domingo, 3 de fevereiro de 2013

Surge em Havana um Lula menos cordato

Foto: http://www.cubadebate.cu
Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:

Lula governou apanhando calado das viúvas do Antigo Regime, representadas pelas grandes corporações de mídia.

Ele fez uma opção, desde o início, pela conciliação. Na Carta aos Brasileiros, garantiu ao 1% que nada de substancial mudaria.

Fez questão de comparecer ao enterro de dois barões da imprensa de grande destaque no Antigo Regime, Octavio Frias e Roberto Marinho.

Chegou ao ponto – lastimável – de decretar três dias de luto em memória de Roberto Marinho, a quem numa nota pública fez um panegírico sem apoio nenhum na realidade dos fatos.

Não fez nada em relação aos limites da mídia. A velha Inglaterra se movimentou primeiro, e sob um governo conservador com fortes vínculos com Rupert Murdoch.

O relatório Leveson, o conjunto das propostas de mudança na regulação da mídia britânica, foi o reconhecimento do governo de David Cameron de que a sociedade está acima dos jornais – propriedade de empresários como Murdoch para os quais o interesse pessoal vem na frente do interesse público.

Ponto.

Lula sequer discutiu a abjeta, repulsiva reserva de mercado para as empresas de jornalismo. Tão ávidas em falar de competição, elas se agarram a uma legislação esclerosada que impede o estabelecimento no Brasil de empresas estrangeiras.

Perde o país, porque o jornalismo brasileiro melhoraria sob a concorrência. E perde a decência, pela perenidade de um privilégio sem sentido.

Em sua política de boa vizinhança, Lula sequer chegou a mexer no destino da multimilionária conta publicitária do governo e das estatais. Isso foi dar numa bizarrice: a Globo mesmo com a pior audiência de sua história em 2012 continuou a faturar em cima do governo como se dominasse, como na era pré-internet, o mercado brasileiro de forma avassaladora.

Nada disso impediu que Lula fosse atacado de forma cada vez mais feroz por aqueles diante de quem contemporizava e, em certas ocasiões, até recuava.

A mídia brasileira se transformou, nos últimos dez anos, numa fábrica uniformizada de colunistas dedicados a caçar Lula. Bater em Lula deu emprego e espaço a nulidades como Villa, Azevedo e Mainardi. Todos eles inexpressivos em seus campos de atuação antes de Lula, ganharam depois os holofotes interesseiros apenas por atirar em quem o Antigo Regime queria ver sangrando.

Lula jamais reagiu, e isso talvez tenha lhe dado a aura de perseguido e ajudado a construir a formidável popularidade que ele tem diante do povo brasileiro.

Mas ao mesmo tempo a contemporização o tolheu: quando Lula disse, repetidas vezes, que os grandes empresários jamais tinham ganhado tanto dinheiro como sob ele, estava tristemente certo.

Como a riqueza nacional é um bolo só, se um grupo está ganhando muito dinheiro – a família Marinho retornou agora à lista dos bilionários da Forbes — os demais terão que se contentar com o que sobrar. Não é um dado auspicioso para um país com tamanha desigualdade.

O silêncio de Lula diante das pancadas ininterruptas não o ajudou sequer depois do Planalto. Como já foi notado, Lula se transformou no primeiro ex-presidente cuja derrubada é tramada, sonhada e tentada.

Tudo isso posto, é interessante notar as palavras de Lula em Havana, onde ele esteve nestes dias para a celebração do herói cubano José Marti e também para visitas a Fidel e ao adoentado Chávez.

Lula falou mais alto do que de costume, como Dilma alguns dias antes dele num pronunciamento transmitido pela televisão brasileira.

Disse o óbvio, mas este óbvio não tinha sido jamais expresso publicamente antes com tamanha clareza. O Antigo Regime, notou ele, o persegue não pelos erros – que não são poucos, de resto, como o Diário tem constantemente lembrado, a começar pelo fracasso no choque ético prometido na política e a continuar pela baixa velocidade na escandinavização do Brasil – mas pelos acertos.

O cordato Lula mudou?

Veremos. Mesmo a paciência de alguém forjado nas disputas sindicais, em que você xinga e é xingado a cada assembleia, tem limites.

Mas não é este o ponto.

Lula parece ter entendido, fora do poder, que para que a sociedade brasileira seja menos absurdamente injusta você não pode permitir que uma pequena casta mimada ganhe mais dinheiro que nunca.

Caso isso aconteça, estarão sendo indiretamente lesados milhões de brasileiros que foram simplesmente abandonados no Antigo Regime, iniciado no golpe militar de 1964.

Lula parece ter carregado a ilusão de que poderia fazer a reforma social que o Brasil demanda com urgência recebendo tapinhas nas costas dos defensores e beneficiários da velha ordem.

Não é bem assim.

Se é para Lula ser agredido incondicionalmente como é, que pelo menos ele aja sem ansiar por afagos que jamais virão.

Os brasileiros ganharão.

1 comentários:

RLocatelli Digital disse...

Prefiro esse Lula. Chávez sempre foi "agressivo" e suas vitórias na Venezuela são retumbantes. Cristina Kirchner sempre foi "radical" - a ponto de dizer publicamente que gosta de seu vice porque ele não tem medo das corporações - e suas vitórias políticas e eleitorais são incontestáveis.