segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Serra e o voto ultraconservador

http://ajusticeiradeesquerda.blogspot.com.br/
Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:

Ontem a Folha publicou uma matéria deveras interessante. A pesquisa usa parâmetros norte-americanos, e alguém poderia criticá-la por isso, mas pensando bem pragmaticamente, vivemos numa sociedade tão francamente americanizada, e, de certa maneira até que bem resolvida com isso, que os parâmetros encaixam-se sem grandes problemas por aqui.

De qualquer forma, é uma pesquisa que traz dados importantes para se entender o cenário político em São Paulo e como se trata da maior cidade do país, vale também para entender o Brasil.

A pesquisa apurou as tendências “ideológicas” ou “políticas” do paulistano, correlacionando-as aos diferentes candidatos à prefeitura de São Paulo.

Os resultados não trazem surpresas, mas confirmam cientificamente algo que a gente sempre denunciou. Serra é o candidato da ultradireita. Segundo a pesquisa da Folha, a força do tucano concentra-se na franja ultraconservadora da sociedade.

A Folha me pareceu constrangida diante do resultado, visto que nenhum colunista o comentou nem ontem nem hoje, e a matéria procurou disfarçar o principal: que Serra tem seu núcleo eleitoral entre os ultraconservadores, enquanto Haddad tem força maior entre os mais liberais.

É constrangedor porque mostra uma contradição latente da Folha, que tem pose liberal, culta, vanguarda, mas apoia um candidato cujo principal eleitorado é um público ultra-conservador, truculento, pouco instruído e abertamente preconceituoso.

Primeiramente, vamos desfazer a tentativa da Folha de desconstruir os próprios números. Na matéria, há um parágrafo para explicar o que seria o “conservadorismo político”:

O disfarce

Num debate sobre conservadorismo no fim de agosto na USP, o cientista político André Singer citou algumas características que, no seu entendimento, são definidoras do conservadorismo. Entre elas estão uma tendência forte ao individualismo, a concepção de que os problemas sociais se resolvem por meio da iniciativa privada e a rejeição a qualquer forma de intervenção social pelo Estado. O liberalismo, portanto, seria o oposto disso.

Esse “conservadorismo político” do André Singer não é exatamente o mesmo do apurado pela Folha, apesar das interseções. O liberal extremo não é exatamente um defensor da intervenção do Estado em tudo. A Folha tirou uma definição de fora de seu contexto para tentar colorir um pouco o conservadorismo que detectou no eleitorado de José Serra.

Ao contrário, um conservador no sentido apurado pela Folha, muitas vezes é mais intervencionista do que um liberal. Esse conservador que probição de filmes com cenas de sexo, quer mais repressão ao uso de drogas, mesmo as leves, quer mais repressão aos adolescentes infratores, quer mais intervenção do Estado para defender valores religiosos.

Na verdade, portanto, o que diferencia o conservador do liberal, segundo os parâmetros usados pela Folha, são mais os valores propriamente do que um Estado interventor. O liberal quer ajuda do Estado para os pobres, mas não quer o Estado censurando filme porque tem cena de sexo, por exemplo.









A pesquisa me faz refletir em duas coisas:
1- Ela reforça a tese de que não é a nossa posição pessoal ou grupal que determina se um candidato ou um campo político é de esquerda ou de direita. É a conjuntura. Os direitinhas radicais, por exemplo, liderados por seu guru Olavo de Carvalho, opinam constantemente que nossa imprensa é inteiramente esquerdista; alguns cometem o disparate de acusar milionários, brasileiros e americanos, ou mesmo bilionários, de serem esquerdistas radicais. Os radicais de esquerda emulam essa forma de pensar de maneira invertida. Para eles, todos os partidos, mesmo as nossas mais tradicionais legendas de esquerda, como PT, PCdoB e PSB, são na verdade de direita. Ambos cometem o erro de avaliar a polaridade ideológica de uma sociedade a partir de seu próprio radicalismo isolado. Isso lhes dificulta ver o conjunto, deturpa suas análises e debilita seu programa de ação.
2- A pesquisa enterra, de vez, a ficção montada pela coordenação da campanha de José Serra e do PSDB de se vender como um partido também de esquerda. Roberto Freire chegou a afirmar que o tucano estava bem mais à esquerda que Lula. Não é verdade. O eleitorado de Serra prova que ele é o candidato do ultraconservadorismo, e como tal tentou se eleger presidente da república em 2010, com apoio de setores da mídia que posam de ultraliberais.

A pesquisa traz um dado promissor, contudo, e que certamente trouxe bastante confusão aos estrategistas da mídia corporativa. Os ultraliberais são mais ricos, mais jovens e mais instruídos do que os ultraconservadores. Não esqueçamos que o termo liberal aí refere-se a costumes, não tem nada a ver com “neoliberal”. Liberal, no sentido da pesquisa, corresponde, grosso modo, a “progressista”: defende pesquisa com células tronco, liberação das drogas, casamento gay, acha que o crime é causado mais por falta de oportunidades do que por uma maldade inerente ao ser humano, etc.

Sem falsa modéstia, o discurso liberal é o mais moderno e predomina nas elites intelectuais do mundo ocidental. É uma grande conquista do PT que esse público esteja do seu lado. Entre os ultraliberais, Haddad tem 24% dos votos, contra 16% de Serra.

Este humilde blogueiro que vos escreve, por exemplo, é um típico ultraliberal. Eu me encaixo à perfeição no modelo apresentado pela Folha. Até a idade média do ultraliberal, 37 anos, é exatamente a minha. E sinto-me orgulhoso de saber que o meu grupo tem predomínio de mulheres: entre os ultraliberais, há 54% de mulher e 46% de homem. As mulheres, aliás, revelam-se bem menos conservadoras que os homens, o que revela um momento histórico bastante promissor para as damas brasileiras.

Vale notar, todavia, que o epíteto de liberal não se conforma exatamente com o de esquerdista. Há pontos em comum, mas são dois parâmetros diferentes. Nem podemos também carregar demais nas tintas ao elogiar os liberais ou ultraliberais. É um segmento que facilmente descamba para o voto udenista ou apolítico. Em termos de costumes, porém, são decididamente progressistas, e hoje, em São Paulo, preferem Haddad.

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