Pelo Coletivo Nigéria, no sítio da Agência Pública:
No começo da noite de uma quinta-feira de setembro, a rodoviária de Juazeiro da Bahia era o retrato da desolação. No saguão mal iluminado, funcionavam um box cuja especialidade é caldo de carne, uma lanchonete de balcão comprido, ornado por salgados, biscoitos e batata chips, e um único guichê – com perturbadoras nuvens de mosquitos sobre as cabeças de quem aguardava para comprar passagens para pequenas cidades ou capitais nordestinas.
Assentada à beira do rio São Francisco, na fronteira entre Pernambuco e Bahia, Juazeiro já foi uma cidade cortada por córregos, afluentes de um dos maiores rios do país. Hoje, tem mais de 200 mil habitantes, compõe o maior aglomerado urbano do semiárido nordestino ao lado de Petrolina – com a qual soma meio milhão de pessoas – e é infestada por muriçocas (ou pernilongos, se preferir). Os cursos de água que drenavam pequenas nascentes viraram esgotos a céu aberto, extensos criadouros do inseto, tradicionalmente combatidos com inseticida e raquete elétrica, ou janelas fechadas com ar condicionado para os mais endinheirados.
Mas os moradores de Juazeiro não espantam só muriçocas nesse início de primavera. A cidade é o centro de testes de uma nova técnica científica que utiliza Aedes aegypti transgênicos para combater a dengue, doença transmitida pela espécie. Desenvolvido pela empresa britânica de biotecnologia Oxitec, o método consiste basicamente na inserção de um gene letal nos mosquitos machos que, liberados em grande quantidade no meio ambiente, copulam com as fêmeas selvagens e geram uma cria programada para morrer. Assim, se o experimento funcionar, a morte prematura das larvas reduz progressivamente a população de mosquitos dessa espécie.
A técnica é a mais nova arma para combater uma doença que não só resiste como avança sobre os métodos até então empregados em seu controle. A Organização Mundial de Saúde estima que possam haver de 50 a 100 milhões de casos de dengue por ano no mundo. No Brasil, a doença é endêmica, com epidemias anuais em várias cidades, principalmente nas grandes capitais. Em 2012, somente entre os dias 1º de janeiro e 16 de fevereiro, foram registrados mais de 70 mil casos no país. Em 2013, no mesmo período, o número praticamente triplicou, passou para 204 mil casos. Este ano, até agora, 400 pessoas já morreram de dengue no Brasil.
Em Juazeiro, o método de patente britânica é testado pela organização social Moscamed, que reproduz e libera ao ar livre os mosquitos transgênicos desde 2011. Na biofábrica montada no município e que tem capacidade para produzir até 4 milhões de mosquitos por semana, toda cadeia produtiva do inseto transgênico é realizada – exceção feita à modificação genética propriamente dita, executada nos laboratórios da Oxitec, em Oxford. Larvas transgênicas foram importadas pela Moscamed e passaram a ser reproduzidas nos laboratórios da instituição.
Os testes desde o início são financiados pela Secretaria da Saúde da Bahia – com o apoio institucional da secretaria de Juazeiro – e no último mês de julho se estenderam ao município de Jacobina, na extremidade norte da Chapada Diamantina. Na cidade serrana de aproximadamente 80 mil habitantes, a Moscamed põe à prova a capacidade da técnica de “suprimir” (a palavra usada pelos cientistas para exterminar toda a população de mosquitos) o Aedes aegypti em toda uma cidade, já que em Juazeiro a estratégia se mostrou eficaz, mas limitada por enquanto a dois bairros.
“Os resultados de 2011 e 2012 mostraram que [a técnica] realmente funcionava bem. E a convite e financiados pelo Governo do Estado da Bahia resolvemos avançar e irmos pra Jacobina. Agora não mais como piloto, mas fazendo um teste pra realmente eliminar a população [de mosquitos]”, fala Aldo Malavasi, professor aposentado do Departamento de Genética do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e atual presidente da Moscamed. A USP também integra o projeto.
Malavasi trabalha na região desde 2006, quando a Moscamed foi criada para combater uma praga agrícola, a mosca-das-frutas, com técnica parecida – a Técnica do Inseto Estéril. A lógica é a mesma: produzir insetos estéreis para copular com as fêmeas selvagens e assim reduzir gradativamente essa população. A diferença está na forma como estes insetos são esterilizados. Ao invés de modificação genética, radiação. A TIE é usada largamente desde a década de 1970, principalmente em espécies consideradas ameaças à agricultura. O problema é que até agora a tecnologia não se adequava a mosquitos como o Aedes aegypti, que não resistiam de forma satisfatória à radiação.
No começo da noite de uma quinta-feira de setembro, a rodoviária de Juazeiro da Bahia era o retrato da desolação. No saguão mal iluminado, funcionavam um box cuja especialidade é caldo de carne, uma lanchonete de balcão comprido, ornado por salgados, biscoitos e batata chips, e um único guichê – com perturbadoras nuvens de mosquitos sobre as cabeças de quem aguardava para comprar passagens para pequenas cidades ou capitais nordestinas.
Assentada à beira do rio São Francisco, na fronteira entre Pernambuco e Bahia, Juazeiro já foi uma cidade cortada por córregos, afluentes de um dos maiores rios do país. Hoje, tem mais de 200 mil habitantes, compõe o maior aglomerado urbano do semiárido nordestino ao lado de Petrolina – com a qual soma meio milhão de pessoas – e é infestada por muriçocas (ou pernilongos, se preferir). Os cursos de água que drenavam pequenas nascentes viraram esgotos a céu aberto, extensos criadouros do inseto, tradicionalmente combatidos com inseticida e raquete elétrica, ou janelas fechadas com ar condicionado para os mais endinheirados.
Mas os moradores de Juazeiro não espantam só muriçocas nesse início de primavera. A cidade é o centro de testes de uma nova técnica científica que utiliza Aedes aegypti transgênicos para combater a dengue, doença transmitida pela espécie. Desenvolvido pela empresa britânica de biotecnologia Oxitec, o método consiste basicamente na inserção de um gene letal nos mosquitos machos que, liberados em grande quantidade no meio ambiente, copulam com as fêmeas selvagens e geram uma cria programada para morrer. Assim, se o experimento funcionar, a morte prematura das larvas reduz progressivamente a população de mosquitos dessa espécie.
A técnica é a mais nova arma para combater uma doença que não só resiste como avança sobre os métodos até então empregados em seu controle. A Organização Mundial de Saúde estima que possam haver de 50 a 100 milhões de casos de dengue por ano no mundo. No Brasil, a doença é endêmica, com epidemias anuais em várias cidades, principalmente nas grandes capitais. Em 2012, somente entre os dias 1º de janeiro e 16 de fevereiro, foram registrados mais de 70 mil casos no país. Em 2013, no mesmo período, o número praticamente triplicou, passou para 204 mil casos. Este ano, até agora, 400 pessoas já morreram de dengue no Brasil.
