quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A vitória ideológica do chavismo

http://aporrea.org
Por Rafael Rico Rios, no sítio Opera Mundi:

Nas eleições municipais, celebradas na Venezuela no dia 8 de dezembro de 2013, com 97,52% dos votos apurados e uma participação de 58,92% [da população], o chavismo obtém um resultado total de 49,24% de votos em comparação aos 42,72% da oposição. Outras candidaturas independentes obtiveram 8,03% dos votos.

O chavismo vence em 15 das 24 capitais e em 76% das prefeituras do país. Mas volta a perder nas três cidades principais: Caracas, Maracaibo e Valencia.

Levando em conta que se trata de eleições municipais, uma alta participação demonstra que, na Venezuela, a democracia está mais viva do que nunca e que o enfrentamento entre dois modelos políticos continua.

Ninguém se atrevia a fazer prognósticos para essas eleições municipais: eram uma grande incógnita sem Chávez, depois da vitória apertada de Maduro no último dia 14 de abril e com os problemas econômicos que têm assolado o país nos últimos meses.

Tentou-se apresentar essas eleições municipais como um plebiscito sobre a gestão de Maduro – seus resultados pretendiam vislumbrar a era pós-Chávez, medir a temperatura da massa crítica do processo e avaliar o comportamento do núcleo duro de ambos os blocos.

A alta participação poderia reforçar a ideia de que efetivamente foi um plebiscito. No entanto, não podemos esquecer de que são eleições municipais, nas quais há fatores locais que influenciam o voto. Além disso, os graves problemas econômicos poderiam ser devidos a fenômenos conjunturais ou a uma crise do sistema que requer mudanças estruturais. Portanto, é difícil fazer qualquer análise ou chegar a qualquer conclusão que tente generalizar os resultados dessas eleições para interpretar a marcha do processo.

Guerra econômica?

Com esses resultados, parece que as últimas medidas decretadas pelo governo de Maduro contra o desabastecimento e a especulação podem ter mobilizado o voto socialista e ter feito entrar em jogo a consciência de classe.

Em 2003, para evitar a fuga de capitais, instaurou-se o controle de câmbio por meio do sistema de controle e distribuição de divisas da Comissão de Administração de Divisas, a CADIVI. A compra de dólares pelo sistema não oficial gerou um mercado paralelo que levou a multiplicar o preço oficial da moeda, atualmente, por 10.

As grandes empresas conseguiram “burlar” o controle de câmbio, adquirindo divisas pelo câmbio oficial, gerando monopólios de importação e acesso a bens pelo preço oficial, vendendo, por um lado, os produtos pelo preço do dólar paralelo e, por outro, vendendo no mercado paralelo as divisas adquiridas pelo preço oficial. Criaram um suculento e bilionário negócio com a venda de divisas, relegando a um segundo plano a importação de mercadorias, matérias-primas e maquinário ou a atividade produtiva.

Essa crise tem tido graves consequências para a população venezuelana, fazendo a inflação disparar ao máximo nos últimos 16 anos e gerando escassez de produtos básicos, transformando o problema econômico do desabastecimento de alimentos e o alto custo de vida nas questões que mais preocupam os venezuelanos, ao lado da insegurança.

Os preços subiram 54% no exercício de 2013 até agora. Uma grande parte dos produtos importados é vendida por mais de 1200% do seu preço no dólar oficial, apesar de, teoricamente, terem sido adquiridos pelo câmbio oficial.

As últimas medidas do governo contra a especulação dos empresários despertaram a consciência de classe da população venezuelana que, pelo menos, viu uma reação do governo. Sem dúvida trata-se de uma guerra econômica na qual grandes empresários estão tentando fundir o governo bolivariano, mas muitos cidadãos, ainda que reconheçam que tal guerra possa existir, consideram que é necessário saber ganhá-la. Existem sérias dúvidas se as recentes medidas adotadas pelo governo bolivariano contra a especulação e o desabastecimento vão no caminho certo ou se o próprio sistema, chamado “cadivismo”, é o que deve ser modificado, o que implicaria numa reestruturação profunda do modelo econômico.

Frente a uma crise econômica, qualquer governo neoliberal dispõe de um exército de assessores treinados e graduados em centenas de universidades criadas para o sistema neoliberal com conhecimentos acumulados durante décadas. Mas o chamado socialismo do século XXI não dispõe de muitas referências que lhe orientem para enfrentar a grave crise de divisas da guerra econômica e parece improvisar.

Com a aprovação das leis habilitantes, pelas quais a Assembleia Nacional outorga ao presidente Maduro poderes legislativos durante um ano, pretende-se ter agilidade suficiente para enfrentar a batalha contra a especulação, a inflação, a fuga de divisas e o “cadivismo”.

Em 2016, se a oposição conseguir assinaturas suficientes, poderia convocar um referendo revogatório do mandato do presidente Maduro. Se o governo não acertar as medidas econômicas, estaríamos frente a uma possível derrota eleitoral do chavismo e à convocação de novas eleições presidenciais, com as incógnitas de qual seria o novo candidato chavista e se a oposição, frente à possibilidade de tomar o poder, é capaz de manter unida sua rachada Mesa de Unidade [Democrática, a principal coalização de oposição].

