A dificuldade conservadora de chegar ao eleitor popular é um dado real que explica a composição postiça de alguns palanques desse 1º de Maio.
Bem cotados entre as elites e os endinheirados, com robusta veiculação na mídia e forte ancoragem no judiciário, os presidenciáveis do campo conservador ainda assim rastejam.
Falta-lhes o essencial: identidade popular.
Ressentem-se de um percurso histórico que os conduza ao coração do povo com a naturalidade com que Lula o frequenta e compartilha com seus parceiros.
Sem esse passaporte, as urnas ameaçam frustrar novamente seus planos de poder em 2014.
Na impossibilidade de simular o lado da história que não é o seu, buscam a bala de prata redentora nas falhas reais ou impingidas ao governo.
Não tem sido mais felizes aí.
A inflação dos alimentos sustentou a ‘ola’ conservadora em direção ao voto popular nas últimas semanas.
Murchou.
A mídia dissimula, mas os preços no atacado recuam.
A oscilação do índice da FGV, em abril, foi de apenas 0,15%.
No caso dos preços ao consumidor (IPCA) houve deflação de 0,12% no mês.
As commodities despencam no mercado mundial.
Nada disso rendeu a mísera equivalência de uma das muitas manchetes destinadas ao tomate que agora perdeu seu tempero eleitoral.
Outra ponte ‘popular’ , a do apagão, precipitaria escaladas ansiosas em fevereiro.
Tudo arrastado pelos aguaceiros de março.
O Brasil não terá dificuldades de suprimento elétrico em 2013 ou em 2014.
Mas o país está longe de ser o palco iluminado das virtudes douradas.
O longo parto de um novo ciclo de investimento ilustra as fragilidades de um Estado feito para não funcionar.
Engessado pelo desmonte neoliberal, persistiu erroneamente assim.
Enredado em um cipoal de interditos, recursos suspensivos, manobras de bastidores e agencias reguladoras inoperantes.
O conjunto triplica o tempo e o custo necessários ao tijolo assentado na obra pública.
Nessa arapuca, o Estado quando cede é cúmplice. Se não cede é inoperante.
O conservadorismo pouco ou nada tem a acrescentar nesse quesito também.
Ainda fresca na memória nacional, o que ele produziu nesse campo revelou-se um desastre de proporções ferroviárias.
Não é só uma metáfora.
Cerca de 2/3 dos 28 mil km de trilhos federais foram sucateados e pilhados no ciclo tucano de privatizações da logística brasileira.
O dado é do Tribunal de Contas da União.
Neste 1º de Maio, Paulinho, da Força, lustra uma nova bala reluzente: arrenda aos presidenciáveis Aécio e Campos a bandeira da restauração do ‘gatilho salarial’ .
Um artefato com calibre sob medida para reavivar a brasa da inflação cadente.
Convenhamos, algo impróprio a quem vive de acusar o PT de populismo.
A dificuldade conservadora de erguer pontes com o voto popular explica a tensão política respingada na guerrilha cotidiana do noticiário.
Busca-se, a todo custo, saltar uma barreira superior a 18,5 milhões de empregos gerados nos últimos 12 anos.
Um aumento real de poder de compra do salário mínimo de 60%.
O crescimento ininterrupto da renda familiar, inclusive e sobretudo, no apogeu da crise internacional.
Um avanço da renda domiciliar maior que o do próprio PIB, graças às transferências dos programas sociais.
E o reconhecimento– pelo FMI—de que o Brasil foi o líder mundial na geração de empregos em pleno colapso da ordem neoliberal, desde 2008.
Estorvo a ser exterminado com um choque de juros é tudo o que os professores banqueiros e os cofres simpatizantes de Aécio & Campos tem a dizer sobre esse legado.
A dificuldade conservadora em dialogar com esses fatos sobrecarrega o único trunfo que pode chamar verdadeiramente de seu.
Ou seja, a difusão diuturna da ideia de que o Brasil não vai dar certo, enquanto for governado pelas forças progressistas.
Em rota de colisão com a vivência de milhões de brasileiros, a estratégia da saturação busca corroer a supremacia dos fatos sobre as ideias.
Os fatos continuam a caminhar à frente das ideias.
Foi nisso que o PT apostou ao adotar a resignação enervante diante de uma estrutura de comunicação que sempre lhe foi hostil.
O dado novo é que talvez esse pragmatismo tenha se tornado ele próprio um pedaço do idealismo que sempre desdenhou.
Um ciclo de reordenação do desenvolvimento brasileiro se esgotou.
Exatamente porque foi bem sucedido, diga-se.