Em Juazeiro, o método de patente britânica é testado pela organização social Moscamed, que reproduz e libera ao ar livre os mosquitos transgênicos desde 2011. Na biofábrica montada no município e que tem capacidade para produzir até 4 milhões de mosquitos por semana, toda cadeia produtiva do inseto transgênico é realizada – exceção feita à modificação genética propriamente dita, executada nos laboratórios da Oxitec, em Oxford. Larvas transgênicas foram importadas pela Moscamed e passaram a ser reproduzidas nos laboratórios da instituição.
Os testes desde o início são financiados pela Secretaria da Saúde da Bahia – com o apoio institucional da secretaria de Juazeiro – e no último mês de julho se estenderam ao município de Jacobina, na extremidade norte da Chapada Diamantina. Na cidade serrana de aproximadamente 80 mil habitantes, a Moscamed põe à prova a capacidade da técnica de “suprimir” (a palavra usada pelos cientistas para exterminar toda a população de mosquitos) o Aedes aegypti em toda uma cidade, já que em Juazeiro a estratégia se mostrou eficaz, mas limitada por enquanto a dois bairros.
“Os resultados de 2011 e 2012 mostraram que [a técnica] realmente funcionava bem. E a convite e financiados pelo Governo do Estado da Bahia resolvemos avançar e irmos pra Jacobina. Agora não mais como piloto, mas fazendo um teste pra realmente eliminar a população [de mosquitos]”, fala Aldo Malavasi, professor aposentado do Departamento de Genética do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e atual presidente da Moscamed. A USP também integra o projeto.
Malavasi trabalha na região desde 2006, quando a Moscamed foi criada para combater uma praga agrícola, a mosca-das-frutas, com técnica parecida – a Técnica do Inseto Estéril. A lógica é a mesma: produzir insetos estéreis para copular com as fêmeas selvagens e assim reduzir gradativamente essa população. A diferença está na forma como estes insetos são esterilizados. Ao invés de modificação genética, radiação. A TIE é usada largamente desde a década de 1970, principalmente em espécies consideradas ameaças à agricultura. O problema é que até agora a tecnologia não se adequava a mosquitos como o Aedes aegypti, que não resistiam de forma satisfatória à radiação.
O plano de comunicação
As primeiras liberações em campo do Aedes transgênico foram realizadas nas Ilhas Cayman, entre o final de 2009 e 2010. O território britânico no Caribe, formado por três ilhas localizadas ao Sul de Cuba, se mostrou não apenas um paraíso fiscal (existem mais empresas registradas nas ilhas do que seus 50 mil habitantes), mas também espaço propício para a liberação dos mosquitos transgênicos, devido à ausência de leis de biossegurança. As Ilhas Cayman não são signatárias do Procolo de Cartagena, o principal documento internacional sobre o assunto, nem são cobertas pela Convenção de Aarthus – aprovada pela União Europeia e da qual o Reino Unido faz parte – que versa sobre o acesso à informação, participação e justiça nos processos de tomada de decisão sobre o meio ambiente.
Ao invés da publicação e consulta pública prévia sobre os riscos envolvidos no experimento, como exigiriam os acordos internacionais citados, os cerca de 3 milhões de mosquitos soltos no clima tropical das Ilhas Cayman ganharam o mundo sem nenhum processo de debate ou consulta pública. A autorização foi concedida exclusivamente pelo Departamento de Agricultura das Ilhas. Parceiro local da Oxitec nos testes, a Mosquito Research & Control Unit (Unidade de Pesquisa e Controle de Mosquito) postou um vídeo promocional sobre o assunto apenas em outubro de 2010, ainda assim sem mencionar a natureza transgênica dos mosquitos. O vídeo foi divulgado exatamente um mês antes da apresentação dos resultados dos experimentos pela própria Oxitec no encontro anual da American Society of Tropical Medicine and Hygiene(Sociedade Americana de Medicina Tropical e Higiene), nos Estados Unidos.
A comunidade científica se surpreendeu com a notícia de que as primeiras liberações no mundo de insetos modificados geneticamente já haviam sido realizadas, sem que os próprios especialistas no assunto tivessem conhecimento. A surpresa se estendeu ao resultado: segundo os dados da Oxitec, os experimentos haviam atingido 80% de redução na população de Aedes aegypti nas Ilhas Cayman. O número confirmava para a empresa que a técnica criada em laboratório poderia ser de fato eficiente. Desde então, novos testes de campo passaram a ser articulados em outros países – notadamente subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, com clima tropical e problemas históricos com a dengue.
Depois de adiar testes semelhantes em 2006, após protestos, a Malásia se tornou o segundo país a liberar os mosquitos transgênicos entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011. Seis mil mosquitos foram soltos num área inabitada do país. O número, bem menor em comparação ao das Ilhas Cayman, é quase insignificante diante da quantidade de mosquitos que passou a ser liberada em Juazeiro da Bahia a partir de fevereiro de 2011. A cidade, junto com Jacobina mais recentemente, se tornou desde então o maior campo de testes do tipo no mundo, com mais de 18 milhões de mosquitos já liberados, segundo números da Moscamed.
“A Oxitec errou profundamente, tanto na Malásia quanto nas Ilhas Cayman. Ao contrário do que eles fizeram, nós tivemos um extenso trabalho do que a gente chama de comunicação pública, com total transparência, com discussão com a comunidade, com visita a todas as casas. Houve um trabalho extraordinário aqui”, compara Aldo Malavasi.
Em entrevista por telefone, ele fez questão de demarcar a independência da Moscamed diante da Oxitec e ressaltou a natureza diferente das duas instituições. Criada em 2006, a Moscamed é uma organização social, sem fins lucrativos portanto, que se engajou nos testes do Aedes aegypti transgênico com o objetivo de verificar a eficácia ou não da técnica no combate à dengue. Segundo Malavasi, nenhum financiamento da Oxitec foi aceito por eles justamente para garantir a isenção na avaliação da técnica. “Nós não queremos dinheiro deles, porque o nosso objetivo é ajudar o governo brasileiro”, resume.
Em favor da transparência, o programa foi intitulado “Projeto Aedes Transgênico” (PAT), para trazer já no nome a palavra espinhosa. Outra determinação de ordem semântica foi o não uso do termo “estéril”, corrente no discurso da empresa britânica, mas empregada tecnicamente de forma incorreta, já que os mosquitos produzem crias, mas geram prole programada para morrer no estágio larval. Um jingle pôs o complexo sistema em linguagem popular e em ritmo de forró pé-de-serra. E o bloco de carnaval “Papa Mosquito” saiu às ruas de Juazeiro no Carnaval de 2011.