Apesar da crise financeira, o governo continuou com o processo de luta contra a desigualdade e, neste ano de 2012, a Venezuela foi o país de região que mais baixou seus índices de pobreza, segundo dados da CEPAL [Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe], o desemprego se manteve em 7%, a economia continuou crescendo em um ritmo estável e o FMI se corrigiu e prevê que o crescimento continue no ano de 2014. Por outro lado, o Bank of America apontou que a PDVSA [Petróleos de Venezuela], com a produção atual, tem o suficiente para cumprir com os compromissos de dívida pendentes.

Mas, além disso, não nos esqueçamos da garantia de que a Venezuela é o país com a maior reserva de petróleo do mundo. Ainda que sofrendo fortes pressões econômicas e midiáticas que querem se apoderar dessa gigantesca reserva de petróleo, o governo de Maduro não pactuou com os grandes empresários e aprofundou o desenvolvimento do poder popular com o censo de mais de 1.100 comunas e 31 mil conselhos comunais, demonstrando lealdade e coerência aos princípios de Chávez.

A institucionalização do processo

O bipartidarismo, nas democracias de sistemas neoliberais, permite que os grandes partidos se alternem no poder ainda que defendam o mesmo sistema econômico. Em caso de desgaste do partido governante, o partido opositor recolhe os votos da população decepcionada e o mesmo sistema econômico é mantido.
Na Venezuela não há alternativa: ou você escolhe o caminho do chamado socialismo do século XXI ou volta ao capitalismo neoliberal. O chavismo não consegue oferecer uma alternativa ao desgaste do poder ou ao descontentamento pelas falhas na administração.

Essa falta de opção faz com que se estrangule qualquer espaço para a crítica. Os meios de comunicação comerciais, por interesses econômicos, mantêm um ataque contínuo e feroz contra o governo e os meios de comunicação públicos, nas mãos do governo, para fazer um contraponto à ofensiva midiática, não dão espaço à crítica e se transformam em uma espécie de aparato de propaganda.

Essa armadilha é difícil de ser superada e é transferida a todos os espaços da sociedade: sindicalistas, que evitam serem críticos ao governo para não fazer o jogo da oposição; partidos políticos, como o PSUV [Partido Socialista Unido da Venezuela], que não se diferencia entre partido e governo; funcionários públicos e; inclusive, os movimentos sociais, cooptados pelo apoio do governo por meio de instâncias como conselhos comunais e os recursos que recebem para o desenvolvimento do poder popular.

A institucionalização da revolução engoliu o partido dentro do governo, os sindicatos, os meios de comunicação e inclusive os movimentos sociais que não conseguem fazer um contrapeso crítico aos grandes erros do governo.
Essa falta de válvulas de escape para a autocrítica influencia inevitavelmente o votante descontente que, ao não ter alternativa dentro do socialismo bolivariano, é empurrado para a abstenção ou inclusive para a oposição.

A oposição, muito habilmente, tem dirigido seu discurso, nos últimos anos, não aos incondicionais da direita, mas a este setor descontente. Uma estratégia de comunicação que penetrou profundamente com o “Chávez é um grande líder, mas os que o rodeiam são uns medíocres” que conseguiu que um importante setor do eleitorado pense que “esses inúteis são os que nos governam agora”.

É um grande desafio superar esse dilema com mecanismos democráticos, dando espaço para a crítica dentro do processo, reforçando o papel dos sindicatos, garantindo que o PSUV seja crítico ao governo, reforçando o protagonismo das bases e [fazendo com] que o poder popular tenha voz crítica nos meios públicos.

Um ano depois da despedida de Chávez

Essas eleições coincidiram com o aniversário da última aparição pública de Hugo Chávez. Naquela plácida noite de dezembro, ele nos surpreendeu com sua despedida comovente. Foram os 35 minutos mais angustiantes dos últimos anos na Venezuela e prendemos a respiração até as suas frases finais:

Hoje temos pátria, que ninguém se confunda; hoje temos povo, que ninguém se confunda; hoje temos a pátria mais viva que nunca, ardendo em chama sagrada, em fogo sagrado.

Somente me resta dizer a vocês, desejando boa noite às dez horas e dez minutos dessa noite de sábado: Em direção à vitória sempre! Independência e pátria socialista!

Viveremos e venceremos! Viva a Venezuela!

Um ano depois, ninguém poderia imaginar que, diferentemente de outros povos submissamente castigados pelo capitalismo, o povo venezuelano, órfão de seu líder histórico, tenha assimilado com tanta maturidade e claridade o que significa uma luta de classe e o enfrentamento dos modelos econômicos. Soube ter a complexidade de distinguir entre uma defesa dos interesses de classe e um governo com uma administração ineficiente.

Não estão dando um cheque em branco para Maduro, este povo o demonstrou. É um povo que continuamente questiona a ordem estabelecida e é irreverente, que tem claro que o grande legado de Chávez é a consciência de classe e a unidade da esquerda, algo que parece impossível em outras latitudes.

Depois de 15 anos de governo, apesar dos milhões de dólares [gastos] em propaganda contra o processo, da guerra econômica, das manobras de desestabilização, corrupção, insegurança e sem Chávez, quando muitos apostavam em um desastre eleitoral e o princípio do fim do chavismo, o socialismo voltou a derrotar o capitalismo na Venezuela.

Não foi uma vitória do governo, foi uma vitória ideológica. Os meios de comunicação comerciais e as grandes corporações econômicas internacionais não conseguem compreender que é muito difícil enganar esse povo rebelde e lutador que despertou sua consciência.

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