Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:
Uma das frases de Sêneca que mais me agradam fala o seguinte: “Quando penso em certas coisas que disse, tenho inveja dos mudos.”
Ela me ocorreu ao ter ciência da carta que o ministro Aloízio Mercadante escreveu para a Folha de S. Paulo.
Mercadante fez um desagravo da memória de Octavio Frias de Oliveira, falecido dono do jornal, depois que um delegado dos tempos da ditadura militar disse, na Comissão da Verdade, o que todos sabem, exceto talvez ele mesmo, Mercadante: que Frias colaborou ativamente com a repressão a “terroristas”, “subversivos” e “assassinos”.
Frias foi o chamado colaborador total. De um lado forneceu carros do jornal para a perseguição de “subversivos” pela Oban, Operação Bandeirante, um grupo particularmente selvagem dedicado a exterminar a resistência à ditadura.
De outro, usou sua empresa jornalística para publicar conteúdos pró-ditadura.
Meu pai, editorialista e com carreira na Folha estabelecida antes que Frias comprasse o jornal em 1961, se recusou a escrever um editorial no qual Frias mandou que fosse dito que não existiam presos políticos – todos eram criminosos comuns.
Frias, nos piores anos da ditadura, manteve um jornal, a Folha da Tarde, que era uma espécie de porta-voz da repressão. (Mercadante poderia conversar sobre isso com Frei Betto, que foi jornalista da FT antes de Frias transformá-la numa extensão da Oban.)
Num certo momento, com a abertura política, Frias, como empresário, enxergou uma boa oportunidade de negócio ao engajar a Folha na campanha das diretas e deixá-la mais arejada.
Era um movimento óbvio. O concorrente Estadão já estava morto editorialmente, então. E a Globo era, como a FT, porta-voz da ditadura na tevê.
O distanciamento oportunista da Folha em relação ao regime não impediria Frias de acatar servilmente uma ordem de um general para que afastasse o diretor Claudio Abramo depois que o grande cronista Lourenço Diaféria escreveu, com toda razão, que os paulistanos mijavam na estátua do Duque de Caxias, no centro da cidade, perto da Folha.
Bastava passar por lá e sentir o cheiro.
Para Claudio Abramo foi um desdobramento irônico e amargo do editorial que meu pai recusou e ele, Claudio, escreveu, sabe-se lá a que custo emocional e mesmo físico, uma vez que era um homem de esquerda.
Frias pôs imediatamente no lugar de Claudio um jornalista que ele mantinha por causa das relações deste com o regime: Boris Casoy, egresso do Comando de Caça ao Comunista e antigo locutor de rádio. (Anos depois, na televisão, ao falar dos lixeiros, Boris mostrou quão pouco mudou nestes anos todos.)
Assustado, medroso, Frias tratou também de tirar seu nome da primeira página do jornal, como responsável. Boris passou a figurar como o responsável.
Apenas para situar, Boris marcou uma ruptura na Folha. Até ali, os chefes de redação eram jornalistas completos: tinham feito grandes reportagens a partir das quais subiram até serem testados também como editores.
Boris simplesmente não sabia escrever. Ele estava no jornal, e num cargo elevado, por razões políticas, e não jornalísticas.
Isso gerou situações bizarras. Na morte de Samuel Wainer, cabia a Boris escrever um pequeno tributo na coluna “São Paulo”. Boris chamou meu pai para escrever por ele por não ter capacidade para realizar a tarefa.
Mercadante mostrou uma ignorância desumana ao desconhecer tudo isso na carta que mandou à Folha.
A demonstração espetacular de desconhecimento é tanto mais grave por vir do ministro da Educação. Se ele não conhece com alguma profundidade um assunto tão próximo dele, o que ele conhecerá?
Terá lido livros? Quais?
Pela ignorância, mais ainda do que pela bajulação despropositada, Mercadante deveria ser afastado sumariamente do cargo que ocupa. Daqui por diante, ele será sempre lembrado como aquele sujeito que disse que o “seu Frias” foi um quase mártir na “luta pelas liberdades democráticas”.
A carta de Mercadante cumpre o papel inevitável das mensagens estapafúrdias, o de ser alvo de desprezo dos chamados dois lados. É altamente provável que Otávio Frias Filho não tenha enxergado na carta o que todo mundo enxergou.
Se existe um atenuante para Mercadante, é que parece haver no DNA do PT uma espécie de submissão mental aos donos da mídia.
Essa patologia ajuda a entender por que o Brasil não avançou nada, em dez anos de PT, na questão crucial para a sociedade de discutir os limites da mídia, a exemplo do que a Inglaterra acaba de fazer.
O momento simbólico dessa submissão – que o grande Etienne de La Boétie chamava de “servidão voluntária” – é assinado por Lula, ao escrever na morte de Roberto Marinho que ali se ia um, pausa antecipada para rir, um grande brasileiro, merecedor de três dias de luto oficial.
