Por Marco Aurélio Mello, no blog DoLaDoDeLá:
Soube que nas hostes familiares um debate recente envolveu meu nome e este Doladodelá. Entre os primos, tios e agregados minhas posições dividem opiniões.
Os argumentos são dos mais variados. Há os que acham que me exponho demais, ao apontar distorções históricas que impedem que o brasileiro tenha acesso a informações livres de filtros ideológicos e da mais tosca e grosseira manipulação. Para estes, sou pequeno demais para comprar as brigas que compro contra o império midiático que tem Tvs, Rádios, Jornais, Revistas, Editoras e Internet. Além do quê, alcançam 98% do território nacional e abocanham mais de 60% de toda a publicidade nacional.
Ao contrário deles, vivo do suor do meu trabalho, não tenho posses, além de casa própria e meio de transporte também próprio - o que para um país desigual como o nosso já um feito - e opero a partir de um laptop num blog, para audiência ínfima, de não mais do que 120 mil leitores/mês.
Há também os que acham que sou movido por ódio, despeito e rancor, porque já fiz parte do império e hoje já não pertenço mais às organizações, o que motivaria tamanho esforço para alcançar aqui fora a glória da qual fui possuidor no passado.
Há ainda os que consideram arriscado demais, em se tratando de um grupo que já teve financiamento externo, opera na clandestinidade - com valores em paraísos fiscais e equipamentos trazidos muitas vezes por caminhos não-oficiais - e que, portanto, não teria dificuldades em "forjar" um acidente, assalto, ou qualquer truque clássico para me tirar de circulação. Não faltam teorias conspiratórias neste sentido.
Também há a turma que acha que por me expor demais, exponho minha família e pior, fico isolado dos colegas, principalmente os tantos que cultivei ao longo da carreira e que hoje se sentem no mínimo desconfortáveis em se relacionarem comigo - por mais que quando estejamos juntos jamais crie qualquer constrangimento em relação às escolhas soberanas que cada um faz.
Para os que frequentam o blog há muito tempo peço desculpas, mas tenho que ser repetitivo de tempos em tempos. Preciso voltar ao assunto, porque existe um recurso retórico clássico de fugir à critica: desqualificar o crítico. E isso eles fazem como ninguém.
Ao dizer que sou movido por ódio, foge-se do principal, apegando-se à suposta motivação do autor.
Por isso, mais uma vez, volto a dizer: comprei esta briga pela democratização da comunicação no Brasil nos anos oitenta, depois da campanha pelas Diretas-já. Naquele momento, percebi que muito do que acontecia na minha cidade e no meu pais não passava na TV.
Em 1989, simpatizante do PT, fiquei horrorizado ao ver que o debate presidencial que assisti na noite anterior integralmente não foi retratado fidedignamente no mais importante telejornal daquela época. Já era jornalista e compreendia a extensão do crime que fora perpetrado.
Em 1993 assisti, clandestinamente no sindicato, porque a TV Globo conseguiu proibir judicialmente a exibição em território nacional, ao filme Beyond Citizen Kane, um dos documentos audiovisuais mais importantes da história da imprensa no Brasil. Um relato devastador sobre o crescimento da emissora e o enriquecimento se seu patriarca, Roberto Marinho.
Todo este relato é para dizer que minha luta contra o império não começou depois que fui demitido, em 2007, como querem fazer crer, minha luta começou 20 anos antes!
Ora, mas então por que você foi trabalhar lá, me perguntam? Pela mesma razão que muitos outros também foram. Depois do Impeachment de Fernando Collor a Globo passou por um momento delicadíssimo de descrédito. Repórteres eram hostilizados como hoje: o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!
Telejornais da TV Manchete, TV Cultura, TV Record e TV Bandeirantes passaram a fazer um contra-ponto concreto com os noticiários da Globo, inclusive em audiência. Só o Jornal Nacional sobreviveu incólume, porque estava estrategicamente amparado por duas novelas: uma antes, outra depois.
O mercado de telejornalismo estava pulverizado. Só para se ter uma idéia, Boris Casoy e Lilian Witte Fibe estavam no SBT, que também tinha o popular Aqui, Agora, recordista em audiência. Chico Pinheiro estava na Record e Carlos Nascimento na Cultura, assim como Joelmir Beting. Havia Nassif no ar, se não me engano na Gazeta, havia comentaristas como Celso Ming, Carlos Chagas e tantos outros, em vários canais.
