011, reunidas na acolhedora Pizzaria San Francesco, aquecidas pela jarra de vinho da casa, tomamos uma dolorosa decisão: matar a Pobres. Não dava mais. O prejuízo acumulado, a falta de compreensão dos colegas, a desesperança com tudo no mundo. Cada revista lançada vinha sempre acompanhada das críticas “construtivas” dos amigos que, no geral, sequer a compravam. “Essa revista não tem projeto editorial”, “ a diagramação é muito quadrada”, “os temas são muito caóticos”. E a gente perseverando porque, afinal, nas comunidades aonde ela chegava, as pessoas se maravilhavam, e liam, e comentavam, e recriavam os seus próprios mundos a partir de suas palavras vivas no papel.
Mas, nesse inverno, estação de recolhimento e esterilidade, decidimos cometer o “revisticídio”. Estava selado o destino. Devolveríamos o dinheiro aos assinantes, que são poucos, e ponto final. Dali saímos mudas, algumas em lágrimas. As quatro cavaleiras do apocalipse assumiam seu destino de destruidoras de mundos.
Três semanas se passaram e nós em silêncio, fazendo os trâmites da número 27, que seria a última. Tudo na lentidão, quase um ritual de auto-imolação. Mas ontem, dia 28 de julho, resolvemos nos ver, tomar um chope, chorar as pitangas. Foi um dia duro para todas nós. Eleição perdida no sindicato, batalhas judiciais, amigas em sofrimento, só coisa ruim. “Vamos purgar isso tudo, em comunhão”. E fomos.
No centro de Florianópolis, no aconchego do Café Cultura, a noite gelada apareceu como aquele misterioso dia da chamada ressurreição do Cristo. Ali estávamos, as Marias, em lágrimas, ainda chorando a morta: nossa revista Pobres e Nojentas. Então, não sei se sob o efeito do chope, ouvimos a famosa frase: “Por que procurais entre os mortos aquela que vive?”
Percebemos que ao longo dessas três semanas tudo o que fizemos foi pensar e falar da Pobres. Não havia como matá-la. Ela vive e caminha. A voz das gentes não pode ser sufocada por um cheque sem fundos, por um desassossego pessoal, por um momento de desesperança. A Pobres vai continuar. O revisticídio se desfez. Da fria tumba da morte a nossa “nojentinha” voltou ao mundo dos vivos.
Assumimos assim o seguinte compromisso com nossos leitores das comunidades de Florianópolis e assinantes do Brasil: a revista seguirá seu caminho. Se o projeto é caótico, assumimos. A vida é caótica. A beleza se produz do caos. Se a diagramação é quadrada, assumimos seu jeito, porque é o nosso, é o que podemos fazer. Talvez ela não saia bimestralmente, como tentamos até agora, a duras penas. Mas ela sairá, vivinha, no papel, pela nossa força, talvez uma em cada estação, celebrando a existência humana. Porque é essa palavra viva que nos alimenta e nos move. Somos jornalistas, construtoras de mundos, narradoras da vida real, essa que viceja nas estradas de chão.
Então, saímos da invernal tristeza erguidas em rebelião. A Pobres vive, caótica, errática, quadrada, louca, soberana. Entra no seu sexto ano, está na Banca da Catedral, está na comunidade. E caminha, nas veredas desse Brasil, contando as histórias que ninguém quer contar. Importunando, desalojando, incomodando, tal qual Diógenes, com a lanterna acesa durante o dia claro, a clamar: procuro o homem! Nós, as quatro cavaleiras do apocalipse, apressamos o galope. Não para a destruição, mas para a vida!
A Pobres continua, no caos, e há de gerar estrelas! Já estamos a fazer a Pobres da Primavera...
A revista de reportagem Pobres e Nojentas entrou, neste 2011, no seu sexto ano de vida. Nascida em maio de 2006 chegou como um espaço onde as vozes caladas dos empobrecidos e das vidas da periferia pudessem se expressar. A mídia “normal” é casa do poder, é lugar onde as gentes não têm vez, onde só aparecem como vítimas ou bandidas. Na Pobres não, é lugar da palavra bendita, do povo que faz a história andar, dos que lutam, dos que assumem suas escolhas, dos que insistem em dizer: “aquilo que é, não pode ser verdade”.
Mas a Pobres é uma revista de papel, que precisa ser impressa na gráfica, que precisa de dinheiro para se pagar. Em Santa Catarina, periferia da periferia, é sempre muito difícil fazer coisas que precisem de grana. Afinal, no capitalismo dependente já conhecemos a lição: para que um viva, outro precisa morrer. É espaço da competição, do jogo, da picuinha. Não aceitamos isso! Recusamos-nos a caminhar por essa vereda. Nas palavras do nazareno nos miramos: estamos no mundo (capitalismo), mas não somos do mundo. Por isso vamos pelejando para nos manter vivas, a despeito de tudo.
