Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador:
Dilma foi à ONU e fez o esperado de uma presidenta que defende o interesse nacional: espinafrou Obama pela espionagem ao Palácio do Planalto, à Petrobrás e aos brasileiros em geral. Perdeu, cowboy! Não estamos no velho oeste. Ou estamos?
Dilma não fez isso por ser de “esquerda”. Dos últimos presidentes brasileiros, creio que quase todos fariam o mesmo, com mais ou menos ênfase: Sarney, Itamar, Lula, até Collor. Quanto a FHC, não sei, sinceramente.
Tão esperada quanto a postura altiva de Dilma foi a reação de certos “especialistas” ouvidos por nossa imprensa. Terminado o discurso da presidenta, ouço numa rádio em São Paulo um jovem “especialista” em relações internacionais. A avaliação dele é a seguinte (não são palavras textuais; resumo o que escuto enquanto dirijo pelas ruas engarrafadas): “tanto faz o conteúdo do discurso, fale o que quiser a presidenta isso não muda nada, espionagem é algo comum e vai ser sempre assim”. O jornalista da rádio, timidamente, insiste: “mas aí não seria tomar a atitude errada como normal?”. E o “especialista” (da ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing; não consegui anotar o nome dele) responde: “não, veja, querer acabar com espionagem é como querer proibir o drible no futebol.”
Sofista. Da pior qualidade. Que bobagem colossal. Não, caro especialista, sua metáfora está equivocada. Se quisermos manter o debate no campo do futebol, eu diria que aceitar a espionagem como “normal” ou “comum” seria como dizer assim: “todo jogo de futebol sempre vai ter cotovelada, ou juiz comprado; então, é besteira reclamar; o negócio é dar cotovelada ou comprar o juiz também.”
Já houve um tempo, caro especialista, em que o mundo aceitava como “comum” a tortura. Ah, se todos torturam na guerra, vamos fazer o mesmo então? Não. O mundo caminhou para estabelecer tratados que tentam banir a tortura. O caminho é longo, mas o princípio foi estabelecido.
Não à barbárie. Sim à defesa do interesse nacional. Nada melhor do que uma presidente que já sofreu tortura de um regime autoritário para dar esse “chega pra lá” no vale-tudo. Sim, a presidenta que “não pode entrar nos EUA porque é terrorista” (lembram como ouvíamos isso em 2010, durante a campanha?) foi à ONU e disse o que os Estados Unidos não queriam ouvir: alto lá, vocês não podem tudo!
Da mesma forma, o uso das armas químicas poderia ser encarado como “normal”. Ah, não adianta reclamar , certo? É uma arma à disposição, todos vão usar – certo? Nem Obama pensa assim (ainda que saibamos que a censura ao uso das armas químicas na Síria, por parte do EUA, seja hipócrita, já que Obama tolera armas químicas, desde que estejam nas mãos “certas”). Mas vale o mesmo raciocínio: o mundo concordou que é necessário criar regraas para evitar o uso das armas químicas numa barbárie total.
O argumento do “especialista” da rádio é o da guerra de todos contra todos. É o vale-tudo. Na verdade, é apenas um sofisma para minimizar a ação altiva de Dilma, e para justificar a posição que durante tantos anos adotamos aqui no Brasil: “ah, os EUA são mais fortes; aceitemos a realidade, e tiremos os sapatos pra eles”. Nas redes sociais e nas ruas, esse mesmo pensamento encontra algum eco. É o servilismo travestido de “pragmatismo” rastaquera: o mundo é assim, que fazer.
A naturalização do uso da força já serviu pra justificar escravidão (“o mundo é assim, há senhores e escravos”), e a manutenção do domínio colonial (“o mundo é assim, há povos que nasceram para comandar, outros nasceram pra ser comandados). Ouvir essas bobagens de um inglês do século XIX ou início do século XX seria até compreensível: estaria defendendo os interesses do Império Britânico. Ouvir isso de um “especialista” brasileiro no século XXI é a constatação de que o caminho para a libertação nacional é longo. Os principais inimigos estão aqui dentro: nas universidades, na mídia, nas classes médias que compram o “ah, isso é normal, os EUA têm mais é que espionar mesmo”.
Raciocínio subserviente; e tosco, além de tudo. Porque, se é verdade que a espionagem não vai acabar, parece óbvio que a melhor forma de criar algumas regras para evitar a barbárie completa nessa área é constranger o “espião”. Constranger o mais forte, às vezes, é uma forma de tornar o mundo menos bárbaro. Expor e denunciar o uso abusivo da força é uma estratégia inteligente e necessária. Foi assim que as mulheres conseguiram impor leis que penalizam aqueles homens que usam a força para cometer abusos sexuais. No passado, o abuso era tolerado dentro de um casal (“normal”, o marido ou parceiro é mais forte, fazer o que…).
Para concluir, uma ressalva: precisamos, sim, lutar contra a barbárie do vale-tudo no campo da informação e da comunicação; mas devemos estar preparados para o caso da barbárie internacional se impor. Ou seja: devemos denunciar o vale-tudo dos EUA, e ao mesmo tempo devemos equipar nosso Estado, criando sistemas de inteligência dignos desse nome. Enquanto o antigo SNI (ABIN) seguir a concentrar esforços na espionagem de movimentos sociais (sindicatos, MST etc), em vez de defender o interesse nacional, estamos fritos.
O mundo precisa criar regras para frear a arrogância dos EStados Unidos. Isso não é anti-americanismo. Isso é o óbvio ululante, se buscamos um mundo melhor. Gostem ou não nossos jovens “especialistas”.
