Por João Novaes, no sítio Opera Mundi:
O Mali, país localizado na região da costa oeste africana, está desde o dia 11 de janeiro sob intervenção das Forças Armadas da França, país de quem foi colônia até 1959. O país enfrenta uma guerra civil iniciada no ano passado por rebeldes separatistas de origem tuaregue e que, posteriormente, teve o envolvimento de uma coalizão de milícias de orientação religiosa que se aproximava rapidamente da capital, Bamako, sudoeste do país.
Oficialmente, a justificativa do presidente francês François Hollande para a ação militar é que ele recebeu um pedido de emergência do presidente malinês, Dioncounda Traoré, e que o único objetivo do país europeu seria assegurar a segurança do país africano, afastando-o do risco de ser tomado por forças militares terroristas.
Por um lado, a versão oficial é apoiada pela população francesa, pelo governo do Mali e pelos países vizinhos. No entanto, os críticos apontam outros motivos (como a riqueza dos recursos naturais malineses) para que a intervenção seja interpretada como uma nova ofensiva neocolonialista da França na região. Outro aspecto levado em conta para criticar a iniciativa é a baixa popularidade de Hollande, que poderá reverter a tendência de queda livre em caso de sucesso militar.
Especialistas africanos entrevistados pela reportagem de Opera Mundi afirmam que a medida era necessária, mas poderá trazer problemas para as tropas francesas caso a ofensiva se prolongue ou a relação entre as tropas e os civis malineses se deteriore.
Opera Mundi publica um especial em que mostra as origens do conflito, os prós e os contras da intervenção francesa e quais podem ser suas possíveis repercussões.
As razões da França e o subsolo do Mali
“Temos um único objetivo: assegurar que, quando sairmos, ao fim de nossa intervenção, o Mali esteja seguro, com autoridades legítimas, um processo eleitoral em curso e sem mais terroristas ameaçando seu território”. Essa declaração é de um dos trechos em que Hollande justifica os motivos da França ter entrado no conflito.
"O Mali enfrenta uma agressão de elementos terroristas que vêm do norte [do país] e que todo o mundo conhece pela brutalidade e pelo fanatismo. Está em jogo a própria existência deste Estado amigo, a segurança de sua população e a de nossos seis mil cidadãos que estão lá", acrescentou o presidente francês.
“A intervenção no Mali é completamente legal e legítima: acima de tudo, ela pretende combater uma coalizão de grupos terroristas que tomou o norte do país e impôs a sharia a essa população, submetendo-os a violações graves dos direitos humanos. As tropas do Mali não tinham condição alguma de combate-los, era impossível. Se a França não tivesse entrado, as forças rebeldes já teriam tomado em Bamako”, afirma o senegalês Hamidou Anne, especialista em Relações Internacionais e membro do think tank africano Teranga em entrevista a Opera Mundi.
Ele lembra que, diferentemente de outras ocasiões, essa ofensiva foi solicitada pelo presidente malinês e teve apoio do Conselho de Segurança da ONU.
O marfinense Joel Te-Lessia, especialista em Relações Internacionais, lembra também que um dos principais argumentos justificados por Hollande, a integridade territorial do Mali, “não é verdadeiro. Tanto que seu antecessor, Nicolas Sarkozy, no início do conflito, havia orientado o governo malinês a negociar, não com os terroristas, mas com o MNLA (Movimento Nacional de Libertação de Azawad, grupo separatista secular). Quando os rebeldes perderam o controle para os islamistas, a situação mudou”.
Te-Lessia lembra que, inicialmente, estava previsto que a ofensiva seria comandada por países africanos, coordenados pela Cedeao (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental), com os franceses apoiando na logística. “No mês desde outubro (quando o CS da ONU deu o sinal verde), eles não se mostraram prontos. Acredito que Hollande não tinha o desejo que a França interviesse, não era interessante para ele que a imagem da França como estado policial voltasse ao imaginário africano, mas as forças do Mali não podiam fazer mais nada, nem as africanas ; e os outros países vizinhos estariam em perigo”.
No entanto, para o jornalista suíço Gilles Labarthe, fundador da agência de notícia Datas, as intenções da França passam longe de termos como “guerra ao terror” e “ajuda humanitária”. Especialista em colonialismo francês e autor de livros como "L'or africain. Pillages, trafics & commerce international" (em tradução livre "O ouro africano: pilhagens, tráfico e comércio internacional"; editora Agone, 2007), ele afirma, em entrevista ao site espanhol Publico.es, que parece “claro que a França e o resto dos países implicados no Mali estão se movendo pelo interesse de assegurarem os recursos minerais da região, como já ocorreu há dois anos na Líbia”.
