Por Túlio Vianna, na revista Fórum:
As três primeiras sessões de julgamento da Ação Penal 470 indicam que a TV Justiça terá seus picos de audiência garantidos por várias semanas ainda. Questões que poderiam ser resolvidas com votos bem objetivos são tratadas em votos prolixos, recheados com citações para demonstrar erudição perante o público não iniciado.
O primeiro dia do julgamento foi dedicado a debater se os acusados que não têm foro privilegiado deveriam ou não ser julgados pelo STF. A questão que, ao tempo do recebimento da denúncia, era efetivamente relevante e complexa, já havia sido decidida pelo STF em 2007 e, portanto, nem precisaria ter sido analisada novamente. O raciocínio é muito simples: se o STF foi competente para receber a denúncia, inevitavelmente tem que ser competente também para julgá-la. Caso não fossem competentes para julgar, teriam que admitir que o recebimento da denúncia foi nulo, porque realizado por tribunal incompetente o que implicaria na necessidade de refazer todos os atos processuais do intrincado processo. Surpreendentemente, porém, os ministros Lewandowski e Marco Aurélio sustentavam a tese de que o STF tinha sido competente para receber a denúncia, mas seria incompetente para julgar, o que acarretaria em um contrasenso jurídico gritante, que felizmente foi rejeitado pela maioria dos ministros.
No segundo dia, o Procurador-Geral da República Roberto Gurgel leu sua longa sustentação oral na qual usou e abusou de expressões vagas, tais como “provas robustas”, sem precisar exatamente quais seriam elas, mas não apresentou nenhuma prova decisiva que poderia colocar em xeque a defesa. Em um processo complexo como este é esperado ao menos alguma prova material, seja através da quebra de sigilo bancário ou de interceptação telefônica, mas a acusação se baseou essencialmente em depoimentos testemunhais. Se é certo que é possível condenar com base exclusivamente nas palavras das testemunhas, é certo também que é preciso que as testemunhas sejam objetivas na descrição do crime praticado e, principalmente, demonstrem segurança de que o acusado foi o autor. Depoimentos do tipo “ouvi dizer que foi ele” ou “provavelmente foi ele, pois ele sabia de tudo” não provam absolutamente nada, pois não se pode condenar alguém com base em especulações. Resta saber se estas provas testemunhais seguras existem nos autos e não foram mencionadas na sustentação oral ou se, de fato, tudo o que a acusação tem de prova são “achismos” de testemunhas.
No terceiro dia de julgamento, com o início das sustentações orais da defesa, a fragilidade da prova se fez sentir pela postura da maioria dos advogados de defesa. O experiente advogado José Luiz de Oliveira Lima que defende o ex-ministro José Dirceu não contestou provas em sua sustentação oral, limitando-se a afirmar que elas não existem. Quem está familiarizado com o processo penal sabe que quando a acusação apresenta prova, a defesa precisa desacreditar a prova, seja alegando que foi obtida por meio ilícito, que a testemunha é parcial ou por qualquer outro meio. Bons advogados não fingem simplesmente que as provas não existem, na esperança de o juiz não tê-las visto nos autos. O simples fato de o advogado não ter contestado provas já é um indicativo da fragilidade da acusação.
As defesas de José Genoino e de Delúbio Soares também se limitaram essencialmente a negar a existência de provas. O advogado de Delúbio Soares confessou expressamente a existência de um caixa-dois de campanha, mas como os réus não estão sendo acusados deste fato, não poderiam ser condenados por ele neste processo. Caso o STF entenda que houve tão somente um caixa-dois e não o chamado “mensalão”, só restará aos ministros a possibilidade de absolver os acusados.
Das sustentações orais até agora realizadas, a mais árdua delas foi a do advogado Marcelo Leonardo que falou em defesa de Marcos Valério. O advogado mineiro precisou usar todo o seu tempo para rebater as inúmeras acusações contra seu cliente. A situação processual de Marcos Valério é a mais difícil não só pelo número de acusações, mas também pela complexidade delas. Apesar da excelente sustentação oral de seu advogado, Marcos Valério é o que se encontra em pior situação processual até agora.
Finalmente, o advogado Hermes Guerrero foi o último a falar ontem em defesa de Ramon Hollerbach Cardoso e sustentou que a acusação não individualizou sequer a acusação contra seu cliente. Qualquer aluno de Processo Penal I sabe muito bem que a denúncia precisa descrever com precisão a conduta praticada por cada um dos réus. Não basta dizer que cinco réus roubaram um banco; é preciso dizer o que cada um fez durante o roubo, pois só assim o acusado poderá tentar provar que não praticou os atos pelos quais está sendo acusado. Se, de fato, não há uma acusação clara contra o réu Ramon, houve falha da acusação e não restará ao STF outra solução senão absolvê-lo.
A sensação após estes primeiros dias de julgamento é de fragilidade da acusação. É a acusação que precisa provar que o crime ocorreu e que foram os réus os seus autores. E provar de forma segura, pois na dúvida quanto às provas, o juiz deve sempre absolver.
As três primeiras sessões de julgamento da Ação Penal 470 indicam que a TV Justiça terá seus picos de audiência garantidos por várias semanas ainda. Questões que poderiam ser resolvidas com votos bem objetivos são tratadas em votos prolixos, recheados com citações para demonstrar erudição perante o público não iniciado.