Evandro Carlos de Andrade assumira o comando da emissora vindo dO Globo com a determinação de reestruturar todo o departamento de jornalismo. Foi ao mercado buscar talentos e trouxe jornalistas de todas as emissoras. No inicio dos anos 2000, quando Fernando Henrique Cardoso foi em pessoa inaugurar a nova sede na Av. Berrini, a TV Globo já colecionava os mais importantes apresentadores, repórteres e editores do país.
Sem desmerecer os que ficaram em outras emissoras, muitos deles talentosíssimos, a Globo voltou a concentrar o mercado paulista e carioca e desequilibrou o jogo a seu favor. Só que Evandro teve que admitir publicamente um erro: transformou apresentadores em editores-chefes, com poder e autonomia editorial.
Este passo em falso de Evandro custou caro ao patrão. Pela primeira vez na história da emissora ela deixou de ter o controle absoluto sobre o conteúdo. Para se ter uma ideia do grau de autonomia, Lilian Witte Fibe se dava ao luxo de dizer para o todo-poderoso do jornalismo que ela até podia ouvir as ponderações vindas de cima, mas a palavra final sobre o noticiário era dela.
Fui testemunha de um momento mágico, em que jornalistas discutiam francamente o encaminhamento editorial dos vts com seus chefes sem ingerência direta. Claro que havia os pedidos. Os prêmios que o Roberto Marinho recebia mereciam menção obrigatória. Prêmios recebidos pela emissora também eram notícia, assim como o Profissionais do Ano, um jabá instituído pela própria emissora para afagar o ego dos publicitários.
O debate era tão aberto que por ocasião do lançamento do livro Notícias do Planalto, de Mário Sérgio Conti, Evandro pegou um avião no Rio de Janeiro, reuniu-se com todos, digo todos, jornalistas da redação de São Paulo para desqualificar o autor e o conteúdo do livro, sendo confrontado publica e respeitosamente pelos colegas de redação.
Só que Evandro não durou para sempre. E no seu lugar foi ungido Ali Kamel e, com ele, veio toda a devastação que se seguiu no departamento de jornalismo, a partir de então. Assédio Moral, intimidação, perseguição e um tipo de jornalismo padrão "bolinha de papel" atestado por todos aqueles que têm olhos e puderam assistir ao que aconteceu depois de 2003, quando ele passou a ser o operador oficial do departamento de jornalismo.
Ali Kamel chega a ser uma figura tão soturna que nas redações que comanda o clima é de terror. As pessoas não podem dizer o que pensam. Não podem abastecer as redes sociais de conteúdos que possam ter implicação, mesmo que indireta, com o conteúdo produzido por eles. As pessoas temem falar ao celular, com medo de grampos. Evitam trocar e-mails, com medo de estar sob vigilância...
Como não combater uma empresa que transforma o interesse público em um jogo de interesses particulares, pressões e chantagens? Como não combater um jornalismo inescrupuloso, desonesto e manipulador? Posso ser apenas um beija-flor conduzindo duas pequenas gotas d'água em meu bico. Mas sou mais um a combater o incêndio na floresta. Se vai funcionar ou não, não importa. Estou fazendo a minha parte.
A situação chega a ser tão escandalosa que sou processado - e perdi em primeira instância, pasmem - por um texto de ficção, a exemplo do que tão bem fez Lima Barreto, Nelson Gonçalves e a exemplo do que fazem os autores das novelas da própria Globo, que criam e matam seus "salvadores da pátria". Não ajo por vingança, ajo por compromisso político e assumo integralmente a responsabilidade pelo que falo e escrevo.
Os verdadeiros amigos nunca faltaram. O apoio da família nunca faltou e a torcida daqueles que acreditam no fim do monopólio só tem aumentado. Lamento, não vou mudar e não vou desistir. Vou até o fim, custe o que custar!
Os argumentos são dos mais variados. Há os que acham que me exponho demais, ao apontar distorções históricas que impedem que o brasileiro tenha acesso a informações livres de filtros ideológicos e da mais tosca e grosseira manipulação. Para estes, sou pequeno demais para comprar as brigas que compro contra o império midiático que tem Tvs, Rádios, Jornais, Revistas, Editoras e Internet. Além do quê, alcançam 98% do território nacional e abocanham mais de 60% de toda a publicidade nacional.