O jornalista admite que “é mais difícil identificar que o lobby industrial está por trás de tudo”, mas ele aponta que importantes companhias extrativistas como a Aréva possuem o direito de explorar o urânio no Níger e estão a apenas 200 quilômetros da fronteira com o Mali. A empresa fechou 2012 com um crescimento de 4% a 6% no faturamento, e há perspectiva de crescimento em 2013. A França tem a energia nuclear como principal fonte de sua matriz energética, e seu governo é proprietário de 14,33% da companhia.
Sobre as intenções francesas, Anne lembra uma frase do general Charles de Gaulle: “Os estados não têm amigos, tem interesses”. “Ninguém duvida que, caso as forças oficiais vençam, os franceses terão interesses nesses recursos. Não será surpresa se a França tiver uma maior presença no setor de extração mineral”, afirmou ele.
“Se o Mali cair nas mãos dos terroristas, estes terão ao leste a fronteira com o Níger, aberta e completamente vulnerável. Lá estão situadas minas de urânio, com companhias francesas instaladas por lá. Claro que esse fator teve uma importância na decisão”, diz Le-Tessia.
Apesar de possuir extensa superfície desértica, o Mali é uma vasta fonte de recursos minerais, muitos deles ainda não explorados.
As prospecções de urânio no país são animadoras, principalmente na região de Kidal (leste, zona reivindicada por separatistas e controlada pela coalizão insurgente islâmica), próximas ao Niger.
O Mali é também o terceiro maior extrator de ouro na África. No entanto, a maioria das minas de ouro do país está localizada no sul, próxima à fronteira com o Senegal, não havendo consequência imediata para o processo de extração.
Além do urânio e ouro, o país também possui destacadas reservas de cobre, diamante, manganês, ferro, fosfato, bauxita, zinco, lítio, entre outros metais (ver infográfico acima), além da possibilidade de se tornar importante exportador de petróleo – com a maioria das reservas localizadas na região norte.
Tempo indeterminado
Hollande afirmou que a França ficará no Mali "o tempo que for preciso". E, nos primeiros dias, os oficiais franceses se surpreenderam com a organização e os equipamentos das forças rebeldes.
A possibilidade de a operação se prolongar poderá ser o principal fator, no futuro, a transformar a aprovação inicial da ofensiva em revés. “Se a França ficar muito tempo, o problema é que inevitavelmente começaremos a contabilizar muitas vítimas civis. Quando isso começar a ocorrer, o papel da França será questionado”, dizTLe-Lessia.
Apoio interno
Na França, a intervenção francesa no Mali contou com apoio da população. Uma pesquisa realizada na última terça-feira (15/01) pelo instituto BVA aponta que 75% dos franceses aprovaram a decisão de Hollande – 82% entre os eleitores que se declaram de esquerda e 69% dos que se declaram de direita. No mesmo dia, o Ifop registrou aprovação de 63%.
A maior parte da classe política francesa, em um primeiro momento, também se manifestou favoravelmente à ação, como fizeram publicamente a UMP (União por um Movimento Popular), principal rival na oposição de direita; a Frente Nacional, de extrema-direita; e o centrista Movimento Democrático. A exceção entre as principais agremiações políticas ficou com o líder do Partido de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, considerou essa decisão “discutível” e condenou o fato de a ação não ter sido sequer discutida no Parlamento.
Os números e o apoio são bem diferentes das pesquisas de opinião em torno da aprovação do governo durante todo o mês de 2012. De acordo com o Ifop, Hollande fechou o ano com pífios 37% (4 pontos percentuais a menos que o levantamento de novembro), enquanto o primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault foi ainda pior: 35% (queda de oito pontos). Resta saber como serão os primeiro resultados após a intervenção.
Pós-intervenção
Para Te-Lessia, a intervenção militar francesa não irá resolver a disputa política no Mali nem livrar a região do terrorismo. “O Mali tem um território vasto, a França não tem condições de vigiar e revistar todas as cidades e vilas. E os terroristas poderão se esconder na Líbia ou na Argélia. O problema não é esse, terroristas aparecem o tempo todo. O que se deve fazer é impedir que eles tenham acesso a a reservas, armas , bases, munição, abastecimento”, afirma. Ele lembra que também será preciso fazer com que os malineses reconstruam suas Forças Armadas. “Não puderam fazer antes nem durante a crise, veremos no futuro, em caso de vitória”.