A esquerda esclarecida, essa que vive detonando a mídia comercial burguesa, não compra a Pobres. Quer de graça. Mas a nossa idéia é oferecer essa iguaria aos empobrecidos. A lógica sempre foi: os que têm dinheiro pagam e as gentes recebem nas comunidades a sua voz impressa. Então, a cada edição vivemos o impasse. Temos a palavra, mas não temos o dinheiro para imprimi-la. Os amigos dizem: “façam virtual, que não tem custo”. Não. As gentes empobrecidas não têm acesso ao virtual. Elas estão na vida, buscando o pão do agora. Não passam seus dias a navegar na internet. Então, apostamos no talvez.
Toda edição é assim. Escrevemos, fazemos, mandamos para a gráfica. Quando ela chega, alguma de nós dá um cheque (coisa antiga) para 30 dias, e nesse ínterim temos de rebolar para conseguir o dinheiro que venha cobrir o “voador”. No geral não conseguimos. Temos um único apoio, do Sindprevs-SC, o sindicato dos previdenciários, que dá 200 reais. E é tudo. O resto é batalha. No mais das vezes sai do nosso salário. Mas a Pobres renasce a cada edição.
Nesse inverno de 2011, reunidas na acolhedora Pizzaria San Francesco, aquecidas pela jarra de vinho da casa, tomamos uma dolorosa decisão: matar a Pobres. Não dava mais. O prejuízo acumulado, a falta de compreensão dos colegas, a desesperança com tudo no mundo. Cada revista lançada vinha sempre acompanhada das críticas “construtivas” dos amigos que, no geral, sequer a compravam. “Essa revista não tem projeto editorial”, “ a diagramação é muito quadrada”, “os temas são muito caóticos”. E a gente perseverando porque, afinal, nas comunidades aonde ela chegava, as pessoas se maravilhavam, e liam, e comentavam, e recriavam os seus próprios mundos a partir de suas palavras vivas no papel.
Mas, nesse inverno, estação de recolhimento e esterilidade, decidimos cometer o “revisticídio”. Estava selado o destino. Devolveríamos o dinheiro aos assinantes, que são poucos, e ponto final. Dali saímos mudas, algumas em lágrimas. As quatro cavaleiras do apocalipse assumiam seu destino de destruidoras de mundos.
Três semanas se passaram e nós em silêncio, fazendo os trâmites da número 27, que seria a última. Tudo na lentidão, quase um ritual de auto-imolação. Mas ontem, dia 28 de julho, resolvemos nos ver, tomar um chope, chorar as pitangas. Foi um dia duro para todas nós. Eleição perdida no sindicato, batalhas judiciais, amigas em sofrimento, só coisa ruim. “Vamos purgar isso tudo, em comunhão”. E fomos.
No centro de Florianópolis, no aconchego do Café Cultura, a noite gelada apareceu como aquele misterioso dia da chamada ressurreição do Cristo. Ali estávamos, as Marias, em lágrimas, ainda chorando a morta: nossa revista Pobres e Nojentas. Então, não sei se sob o efeito do chope, ouvimos a famosa frase: “Por que procurais entre os mortos aquela que vive?”
Percebemos que ao longo dessas três semanas tudo o que fizemos foi pensar e falar da Pobres. Não havia como matá-la. Ela vive e caminha. A voz das gentes não pode ser sufocada por um cheque sem fundos, por um desassossego pessoal, por um momento de desesperança. A Pobres vai continuar. O revisticídio se desfez. Da fria tumba da morte a nossa “nojentinha” voltou ao mundo dos vivos.
Assumimos assim o seguinte compromisso com nossos leitores das comunidades de Florianópolis e assinantes do Brasil: a revista seguirá seu caminho. Se o projeto é caótico, assumimos. A vida é caótica. A beleza se produz do caos. Se a diagramação é quadrada, assumimos seu jeito, porque é o nosso, é o que podemos fazer. Talvez ela não saia bimestralmente, como tentamos até agora, a duras penas. Mas ela sairá, vivinha, no papel, pela nossa força, talvez uma em cada estação, celebrando a existência humana. Porque é essa palavra viva que nos alimenta e nos move. Somos jornalistas, construtoras de mundos, narradoras da vida real, essa que viceja nas estradas de chão.
Então, saímos da invernal tristeza erguidas em rebelião. A Pobres vive, caótica, errática, quadrada, louca, soberana. Entra no seu sexto ano, está na Banca da Catedral, está na comunidade. E caminha, nas veredas desse Brasil, contando as histórias que ninguém quer contar. Importunando, desalojando, incomodando, tal qual Diógenes, com a lanterna acesa durante o dia claro, a clamar: procuro o homem! Nós, as quatro cavaleiras do apocalipse, apressamos o galope. Não para a destruição, mas para a vida!
A Pobres continua, no caos, e há de gerar estrelas! Já estamos a fazer a Pobres da Primavera...
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