Ao contrário deles, vivo do suor do meu trabalho, não tenho posses, além de casa própria e meio de transporte também próprio - o que para um país desigual como o nosso já um feito - e opero a partir de um laptop num blog, para audiência ínfima, de não mais do que 120 mil leitores/mês.
Há também os que acham que sou movido por ódio, despeito e rancor, porque já fiz parte do império e hoje já não pertenço mais às organizações, o que motivaria tamanho esforço para alcançar aqui fora a glória da qual fui possuidor no passado.
Há ainda os que consideram arriscado demais, em se tratando de um grupo que já teve financiamento externo, opera na clandestinidade - com valores em paraísos fiscais e equipamentos trazidos muitas vezes por caminhos não-oficiais - e que, portanto, não teria dificuldades em "forjar" um acidente, assalto, ou qualquer truque clássico para me tirar de circulação. Não faltam teorias conspiratórias neste sentido.
Também há a turma que acha que por me expor demais, exponho minha família e pior, fico isolado dos colegas, principalmente os tantos que cultivei ao longo da carreira e que hoje se sentem no mínimo desconfortáveis em se relacionarem comigo - por mais que quando estejamos juntos jamais crie qualquer constrangimento em relação às escolhas soberanas que cada um faz.
Para os que frequentam o blog há muito tempo peço desculpas, mas tenho que ser repetitivo de tempos em tempos. Preciso voltar ao assunto, porque existe um recurso retórico clássico de fugir à critica: desqualificar o crítico. E isso eles fazem como ninguém.
Ao dizer que sou movido por ódio, foge-se do principal, apegando-se à suposta motivação do autor.
Por isso, mais uma vez, volto a dizer: comprei esta briga pela democratização da comunicação no Brasil nos anos oitenta, depois da campanha pelas Diretas-já. Naquele momento, percebi que muito do que acontecia na minha cidade e no meu pais não passava na TV.
Em 1989, simpatizante do PT, fiquei horrorizado ao ver que o debate presidencial que assisti na noite anterior integralmente não foi retratado fidedignamente no mais importante telejornal daquela época. Já era jornalista e compreendia a extensão do crime que fora perpetrado.
Em 1993 assisti, clandestinamente no sindicato, porque a TV Globo conseguiu proibir judicialmente a exibição em território nacional, ao filme Beyond Citizen Kane, um dos documentos audiovisuais mais importantes da história da imprensa no Brasil. Um relato devastador sobre o crescimento da emissora e o enriquecimento se seu patriarca, Roberto Marinho.
Todo este relato é para dizer que minha luta contra o império não começou depois que fui demitido, em 2007, como querem fazer crer, minha luta começou 20 anos antes!
Ora, mas então por que você foi trabalhar lá, me perguntam? Pela mesma razão que muitos outros também foram. Depois do Impeachment de Fernando Collor a Globo passou por um momento delicadíssimo de descrédito. Repórteres eram hostilizados como hoje: o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!
Telejornais da TV Manchete, TV Cultura, TV Record e TV Bandeirantes passaram a fazer um contra-ponto concreto com os noticiários da Globo, inclusive em audiência. Só o Jornal Nacional sobreviveu incólume, porque estava estrategicamente amparado por duas novelas: uma antes, outra depois.
O mercado de telejornalismo estava pulverizado. Só para se ter uma idéia, Boris Casoy e Lilian Witte Fibe estavam no SBT, que também tinha o popular Aqui, Agora, recordista em audiência. Chico Pinheiro estava na Record e Carlos Nascimento na Cultura, assim como Joelmir Beting. Havia Nassif no ar, se não me engano na Gazeta, havia comentaristas como Celso Ming, Carlos Chagas e tantos outros, em vários canais.
Evandro Carlos de Andrade assumira o comando da emissora vindo dO Globo com a determinação de reestruturar todo o departamento de jornalismo. Foi ao mercado buscar talentos e trouxe jornalistas de todas as emissoras. No inicio dos anos 2000, quando Fernando Henrique Cardoso foi em pessoa inaugurar a nova sede na Av. Berrini, a TV Globo já colecionava os mais importantes apresentadores, repórteres e editores do país.
Sem desmerecer os que ficaram em outras emissoras, muitos deles talentosíssimos, a Globo voltou a concentrar o mercado paulista e carioca e desequilibrou o jogo a seu favor. Só que Evandro teve que admitir publicamente um erro: transformou apresentadores em editores-chefes, com poder e autonomia editorial.
