Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:
Uma das campanhas mais antigas que faço nas redes sociais é contra a sua tendência ao linchamento. A própria estrutura das redes, construída em camadas espiraladas, qual uma cebola, inspira ações neste sentido. Ao abrir sua TL de Facebook ou Twitter e ver seus amigos fazendo ou reproduzindo uma denúncia, sua inclinação natural, humana, é aderir. Daí os seus próprios amigos sentem a mesma coisa. A coisa vai crescendo, em ritmo geométrico, e na proporção negativa de qualquer espaço para o outro lado apresentar um ponto-de-vista.
Tenho conversado com amigos sobre a influência dessa estrutura no debate democrático. É uma coisa contra a qual não adianta reclamar. Temos que nos adaptar à nova realidade e contornar seus vícios de origem. Não é difícil concluir, por exemplo, que as redes sociais reinstauraram um processo que acreditávamos obsoleto: a onda no lago. As pessoas mais influentes numa rede, mais articuladas, que postam as melhores fotos, e se apresentam como mais bem sucedidas, terão enorme poder de fogo para difundir suas ideias. Isso confere enorme vantagem à direita, em virtude da questão classista. Empregados e acadêmicos com opiniões dissonantes da elite terão receio de expô-las e se prejudicar profissionalmente. Quem é rico não tem medo de nada. Essa é uma das razões pelas quais os aposentados se tornaram o segmento social mais politizado das redes, à direita e à esquerda. O aposentado é o único que tem liberdade plena de expressão.
O adolescente tem a liberdade de sua intrepidez natural, orgânica, mas tende a seguir os colegas de sua esfera. Se todo mundo está fazendo uma coisa, ele também quer fazê-la. Daí a facilidade com que se impõem estéticas à esta primeira juventude. Essa foi uma das razões pelas quais, no auge dos protestos em junho, tive muita paranóia dos caminhos que os manifestantes poderiam seguir, caso se deixassem levar por alguns dos slogans oportunistas que a direita logo se apressou a oferecer nas redes.
Hoje estou bem mais calmo, e entendo melhor o “gigante”. Como não entender a angústia humana ou coletiva? Como não entender o desespero? Por outro lado, receio que o nosso tempo, mais que nunca dominado pelas comunicações e pela tecnologia, necessite de uma boa dose de paranoia, como muro de proteção. Nunca estivemos tão vulneráveis a golpes “culturais”. Se eu fosse um triliardário de extrema-direita, com que prazer não patrocinaria um movimento de massa, via facebook, para derrubar governos incômodos a meus negócios ou às minhas ideias! No século XIX e início do século XX não existiam bilionários globais. Os golpes eram tramados pelos serviços secretos de governos. A concentração mundial da renda das últimas décadas produzirá ou já produziu golpistas privados. Temos que nos precaver contra isso, e não por outra razão tenho feito uma campanha tão grande para que nossos governos desenvolvam estruturas públicas nas redes sociais para dialogar com a população. Não quero governos “controlando” manifestações ou mesmo “influenciando” ou “direcionando” a juventude. Mas também não quero ver a nossa juventude correr o risco de ser manipulada por algum interesse estrangeiro, o que acontece com mais frequência que imaginamos. Um amigo mais velho me contava, outro dia, que participou de passeatas nos anos 60 contra uma determinada marca, e descobriu mais tarde que o protesto fora articulado pela empresa concorrente, ambas norte-americanas.
Voltando a questão do linchamento, quero prestar solidariedade ao Fora do Eixo e ao Mídia Ninja. Ninguém é perfeito, e qualquer um que não tenha sido consumido pelo farisaísmo radical dos últimos tempos sabe que não existe nenhum movimento, coletivo, instituição, partido, ou qualquer tipo de associação humana, sem divergências, ressentimentos e frustrações intestinas. Quanto mais cresce um movimento, mais vulnerável se torna às suas próprias contradições. As críticas que se fazem ao Fora do Eixo, por outro lado, nos remetem a questões antigas da ciência política: qualquer movimento que tenha aspirações políticas precisa passar, uma hora ou outra, pela experiência democrática. É isso ou enfrentar o terremoto constante das revoluções dissidentes. Ou então renunciar à qualquer aspiração política e se afirmar como empresa privada, com proprietários exercendo o poder monocraticamente.
