Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
“Suíça pode criar renda mínima de R$ 6,3 mil”.
A notícia, publicada na edição de sexta-feira (15/11) do Estado de S. Paulo é a versão traduzida de um texto da jornalista especializada em política econômica Annie Lowrey, que escreve no New York Times.
Na linha fina que sustenta o título, o jornal afirma: “Programas assistenciais tipo Bolsa Família são cada vez mais debatidos em todo o mundo”. A seguir, relatos de experiências desse tipo feitas em países ricos e opiniões de economistas sobre os resultados dessas ações sociais.
Agora, sugerimos que o prezado leitor e a leitora atenta tentem se recordar de como a imprensa brasileira tratou, desde o início, os programas sociais de distribuição de renda adotados pelo governo do ex-presidente Lula da Silva. Expressões como “bolsa-esmola” e “incentivo para a vagabundagem” ainda podem ser apreciadas em artigos e reportagens publicados a partir de 2003, quando a prática de combater a miséria com a concessão de renda virou política pública.
Depois de passar anos condenando o programa, a imprensa se convenceu de seus resultados e passou a cobrar uma “porta de saída” para os beneficiários e “adequações” do sistema. Ainda no ano passado, o Globo publicava ampla reportagem na qual fazia uma avaliação dos benefícios da injeção de dinheiro nas famílias pobres, reconhecendo como efeitos colaterais alguns dos resultados previstos ainda no lançamento do projeto: drástica redução do trabalho infantil, aumento da escolaridade nas regiões beneficiadas, diminuição da violência familiar e novo protagonismo da mulher.
Ao cobrar “aperfeiçoamentos”, o jornal citava o caso de uma faxineira, do Piauí, que rejeitou um emprego de babá porque preferia continuar com seus próprio filhos, sustentada pelo dinheiro do governo. O Globo apresentava essa história como crítica ao programa, como exemplo de que em alguns casos os beneficiários prefeririam não trabalhar fora, com medo de perder a renda mínima.
E é justamente nesse ponto que se revela a miopia social da imprensa brasileira: ao escolher ficar com seus próprios filhos, a mulher citada na reportagem estava justamente realizando o propósito do projeto social, ou seja, procurava assegurar com sua presença que os filhos fossem à escola. Se fosse cuidar dos filhos da patroa, certamente ganharia mais dinheiro, mas quem cuidaria de suas próprias crianças?
Pobres países ricos
A reportagem do New York Times, reproduzida pelo Estado de S. Paulo, observa que a crise nos países ricos está estimulando debates sobre a ideia de prover uma renda básica para famílias em dificuldades, principalmente para os jovens que não encontram emprego (ver aqui o texto original em inglês).
O caso da Suíça é emblemático: lá, uma campanha defende a concessão de um cheque mensal de 2.500 francos suíços – o equivalente a R$ 6.348 – a cada cidadão, rico ou pobre, idoso ou jovem, esteja ou não empregado. Como resultado imediato, a pobreza desapareceria completamente. A proposta é de um artista nascido na Alemanha, mas, segundo o texto, está mobilizando a sociedade e provoca grande debate entre economistas.
Mesmo nos Estados Unidos, pátria do liberalismo econômico, a discussão mobiliza as forças políticas de todos os matizes, mas praticamente já não se questiona a conveniência de programas de assistência: a controvérsia gira em torno do modelo mais adequado, se a renda básica será proporcionada por um programa de seguridade social expandido ou pela simples entrega de dinheiro, sem nenhuma obrigação em troca. Daí a uma ação internacional para o resgate da África, por exemplo, o caminho fica mais curto.
Uma pesquisa feita no Canadá e citada pelo jornal observa que a experiência de doação pura e simples de um salário mínimo a todos os cidadãos de uma pequena cidade durante um curto período conseguiu eliminar a pobreza, os índices de conclusão do ensino médio subiram e o número de pessoas hospitalizadas, caiu. O estudo projeta resultados mais amplos, demonstrando que uma política de renda básica não produz uma sociedade ociosa, como diziam os jornais brasileiros.
Programas de incentivo à base de transferência de renda vinham sendo experimentados no Brasil desde 1994, em Campinas, e acoplados a planos de educação, como aconteceu em 1995 em Brasília, durante o governo do hoje senador Cristovam Buarque. Mas foi o ex-presidente Lula da Silva que transformou essa ideia em política nacional, sob o nome de Bolsa-Família.
A reação da imprensa foi o que se viu.
Passados dez anos, o Brasil produziu o fenômeno da mobilidade social, milhões de cidadãos foram resgatados da miséria, muitos celebram o ingresso de seus filhos na universidade, os pobres aprenderam o que é autoestima, e países ricos pensam em aplicar a mesma receita para reduzir os danos do capitalismo especulativo.
Agora os jornais brasileiros não falam mais em “bolsa-esmola”.
É que deu no New York Times.