Este passo em falso de Evandro custou caro ao patrão. Pela primeira vez na história da emissora ela deixou de ter o controle absoluto sobre o conteúdo. Para se ter uma ideia do grau de autonomia, Lilian Witte Fibe se dava ao luxo de dizer para o todo-poderoso do jornalismo que ela até podia ouvir as ponderações vindas de cima, mas a palavra final sobre o noticiário era dela.
Fui testemunha de um momento mágico, em que jornalistas discutiam francamente o encaminhamento editorial dos vts com seus chefes sem ingerência direta. Claro que havia os pedidos. Os prêmios que o Roberto Marinho recebia mereciam menção obrigatória. Prêmios recebidos pela emissora também eram notícia, assim como o Profissionais do Ano, um jabá instituído pela própria emissora para afagar o ego dos publicitários.
O debate era tão aberto que por ocasião do lançamento do livro Notícias do Planalto, de Mário Sérgio Conti, Evandro pegou um avião no Rio de Janeiro, reuniu-se com todos, digo todos, jornalistas da redação de São Paulo para desqualificar o autor e o conteúdo do livro, sendo confrontado publica e respeitosamente pelos colegas de redação.
Só que Evandro não durou para sempre. E no seu lugar foi ungido Ali Kamel e, com ele, veio toda a devastação que se seguiu no departamento de jornalismo, a partir de então. Assédio Moral, intimidação, perseguição e um tipo de jornalismo padrão "bolinha de papel" atestado por todos aqueles que têm olhos e puderam assistir ao que aconteceu depois de 2003, quando ele passou a ser o operador oficial do departamento de jornalismo.
Ali Kamel chega a ser uma figura tão soturna que nas redações que comanda o clima é de terror. As pessoas não podem dizer o que pensam. Não podem abastecer as redes sociais de conteúdos que possam ter implicação, mesmo que indireta, com o conteúdo produzido por eles. As pessoas temem falar ao celular, com medo de grampos. Evitam trocar e-mails, com medo de estar sob vigilância...
Como não combater uma empresa que transforma o interesse público em um jogo de interesses particulares, pressões e chantagens? Como não combater um jornalismo inescrupuloso, desonesto e manipulador? Posso ser apenas um beija-flor conduzindo duas pequenas gotas d'água em meu bico. Mas sou mais um a combater o incêndio na floresta. Se vai funcionar ou não, não importa. Estou fazendo a minha parte.
A situação chega a ser tão escandalosa que sou processado - e perdi em primeira instância, pasmem - por um texto de ficção, a exemplo do que tão bem fez Lima Barreto, Nelson Gonçalves e a exemplo do que fazem os autores das novelas da própria Globo, que criam e matam seus "salvadores da pátria". Não ajo por vingança, ajo por compromisso político e assumo integralmente a responsabilidade pelo que falo e escrevo.
Os verdadeiros amigos nunca faltaram. O apoio da família nunca faltou e a torcida daqueles que acreditam no fim do monopólio só tem aumentado. Lamento, não vou mudar e não vou desistir. Vou até o fim, custe o que custar!
8 comentários:
Admiro sua coragem.
Tudo de bom a você e sua familia!
Obrigado por tudo.
Abraço.
ótimo. tenha minha solidariedade. a luta deve continuar. pela democracia integral, na política e na mídia.
Onde posso encontrar o filme Beyond citizen Kane? Me diga por favor. Fiquei interessadíssima.
grata
Regina
Marco eu tb tenho problemas familiares tb acerca de posicionamentos e com isso me solidarizo.
Mas sempre que eu me olho no espelho e me vejo me sinto bem comigo mesmo pois sei que combato o bom combate ( nao tenho duvidas quanto a isso) . Assim, a consciencia tranquila é um poderoso aliado.
Boa sorte e siga em frente.
Francisco niteroi
DEUS te abençoe e coragem e força para enfrentar a globo
Força e firmeza. Parabéns pelas suas escolhas.
Tenha a certeza que s sua luta é a luta de muitos, e a luta não será em vão.
"Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo."
Mahatma Gandhi
Viemos ao mundo sem nada e iremos da mesma forma, com uma ressalva - fomos, somos e sempre seremos o que semeamos, você é o lado bom da história.
Parabéns pelo seu trabalho.
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