A expansão do poder de compra popular e a geração de milhões de empregos cobram agora a contrapartida de investimentos pesados, que os consolidem e ampliem o espaço da cidadania na vida nacional.
Escolhas e prioridades terão que ser pactuadas.
Rupturas e concessões são inevitáveis.
Queremos ter indústria? A que custo, com que ganhos?
O sistema público de saúde pode ir além, com os remendos e o esforço de gestão (mais com menos...)?
Ou será necessário, definitivamente, criar uma contribuição fiscal sobre o bolso endinheirado para dotá-lo da qualidade hoje indistinguível no horizonte de uma geração?
O consumismo é o ‘centro da meta’ de tudo o que queremos como convergência social propiciada pelo desenvolvimento?
Como ir além dele com a supremacia da semi-informação, da semicultura e da semidignidade marteladas insistentemente pelas concessionárias do sistema audiovisual brasileiro?
Como assegurar aos brasileiros uma formação que extrapole o adestramento pedestre vendido pelos gigantescos aparelhos de negócios que tomam de assalto o sistema educacional?
A produção de novos fatos do desenvolvimento não pode prescindir mais do debate de toda a sociedade sobre o país que queremos construir no século 21.
Não se trata de paralisar o Brasil para a formação de grupos de estudo .
Mas talvez não se possa mais avançar sem romper os limites de um sistema de comunicação que se notabiliza justamente por interditar o debate e demonizar as soluções requeridas ao passo seguinte da história brasileira.
O reconhecimento de que a coalizão derrotada em 2002, 2006 e 2010 é desprovida de um projeto crível de país nesse momento, não deve cevar a barriga da soberba no balcão do comodismo.
Os sinais de saturação de um ciclo já não partem apenas da economia.
A hipertrofia do judiciário dispara sucessivas sirenes de alerta.
Os conflitos e contradições do desenvolvimento já não encontram solução satisfatória nos trâmites e no timming no qual se arrastam a perder de vista.
Ou o país abre novos canais para o debate ecumênico e democrático de seus desafios, ou a vida política será assoalhada por impasses dissolventes.
A eles, o arbítrio enviesado do STF responderá como um bunker de última instância da ordem conservadora.
O IVC informa que em 2012 a visitação aos sites de conteúdo informativo explodiu no país: cresceu 39%. Já soma 25 milhões de visitantes/mês.
Evitar que essa enorme caixa de ressonância se reduza a uma réplica do que já existe impresso seria um primeiro passo encorajador na garantia de espaços ecumênicos para debater o futuro.
Esses temas talvez estejam ausentes dos palanques do Dia 1º de Maio.
Mas talvez sejam mais pertinentes aos trabalhadores do que os aplausos de encomenda a candidatos que condensam interesses imiscíveis com o significado da data.
3 comentários:
Fera!
Uma pessoa não estava dormindo no dia do Trabalho!
Obrigada Miro.
O aplauso contra
Surpresa não chegou a ser, mas não era esperada. A resposta a um só tempo firme e elevada do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, a Gilmar Mendes foi além de sustentar o respeito à Constituição no trâmite do polêmico projeto que reduz o acesso de novos partidos ao dinheiro do Fundo Partidário e ao uso de TV (pago pelos cidadãos em geral). Por tabela, Henrique Alves expôs a atitude contrária à Constituição, ao Estado de Direito e à democracia do grupo de senadores que foi aplaudir, em pessoa, a interferência com que Gilmar Mendes, em nome do Supremo Tribunal Federal, sustou a tramitação do projeto a meio do caminho.
É reconhecível, porém, que o grupo tinha motivação forte: os seus momentâneos interesses políticos e partidários, postos acima das instituições. Mas nisso não foi sequer original. A frouxidão das convicções democráticas...
(...)
Com destaque, além de Pedro Simon e Pedro Taques (PDT), do tipo udenista retardatário, foi a presença alegre de Randolfe Rodrigues PSOL), há pouco ameaçado em telefonema de Gilmar Mendes, com este final na advertência: “Eu sou um homem de enfrentamentos!”.
Nenhum dos dez apresentou algum fundamento constitucional coincidente com a atitude do seu aplaudido. Porque o conhecem a seu próprio respeito: todos os parlamentares têm o direito e a função de apresentar os projetos que queiram, convenientes ou descabidos, e o STF não tem a função nem o direito de impedir a tramitação, para recusa ou aprovação, de nenhum dos projetos. Cabe-lhe, se convocado, examinar a adequação do projeto, caso aprovado, à Constituição. Essa é a “ultima palavra”.
E isso é a independência constitucional dos Poderes –que os dez senadores, com o apoio externo da também interessada Marina Silva, foram renegar.
Por Janio de Freitas – colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas.
02/05/2013 – 03h00
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