O Mali, país localizado na região da costa oeste africana, está desde o dia 11 de janeiro sob intervenção das Forças Armadas da França, país de quem foi colônia até 1959. O país enfrenta uma guerra civil iniciada no ano passado por rebeldes separatistas de origem tuaregue e que, posteriormente, teve o envolvimento de uma coalizão de milícias de orientação religiosa que se aproximava rapidamente da capital, Bamako, sudoeste do país.
Oficialmente, a justificativa do presidente francês François Hollande para a ação militar é que ele recebeu um pedido de emergência do presidente malinês, Dioncounda Traoré, e que o único objetivo do país europeu seria assegurar a segurança do país africano, afastando-o do risco de ser tomado por forças militares terroristas.
Por um lado, a versão oficial é apoiada pela população francesa, pelo governo do Mali e pelos países vizinhos. No entanto, os críticos apontam outros motivos (como a riqueza dos recursos naturais malineses) para que a intervenção seja interpretada como uma nova ofensiva neocolonialista da França na região. Outro aspecto levado em conta para criticar a iniciativa é a baixa popularidade de Hollande, que poderá reverter a tendência de queda livre em caso de sucesso militar.
Especialistas africanos entrevistados pela reportagem de Opera Mundi afirmam que a medida era necessária, mas poderá trazer problemas para as tropas francesas caso a ofensiva se prolongue ou a relação entre as tropas e os civis malineses se deteriore.
Opera Mundi publica um especial em que mostra as origens do conflito, os prós e os contras da intervenção francesa e quais podem ser suas possíveis repercussões.
As razões da França e o subsolo do Mali
“Temos um único objetivo: assegurar que, quando sairmos, ao fim de nossa intervenção, o Mali esteja seguro, com autoridades legítimas, um processo eleitoral em curso e sem mais terroristas ameaçando seu território”. Essa declaração é de um dos trechos em que Hollande justifica os motivos da França ter entrado no conflito.
"O Mali enfrenta uma agressão de elementos terroristas que vêm do norte [do país] e que todo o mundo conhece pela brutalidade e pelo fanatismo. Está em jogo a própria existência deste Estado amigo, a segurança de sua população e a de nossos seis mil cidadãos que estão lá", acrescentou o presidente francês.
“A intervenção no Mali é completamente legal e legítima: acima de tudo, ela pretende combater uma coalizão de grupos terroristas que tomou o norte do país e impôs a sharia a essa população, submetendo-os a violações graves dos direitos humanos. As tropas do Mali não tinham condição alguma de combate-los, era impossível. Se a França não tivesse entrado, as forças rebeldes já teriam tomado em Bamako”, afirma o senegalês Hamidou Anne, especialista em Relações Internacionais e membro do think tank africano Teranga em entrevista a Opera Mundi.
Ele lembra que, diferentemente de outras ocasiões, essa ofensiva foi solicitada pelo presidente malinês e teve apoio do Conselho de Segurança da ONU.
O marfinense Joel Te-Lessia, especialista em Relações Internacionais, lembra também que um dos principais argumentos justificados por Hollande, a integridade territorial do Mali, “não é verdadeiro. Tanto que seu antecessor, Nicolas Sarkozy, no início do conflito, havia orientado o governo malinês a negociar, não com os terroristas, mas com o MNLA (Movimento Nacional de Libertação de Azawad, grupo separatista secular). Quando os rebeldes perderam o controle para os islamistas, a situação mudou”.
Te-Lessia lembra que, inicialmente, estava previsto que a ofensiva seria comandada por países africanos, coordenados pela Cedeao (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental), com os franceses apoiando na logística. “No mês desde outubro (quando o CS da ONU deu o sinal verde), eles não se mostraram prontos. Acredito que Hollande não tinha o desejo que a França interviesse, não era interessante para ele que a imagem da França como estado policial voltasse ao imaginário africano, mas as forças do Mali não podiam fazer mais nada, nem as africanas ; e os outros países vizinhos estariam em perigo”.
No entanto, para o jornalista suíço Gilles Labarthe, fundador da agência de notícia Datas, as intenções da França passam longe de termos como “guerra ao terror” e “ajuda humanitária”. Especialista em colonialismo francês e autor de livros como "L'or africain. Pillages, trafics & commerce international" (em tradução livre "O ouro africano: pilhagens, tráfico e comércio internacional"; editora Agone, 2007), ele afirma, em entrevista ao site espanhol Publico.es, que parece “claro que a França e o resto dos países implicados no Mali estão se movendo pelo interesse de assegurarem os recursos minerais da região, como já ocorreu há dois anos na Líbia”.