Apesar dos meus fumos de socialista de botequim, não sou contra a propriedade privada. Aliás, acho que essa é o grande avanço da esquerda moderna e democrática, o ter compreendido a possibilidade de construir uma relação dialética entre os três grandes poderes do mundo: o poder privado, o poder público e o poder associativo. Uma relação que sempre implicará em tensões, e que só encontrará o equilíbrio quando o poder público conquistar a hegemonia, local e global, através de uma instituição internacional, eleita democraticamente, que corresponda aos interesses de toda a humanidade.
Na verdade, até mesmo o poder privado requer um traquejo democrático.
Seja como for, não podemos perder o foco. Eu estive em São Paulo há algumas semanas, onde participei de um debate num evento organizado por coletivos de cultura, entre eles o Fora do Eixo. À noite, tomando umas e outras com um dos leitores mais queridos do Cafezinho, Wagner Moraes, ele me deu algumas ideias fundamentais. Em primeiro lugar, defendeu o aspecto positivo dos protestos, que serviram para despertar todos os demônios, inclusive aqueles que estão ao lado do povo. Em segundo, Moraes lembrou que o debate sobre a mídia não pode se dissociar da questão política. Não questão política ideológica, mas questão política patrimonial. O presidente do Congresso Nacional, o senhor Henrique Alves, é dono da mídia em seu estado. É o responsável pela retransmissão da Globo. Renan Calheiros, Sarney, Jader Barbalho, ACM Neto, Feliciano, todas as figuras do conservadorismo que apoiam ou não o governo, são donos da mídia. Em Minas Gerais, o PSDB domina a mídia. Em São Paulo, o PSDB não é propriamente dono da mídia, mas a mídia é tucana até a raiz dos cabelos.
É por isso que nunca se fez reforma política no Brasil. Não interessa à mídia mudar o status quo. E sabe o que é pior? O poder da mídia é tão grande que temos de tomar um enorme cuidado para não deixá-la manipular o desejo de mudança e, numa jogada lampedusiana, liderar reformas que ampliem ainda mais o seu poder, como parecia ser o caso do plesbiscito. Daqui a alguns meses, quando a poeira baixar de vez, talvez caia a ficha em muita gente de que foi melhor não ter plebiscito, nem constituinte exclusiva, nem nada, porque havia o risco de retrocesso. O Brasil jamais poderá fazer uma reforma política de maneira livre, confiante e democrática sem antes fazer mudanças importantes em nosso sistema midiático.
O problema da mídia é a questão central da nossa democracia. Li por esses dias que os políticos querem “baratear” as campanhas reduzindo o horário eleitoral de 60 para 30 dias. Ou seja, mais poder para mídia, menos diálogo entre partidos e cidadãos. Tem de ser o contrário! Partidos, governos e forças políticas tem de estar na TV diariamente! As restrições eleitorais tem de ser suprimidas. Em nome da liberdade de expressão, cidadãos, empresas, sindicatos e movimentos sociais devem ter o direito de fazer campanha de seus partidos e candidatos a qualquer época do ano. E devíamos ter, em horário nobre, uma hora diária de diálogo entre os representantes eleitos e os eleitores. Bastaria elaborar algumas regras para que a sociedade também tivesse espaço para questionar o poder político.
Nossos prefeitos, governadores, deputados, senadores, e presidente da república, deveriam estar diariamente na televisão, conversando com seus eleitores, sendo cobrados e criticados por um lado, e explicando o funcionamento do sistema de outro. As oposições também teriam seu espaço, com regras inclusive para garantir o direito ao contraditório.
A nossa mídia é tão hipócrita que critica Henrique Alves, Sarney, Renan Calheiros, Collor, faz charges diárias contra eles, posando de “progressista”, mas não informa ao povo que o poder de todos eles deriva do controle societário ou familiar sobre os meios de comunicação em seus estados. Isso é genuinamente nocivo. O contribuinte brasileiro, via propaganda estatal, tem dado dezenas de bilhões de reais a emissoras de TV que são controladas pelas velhas oligarquias. Quando a Secom distribui verba para a Globo, está entregando também dinheiro nas mãos de Henrique Alves, Sarney, Collor e Renan. A crítica da Globo a esses caciques, portanto, é uma crítica mascarada.
Essa é uma denúncia que você não lerá nas colunas de João Ubaldo Ribeiro, Zuenir Ventura, Ferreira Gullar, Arnaldo Jabor, Nelson Motta, Merval Pereira ou de qualquer outro articulista da grande imprensa. É um assunto proibido. Os colunistas da velha mídia posam de “críticos do poder” de dia, mas se ajoelham diante de seu altar à noite.