No âmbito institucional, além do custeio pela Secretaria de Saúde estadual, o programa também ganhou o apoio da Secretaria de Saúde de Juazeiro da Bahia. “De início teve resistência, porque as pessoas também não queriam deixar armadilhas em suas casas, mas depois, com o tempo, elas entenderam o projeto e a gente teve uma boa aceitação popular”, conta o enfermeiro sanitarista Mário Machado, diretor de Promoção e Vigilância à Saúde da secretaria.
As armadilhas, das quais fala Machado, são simples instrumentos instalados nas casas de alguns moradores da área do experimento. As ovitrampas, como são chamadas, fazem as vezes de criadouros para as fêmeas. Assim é possível colher os ovos e verificar se eles foram fecundados por machos transgênicos ou selvagens. Isso também é possível porque os mosquitos geneticamente modificados carregam, além do gene letal, o fragmento do DNA de uma água-viva que lhe confere uma marcação fluorescente, visível em microscópios.
Desta forma, foi possível verificar que a redução da população de Aedes aegypti selvagem atingiu, segundo a Moscamed, 96% em Mandacaru – um assentamento agrícola distante poucos quilômetros do centro comercial de Juazeiro que, pelo isolamento geográfico e aceitação popular, se transformou no local ideal para as liberações. Apesar do número, a Moscamed continua com liberações no bairro. Devido à breve vida do mosquito (a fêmea vive aproximadamente 35 dias), a soltura dos insetos precisa continuar para manter o nível da população selvagem baixo. Atualmente, uma vez por semana um carro deixa a sede da organização com 50 mil mosquitos distribuídos aos milhares em potes plásticos que serão abertos nas ruas de Mandacaru.
“Hoje a maior aceitação é no Mandacaru. A receptividade foi tamanha que a Moscamed não quer sair mais de lá”, enfatiza Mário Machado.
O mesmo não aconteceu com o bairro de Itaberaba, o primeiro a receber os mosquitos no começo de 2011. Nem mesmo o histórico alto índice de infecção pelo Aedes aegypti fez com que o bairro periférico juazeirense, vizinho à sede da Moscamed, aceitasse de bom grado o experimento. Mário Machado estima “em torno de 20%” a parcela da população que se opôs aos testes e pôs fim às liberações.
“Por mais que a gente tente informar, ir de casa em casa, de bar em bar, algumas pessoas desacreditam: ‘Não, vocês estão mentindo pra gente, esse mosquito tá picando a gente’”, resigna-se.
Depois de um ano sem liberações, o mosquito parece não ter deixado muitas lembranças por ali. Em uma caminhada pelo bairro, quase não conseguimos encontrar alguém que soubesse do que estávamos falando. Não obstante, o nome de Itaberaba correu o mundo ao ser divulgado pela Oxitec que o primeiro experimento de campo no Brasil havia atingido 80% de redução na população de mosquitos selvagens.
Supervisora de campo da Moscamed, a bióloga Luiza Garziera foi uma das que foram de casa em casa explicando o processo, por vezes contornando o discurso científico para se fazer entender. “Eu falava que a gente estaria liberando esses mosquitos, que a gente liberava somente o macho, que não pica. Só quem pica é a fêmea. E que esses machos quando ‘namoram’ – porque a gente não pode falar às vezes de ‘cópula’ porque as pessoas não vão entender. Então quando esses machos namoram com a fêmea, os seus filhinhos acabam morrendo”.
Este é um dos detalhes mais importantes sobre a técnica inédita. Ao liberar apenas machos, numa taxa de 10 transgênicos para 1 selvagem, a Moscamed mergulha as pessoas numa nuvem de mosquitos, mas garante que estes não piquem aqueles. Isto acontece porque só a fêmea se alimenta de sangue humano, líquido que fornece as proteínas necessárias para sua ovulação.
A tecnologia se encaixa de forma convincente e até didática – talvez com exceção da “modificação genética”, que requer voos mais altos da imaginação. No entanto, ainda a ignorância sobre o assunto ainda campeia em considerável parcela dos moradores ouvidos para esta reportagem. Quando muito, sabe-se que se trata do extermínio do mosquito da dengue, o que é naturalmente algo positivo. No mais, ouviu-se apenas falar ou arrisca-se uma hipótese que inclua a, esta sim largamente odiada, muriçoca.
As primeiras liberações em campo do Aedes transgênico foram realizadas nas Ilhas Cayman, entre o final de 2009 e 2010. O território britânico no Caribe, formado por três ilhas localizadas ao Sul de Cuba, se mostrou não apenas um paraíso fiscal (existem mais empresas registradas nas ilhas do que seus 50 mil habitantes), mas também espaço propício para a liberação dos mosquitos transgênicos, devido à ausência de leis de biossegurança. As Ilhas Cayman não são signatárias do Procolo de Cartagena, o principal documento internacional sobre o assunto, nem são cobertas pela Convenção de Aarthus – aprovada pela União Europeia e da qual o Reino Unido faz parte – que versa sobre o acesso à informação, participação e justiça nos processos de tomada de decisão sobre o meio ambiente.
Ao invés da publicação e consulta pública prévia sobre os riscos envolvidos no experimento, como exigiriam os acordos internacionais citados, os cerca de 3 milhões de mosquitos soltos no clima tropical das Ilhas Cayman ganharam o mundo sem nenhum processo de debate ou consulta pública. A autorização foi concedida exclusivamente pelo Departamento de Agricultura das Ilhas. Parceiro local da Oxitec nos testes, a Mosquito Research & Control Unit (Unidade de Pesquisa e Controle de Mosquito) postou um vídeo promocional sobre o assunto apenas em outubro de 2010, ainda assim sem mencionar a natureza transgênica dos mosquitos. O vídeo foi divulgado exatamente um mês antes da apresentação dos resultados dos experimentos pela própria Oxitec no encontro anual da American Society of Tropical Medicine and Hygiene(Sociedade Americana de Medicina Tropical e Higiene), nos Estados Unidos.
A comunidade científica se surpreendeu com a notícia de que as primeiras liberações no mundo de insetos modificados geneticamente já haviam sido realizadas, sem que os próprios especialistas no assunto tivessem conhecimento. A surpresa se estendeu ao resultado: segundo os dados da Oxitec, os experimentos haviam atingido 80% de redução na população de Aedes aegypti nas Ilhas Cayman. O número confirmava para a empresa que a técnica criada em laboratório poderia ser de fato eficiente. Desde então, novos testes de campo passaram a ser articulados em outros países – notadamente subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, com clima tropical e problemas históricos com a dengue.
Depois de adiar testes semelhantes em 2006, após protestos, a Malásia se tornou o segundo país a liberar os mosquitos transgênicos entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011. Seis mil mosquitos foram soltos num área inabitada do país. O número, bem menor em comparação ao das Ilhas Cayman, é quase insignificante diante da quantidade de mosquitos que passou a ser liberada em Juazeiro da Bahia a partir de fevereiro de 2011. A cidade, junto com Jacobina mais recentemente, se tornou desde então o maior campo de testes do tipo no mundo, com mais de 18 milhões de mosquitos já liberados, segundo números da Moscamed.