O jornalista admite que “é mais difícil identificar que o lobby industrial está por trás de tudo”, mas ele aponta que importantes companhias extrativistas como a Aréva possuem o direito de explorar o urânio no Níger e estão a apenas 200 quilômetros da fronteira com o Mali. A empresa fechou 2012 com um crescimento de 4% a 6% no faturamento, e há perspectiva de crescimento em 2013. A França tem a energia nuclear como principal fonte de sua matriz energética, e seu governo é proprietário de 14,33% da companhia.
Sobre as intenções francesas, Anne lembra uma frase do general Charles de Gaulle: “Os estados não têm amigos, tem interesses”. “Ninguém duvida que, caso as forças oficiais vençam, os franceses terão interesses nesses recursos. Não será surpresa se a França tiver uma maior presença no setor de extração mineral”, afirmou ele.
“Se o Mali cair nas mãos dos terroristas, estes terão ao leste a fronteira com o Níger, aberta e completamente vulnerável. Lá estão situadas minas de urânio, com companhias francesas instaladas por lá. Claro que esse fator teve uma importância na decisão”, diz Le-Tessia.
Apesar de possuir extensa superfície desértica, o Mali é uma vasta fonte de recursos minerais, muitos deles ainda não explorados.
As prospecções de urânio no país são animadoras, principalmente na região de Kidal (leste, zona reivindicada por separatistas e controlada pela coalizão insurgente islâmica), próximas ao Niger.
O Mali é também o terceiro maior extrator de ouro na África. No entanto, a maioria das minas de ouro do país está localizada no sul, próxima à fronteira com o Senegal, não havendo consequência imediata para o processo de extração.
Além do urânio e ouro, o país também possui destacadas reservas de cobre, diamante, manganês, ferro, fosfato, bauxita, zinco, lítio, entre outros metais (ver infográfico acima), além da possibilidade de se tornar importante exportador de petróleo – com a maioria das reservas localizadas na região norte.
Tempo indeterminado
Hollande afirmou que a França ficará no Mali "o tempo que for preciso". E, nos primeiros dias, os oficiais franceses se surpreenderam com a organização e os equipamentos das forças rebeldes.
A possibilidade de a operação se prolongar poderá ser o principal fator, no futuro, a transformar a aprovação inicial da ofensiva em revés. “Se a França ficar muito tempo, o problema é que inevitavelmente começaremos a contabilizar muitas vítimas civis. Quando isso começar a ocorrer, o papel da França será questionado”, dizTLe-Lessia.
Apoio interno
Na França, a intervenção francesa no Mali contou com apoio da população. Uma pesquisa realizada na última terça-feira (15/01) pelo instituto BVA aponta que 75% dos franceses aprovaram a decisão de Hollande – 82% entre os eleitores que se declaram de esquerda e 69% dos que se declaram de direita. No mesmo dia, o Ifop registrou aprovação de 63%.
A maior parte da classe política francesa, em um primeiro momento, também se manifestou favoravelmente à ação, como fizeram publicamente a UMP (União por um Movimento Popular), principal rival na oposição de direita; a Frente Nacional, de extrema-direita; e o centrista Movimento Democrático. A exceção entre as principais agremiações políticas ficou com o líder do Partido de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, considerou essa decisão “discutível” e condenou o fato de a ação não ter sido sequer discutida no Parlamento.
Os números e o apoio são bem diferentes das pesquisas de opinião em torno da aprovação do governo durante todo o mês de 2012. De acordo com o Ifop, Hollande fechou o ano com pífios 37% (4 pontos percentuais a menos que o levantamento de novembro), enquanto o primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault foi ainda pior: 35% (queda de oito pontos). Resta saber como serão os primeiro resultados após a intervenção.
Pós-intervenção
Para Te-Lessia, a intervenção militar francesa não irá resolver a disputa política no Mali nem livrar a região do terrorismo. “O Mali tem um território vasto, a França não tem condições de vigiar e revistar todas as cidades e vilas. E os terroristas poderão se esconder na Líbia ou na Argélia. O problema não é esse, terroristas aparecem o tempo todo. O que se deve fazer é impedir que eles tenham acesso a a reservas, armas , bases, munição, abastecimento”, afirma. Ele lembra que também será preciso fazer com que os malineses reconstruam suas Forças Armadas. “Não puderam fazer antes nem durante a crise, veremos no futuro, em caso de vitória”.
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