Dame Justice, 2009/Charlotte Greenwood |
Ninguém quer enxergar uma verdade simples sobre o Supremo Tribunal Federal. Como acontece naquela fábula em que só um menino – em sua inocência – consegue avisar a população do reino que o rei está nu, a votação de 6 a 5 a favor dos embargos infringentes demonstrou uma verdade que poucas pessoas são capazes de enxergar: aqueles ministros que, liderados por Joaquim Barbosa, assumiram o compromisso público de condenar os réus do mensalão a penas altíssimas, à altura do “maior escândalo da história, encontram-se em minoria.
Vamos pedir ajuda à matemática e à política. Hoje a maioria liderada por Joaquim reúne cinco votos, os mesmos que asseguraram as condenações no ano passado. Muitas daquelas penas foram obtidas por 7 votos, mas essa vantagem desapareceu com duas aposentadorias e novas indicações.
Comparando os times que votaram nos embargos, é razoável prever uma troca compensatória de posições. Celso de Mello, autor do voto tão sólido a favor do direito aos embargos, logo voltará ao time anterior, pois está convencido da culpa dos acusados.
Carmen Lucia, que ficou contra embargos infringentes, dando um voto sem informações completas, pois não levou em conta uma decisão definitiva do Congresso a respeito, tem como caminho natural assumir uma posição favorável aos acusados, na hora do debate sobre o mérito de cada embargo. Em 2012, ela foi uma das responsáveis pelos quatro votos que permitem a José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, e outros cinco réus, contestar a condenação por “formação de quadrilha.” Carmen Lucia mudou de votos em vários momentos do julgamento mas a situação, agora, é um pouco especial.
Qualquer movimento para mudar de posição exigirá uma ginástica difícil, pois não estamos diante de um novo julgamento, mas diante de embargos que pretendem tão somente reduzir penas e mesmo inocentar determinados réus. Embora seja claro que todos podem mudar seus votos de culpado para inocente, é duvidoso que se possa fazer o movimento contrário. já que não está em pauta um embargo para agravar penas e condenações.
Em função disso, ao debater o crime de formação de quadrilha, que envolve diretamente 8 réus, a minoria entra no jogo com quatro votos.
Restam dois votos, trazidos por José Luiz Barroso e Teori Zavaski. Eles vão decidir a parada. Herdeiros dos votos de Ayres Brito e Cesar Pelluso, que votaram contra os réus, eles são vistos, em estado natural, como simpáticos aos réus.
E aí está a surpresa na roupa do rei. Se os dois votos ficarem com a minoria, os réus serão beneficiados.
Caso os dois votos se dividam, caminhando um para cada lado, o julgamento terá o mesmo resultado de 2012.
Tanto Barroso como Zavaski já disseram claramente que têm críticas importantes às sentenças iniciais do Supremo. Barroso admitiu que discordava das penas e de muitas sentenças. Falou em “ponto fora da curva” quando depôs no Senado, mas, na hora de votar nos embargos declaratórios, desobedeceu sua consciência com o argumento de que não queria afrontar o trabalho dos novos colegas embora tivesse claro o erro de sua condenação.
Zavaski deixou claro, inclusive, que enxerga elementos para uma decisão ainda mais drástica do que os embargos. Falou em “revisão criminal,” que representa, sim, um novo julgamento. Mas, no voto sobre os declaratórios, também preferiu não chocar-se com os novos colegas.
Nesta situação, a pergunta é saber se, na hora de reduzir penas, condenar ou absolver, Barroso e Zavaski serão capazes de manter-se coerentes com as convicções jurídicas que defenderam ao longo da carreira – e que manifestaram também quando pleiteavam, legitimamente, por uma indicação ao STF – ou se irão corrigir-se. Há antecedentes.
Indicado pela presidenta Dilma Rousseff, como os dois, o novo relator, Luiz Fux, durante sua candidatura a ministro, deixou em seus interlocutores a certeza de que seus princípios jurídicos apontavam para uma postura favorável aos réus. Nomeado, surpreendeu muitos de seus padrinhos com a posição contrária.
A pergunta, agora, é se Barroso e Zavaski terão uma trajetória semelhante à de Fux. Ou se irão demonstrar mais apego com os princípios que defenderam até aqui.
Esta é a questão que vai decidir a ação penal 470. Não há nada que outros ministros possam fazer a respeito. Mesmo Joaquim, com todos os seus poderes de presidente, não tem grande área de ação, até porque colecionou poucos aliados e muitos inimigos na Corte.
Muito menos Fux. Cria-se, assim, a possibilidade de uma decisão soberana por parte do Supremo. Este é o incômodo. É insuportável para muitas pessoas e imensos interesses. Quem aguenta a liberdade de consciência de um juiz quando ela pode desmanchar uma narrativa (palavrinha chique, não?) longamente construída depois da entrevista de Roberto Jefferson?
Quem assistiu ao massacre enfrentado por Celso de Mello sabe muito bem o que se deve esperar. Talvez um pouco mais de sangue. Celso de Mello, de qualquer forma, não debatia uma decisão definitiva, mas o direito aos embargos. O conflito, agora, é saber quem vai para a cadeia, quem terá regime aberto, quem fica no regime fechado.
E claro: qual a foto será exibida na campanha eleitoral de 2014. Quem vai falar o que nos debates. Se houver uma revisão das penas, será possível mostrar que as condenações iniciais possuíam um componente de erro e arbítrio. Se tudo for confirmado, será possível alegar que houve um julgamento justo e mesmo assim "esses mensaleiros" não conseguiram ser inocentados.
Toda a verdade e especialmente, toda mitologia em torno do mensalão, o “maior escândalo de corrupção da história”, estará em jogo.
Em busca de um voto para mudar um placar teoricamente desfavorável, os dois receberão tratamento impiedoso caso queriam preservar sua “isenção, imparcialidade e independência,” como disse tão bem Celso de Mello.
Clientes antigos de Barroso serão examinados, os votos de Teori em instâncias inferiores, onde fez sua carreira, serão revirados, num vale tudo que novamente irá colocar de forma transparente o caráter subdesenvolvido e deprimente em que se debate questões do judiciário em nosso País.
Claro que se fará o possível para criminalizar as indicações de ambos, associando a escolha de Dilma a um interesse partidário. Como se grandes adversários dos réus petistas – como Joaquim Barbosa e, antes dele, Ayres Britto não tivessem a mesma origem.
Cabe esclarecer um ponto de partida. Não acho que o judiciário seja um aparelho político, que deve servir de correia de transmissão de forças partidárias. Mas existem pontos de contato entre as convicções jurídicas de determinados juízes e o universo político do país em que residem. É assim no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, a pauta das campanhas presidenciais inclui o judiciário e a nomeação de juízes identificados com cada partido. É natural. Depois de eleito, um presidente irá escolher juízes que em sua visão, se batem por princípios mais adequados para o país. E é bom que este debate seja feito de forma clara e assumida.
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