“A Oxitec errou profundamente, tanto na Malásia quanto nas Ilhas Cayman. Ao contrário do que eles fizeram, nós tivemos um extenso trabalho do que a gente chama de comunicação pública, com total transparência, com discussão com a comunidade, com visita a todas as casas. Houve um trabalho extraordinário aqui”, compara Aldo Malavasi.
Em entrevista por telefone, ele fez questão de demarcar a independência da Moscamed diante da Oxitec e ressaltou a natureza diferente das duas instituições. Criada em 2006, a Moscamed é uma organização social, sem fins lucrativos portanto, que se engajou nos testes do Aedes aegypti transgênico com o objetivo de verificar a eficácia ou não da técnica no combate à dengue. Segundo Malavasi, nenhum financiamento da Oxitec foi aceito por eles justamente para garantir a isenção na avaliação da técnica. “Nós não queremos dinheiro deles, porque o nosso objetivo é ajudar o governo brasileiro”, resume.
Em favor da transparência, o programa foi intitulado “Projeto Aedes Transgênico” (PAT), para trazer já no nome a palavra espinhosa. Outra determinação de ordem semântica foi o não uso do termo “estéril”, corrente no discurso da empresa britânica, mas empregada tecnicamente de forma incorreta, já que os mosquitos produzem crias, mas geram prole programada para morrer no estágio larval. Um jingle pôs o complexo sistema em linguagem popular e em ritmo de forró pé-de-serra. E o bloco de carnaval “Papa Mosquito” saiu às ruas de Juazeiro no Carnaval de 2011.
No âmbito institucional, além do custeio pela Secretaria de Saúde estadual, o programa também ganhou o apoio da Secretaria de Saúde de Juazeiro da Bahia. “De início teve resistência, porque as pessoas também não queriam deixar armadilhas em suas casas, mas depois, com o tempo, elas entenderam o projeto e a gente teve uma boa aceitação popular”, conta o enfermeiro sanitarista Mário Machado, diretor de Promoção e Vigilância à Saúde da secretaria.
As armadilhas, das quais fala Machado, são simples instrumentos instalados nas casas de alguns moradores da área do experimento. As ovitrampas, como são chamadas, fazem as vezes de criadouros para as fêmeas. Assim é possível colher os ovos e verificar se eles foram fecundados por machos transgênicos ou selvagens. Isso também é possível porque os mosquitos geneticamente modificados carregam, além do gene letal, o fragmento do DNA de uma água-viva que lhe confere uma marcação fluorescente, visível em microscópios.
Desta forma, foi possível verificar que a redução da população de Aedes aegypti selvagem atingiu, segundo a Moscamed, 96% em Mandacaru – um assentamento agrícola distante poucos quilômetros do centro comercial de Juazeiro que, pelo isolamento geográfico e aceitação popular, se transformou no local ideal para as liberações. Apesar do número, a Moscamed continua com liberações no bairro. Devido à breve vida do mosquito (a fêmea vive aproximadamente 35 dias), a soltura dos insetos precisa continuar para manter o nível da população selvagem baixo. Atualmente, uma vez por semana um carro deixa a sede da organização com 50 mil mosquitos distribuídos aos milhares em potes plásticos que serão abertos nas ruas de Mandacaru.
“Hoje a maior aceitação é no Mandacaru. A receptividade foi tamanha que a Moscamed não quer sair mais de lá”, enfatiza Mário Machado.
O mesmo não aconteceu com o bairro de Itaberaba, o primeiro a receber os mosquitos no começo de 2011. Nem mesmo o histórico alto índice de infecção pelo Aedes aegypti fez com que o bairro periférico juazeirense, vizinho à sede da Moscamed, aceitasse de bom grado o experimento. Mário Machado estima “em torno de 20%” a parcela da população que se opôs aos testes e pôs fim às liberações.
“Por mais que a gente tente informar, ir de casa em casa, de bar em bar, algumas pessoas desacreditam: ‘Não, vocês estão mentindo pra gente, esse mosquito tá picando a gente’”, resigna-se.
Depois de um ano sem liberações, o mosquito parece não ter deixado muitas lembranças por ali. Em uma caminhada pelo bairro, quase não conseguimos encontrar alguém que soubesse do que estávamos falando. Não obstante, o nome de Itaberaba correu o mundo ao ser divulgado pela Oxitec que o primeiro experimento de campo no Brasil havia atingido 80% de redução na população de mosquitos selvagens.
Supervisora de campo da Moscamed, a bióloga Luiza Garziera foi uma das que foram de casa em casa explicando o processo, por vezes contornando o discurso científico para se fazer entender. “Eu falava que a gente estaria liberando esses mosquitos, que a gente liberava somente o macho, que não pica. Só quem pica é a fêmea. E que esses machos quando ‘namoram’ – porque a gente não pode falar às vezes de ‘cópula’ porque as pessoas não vão entender. Então quando esses machos namoram com a fêmea, os seus filhinhos acabam morrendo”.
Este é um dos detalhes mais importantes sobre a técnica inédita. Ao liberar apenas machos, numa taxa de 10 transgênicos para 1 selvagem, a Moscamed mergulha as pessoas numa nuvem de mosquitos, mas garante que estes não piquem aqueles. Isto acontece porque só a fêmea se alimenta de sangue humano, líquido que fornece as proteínas necessárias para sua ovulação.
A tecnologia se encaixa de forma convincente e até didática – talvez com exceção da “modificação genética”, que requer voos mais altos da imaginação. No entanto, ainda a ignorância sobre o assunto ainda campeia em considerável parcela dos moradores ouvidos para esta reportagem. Quando muito, sabe-se que se trata do extermínio do mosquito da dengue, o que é naturalmente algo positivo. No mais, ouviu-se apenas falar ou arrisca-se uma hipótese que inclua a, esta sim largamente odiada, muriçoca.
A avaliação dos riscos
Apesar da campanha de comunicação da Moscamed, a ONG britânica GeneWatch aponta uma série de problemas no processo brasileiro. O principal deles, o fato do relatório de avaliação de riscos sobre o experimento não ter sido disponibilizado ao público antes do início das liberações. Pelo contrário, a pedido dos responsáveis pelo Programa Aedes Transgênico, o processo encaminhado à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio, órgão encarregado de autorizar ou não tais experimentos) foi considerado confidencial.
“Nós achamos que a Oxitec deve ter o consentimento plenamente informado da população local, isso significa que as pessoas precisam concordar com o experimento. Mas para isso elas precisam também ser informadas sobre os riscos, assim como você seria se estivesse sendo usado para testar um novo medicamento contra o câncer ou qualquer outro tipo de tratamento”, comentou, em entrevista por Skype, Helen Wallace, diretora executiva da organização não governamental.