“Suíça pode criar renda mínima de R$ 6,3 mil”.
A notícia, publicada na edição de sexta-feira (15/11) do Estado de S. Paulo é a versão traduzida de um texto da jornalista especializada em política econômica Annie Lowrey, que escreve no New York Times.
Na linha fina que sustenta o título, o jornal afirma: “Programas assistenciais tipo Bolsa Família são cada vez mais debatidos em todo o mundo”. A seguir, relatos de experiências desse tipo feitas em países ricos e opiniões de economistas sobre os resultados dessas ações sociais.
Agora, sugerimos que o prezado leitor e a leitora atenta tentem se recordar de como a imprensa brasileira tratou, desde o início, os programas sociais de distribuição de renda adotados pelo governo do ex-presidente Lula da Silva. Expressões como “bolsa-esmola” e “incentivo para a vagabundagem” ainda podem ser apreciadas em artigos e reportagens publicados a partir de 2003, quando a prática de combater a miséria com a concessão de renda virou política pública.
Depois de passar anos condenando o programa, a imprensa se convenceu de seus resultados e passou a cobrar uma “porta de saída” para os beneficiários e “adequações” do sistema. Ainda no ano passado, o Globo publicava ampla reportagem na qual fazia uma avaliação dos benefícios da injeção de dinheiro nas famílias pobres, reconhecendo como efeitos colaterais alguns dos resultados previstos ainda no lançamento do projeto: drástica redução do trabalho infantil, aumento da escolaridade nas regiões beneficiadas, diminuição da violência familiar e novo protagonismo da mulher.
Ao cobrar “aperfeiçoamentos”, o jornal citava o caso de uma faxineira, do Piauí, que rejeitou um emprego de babá porque preferia continuar com seus próprio filhos, sustentada pelo dinheiro do governo. O Globo apresentava essa história como crítica ao programa, como exemplo de que em alguns casos os beneficiários prefeririam não trabalhar fora, com medo de perder a renda mínima.
E é justamente nesse ponto que se revela a miopia social da imprensa brasileira: ao escolher ficar com seus próprios filhos, a mulher citada na reportagem estava justamente realizando o propósito do projeto social, ou seja, procurava assegurar com sua presença que os filhos fossem à escola. Se fosse cuidar dos filhos da patroa, certamente ganharia mais dinheiro, mas quem cuidaria de suas próprias crianças?
Pobres países ricos
A reportagem do New York Times, reproduzida pelo Estado de S. Paulo, observa que a crise nos países ricos está estimulando debates sobre a ideia de prover uma renda básica para famílias em dificuldades, principalmente para os jovens que não encontram emprego (ver aqui o texto original em inglês).
O caso da Suíça é emblemático: lá, uma campanha defende a concessão de um cheque mensal de 2.500 francos suíços – o equivalente a R$ 6.348 – a cada cidadão, rico ou pobre, idoso ou jovem, esteja ou não empregado. Como resultado imediato, a pobreza desapareceria completamente. A proposta é de um artista nascido na Alemanha, mas, segundo o texto, está mobilizando a sociedade e provoca grande debate entre economistas.
Mesmo nos Estados Unidos, pátria do liberalismo econômico, a discussão mobiliza as forças políticas de todos os matizes, mas praticamente já não se questiona a conveniência de programas de assistência: a controvérsia gira em torno do modelo mais adequado, se a renda básica será proporcionada por um programa de seguridade social expandido ou pela simples entrega de dinheiro, sem nenhuma obrigação em troca. Daí a uma ação internacional para o resgate da África, por exemplo, o caminho fica mais curto.
Uma pesquisa feita no Canadá e citada pelo jornal observa que a experiência de doação pura e simples de um salário mínimo a todos os cidadãos de uma pequena cidade durante um curto período conseguiu eliminar a pobreza, os índices de conclusão do ensino médio subiram e o número de pessoas hospitalizadas, caiu. O estudo projeta resultados mais amplos, demonstrando que uma política de renda básica não produz uma sociedade ociosa, como diziam os jornais brasileiros.
Programas de incentivo à base de transferência de renda vinham sendo experimentados no Brasil desde 1994, em Campinas, e acoplados a planos de educação, como aconteceu em 1995 em Brasília, durante o governo do hoje senador Cristovam Buarque. Mas foi o ex-presidente Lula da Silva que transformou essa ideia em política nacional, sob o nome de Bolsa-Família.
A reação da imprensa foi o que se viu.
Passados dez anos, o Brasil produziu o fenômeno da mobilidade social, milhões de cidadãos foram resgatados da miséria, muitos celebram o ingresso de seus filhos na universidade, os pobres aprenderam o que é autoestima, e países ricos pensam em aplicar a mesma receita para reduzir os danos do capitalismo especulativo.
Agora os jornais brasileiros não falam mais em “bolsa-esmola”.
É que deu no New York Times.
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