O primeiro dia do julgamento foi dedicado a debater se os acusados que não têm foro privilegiado deveriam ou não ser julgados pelo STF. A questão que, ao tempo do recebimento da denúncia, era efetivamente relevante e complexa, já havia sido decidida pelo STF em 2007 e, portanto, nem precisaria ter sido analisada novamente. O raciocínio é muito simples: se o STF foi competente para receber a denúncia, inevitavelmente tem que ser competente também para julgá-la. Caso não fossem competentes para julgar, teriam que admitir que o recebimento da denúncia foi nulo, porque realizado por tribunal incompetente o que implicaria na necessidade de refazer todos os atos processuais do intrincado processo. Surpreendentemente, porém, os ministros Lewandowski e Marco Aurélio sustentavam a tese de que o STF tinha sido competente para receber a denúncia, mas seria incompetente para julgar, o que acarretaria em um contrasenso jurídico gritante, que felizmente foi rejeitado pela maioria dos ministros.
No segundo dia, o Procurador-Geral da República Roberto Gurgel leu sua longa sustentação oral na qual usou e abusou de expressões vagas, tais como “provas robustas”, sem precisar exatamente quais seriam elas, mas não apresentou nenhuma prova decisiva que poderia colocar em xeque a defesa. Em um processo complexo como este é esperado ao menos alguma prova material, seja através da quebra de sigilo bancário ou de interceptação telefônica, mas a acusação se baseou essencialmente em depoimentos testemunhais. Se é certo que é possível condenar com base exclusivamente nas palavras das testemunhas, é certo também que é preciso que as testemunhas sejam objetivas na descrição do crime praticado e, principalmente, demonstrem segurança de que o acusado foi o autor. Depoimentos do tipo “ouvi dizer que foi ele” ou “provavelmente foi ele, pois ele sabia de tudo” não provam absolutamente nada, pois não se pode condenar alguém com base em especulações. Resta saber se estas provas testemunhais seguras existem nos autos e não foram mencionadas na sustentação oral ou se, de fato, tudo o que a acusação tem de prova são “achismos” de testemunhas.
No terceiro dia de julgamento, com o início das sustentações orais da defesa, a fragilidade da prova se fez sentir pela postura da maioria dos advogados de defesa. O experiente advogado José Luiz de Oliveira Lima que defende o ex-ministro José Dirceu não contestou provas em sua sustentação oral, limitando-se a afirmar que elas não existem. Quem está familiarizado com o processo penal sabe que quando a acusação apresenta prova, a defesa precisa desacreditar a prova, seja alegando que foi obtida por meio ilícito, que a testemunha é parcial ou por qualquer outro meio. Bons advogados não fingem simplesmente que as provas não existem, na esperança de o juiz não tê-las visto nos autos. O simples fato de o advogado não ter contestado provas já é um indicativo da fragilidade da acusação.
As defesas de José Genoino e de Delúbio Soares também se limitaram essencialmente a negar a existência de provas. O advogado de Delúbio Soares confessou expressamente a existência de um caixa-dois de campanha, mas como os réus não estão sendo acusados deste fato, não poderiam ser condenados por ele neste processo. Caso o STF entenda que houve tão somente um caixa-dois e não o chamado “mensalão”, só restará aos ministros a possibilidade de absolver os acusados.
Das sustentações orais até agora realizadas, a mais árdua delas foi a do advogado Marcelo Leonardo que falou em defesa de Marcos Valério. O advogado mineiro precisou usar todo o seu tempo para rebater as inúmeras acusações contra seu cliente. A situação processual de Marcos Valério é a mais difícil não só pelo número de acusações, mas também pela complexidade delas. Apesar da excelente sustentação oral de seu advogado, Marcos Valério é o que se encontra em pior situação processual até agora.
Finalmente, o advogado Hermes Guerrero foi o último a falar ontem em defesa de Ramon Hollerbach Cardoso e sustentou que a acusação não individualizou sequer a acusação contra seu cliente. Qualquer aluno de Processo Penal I sabe muito bem que a denúncia precisa descrever com precisão a conduta praticada por cada um dos réus. Não basta dizer que cinco réus roubaram um banco; é preciso dizer o que cada um fez durante o roubo, pois só assim o acusado poderá tentar provar que não praticou os atos pelos quais está sendo acusado. Se, de fato, não há uma acusação clara contra o réu Ramon, houve falha da acusação e não restará ao STF outra solução senão absolvê-lo.
A sensação após estes primeiros dias de julgamento é de fragilidade da acusação. É a acusação que precisa provar que o crime ocorreu e que foram os réus os seus autores. E provar de forma segura, pois na dúvida quanto às provas, o juiz deve sempre absolver.
Se de fato o “mensalão” existiu, as provas de sua existência e da responsabilidade de seus autores não foram apontadas de forma clara nas sustentações orais até agora. É um processo bastante volumoso, porém, e é possível que os ministros tenham lido provas nos autos que não foram debatidas nas sustentações orais. É esperar para ver.
1 comentários:
É isso aí. Parece apenas um grande circo formado para deleite - temporário - dos partidos de direita: PSDB e DEM. Já que está armado, espero que o desarme não demore. Suponho que os ministros do STF tenham algo de concreto a julgar, ou que já tenham considerado suficiente sua permanência na mídia.
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