Especialista nos riscos e na ética envolvida nesse tipo de experimento, Helen publicou este ano o relatório Genetically Modified Mosquitoes: Ongoing Concerns (“Mosquitos Geneticamente Modificados: atuais preocupações”), que elenca em 13 capítulos o que considera riscos potenciais não considerados antes de se autorizar a liberação dos mosquitos transgênicos. O documento também aponta falhas na condução dos experimentos pela Oxitec.
Por exemplo, após dois anos das liberações nas Ilhas Cayman, apenas os resultados de um pequeno teste haviam aparecido numa publicação científica. No começo de 2011, a empresa submeteu os resultados do maior experimento nas Ilhas à revista Science, mas o artigo não foi publicado. Apenas em setembro do ano passado o texto apareceu em outra revista, a Nature Biotechnology, publicado como “correspondência” – o que significa que não passou pela revisão de outros cientistas, apenas pela checagem do próprio editor da publicação.
Para Helen Wallace, a ausência de revisão crítica dos pares científicos põe o experimento da Oxitec sob suspeita. Mesmo assim, a análise do artigo, segundo o documento, sugere que a empresa precisou aumentar a proporção de liberação de mosquitos transgênicos e concentrá-los em uma pequena área para que atingisse os resultados esperados. O mesmo teria acontecido no Brasil, em Itaberaba. Os resultados do teste no Brasil também ainda não foram publicados pela Moscamed. O gerente do projeto, Danilo Carvalho, informou que um dos artigos já foi submetido a uma publicação e outro está em fase final de escrita.
Outro dos riscos apontados pelo documento está no uso comum do antibiótico tetraciclina. O medicamento é responsável por reverter o gene letal e garantir em laboratório a sobrevivência do mosquito geneticamente modificado, que do contrário não chegaria à fase adulta. Esta é a diferença vital entre a sorte dos mosquitos reproduzidos em laboratório e a de suas crias, geradas no meio ambiente a partir de fêmeas selvagens – sem o antibiótico, estão condenados à morte prematura.
A tetraciclina é comumente empregada nas indústrias da pecuária e da aquicultura, que despejam no meio ambiente grandes quantidades da substância através de seus efluentes. O antibiótico também é largamente usado na medicina e na veterinária. Ou seja, ovos e larvas geneticamente modificados poderiam entrar em contato com o antibiótico mesmo em ambientes não controlados e assim sobreviverem. Ao longo do tempo, a resistência dos mosquitos transgênicos ao gene letal poderia neutralizar seu efeito e, por fim, teríamos uma nova espécie geneticamente modificada adaptada ao meio ambiente.
A hipótese é tratada com ceticismo pela Oxitec, que minimiza a possibilidade disto acontecer no mundo real. No entanto, documento confidencial tornado público mostra que a hipótese se mostrou, por acaso, real nos testes de pesquisador parceiro da empresa. Ao estranhar uma taxa de sobrevivência das larvas sem tetraciclina de 15% – bem maior que os usuais 3% contatos pelos experimentos da empresa –, os cientistas da Oxitec descobriram que a ração de gato com a qual seus parceiros estavam alimentando os mosquitos guardava resquícios do antibiótico, que é rotineiramente usado para tratar galinhas destinadas à ração animal.
O relatório da GeneWatch chama atenção para a presença comum do antibiótico em dejetos humanos e animais, assim como em sistemas de esgotamento doméstico, a exemplo de fossas sépticas. Isto caracterizaria um risco potencial, já que vários estudos constataram a capacidade do Aedes aegypti se reproduzir em águas contaminadas – apesar de isso ainda não ser o mais comum, nem acontecer ainda em Juazeiro, segundo a Secretaria de Saúde do município.
Além disso, há preocupações quanto a taxa de liberação de fêmeas transgênicas. O processo de separação das pupas (último estágio antes da vida adulta) é feito de forma manual, com a ajuda de um aparelho que reparte os gêneros pelo tamanho (a fêmea é ligeiramente maior). Uma taxa de 3% de fêmeas pode escapar neste processo, ganhando a liberdade e aumentando os riscos envolvidos. Por último, os experimentos ainda não verificaram se a redução na população de mosquitos incide diretamente na transmissão da dengue.
Todas as críticas são rebatidas pela Oxitec e pela Moscamed, que dizem manter um rigoroso controle de qualidade – como o monitoramento constante da taxa de liberação de fêmeas e da taxa de sobrevivências das larvas sem tetraciclina. Desta forma, qualquer sinal de mutação do mosquito seria detectado a tempo de se suspender o programa. Ao final de aproximadamente um mês, todos os insetos liberados estariam mortos. Os mosquitos, segundo as instituições responsáveis, também não passam os genes modificados mesmo que alguma fêmea desgarrada pique um ser humano.
Apesar da campanha de comunicação da Moscamed, a ONG britânica GeneWatch aponta uma série de problemas no processo brasileiro. O principal deles, o fato do relatório de avaliação de riscos sobre o experimento não ter sido disponibilizado ao público antes do início das liberações. Pelo contrário, a pedido dos responsáveis pelo Programa Aedes Transgênico, o processo encaminhado à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio, órgão encarregado de autorizar ou não tais experimentos) foi considerado confidencial.
“Nós achamos que a Oxitec deve ter o consentimento plenamente informado da população local, isso significa que as pessoas precisam concordar com o experimento. Mas para isso elas precisam também ser informadas sobre os riscos, assim como você seria se estivesse sendo usado para testar um novo medicamento contra o câncer ou qualquer outro tipo de tratamento”, comentou, em entrevista por Skype, Helen Wallace, diretora executiva da organização não governamental.
Especialista nos riscos e na ética envolvida nesse tipo de experimento, Helen publicou este ano o relatório Genetically Modified Mosquitoes: Ongoing Concerns (“Mosquitos Geneticamente Modificados: atuais preocupações”), que elenca em 13 capítulos o que considera riscos potenciais não considerados antes de se autorizar a liberação dos mosquitos transgênicos. O documento também aponta falhas na condução dos experimentos pela Oxitec.
Por exemplo, após dois anos das liberações nas Ilhas Cayman, apenas os resultados de um pequeno teste haviam aparecido numa publicação científica. No começo de 2011, a empresa submeteu os resultados do maior experimento nas Ilhas à revista Science, mas o artigo não foi publicado. Apenas em setembro do ano passado o texto apareceu em outra revista, a Nature Biotechnology, publicado como “correspondência” – o que significa que não passou pela revisão de outros cientistas, apenas pela checagem do próprio editor da publicação.
Para Helen Wallace, a ausência de revisão crítica dos pares científicos põe o experimento da Oxitec sob suspeita. Mesmo assim, a análise do artigo, segundo o documento, sugere que a empresa precisou aumentar a proporção de liberação de mosquitos transgênicos e concentrá-los em uma pequena área para que atingisse os resultados esperados. O mesmo teria acontecido no Brasil, em Itaberaba. Os resultados do teste no Brasil também ainda não foram publicados pela Moscamed. O gerente do projeto, Danilo Carvalho, informou que um dos artigos já foi submetido a uma publicação e outro está em fase final de escrita.
