quinta-feira, 3 de maio de 2012

A mídia e o partido do capital

Por Dennis de Oliveira, na revista Fórum:

Tempos atrás, no lançamento do livro O artilheiro indomável, sobre a vida do Serginho Chulapa, estavam eu, Renato Rovai e o José Augusto Camargo, o Guto, presidente do Sindicato dos Jornalistas de S. Paulo, conversando sobre o papel que a mídia hegemônica vem desempenhando no país.


O Guto disse que tinha publicado no blog dele uma matéria mostrando as intricadas redes entre os proprietários da mídia e o mundo financeiro e empresarial. Uma reflexão muito interessante que lembra um dos tópicos da pesquisa do Noam Chomsky e Ed Herman – “O Consenso Fabricado” – em que ele diz que um dos filtros da mídia é o “porte e propriedade dos meios de comunicação de massa”.

Chomsky e Hermann mostram que boa parte das empresas estadunidenses de mídia são propriedades de grandes transnacionais que têm negócios em determinados países do mundo, o que acaba por modular o tipo de cobertura internacional destes órgãos. Na pesquisa conduzida pelos dois professores do MIT, ficou comprovado que o apoio midiático às ações intervencionistas do governo dos EUA a determinados países estavam diretamente vinculadas a interesses (contrariados eventualmente por governos destes países) destas corporações transnacionais.

Este texto do Guto é muito importante e merece ser melhor refletido pois quando falamos na ação partidária da mídia não é por conta de uma “conspiração” ou mesmo uma “deformação moral” da mídia ou de seus profissionais (embora isto possa acontecer também), mas pelos seus vínculos estruturais com certos segmentos da sociedade.

O discurso proferido pela mídia hegemônica e reverberado por vários colegas jornalistas é que o grau de “independência” da mídia está vinculado a sua não vinculação a estruturas partidárias ou governistas. Deixam de lado o “partido” mais poderoso da sociedade capitalista que é o “partido do capital”.

Em minha tese de doutorado (“Comunicação sindical, globalização neoliberal e mundo do trabalho”) – defendida na Escola de Comunicações e Artes, em 1998 – argumentei que uma das características do neoliberalismo nos países do Terceiro Mundo é a ação direta do capital, isto é, a redução das intermediações da esfera política na ação do capital.

Isto se verifica, por exemplo, na política cultural vigente nos anos 1990, em que o Estado simplesmente abriu mão de qualquer tipo de ação e deixou tudo nas mãos do “mercado” (leia-se capital). Quem exercia política cultural era o Itaú, o Unibanco, o Bradesco, entre outros. O mesmo aconteceu com a proliferação de ações sociais das empresas.

As agências reguladoras dos serviços públicos que passaram a ser comandados pelas empresas privatizadas (como a telefonia, energia elétrica e aviação civil) foi uma experiência construída naqueles tempos de entrada do capital no aparelho público e consolidar a ideia da “auto-regulamentação”. Enfim, a total colonização da esfera política pelo capital, esta é a utopia conservadora.

A presença do grande capital no comando dos principais meios de comunicação é uma das últimas – e mais fortes – trincheiras do grande capital e se torna ainda mais estridente com uma mudança de orientação no governo nos últimos anos. A oposição da mídia hegemônica ao governo federal decorre da perda de espaço desta perspectiva política da ação direta do capital. É o partido do capital querendo novamente se apossar privadamente do Estado usando toda a sorte de recursos, inclusive ameaças como a feita por um emissário da Globo para que o diretor da Editora Abril não seja convocado pela CPI do Cachoeira para esclarecer as ligações suspeitas de um jornalista da revista Veja com o contraventor.

O texto do Guto é emblemático ao constatar a presença de figuras proeminentes principalmente do grande capital financeiro e de empreiteiras na direção da mídia. Acrescento ainda, seguindo a lógica de Chomsky e Hermann, a propaganda como “mecanismo de controle”: depois da proibição da propaganda de cigarros, os maiores anunciantes da mídia são as indústrias automobilísticas e, não por acaso, possuem o lobby mais poderoso sobre o Estado, a ponto de serem as maiores beneficiadas com a redução de impostos no pacote anti crise nos últimos anos do governo Lula.

O jornalista Caco Barcellos, naquele famoso programa da Globo News que polemizou publicamente com a comentarista Eliane Cantanhede, disse, a respeito da corrupção: “Engraçado que a gente fala do corrupto mas nunca fala do corruptor”. Por quê? O corruptor é o capital privado, é o principal partido que teve larga atuação nos anos 1990, teve alguns interesses contrariados nos últimos dez anos, mas ainda tem a mídia a seu favor – aliás, sob o seu controle.

1 comentários:

Ignez disse...

Excelente! Desnuda quase por completo esse partido clandestino que já nem pode mais se esconder, dado o açodamento em apoiar única e exclusivamente a privatização do Estado e o controle sobre ele. O desespero por ter perdido (temporariamente?) essa "boquinha" atiça sua fome e suas estratégias perversas para alcançar seus objetivos.