Uma das campanhas mais antigas que faço nas redes sociais é contra a sua tendência ao linchamento. A própria estrutura das redes, construída em camadas espiraladas, qual uma cebola, inspira ações neste sentido. Ao abrir sua TL de Facebook ou Twitter e ver seus amigos fazendo ou reproduzindo uma denúncia, sua inclinação natural, humana, é aderir. Daí os seus próprios amigos sentem a mesma coisa. A coisa vai crescendo, em ritmo geométrico, e na proporção negativa de qualquer espaço para o outro lado apresentar um ponto-de-vista.
Tenho conversado com amigos sobre a influência dessa estrutura no debate democrático. É uma coisa contra a qual não adianta reclamar. Temos que nos adaptar à nova realidade e contornar seus vícios de origem. Não é difícil concluir, por exemplo, que as redes sociais reinstauraram um processo que acreditávamos obsoleto: a onda no lago. As pessoas mais influentes numa rede, mais articuladas, que postam as melhores fotos, e se apresentam como mais bem sucedidas, terão enorme poder de fogo para difundir suas ideias. Isso confere enorme vantagem à direita, em virtude da questão classista. Empregados e acadêmicos com opiniões dissonantes da elite terão receio de expô-las e se prejudicar profissionalmente. Quem é rico não tem medo de nada. Essa é uma das razões pelas quais os aposentados se tornaram o segmento social mais politizado das redes, à direita e à esquerda. O aposentado é o único que tem liberdade plena de expressão.
O adolescente tem a liberdade de sua intrepidez natural, orgânica, mas tende a seguir os colegas de sua esfera. Se todo mundo está fazendo uma coisa, ele também quer fazê-la. Daí a facilidade com que se impõem estéticas à esta primeira juventude. Essa foi uma das razões pelas quais, no auge dos protestos em junho, tive muita paranóia dos caminhos que os manifestantes poderiam seguir, caso se deixassem levar por alguns dos slogans oportunistas que a direita logo se apressou a oferecer nas redes.
Hoje estou bem mais calmo, e entendo melhor o “gigante”. Como não entender a angústia humana ou coletiva? Como não entender o desespero? Por outro lado, receio que o nosso tempo, mais que nunca dominado pelas comunicações e pela tecnologia, necessite de uma boa dose de paranoia, como muro de proteção. Nunca estivemos tão vulneráveis a golpes “culturais”. Se eu fosse um triliardário de extrema-direita, com que prazer não patrocinaria um movimento de massa, via facebook, para derrubar governos incômodos a meus negócios ou às minhas ideias! No século XIX e início do século XX não existiam bilionários globais. Os golpes eram tramados pelos serviços secretos de governos. A concentração mundial da renda das últimas décadas produzirá ou já produziu golpistas privados. Temos que nos precaver contra isso, e não por outra razão tenho feito uma campanha tão grande para que nossos governos desenvolvam estruturas públicas nas redes sociais para dialogar com a população. Não quero governos “controlando” manifestações ou mesmo “influenciando” ou “direcionando” a juventude. Mas também não quero ver a nossa juventude correr o risco de ser manipulada por algum interesse estrangeiro, o que acontece com mais frequência que imaginamos. Um amigo mais velho me contava, outro dia, que participou de passeatas nos anos 60 contra uma determinada marca, e descobriu mais tarde que o protesto fora articulado pela empresa concorrente, ambas norte-americanas.
Voltando a questão do linchamento, quero prestar solidariedade ao Fora do Eixo e ao Mídia Ninja. Ninguém é perfeito, e qualquer um que não tenha sido consumido pelo farisaísmo radical dos últimos tempos sabe que não existe nenhum movimento, coletivo, instituição, partido, ou qualquer tipo de associação humana, sem divergências, ressentimentos e frustrações intestinas. Quanto mais cresce um movimento, mais vulnerável se torna às suas próprias contradições. As críticas que se fazem ao Fora do Eixo, por outro lado, nos remetem a questões antigas da ciência política: qualquer movimento que tenha aspirações políticas precisa passar, uma hora ou outra, pela experiência democrática. É isso ou enfrentar o terremoto constante das revoluções dissidentes. Ou então renunciar à qualquer aspiração política e se afirmar como empresa privada, com proprietários exercendo o poder monocraticamente.