Outro dos riscos apontados pelo documento está no uso comum do antibiótico tetraciclina. O medicamento é responsável por reverter o gene letal e garantir em laboratório a sobrevivência do mosquito geneticamente modificado, que do contrário não chegaria à fase adulta. Esta é a diferença vital entre a sorte dos mosquitos reproduzidos em laboratório e a de suas crias, geradas no meio ambiente a partir de fêmeas selvagens – sem o antibiótico, estão condenados à morte prematura.
A tetraciclina é comumente empregada nas indústrias da pecuária e da aquicultura, que despejam no meio ambiente grandes quantidades da substância através de seus efluentes. O antibiótico também é largamente usado na medicina e na veterinária. Ou seja, ovos e larvas geneticamente modificados poderiam entrar em contato com o antibiótico mesmo em ambientes não controlados e assim sobreviverem. Ao longo do tempo, a resistência dos mosquitos transgênicos ao gene letal poderia neutralizar seu efeito e, por fim, teríamos uma nova espécie geneticamente modificada adaptada ao meio ambiente.
A hipótese é tratada com ceticismo pela Oxitec, que minimiza a possibilidade disto acontecer no mundo real. No entanto, documento confidencial tornado público mostra que a hipótese se mostrou, por acaso, real nos testes de pesquisador parceiro da empresa. Ao estranhar uma taxa de sobrevivência das larvas sem tetraciclina de 15% – bem maior que os usuais 3% contatos pelos experimentos da empresa –, os cientistas da Oxitec descobriram que a ração de gato com a qual seus parceiros estavam alimentando os mosquitos guardava resquícios do antibiótico, que é rotineiramente usado para tratar galinhas destinadas à ração animal.
O relatório da GeneWatch chama atenção para a presença comum do antibiótico em dejetos humanos e animais, assim como em sistemas de esgotamento doméstico, a exemplo de fossas sépticas. Isto caracterizaria um risco potencial, já que vários estudos constataram a capacidade do Aedes aegypti se reproduzir em águas contaminadas – apesar de isso ainda não ser o mais comum, nem acontecer ainda em Juazeiro, segundo a Secretaria de Saúde do município.
Além disso, há preocupações quanto a taxa de liberação de fêmeas transgênicas. O processo de separação das pupas (último estágio antes da vida adulta) é feito de forma manual, com a ajuda de um aparelho que reparte os gêneros pelo tamanho (a fêmea é ligeiramente maior). Uma taxa de 3% de fêmeas pode escapar neste processo, ganhando a liberdade e aumentando os riscos envolvidos. Por último, os experimentos ainda não verificaram se a redução na população de mosquitos incide diretamente na transmissão da dengue.
Todas as críticas são rebatidas pela Oxitec e pela Moscamed, que dizem manter um rigoroso controle de qualidade – como o monitoramento constante da taxa de liberação de fêmeas e da taxa de sobrevivências das larvas sem tetraciclina. Desta forma, qualquer sinal de mutação do mosquito seria detectado a tempo de se suspender o programa. Ao final de aproximadamente um mês, todos os insetos liberados estariam mortos. Os mosquitos, segundo as instituições responsáveis, também não passam os genes modificados mesmo que alguma fêmea desgarrada pique um ser humano.
Mosquito transgênico à venda
Em julho passado, depois do êxito dos testes de campo em Juazeiro, a Oxitec protocolou a solicitação de licença comercial na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Desde o final de 2012, a empresa britânica possui CNPJ no país e mantém um funcionário em São Paulo. Mais recentemente, com os resultados promissores dos experimentos em Juazeiro, alugou um galpão em Campinas e está construindo o que será sua sede brasileira. O país representa hoje seu mais provável e iminente mercado, o que faz com que o diretor global de desenvolvimento de negócios da empresa, Glen Slade, viva hoje numa ponte aérea entre Oxford e São Paulo.
“A Oxitec está trabalhando desde 2009 em parceria com a USP e Moscamed, que são parceiros bons e que nos deram a oportunidade de começar projetos no Brasil. Mas agora acabamos de enviar nosso dossiê comercial à CTNBio e esperamos obter um registro no futuro, então precisamos aumentar nossa equipe no país. Claramente estamos investindo no Brasil. É um país muito importante”, disse Slade numa entrevista por Skype da sede na Oxitec, em Oxford, na Inglaterra.
A empresa de biotecnologia é uma spin-out da universidade britânica, o que significa dizer que a Oxitec surgiu dos laboratórios de uma das mais prestigiadas universidades do mundo. Fundada em 2002, desde então vem captando investimentos privados e de fundações sem fins lucrativos, tais como a Bill & Melinda Gates, para bancar o prosseguimento das pesquisas. Segundo Slade, mais de R$ 50 milhões foram gastos nesta última década no aperfeiçoamento e teste da tecnologia.
O executivo espera que a conclusão do trâmite burocrático para a concessão da licença comercial aconteça ainda próximo ano, quando a sede brasileira da Oxitec estará pronta, incluindo uma nova biofábrica. Já em contato com vários municípios do país, o executivo prefere não adiantar nomes. Nem o preço do serviço, que provavelmente será oferecido em pacotes anuais de controle da população de mosquitos, a depender o orçamento do número de habitantes da cidade.
“Nesse momento é difícil dar um preço. Como todos os produtos novos, o custo de produção é mais alto quando a gente começa do que a gente gostaria. Acho que o preço vai ser um preço muito razoável em relação aos benefícios e aos outros experimentos para controlar o mosquito, mas muito difícil de dizer hoje. Além disso, o preço vai mudar segundo a escala do projeto. Projetos pequenos não são muito eficientes, mas se tivermos a oportunidade de controlar os mosquitos no Rio de Janeiro todo, podemos trabalhar em grande escala e o preço vai baixar”, sugere.
A empresa pretende também instalar novas biofábricas nas cidades que receberem grandes projetos, o que reduzirá o custo a longo prazo, já que as liberações precisam ser mantidas indefinidamente para evitar o retorno dos mosquitos selvagens. A velocidade de reprodução do Aedes aegypti é uma preocupação. Caso seja cessado o projeto, a espécie pode recompor a população em poucas semanas.
“O plano da empresa é conseguir pagamentos repetidos para a liberação desses mosquitos todo ano. Se a tecnologia deles funcionar e realmente reduzir a incidência de dengue, você não poderá suspender estas liberações e ficará preso dentro desse sistema. Uma das maiores preocupações a longo prazo é que se as coisas começarem a dar errado, ou mesmo se tornarem menos eficientes, você realmente pode ter uma situação pior ao longo de muitos anos”, critica Helen Wallace.
