Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A atitude generosa dos meios de comunicação diante das dificuldades de Marina Silva para registrar a Rede de Sustentabilidade no TSE só se explica pela obsessão conservadora de impedir de qualquer maneira a reeleição de Dilma Rousseff.
Basta ler as pesquisas eleitorais recentes para constatar o óbvio. Entre tantos concorrentes oposicionistas, o único nome que aparece como concorrente competitiva é Marina Silva.
Outro candidato, Aécio Neves, pode até ganhar fôlego e demonstrar maior musculatura. No momento, enfrenta, mais uma vez, o apetite de José Serra de roubar-lhe a faixa de concorrente.
A obsessão em impedir a reeleição de Dilma cresceu depois que sua recuperação junto ao eleitorado foi confirmada pelo Ibope e ajuda a entender o caráter desonesto da campanha contra a vinda de médicos cubanos.
Numa atitude que demonstra até onde o interesse eleitoral pode chegar, nosso conservadorismo deixa claro que prefere sacrificar a saúde da população mais pobre, sem assistência médica de nenhum tipo, apenas para tentar impedir que Dilma possa apresentar alguma – modesta mesmo, vamos reconhecer – melhoria numa área tão abandonada do serviço público.
Enquanto isso, Marina tem sido tratada a pão de ló.
Agora, ela procura um tratamento preferencial: seus advogados querem ampliar o prazo legal para o exame e aprovação das 492.000 assinaturas necessárias para legalização de seu partido, a Rede de Sustentabilidade.
Certo? Errado?
Não se preocupe. Se for preciso, dá-se um jeito.
Há antecedentes no tratamento especial a Marina.
Numa decisão que mais tarde seria revertida pelo plenário do STF, em abril o ministro Gilmar Mendes fez um momento brusco em benefício da sua candidatura, acolhendo um mandato de segurança que a beneficiava. O Congresso debatia naquele momento uma medida que, ao atrapalhar a criação de novos partidos num universo com 29 siglas já existentes, poderia dificultar a formação da Rede.
Ao justificar uma intervenção insólita no processo, o ministro empregou um argumento de natureza política. Sugeriu que, ao prejudicar a formação do partido de Marina, a medida poderia prejudicar o equilíbrio entre as candidaturas em 2014.
A medida em debate no Congresso até poderia estar errada, vamos admitir. O problema é que, num país onde a Constituição diz que todos os poderes emanam do povo, quem tem o direito de decidir se os pleitos serão equilibrados, desequilibrados, uma barbada ou uma disputa aflita até o último minuto é o eleitor – e mais ninguém.
Capaz de obter a marca respeitável de 20 milhões de votos em 2010, Marina Silva demonstra uma imensa dificuldade para construir uma organização coletiva e estabelecer um projeto coerente de disputa pelo poder político. Sua dificuldade para reunir quase meio milhão de assinaturas certificadas pela Justiça eleitoral não envolve um problema burocrático nem se explica pela má vontade de cartórios eleitorais. A causa é política.
“O que é a Rede?”, podemos perguntar.
Marina já declarou que a Rede não é da situação nem da oposição. Mesmo assim, foi poupada de qualquer crítica impiedosa, ao contrário do que ocorreu com Gilberto Kassab, quando disse que seu PSD não era de direita nem de esquerda.
O fiasco na coleta de assinaturas tem uma causa óbvia. Marina não tem uma máquina política profissional, com um mínimo de articulação nacional, como acontece com todo partido que tem ambições reais de chegar ao poder de Estado.
Tampouco conseguiu construir um movimento social orgânico, estruturado, para bater pernas voluntariamente em busca do apoio do cidadão comum.
Isso acontece porque até agora Marina não conseguiu entrar no debate político real sobre o país.
Existe como mito, o que tem inegável valor eleitoral enquanto permanecer sob proteção dos meios de comunicação.
Mas até agora não formulou um projeto coerente para o país, o que tem seu preço quando se tenta construir um partido, formar alianças, cobrar lealdades, definir prioridades e preferências.
Sua bandeira maior, o ambientalismo, tem um inegável poder de atração, em especial junto a eleitores jovens.
Falta explicar, no entanto, como se pretende combinar o controle ambiental com outras necessidades. Não estamos na Alemanha. (Eu acho que nem na Alemanha as discussões ocorrem como se pensa que elas ocorrem, mas deu para entender, certo?)