Dilma foi à ONU e fez o esperado de uma presidenta que defende o interesse nacional: espinafrou Obama pela espionagem ao Palácio do Planalto, à Petrobrás e aos brasileiros em geral. Perdeu, cowboy! Não estamos no velho oeste. Ou estamos?
Dilma não fez isso por ser de “esquerda”. Dos últimos presidentes brasileiros, creio que quase todos fariam o mesmo, com mais ou menos ênfase: Sarney, Itamar, Lula, até Collor. Quanto a FHC, não sei, sinceramente.
Tão esperada quanto a postura altiva de Dilma foi a reação de certos “especialistas” ouvidos por nossa imprensa. Terminado o discurso da presidenta, ouço numa rádio em São Paulo um jovem “especialista” em relações internacionais. A avaliação dele é a seguinte (não são palavras textuais; resumo o que escuto enquanto dirijo pelas ruas engarrafadas): “tanto faz o conteúdo do discurso, fale o que quiser a presidenta isso não muda nada, espionagem é algo comum e vai ser sempre assim”. O jornalista da rádio, timidamente, insiste: “mas aí não seria tomar a atitude errada como normal?”. E o “especialista” (da ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing; não consegui anotar o nome dele) responde: “não, veja, querer acabar com espionagem é como querer proibir o drible no futebol.”
Sofista. Da pior qualidade. Que bobagem colossal. Não, caro especialista, sua metáfora está equivocada. Se quisermos manter o debate no campo do futebol, eu diria que aceitar a espionagem como “normal” ou “comum” seria como dizer assim: “todo jogo de futebol sempre vai ter cotovelada, ou juiz comprado; então, é besteira reclamar; o negócio é dar cotovelada ou comprar o juiz também.”
Já houve um tempo, caro especialista, em que o mundo aceitava como “comum” a tortura. Ah, se todos torturam na guerra, vamos fazer o mesmo então? Não. O mundo caminhou para estabelecer tratados que tentam banir a tortura. O caminho é longo, mas o princípio foi estabelecido.
Não à barbárie. Sim à defesa do interesse nacional. Nada melhor do que uma presidente que já sofreu tortura de um regime autoritário para dar esse “chega pra lá” no vale-tudo. Sim, a presidenta que “não pode entrar nos EUA porque é terrorista” (lembram como ouvíamos isso em 2010, durante a campanha?) foi à ONU e disse o que os Estados Unidos não queriam ouvir: alto lá, vocês não podem tudo!
Da mesma forma, o uso das armas químicas poderia ser encarado como “normal”. Ah, não adianta reclamar , certo? É uma arma à disposição, todos vão usar – certo? Nem Obama pensa assim (ainda que saibamos que a censura ao uso das armas químicas na Síria, por parte do EUA, seja hipócrita, já que Obama tolera armas químicas, desde que estejam nas mãos “certas”). Mas vale o mesmo raciocínio: o mundo concordou que é necessário criar regraas para evitar o uso das armas químicas numa barbárie total.
O argumento do “especialista” da rádio é o da guerra de todos contra todos. É o vale-tudo. Na verdade, é apenas um sofisma para minimizar a ação altiva de Dilma, e para justificar a posição que durante tantos anos adotamos aqui no Brasil: “ah, os EUA são mais fortes; aceitemos a realidade, e tiremos os sapatos pra eles”. Nas redes sociais e nas ruas, esse mesmo pensamento encontra algum eco. É o servilismo travestido de “pragmatismo” rastaquera: o mundo é assim, que fazer.
A naturalização do uso da força já serviu pra justificar escravidão (“o mundo é assim, há senhores e escravos”), e a manutenção do domínio colonial (“o mundo é assim, há povos que nasceram para comandar, outros nasceram pra ser comandados). Ouvir essas bobagens de um inglês do século XIX ou início do século XX seria até compreensível: estaria defendendo os interesses do Império Britânico. Ouvir isso de um “especialista” brasileiro no século XXI é a constatação de que o caminho para a libertação nacional é longo. Os principais inimigos estão aqui dentro: nas universidades, na mídia, nas classes médias que compram o “ah, isso é normal, os EUA têm mais é que espionar mesmo”.
Raciocínio subserviente; e tosco, além de tudo. Porque, se é verdade que a espionagem não vai acabar, parece óbvio que a melhor forma de criar algumas regras para evitar a barbárie completa nessa área é constranger o “espião”. Constranger o mais forte, às vezes, é uma forma de tornar o mundo menos bárbaro. Expor e denunciar o uso abusivo da força é uma estratégia inteligente e necessária. Foi assim que as mulheres conseguiram impor leis que penalizam aqueles homens que usam a força para cometer abusos sexuais. No passado, o abuso era tolerado dentro de um casal (“normal”, o marido ou parceiro é mais forte, fazer o que…).
Para concluir, uma ressalva: precisamos, sim, lutar contra a barbárie do vale-tudo no campo da informação e da comunicação; mas devemos estar preparados para o caso da barbárie internacional se impor. Ou seja: devemos denunciar o vale-tudo dos EUA, e ao mesmo tempo devemos equipar nosso Estado, criando sistemas de inteligência dignos desse nome. Enquanto o antigo SNI (ABIN) seguir a concentrar esforços na espionagem de movimentos sociais (sindicatos, MST etc), em vez de defender o interesse nacional, estamos fritos.
O mundo precisa criar regras para frear a arrogância dos EStados Unidos. Isso não é anti-americanismo. Isso é o óbvio ululante, se buscamos um mundo melhor. Gostem ou não nossos jovens “especialistas”.
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