O risco iria desde a redução da imunidade das pessoas à doença, até o desmantelamento de outras políticas públicas de combate à dengue, como as equipes de agentes de saúde. Apesar de tanto a Moscamed quanto a própria secretaria de Saúde de Juazeiro enfatizarem a natureza complementar da técnica, que não dispensaria os outros métodos de controle, é plausível que hajam conflitos na alocação de recursos para a área. Hoje, segundo Mário Machado da secretaria de Saúde, Juazeiro gasta em média R$ 300 mil por mês no controle de endemias, das quais a dengue é a principal.
A secretaria negocia com a Moscamed a ampliação do experimento para todo o município ou mesmo para toda a região metropolitana formada por Juazeiro e Petrolina – um teste que cobriria meio milhão pessoas –, para assim avaliar a eficácia em grandes contingentes populacionais. De qualquer forma e apesar do avanço das experiências, nem a organização social brasileira nem a empresa britânica apresentaram estimativas de preço pra uma possível liberação comercial.
“Ontem nós estávamos fazendo os primeiros estudos, pra analisar qual é o preço deles, qual o nosso. Porque eles sabem quanto custa o programa deles, que não é barato, mas não divulgam”, disse Mário Machado.
Em reportagem do jornal britânico The Observer de julho do ano passado, a Oxitec estimou o custo da técnica em “menos de” £6 libras esterlinas por pessoa por ano. Num cálculo simples, apenas multiplicando o número pela contação atual da moeda britânia frente ao real e desconsiderando as inúmeras outras variáveis dessa conta, o projeto em uma cidade de 150 mil habitantes custaria aproximadamente R$ 3,2 milhões por ano.
Se imaginarmos a quantidade de municípios de pequeno e médio porte brasileiros em que a dengue é endêmica, chega-se a pujança do mercado que se abre – mesmo desconsiderando por hora os grandes centros urbanos do país, que extrapolariam a capacidade atual da técnica. Contudo, este é apenas uma fatia do negócio. A Oxitec também possui uma série de outros insetos transgênicos, estes destinados ao controle de pragas agrícolas e que devem encontrar campo aberto no Brasil, um dos gigantes do agronegócio no mundo.
Aguardando autorização da CTNBio, a Moscamed já se preparara para testar a mosca-das-frutas transgênica, que segue a mesma lógica do Aedes aegypti. Além desta, a Oxitec tem outras 4 espécies geneticamente modificadas que poderão um dia serem testadas no Brasil, a começar por Juazeiro e o Vale do São Francisco. A região é uma das maiores produtoras de frutas frescas para exportação do país. 90% de toda uva e manga exportadas no Brasil saem daqui. Uma produção que requer o combate incessante às pragas. Nas principais avenidas de Juazeiro e Petrolina, as lojas de produtos agrícolas e agrotóxicos se sucedem, variando em seus totens as logos das multinacionais do ramo.
“Não temos planos concretos [além da mosca-das-frutas], mas, claro, gostaríamos muito de ter a oportunidade de fazer ensaios com esses produtos também. O Brasil tem uma indústria agrícola muito grande. Mas nesse momento nossa prioridade número 1 é o mosquito da dengue. Então uma vez que tivermos este projeto com recursos bastante, vamos tentar acrescentar projetos na agricultura.”, comentou Slade.
Ele e vários de seus colegas do primeiro escalão da empresa já trabalharam numa das gigantes do agronegócio, a Syngenta. O fato, segundo Helen Wallace, é um dos revelam a condição do Aedes aegypti transgênico de pioneiro de todo um novo mercado de mosquitos geneticamente modificados: “Nos achamos que a Syngenta está principalmente interessada nas pragas agrícolas. Um dos planos que conhecemos é a proposta de usar pragas agrícolas geneticamente modificadas junto com semestres transgênicas para assim aumentar a resistências destas culturas às pragas”.
“Não tem nenhum relacionamento entre Oxitec e Syngenta dessa forma. Talvez tenhamos possibilidade no futuro de trabalharmos juntos. Eu pessoalmente tenho o interesse de buscar projetos que possamos fazer com Syngenta, Basf ou outras empresas grandes da agricultura”, esclarece Glen Slade.
Em 2011, a indústria de agrotóxicos faturou R$14,1 bilhões no Brasil. Maior mercado do tipo no mundo, o país pode nos próximos anos inaugurar um novo estágio tecnológico no combate às pestes. Assim como na saúde coletiva, com o Aedes aegypti transgênico, que parece ter um futuro comercial promissor. Todavia, resta saber como a técnica conviverá com as vacinas contra o vírus da dengue, que estão em fase final de testes – uma desenvolvida por um laboratório francês, outra pelo Instituto Butantan, de São Paulo. As vacinas devem chegar ao público em 2015. O mosquito transgênico, talvez já próximo ano.
Dentre as linhagens de mosquitos transgênicos, pode surgir também uma versão nacional. Como confirmou a professora Margareth de Lara Capurro-Guimarães, do Departamento de Parasitologia da USP e coordenadora do Programa Aedes Transgênico, já está sob estudo na universidade paulista a muriçoca transgênica. Outra possível solução tecnológica para um problema de saúde pública em Juazeiro da Bahia – uma cidade na qual, segundo levantamento do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2011, a rede de esgoto só atende 67% da população urbana.
Em julho passado, depois do êxito dos testes de campo em Juazeiro, a Oxitec protocolou a solicitação de licença comercial na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Desde o final de 2012, a empresa britânica possui CNPJ no país e mantém um funcionário em São Paulo. Mais recentemente, com os resultados promissores dos experimentos em Juazeiro, alugou um galpão em Campinas e está construindo o que será sua sede brasileira. O país representa hoje seu mais provável e iminente mercado, o que faz com que o diretor global de desenvolvimento de negócios da empresa, Glen Slade, viva hoje numa ponte aérea entre Oxford e São Paulo.
“A Oxitec está trabalhando desde 2009 em parceria com a USP e Moscamed, que são parceiros bons e que nos deram a oportunidade de começar projetos no Brasil. Mas agora acabamos de enviar nosso dossiê comercial à CTNBio e esperamos obter um registro no futuro, então precisamos aumentar nossa equipe no país. Claramente estamos investindo no Brasil. É um país muito importante”, disse Slade numa entrevista por Skype da sede na Oxitec, em Oxford, na Inglaterra.
A empresa de biotecnologia é uma spin-out da universidade britânica, o que significa dizer que a Oxitec surgiu dos laboratórios de uma das mais prestigiadas universidades do mundo. Fundada em 2002, desde então vem captando investimentos privados e de fundações sem fins lucrativos, tais como a Bill & Melinda Gates, para bancar o prosseguimento das pesquisas. Segundo Slade, mais de R$ 50 milhões foram gastos nesta última década no aperfeiçoamento e teste da tecnologia.