Uma das frases de Sêneca que mais me agradam fala o seguinte: “Quando penso em certas coisas que disse, tenho inveja dos mudos.”
Ela me ocorreu ao ter ciência da carta que o ministro Aloízio Mercadante escreveu para a Folha de S. Paulo.
Mercadante fez um desagravo da memória de Octavio Frias de Oliveira, falecido dono do jornal, depois que um delegado dos tempos da ditadura militar disse, na Comissão da Verdade, o que todos sabem, exceto talvez ele mesmo, Mercadante: que Frias colaborou ativamente com a repressão a “terroristas”, “subversivos” e “assassinos”.
Frias foi o chamado colaborador total. De um lado forneceu carros do jornal para a perseguição de “subversivos” pela Oban, Operação Bandeirante, um grupo particularmente selvagem dedicado a exterminar a resistência à ditadura.
De outro, usou sua empresa jornalística para publicar conteúdos pró-ditadura.
Meu pai, editorialista e com carreira na Folha estabelecida antes que Frias comprasse o jornal em 1961, se recusou a escrever um editorial no qual Frias mandou que fosse dito que não existiam presos políticos – todos eram criminosos comuns.
Frias, nos piores anos da ditadura, manteve um jornal, a Folha da Tarde, que era uma espécie de porta-voz da repressão. (Mercadante poderia conversar sobre isso com Frei Betto, que foi jornalista da FT antes de Frias transformá-la numa extensão da Oban.)
Num certo momento, com a abertura política, Frias, como empresário, enxergou uma boa oportunidade de negócio ao engajar a Folha na campanha das diretas e deixá-la mais arejada.
Era um movimento óbvio. O concorrente Estadão já estava morto editorialmente, então. E a Globo era, como a FT, porta-voz da ditadura na tevê.
O distanciamento oportunista da Folha em relação ao regime não impediria Frias de acatar servilmente uma ordem de um general para que afastasse o diretor Claudio Abramo depois que o grande cronista Lourenço Diaféria escreveu, com toda razão, que os paulistanos mijavam na estátua do Duque de Caxias, no centro da cidade, perto da Folha.
Bastava passar por lá e sentir o cheiro.
Para Claudio Abramo foi um desdobramento irônico e amargo do editorial que meu pai recusou e ele, Claudio, escreveu, sabe-se lá a que custo emocional e mesmo físico, uma vez que era um homem de esquerda.
Frias pôs imediatamente no lugar de Claudio um jornalista que ele mantinha por causa das relações deste com o regime: Boris Casoy, egresso do Comando de Caça ao Comunista e antigo locutor de rádio. (Anos depois, na televisão, ao falar dos lixeiros, Boris mostrou quão pouco mudou nestes anos todos.)
Assustado, medroso, Frias tratou também de tirar seu nome da primeira página do jornal, como responsável. Boris passou a figurar como o responsável.
Apenas para situar, Boris marcou uma ruptura na Folha. Até ali, os chefes de redação eram jornalistas completos: tinham feito grandes reportagens a partir das quais subiram até serem testados também como editores.
Boris simplesmente não sabia escrever. Ele estava no jornal, e num cargo elevado, por razões políticas, e não jornalísticas.
Isso gerou situações bizarras. Na morte de Samuel Wainer, cabia a Boris escrever um pequeno tributo na coluna “São Paulo”. Boris chamou meu pai para escrever por ele por não ter capacidade para realizar a tarefa.
Mercadante mostrou uma ignorância desumana ao desconhecer tudo isso na carta que mandou à Folha.
A demonstração espetacular de desconhecimento é tanto mais grave por vir do ministro da Educação. Se ele não conhece com alguma profundidade um assunto tão próximo dele, o que ele conhecerá?
Terá lido livros? Quais?
Pela ignorância, mais ainda do que pela bajulação despropositada, Mercadante deveria ser afastado sumariamente do cargo que ocupa. Daqui por diante, ele será sempre lembrado como aquele sujeito que disse que o “seu Frias” foi um quase mártir na “luta pelas liberdades democráticas”.
A carta de Mercadante cumpre o papel inevitável das mensagens estapafúrdias, o de ser alvo de desprezo dos chamados dois lados. É altamente provável que Otávio Frias Filho não tenha enxergado na carta o que todo mundo enxergou.
Se existe um atenuante para Mercadante, é que parece haver no DNA do PT uma espécie de submissão mental aos donos da mídia.
Essa patologia ajuda a entender por que o Brasil não avançou nada, em dez anos de PT, na questão crucial para a sociedade de discutir os limites da mídia, a exemplo do que a Inglaterra acaba de fazer.
O momento simbólico dessa submissão – que o grande Etienne de La Boétie chamava de “servidão voluntária” – é assinado por Lula, ao escrever na morte de Roberto Marinho que ali se ia um, pausa antecipada para rir, um grande brasileiro, merecedor de três dias de luto oficial.
1 comentários:
Lamentável quando se acredita em um político ouvir e ver suas declarações sobre o "Frias", que gelada....
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