Apesar dos meus fumos de socialista de botequim, não sou contra a propriedade privada. Aliás, acho que essa é o grande avanço da esquerda moderna e democrática, o ter compreendido a possibilidade de construir uma relação dialética entre os três grandes poderes do mundo: o poder privado, o poder público e o poder associativo. Uma relação que sempre implicará em tensões, e que só encontrará o equilíbrio quando o poder público conquistar a hegemonia, local e global, através de uma instituição internacional, eleita democraticamente, que corresponda aos interesses de toda a humanidade.
Na verdade, até mesmo o poder privado requer um traquejo democrático.
Seja como for, não podemos perder o foco. Eu estive em São Paulo há algumas semanas, onde participei de um debate num evento organizado por coletivos de cultura, entre eles o Fora do Eixo. À noite, tomando umas e outras com um dos leitores mais queridos do Cafezinho, Wagner Moraes, ele me deu algumas ideias fundamentais. Em primeiro lugar, defendeu o aspecto positivo dos protestos, que serviram para despertar todos os demônios, inclusive aqueles que estão ao lado do povo. Em segundo, Moraes lembrou que o debate sobre a mídia não pode se dissociar da questão política. Não questão política ideológica, mas questão política patrimonial. O presidente do Congresso Nacional, o senhor Henrique Alves, é dono da mídia em seu estado. É o responsável pela retransmissão da Globo. Renan Calheiros, Sarney, Jader Barbalho, ACM Neto, Feliciano, todas as figuras do conservadorismo que apoiam ou não o governo, são donos da mídia. Em Minas Gerais, o PSDB domina a mídia. Em São Paulo, o PSDB não é propriamente dono da mídia, mas a mídia é tucana até a raiz dos cabelos.
É por isso que nunca se fez reforma política no Brasil. Não interessa à mídia mudar o status quo. E sabe o que é pior? O poder da mídia é tão grande que temos de tomar um enorme cuidado para não deixá-la manipular o desejo de mudança e, numa jogada lampedusiana, liderar reformas que ampliem ainda mais o seu poder, como parecia ser o caso do plesbiscito. Daqui a alguns meses, quando a poeira baixar de vez, talvez caia a ficha em muita gente de que foi melhor não ter plebiscito, nem constituinte exclusiva, nem nada, porque havia o risco de retrocesso. O Brasil jamais poderá fazer uma reforma política de maneira livre, confiante e democrática sem antes fazer mudanças importantes em nosso sistema midiático.
O problema da mídia é a questão central da nossa democracia. Li por esses dias que os políticos querem “baratear” as campanhas reduzindo o horário eleitoral de 60 para 30 dias. Ou seja, mais poder para mídia, menos diálogo entre partidos e cidadãos. Tem de ser o contrário! Partidos, governos e forças políticas tem de estar na TV diariamente! As restrições eleitorais tem de ser suprimidas. Em nome da liberdade de expressão, cidadãos, empresas, sindicatos e movimentos sociais devem ter o direito de fazer campanha de seus partidos e candidatos a qualquer época do ano. E devíamos ter, em horário nobre, uma hora diária de diálogo entre os representantes eleitos e os eleitores. Bastaria elaborar algumas regras para que a sociedade também tivesse espaço para questionar o poder político.
Nossos prefeitos, governadores, deputados, senadores, e presidente da república, deveriam estar diariamente na televisão, conversando com seus eleitores, sendo cobrados e criticados por um lado, e explicando o funcionamento do sistema de outro. As oposições também teriam seu espaço, com regras inclusive para garantir o direito ao contraditório.
A nossa mídia é tão hipócrita que critica Henrique Alves, Sarney, Renan Calheiros, Collor, faz charges diárias contra eles, posando de “progressista”, mas não informa ao povo que o poder de todos eles deriva do controle societário ou familiar sobre os meios de comunicação em seus estados. Isso é genuinamente nocivo. O contribuinte brasileiro, via propaganda estatal, tem dado dezenas de bilhões de reais a emissoras de TV que são controladas pelas velhas oligarquias. Quando a Secom distribui verba para a Globo, está entregando também dinheiro nas mãos de Henrique Alves, Sarney, Collor e Renan. A crítica da Globo a esses caciques, portanto, é uma crítica mascarada.
Essa é uma denúncia que você não lerá nas colunas de João Ubaldo Ribeiro, Zuenir Ventura, Ferreira Gullar, Arnaldo Jabor, Nelson Motta, Merval Pereira ou de qualquer outro articulista da grande imprensa. É um assunto proibido. Os colunistas da velha mídia posam de “críticos do poder” de dia, mas se ajoelham diante de seu altar à noite.
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