O executivo espera que a conclusão do trâmite burocrático para a concessão da licença comercial aconteça ainda próximo ano, quando a sede brasileira da Oxitec estará pronta, incluindo uma nova biofábrica. Já em contato com vários municípios do país, o executivo prefere não adiantar nomes. Nem o preço do serviço, que provavelmente será oferecido em pacotes anuais de controle da população de mosquitos, a depender o orçamento do número de habitantes da cidade.
“Nesse momento é difícil dar um preço. Como todos os produtos novos, o custo de produção é mais alto quando a gente começa do que a gente gostaria. Acho que o preço vai ser um preço muito razoável em relação aos benefícios e aos outros experimentos para controlar o mosquito, mas muito difícil de dizer hoje. Além disso, o preço vai mudar segundo a escala do projeto. Projetos pequenos não são muito eficientes, mas se tivermos a oportunidade de controlar os mosquitos no Rio de Janeiro todo, podemos trabalhar em grande escala e o preço vai baixar”, sugere.
A empresa pretende também instalar novas biofábricas nas cidades que receberem grandes projetos, o que reduzirá o custo a longo prazo, já que as liberações precisam ser mantidas indefinidamente para evitar o retorno dos mosquitos selvagens. A velocidade de reprodução do Aedes aegypti é uma preocupação. Caso seja cessado o projeto, a espécie pode recompor a população em poucas semanas.
“O plano da empresa é conseguir pagamentos repetidos para a liberação desses mosquitos todo ano. Se a tecnologia deles funcionar e realmente reduzir a incidência de dengue, você não poderá suspender estas liberações e ficará preso dentro desse sistema. Uma das maiores preocupações a longo prazo é que se as coisas começarem a dar errado, ou mesmo se tornarem menos eficientes, você realmente pode ter uma situação pior ao longo de muitos anos”, critica Helen Wallace.
O risco iria desde a redução da imunidade das pessoas à doença, até o desmantelamento de outras políticas públicas de combate à dengue, como as equipes de agentes de saúde. Apesar de tanto a Moscamed quanto a própria secretaria de Saúde de Juazeiro enfatizarem a natureza complementar da técnica, que não dispensaria os outros métodos de controle, é plausível que hajam conflitos na alocação de recursos para a área. Hoje, segundo Mário Machado da secretaria de Saúde, Juazeiro gasta em média R$ 300 mil por mês no controle de endemias, das quais a dengue é a principal.
A secretaria negocia com a Moscamed a ampliação do experimento para todo o município ou mesmo para toda a região metropolitana formada por Juazeiro e Petrolina – um teste que cobriria meio milhão pessoas –, para assim avaliar a eficácia em grandes contingentes populacionais. De qualquer forma e apesar do avanço das experiências, nem a organização social brasileira nem a empresa britânica apresentaram estimativas de preço pra uma possível liberação comercial.
“Ontem nós estávamos fazendo os primeiros estudos, pra analisar qual é o preço deles, qual o nosso. Porque eles sabem quanto custa o programa deles, que não é barato, mas não divulgam”, disse Mário Machado.
Em reportagem do jornal britânico The Observer de julho do ano passado, a Oxitec estimou o custo da técnica em “menos de” £6 libras esterlinas por pessoa por ano. Num cálculo simples, apenas multiplicando o número pela contação atual da moeda britânia frente ao real e desconsiderando as inúmeras outras variáveis dessa conta, o projeto em uma cidade de 150 mil habitantes custaria aproximadamente R$ 3,2 milhões por ano.
Se imaginarmos a quantidade de municípios de pequeno e médio porte brasileiros em que a dengue é endêmica, chega-se a pujança do mercado que se abre – mesmo desconsiderando por hora os grandes centros urbanos do país, que extrapolariam a capacidade atual da técnica. Contudo, este é apenas uma fatia do negócio. A Oxitec também possui uma série de outros insetos transgênicos, estes destinados ao controle de pragas agrícolas e que devem encontrar campo aberto no Brasil, um dos gigantes do agronegócio no mundo.
Aguardando autorização da CTNBio, a Moscamed já se preparara para testar a mosca-das-frutas transgênica, que segue a mesma lógica do Aedes aegypti. Além desta, a Oxitec tem outras 4 espécies geneticamente modificadas que poderão um dia serem testadas no Brasil, a começar por Juazeiro e o Vale do São Francisco. A região é uma das maiores produtoras de frutas frescas para exportação do país. 90% de toda uva e manga exportadas no Brasil saem daqui. Uma produção que requer o combate incessante às pragas. Nas principais avenidas de Juazeiro e Petrolina, as lojas de produtos agrícolas e agrotóxicos se sucedem, variando em seus totens as logos das multinacionais do ramo.
“Não temos planos concretos [além da mosca-das-frutas], mas, claro, gostaríamos muito de ter a oportunidade de fazer ensaios com esses produtos também. O Brasil tem uma indústria agrícola muito grande. Mas nesse momento nossa prioridade número 1 é o mosquito da dengue. Então uma vez que tivermos este projeto com recursos bastante, vamos tentar acrescentar projetos na agricultura.”, comentou Slade.
Ele e vários de seus colegas do primeiro escalão da empresa já trabalharam numa das gigantes do agronegócio, a Syngenta. O fato, segundo Helen Wallace, é um dos revelam a condição do Aedes aegypti transgênico de pioneiro de todo um novo mercado de mosquitos geneticamente modificados: “Nos achamos que a Syngenta está principalmente interessada nas pragas agrícolas. Um dos planos que conhecemos é a proposta de usar pragas agrícolas geneticamente modificadas junto com semestres transgênicas para assim aumentar a resistências destas culturas às pragas”.
“Não tem nenhum relacionamento entre Oxitec e Syngenta dessa forma. Talvez tenhamos possibilidade no futuro de trabalharmos juntos. Eu pessoalmente tenho o interesse de buscar projetos que possamos fazer com Syngenta, Basf ou outras empresas grandes da agricultura”, esclarece Glen Slade.
Em 2011, a indústria de agrotóxicos faturou R$14,1 bilhões no Brasil. Maior mercado do tipo no mundo, o país pode nos próximos anos inaugurar um novo estágio tecnológico no combate às pestes. Assim como na saúde coletiva, com o Aedes aegypti transgênico, que parece ter um futuro comercial promissor. Todavia, resta saber como a técnica conviverá com as vacinas contra o vírus da dengue, que estão em fase final de testes – uma desenvolvida por um laboratório francês, outra pelo Instituto Butantan, de São Paulo. As vacinas devem chegar ao público em 2015. O mosquito transgênico, talvez já próximo ano.
Dentre as linhagens de mosquitos transgênicos, pode surgir também uma versão nacional. Como confirmou a professora Margareth de Lara Capurro-Guimarães, do Departamento de Parasitologia da USP e coordenadora do Programa Aedes Transgênico, já está sob estudo na universidade paulista a muriçoca transgênica. Outra possível solução tecnológica para um problema de saúde pública em Juazeiro da Bahia – uma cidade na qual, segundo levantamento do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2011, a rede de esgoto só atende 67% da população urbana.
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