Até as crianças sabem que não existe ecologia grátis. Exigências ambientais têm a contrapartida inevitável de reduzir a velocidade do crescimento econômico, o que coloca uma questão essencial, que é saber como Marina pretende combinar um discurso que faz do meio ambiente a prioridade número 1 com a necessidade de o país desenvolver-se, criar empregos e gerar riquezas para garantir uma situação de bem-estar à maioria de sua população.
Economistas de extração tucana e até mais conservadora que hoje cercam a candidata se dão bem com a ecologia porque ela ajuda a falar - com elegância - sobre limites naturais para o crescimento, em decrescimento, que é uma recessão programada, e outros eufemismos de quem considera que o desenvolvimento e a criação de empregos deixaram de ser prioridade mesmo no Brasil. Essa aproximação não surpreende, portanto, e ajuda Marina a ser abençoada pelo grande capital financeiro.
Mas economistas disputam votos na academia, costumam brilhar em reuniões fechadas e cobram somas milionárias para fazer profecias em encontros com empresários. Marina irá procurar votos junto ao povão pregando medidas recessivas e corte em gastos públicos e políticas sociais, como reza a cartilha de princípios de austeridade de seus economistas?
Irá dizer que o Estado de Bem-Estar Social é meio caminho andado para a servidão humana, como afirma Friederich Hayek, guru austríaco da maioria deles?
Outro aspecto é que a maior parte dos 20 milhões de votos de Marina são fruto de um casamento que juntou duas conveniências. O cansaço de uma parcela da juventude com o PT e o conservadorismo de setores evangélicos mobilizados contra a legalização do aborto e os direitos dos gays.
Embora candidatos que mobilizam grandes parcelas do eleitorado sejam capazes, normalmente, de conseguir votos em setores diferenciados e mesmo em conflito permanente, estamos falando de um casamento-relâmpago entre parcelas da sociedade que se detestam e se excluem.
Resumindo: foram eleitores de Marina, em grande parte, que organizaram grandes protestos para denunciar Feliciano. São eleitores de Marina, também, que lhe dão apoio.
Como combinar tudo isso e fazer um partido?
Essa é a pergunta.
A atitude generosa dos meios de comunicação diante das dificuldades de Marina Silva para registrar a Rede de Sustentabilidade no TSE só se explica pela obsessão conservadora de impedir de qualquer maneira a reeleição de Dilma Rousseff.
Basta ler as pesquisas eleitorais recentes para constatar o óbvio. Entre tantos concorrentes oposicionistas, o único nome que aparece como concorrente competitiva é Marina Silva.
Outro candidato, Aécio Neves, pode até ganhar fôlego e demonstrar maior musculatura. No momento, enfrenta, mais uma vez, o apetite de José Serra de roubar-lhe a faixa de concorrente.
A obsessão em impedir a reeleição de Dilma cresceu depois que sua recuperação junto ao eleitorado foi confirmada pelo Ibope e ajuda a entender o caráter desonesto da campanha contra a vinda de médicos cubanos.
Numa atitude que demonstra até onde o interesse eleitoral pode chegar, nosso conservadorismo deixa claro que prefere sacrificar a saúde da população mais pobre, sem assistência médica de nenhum tipo, apenas para tentar impedir que Dilma possa apresentar alguma – modesta mesmo, vamos reconhecer – melhoria numa área tão abandonada do serviço público.
Enquanto isso, Marina tem sido tratada a pão de ló.
Agora, ela procura um tratamento preferencial: seus advogados querem ampliar o prazo legal para o exame e aprovação das 492.000 assinaturas necessárias para legalização de seu partido, a Rede de Sustentabilidade.
Certo? Errado?
Não se preocupe. Se for preciso, dá-se um jeito.
Há antecedentes no tratamento especial a Marina.
Numa decisão que mais tarde seria revertida pelo plenário do STF, em abril o ministro Gilmar Mendes fez um momento brusco em benefício da sua candidatura, acolhendo um mandato de segurança que a beneficiava. O Congresso debatia naquele momento uma medida que, ao atrapalhar a criação de novos partidos num universo com 29 siglas já existentes, poderia dificultar a formação da Rede.
Ao justificar uma intervenção insólita no processo, o ministro empregou um argumento de natureza política. Sugeriu que, ao prejudicar a formação do partido de Marina, a medida poderia prejudicar o equilíbrio entre as candidaturas em 2014.
