Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Um exercício interessante na observação da imprensa é vasculhar velhos arquivos, com palavras-chave tiradas do noticiário atual. Esse exercício permite constatar, por exemplo, as diferenças de pesos e medidas aplicadas a notícias sobre temas assemelhados, que podem mudar conforme os protagonistas e segundo os interesses de cada veículo no período.
O caso mais evidente é a maneira cautelosa como a maioria dos jornais e algumas revistas tratam, nas edições de quinta-feira (15/8), as investigações sobre o histórico de fraudes que atrasam e encarecem as obras do transporte sobre trilhos em São Paulo, e o tsunami de condenações a priori feitas desde 2005 aos réus do caso conhecido como “mensalão”.
Nos jornais dos últimos dias, pode-se identificar uma profusão de expressões do tipo “suposto cartel”, ou “suposto pagamento de propina”, num caso em que denúncias documentadas evidenciam a ocorrência de corrupção sistemática e continuada que remete a financiamento partidário, pelo desvio de verbas que deveriam ser destinadas a melhorar a mobilidade urbana em São Paulo.
O discurso é completamente diferente daquele que acompanhou o chamado “mensalão”: de junho de 2005, quando surgiu a primeira denúncia de pagamentos irregulares a parlamentares da base aliada, até agosto de 2007, quando começou efetivamente o julgamento no Supremo Tribunal Federal, a imprensa nunca usou uma condicionante ao veicular todo tipo de acusação.
Já na primeira semana em que o assunto apareceu nos jornais, a Folha de S. Paulo adotou a expressão usada pelo então deputado Roberto Jefferson, do PTB, dando como verdadeiro tudo que dizia o acusador. A partir daí, todas as dúvidas foram eliminadas e as redações passaram a aceitar como fundamentada qualquer declaração contrária aos acusados.
Embora Jefferson nunca tenha envolvido diretamente o então presidente Lula da Silva nas denúncias, jornais e revistas passaram quase todo o primeiro semestre de 2006, ano de eleições presidenciais, tentando envolvê-lo no escândalo. Embora já se soubesse, na ocasião, que o mesmo esquema havia sido utilizado pelo PSDB em Minas Gerais, a imprensa procurou concentrar as denúncias no caso que incriminava políticos do PT.
Um estilo muito diferente pode ser apreciado no caso que envolve políticos do PSDB em São Paulo, e que não tem origem em declarações, mas em documentos oficiais de variadas fontes.
Se a imprensa tivesse interesse real em revelar as causas profundas da corrupção no Brasil, investiria nas conexões entre os variados escândalos, dispensando a todos eles o rigor acusatório que aplicou no chamado “mensalão”.
Tirando da cena
Tudo que foi dito até aqui é de amplo conhecimento, porque a imprensa nunca tratou de dissimular suas preferências. No entanto, não é tão fácil entender certas variações no ânimo dos jornais e revistas para desvendar os enredos da corrupção.
Em novembro de 2000, cinco anos antes de eclodir o chamado “mensalão”, por exemplo, a Folha de S. Paulo (ver aqui) denunciava um “poderoso esquema de arrecadação de fundos” na campanha para a reeleição do então presidente Fernando Henrique Cardoso, ocorrida em 1998. O chamado “caixa dois”, admitido pelo então coordenador de campanha, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, tinha como principal operador, segundo o jornal, o ministro da Secretaria da Comunicação de Fernando Henrique, Andrea Matarazzo.
Dias depois de publicada essa denúncia, a revista Veja retomou o assunto (ver aqui), afirmando que “aFolha de S. Paulo atirou num ninho de cobras e acertou uma manada de elefantes”. No texto, como se pode observar, Veja comenta que a denúncia foi esvaziada pela ação de representantes do PSDB, alegando que a prática do “caixa dois” era uma rotina generalizada em todos os partidos e todas as campanhas eleitorais.
Na impossibilidade e na falta de interesse em investigar o assunto, aquilo que havia sido demonstrado em planilhas pela Folha acabou desaparecendo do noticiário.
Na quinta-feira (15/8), o Estado de S. Paulo traz reportagem sobre o escândalo que envolve o governo paulista, citando uma conta bancária mantida no exterior para o pagamento de propinas, que já havia aparecido em investigações da Procuradoria da República em 2004, acerca de remessas de divisas para um ex-diretor do Banco do Brasil no governo de Fernando Henrique Cardoso.
O Estado lembra que o ex-ministro de Fernando Henrique, Andrea Matarazzo, foi indiciado na ocasião, o que abre a possibilidade de uma conexão entre o “caixa dois” de 1998 e a relação suspeita entre sucessivos governantes de São Paulo e empresas que atuaram em obras do metrô.
Mas não há sinais de que essa pista venha a ser explorada pela imprensa. Já se pode detectar um movimento diversionista semelhante ao que ocorreu há treze anos, após a revelação do caso do “caixa dois”.
Na quinta-feira (15), o Globo volta a desviar o noticiário sobre o “suposto pagamento de propinas” para a possibilidade de as mesmas empresas envolvidas no cartel em São Paulo terem participado de licitações fraudulentas em outros Estados.
Faz sentido ampliar o alcance das reportagens, se há suspeitas de que o cartel funcionou em todo lugar onde há obras de transporte sobre trilhos, mas o histórico da imprensa levanta suspeitas de que o que se pretende é criar um desvio do escândalo principal.
Só no âmbito do Ministério Público de São Paulo foram abertos 51 inquéritos para apurar a vinculação entre o cartel confessado pela empresa Siemens e o pagamento de propinas a autoridades paulistas. No fim desse trilho já se pode vislumbrar o seguinte contexto: o noticiário se dilui em dezenas de casos e personagens, e o núcleo original das denúncias é retirado da cena principal.