A medida em debate no Congresso até poderia estar errada, vamos admitir. O problema é que, num país onde a Constituição diz que todos os poderes emanam do povo, quem tem o direito de decidir se os pleitos serão equilibrados, desequilibrados, uma barbada ou uma disputa aflita até o último minuto é o eleitor – e mais ninguém.
Capaz de obter a marca respeitável de 20 milhões de votos em 2010, Marina Silva demonstra uma imensa dificuldade para construir uma organização coletiva e estabelecer um projeto coerente de disputa pelo poder político. Sua dificuldade para reunir quase meio milhão de assinaturas certificadas pela Justiça eleitoral não envolve um problema burocrático nem se explica pela má vontade de cartórios eleitorais. A causa é política.
“O que é a Rede?”, podemos perguntar.
Marina já declarou que a Rede não é da situação nem da oposição. Mesmo assim, foi poupada de qualquer crítica impiedosa, ao contrário do que ocorreu com Gilberto Kassab, quando disse que seu PSD não era de direita nem de esquerda.
O fiasco na coleta de assinaturas tem uma causa óbvia. Marina não tem uma máquina política profissional, com um mínimo de articulação nacional, como acontece com todo partido que tem ambições reais de chegar ao poder de Estado.
Tampouco conseguiu construir um movimento social orgânico, estruturado, para bater pernas voluntariamente em busca do apoio do cidadão comum.
Isso acontece porque até agora Marina não conseguiu entrar no debate político real sobre o país.
Existe como mito, o que tem inegável valor eleitoral enquanto permanecer sob proteção dos meios de comunicação.
Mas até agora não formulou um projeto coerente para o país, o que tem seu preço quando se tenta construir um partido, formar alianças, cobrar lealdades, definir prioridades e preferências.
Sua bandeira maior, o ambientalismo, tem um inegável poder de atração, em especial junto a eleitores jovens.
Falta explicar, no entanto, como se pretende combinar o controle ambiental com outras necessidades. Não estamos na Alemanha. (Eu acho que nem na Alemanha as discussões ocorrem como se pensa que elas ocorrem, mas deu para entender, certo?)
Até as crianças sabem que não existe ecologia grátis. Exigências ambientais têm a contrapartida inevitável de reduzir a velocidade do crescimento econômico, o que coloca uma questão essencial, que é saber como Marina pretende combinar um discurso que faz do meio ambiente a prioridade número 1 com a necessidade de o país desenvolver-se, criar empregos e gerar riquezas para garantir uma situação de bem-estar à maioria de sua população.
Economistas de extração tucana e até mais conservadora que hoje cercam a candidata se dão bem com a ecologia porque ela ajuda a falar - com elegância - sobre limites naturais para o crescimento, em decrescimento, que é uma recessão programada, e outros eufemismos de quem considera que o desenvolvimento e a criação de empregos deixaram de ser prioridade mesmo no Brasil. Essa aproximação não surpreende, portanto, e ajuda Marina a ser abençoada pelo grande capital financeiro.
Mas economistas disputam votos na academia, costumam brilhar em reuniões fechadas e cobram somas milionárias para fazer profecias em encontros com empresários. Marina irá procurar votos junto ao povão pregando medidas recessivas e corte em gastos públicos e políticas sociais, como reza a cartilha de princípios de austeridade de seus economistas?
Irá dizer que o Estado de Bem-Estar Social é meio caminho andado para a servidão humana, como afirma Friederich Hayek, guru austríaco da maioria deles?
Outro aspecto é que a maior parte dos 20 milhões de votos de Marina são fruto de um casamento que juntou duas conveniências. O cansaço de uma parcela da juventude com o PT e o conservadorismo de setores evangélicos mobilizados contra a legalização do aborto e os direitos dos gays.
Embora candidatos que mobilizam grandes parcelas do eleitorado sejam capazes, normalmente, de conseguir votos em setores diferenciados e mesmo em conflito permanente, estamos falando de um casamento-relâmpago entre parcelas da sociedade que se detestam e se excluem.
Resumindo: foram eleitores de Marina, em grande parte, que organizaram grandes protestos para denunciar Feliciano. São eleitores de Marina, também, que lhe dão apoio.
Como combinar tudo isso e fazer um partido?
Essa é a pergunta.
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