O caso mais evidente é a maneira cautelosa como a maioria dos jornais e algumas revistas tratam, nas edições de quinta-feira (15/8), as investigações sobre o histórico de fraudes que atrasam e encarecem as obras do transporte sobre trilhos em São Paulo, e o tsunami de condenações a priori feitas desde 2005 aos réus do caso conhecido como “mensalão”.
Nos jornais dos últimos dias, pode-se identificar uma profusão de expressões do tipo “suposto cartel”, ou “suposto pagamento de propina”, num caso em que denúncias documentadas evidenciam a ocorrência de corrupção sistemática e continuada que remete a financiamento partidário, pelo desvio de verbas que deveriam ser destinadas a melhorar a mobilidade urbana em São Paulo.
O discurso é completamente diferente daquele que acompanhou o chamado “mensalão”: de junho de 2005, quando surgiu a primeira denúncia de pagamentos irregulares a parlamentares da base aliada, até agosto de 2007, quando começou efetivamente o julgamento no Supremo Tribunal Federal, a imprensa nunca usou uma condicionante ao veicular todo tipo de acusação.
Já na primeira semana em que o assunto apareceu nos jornais, a Folha de S. Paulo adotou a expressão usada pelo então deputado Roberto Jefferson, do PTB, dando como verdadeiro tudo que dizia o acusador. A partir daí, todas as dúvidas foram eliminadas e as redações passaram a aceitar como fundamentada qualquer declaração contrária aos acusados.
Embora Jefferson nunca tenha envolvido diretamente o então presidente Lula da Silva nas denúncias, jornais e revistas passaram quase todo o primeiro semestre de 2006, ano de eleições presidenciais, tentando envolvê-lo no escândalo. Embora já se soubesse, na ocasião, que o mesmo esquema havia sido utilizado pelo PSDB em Minas Gerais, a imprensa procurou concentrar as denúncias no caso que incriminava políticos do PT.
Um estilo muito diferente pode ser apreciado no caso que envolve políticos do PSDB em São Paulo, e que não tem origem em declarações, mas em documentos oficiais de variadas fontes.
Se a imprensa tivesse interesse real em revelar as causas profundas da corrupção no Brasil, investiria nas conexões entre os variados escândalos, dispensando a todos eles o rigor acusatório que aplicou no chamado “mensalão”.
Tirando da cena
Tudo que foi dito até aqui é de amplo conhecimento, porque a imprensa nunca tratou de dissimular suas preferências. No entanto, não é tão fácil entender certas variações no ânimo dos jornais e revistas para desvendar os enredos da corrupção.
Em novembro de 2000, cinco anos antes de eclodir o chamado “mensalão”, por exemplo, a Folha de S. Paulo (ver aqui) denunciava um “poderoso esquema de arrecadação de fundos” na campanha para a reeleição do então presidente Fernando Henrique Cardoso, ocorrida em 1998. O chamado “caixa dois”, admitido pelo então coordenador de campanha, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, tinha como principal operador, segundo o jornal, o ministro da Secretaria da Comunicação de Fernando Henrique, Andrea Matarazzo.
Dias depois de publicada essa denúncia, a revista Veja retomou o assunto (ver aqui), afirmando que “aFolha de S. Paulo atirou num ninho de cobras e acertou uma manada de elefantes”. No texto, como se pode observar, Veja comenta que a denúncia foi esvaziada pela ação de representantes do PSDB, alegando que a prática do “caixa dois” era uma rotina generalizada em todos os partidos e todas as campanhas eleitorais.
Na impossibilidade e na falta de interesse em investigar o assunto, aquilo que havia sido demonstrado em planilhas pela Folha acabou desaparecendo do noticiário.
Na quinta-feira (15/8), o Estado de S. Paulo traz reportagem sobre o escândalo que envolve o governo paulista, citando uma conta bancária mantida no exterior para o pagamento de propinas, que já havia aparecido em investigações da Procuradoria da República em 2004, acerca de remessas de divisas para um ex-diretor do Banco do Brasil no governo de Fernando Henrique Cardoso.
O Estado lembra que o ex-ministro de Fernando Henrique, Andrea Matarazzo, foi indiciado na ocasião, o que abre a possibilidade de uma conexão entre o “caixa dois” de 1998 e a relação suspeita entre sucessivos governantes de São Paulo e empresas que atuaram em obras do metrô.
Mas não há sinais de que essa pista venha a ser explorada pela imprensa. Já se pode detectar um movimento diversionista semelhante ao que ocorreu há treze anos, após a revelação do caso do “caixa dois”.
Na quinta-feira (15), o Globo volta a desviar o noticiário sobre o “suposto pagamento de propinas” para a possibilidade de as mesmas empresas envolvidas no cartel em São Paulo terem participado de licitações fraudulentas em outros Estados.
Faz sentido ampliar o alcance das reportagens, se há suspeitas de que o cartel funcionou em todo lugar onde há obras de transporte sobre trilhos, mas o histórico da imprensa levanta suspeitas de que o que se pretende é criar um desvio do escândalo principal.
Só no âmbito do Ministério Público de São Paulo foram abertos 51 inquéritos para apurar a vinculação entre o cartel confessado pela empresa Siemens e o pagamento de propinas a autoridades paulistas. No fim desse trilho já se pode vislumbrar o seguinte contexto: o noticiário se dilui em dezenas de casos e personagens, e o núcleo original das denúncias é retirado da cena principal.
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