Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
A observação diária da imprensa é atividade que se realiza à sombra de uma contradição permanente: é preciso não apenas registrar os fatos, mas também ponderar o valor simbólico que lhes imputa cada veículo, e a imprensa, como instituição genérica. Ao mesmo tempo, é necessário considerar que as notícias do cotidiano devem ser sempre cotizadas em relação ao cenário de fundo, ou seja, ao conjunto das mudanças em andamento.
A contradição está no fato de que só se pode compreender o evento isolado se ele puder ser visto em detalhes, mas relativamente ao contexto mais amplo possível. Melhor seria dizer que, numa sociedade hipermediada, torna-se problemático admitir a ocorrência de eventos isolados.
Neste início de 2014, por exemplo, é preciso considerar não apenas o peso relativo de cada conjunto de informações empacotadas pela mídia como “notícias”, mas também levar em conta que estamos chegando à metade da segunda década do século em meio a um turbilhão de desafios capazes de deixar atônitas as mentes mais preparadas. É como se a observação do mundo midiatizado exigisse utilizar ao mesmo tempo o microscópio e o telescópio, além da visão a olho nu.
Assim, questões que parecem limitadas a interesses específicos, como a disputa entre jovens da periferia e administradores de shopping centers, adquirem um valor exponencial quando projetadas sobre o processo eleitoral, que está em andamento, e que funciona como ímã a agregar todo fato social ou individual que possa ser usado nas campanhas de convencimento.
Exposta ao campo da política, essa questão ganha dimensões mais amplas, por que passa a servir como argumento para esta ou aquela interpretação ideológica dos processos sociais. Por outro lado, indicadores econômicos descolados do conjunto social podem ser lidos como duas faces diferentes da mesma moeda, conforme o viés de quem os analisa, ou inseridos no conjunto das percepções que irão moldar a interpretação do indivíduo sobre a realidade da qual faz parte.
A realidade impossível
Na terça-feira (21/1), o observador que ficar mais tempo olhando o Brasil pelo microscópio, vai ter motivos para misturar todos esses elementos e, então, terá argumentos para fazer afirmações aparentemente sensatas sobre praticamente tudo. No entanto, o leitor vai encontrar apenas variações sobre a mesma interpretação, ou seja, a diversidade do jornalismo brasileiro é apenas uma fachada para um viés hegemônico, que, com mais ou menos talento, com mais ou menos erudição, permeia todo o noticiário.
A lente da imprensa é a do conjunto de crenças a que se chama pelo nome genérico, impreciso e contraditório de “liberalismo”. Sob essa lente, todo fato político, econômico ou social se transforma em material para a construção de um ideário baseado no interesse individual, com o pressuposto de que, lá na frente, os melhores dentre os humanos haverão de construir o condomínio perfeito.
Portanto, toda política que interferir nesse processo, procurando superar as mazelas que o sistema predominante produziu ao longo da história, será vista como intromissão indevida do Estado no campo restrito dos interesses privados, tidos como legitimidade única entre todas as possibilidades.
Pura ilusão: os dados reais que vão orientar os debates no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, a partir de quarta-feira (22/1), retratam uma sociedade impossível, na qual há 202 milhões de desempregados, na maioria jovens; metade de toda a riqueza do planeta está nas mãos dos 1% mais ricos – a outra metade é dividida por todo o resto da humanidade; um grupo de apenas 85 indivíduos controla o equivalente à renda de 3,7 bilhões de pessoas; a desigualdade cresceu nas matrizes do capitalismo e só diminuiu em países como o Brasil, onde políticas sociais atacaram diretamente a pobreza.
Compare-se essa realidade à interpretação que a mídia tradicional procura dar aos fatos cotidianos, e que resume a contradição estrutural do sistema da imprensa: a propósito de um olhar racional que rejeita as utopias coletivas, essa perspectiva propõe a ilusão individualista que não combina com a realidade perversa comprovada pelos fatos.
Esses indicadores foram compilados pela Organização Internacional do Trabalho e pela organização humanitária Oxfam. Nenhum dos grandes jornais brasileiros achou esse tema importante o suficiente para aparecer na primeira página.
A observação diária da imprensa é atividade que se realiza à sombra de uma contradição permanente: é preciso não apenas registrar os fatos, mas também ponderar o valor simbólico que lhes imputa cada veículo, e a imprensa, como instituição genérica. Ao mesmo tempo, é necessário considerar que as notícias do cotidiano devem ser sempre cotizadas em relação ao cenário de fundo, ou seja, ao conjunto das mudanças em andamento.
A contradição está no fato de que só se pode compreender o evento isolado se ele puder ser visto em detalhes, mas relativamente ao contexto mais amplo possível. Melhor seria dizer que, numa sociedade hipermediada, torna-se problemático admitir a ocorrência de eventos isolados.
Neste início de 2014, por exemplo, é preciso considerar não apenas o peso relativo de cada conjunto de informações empacotadas pela mídia como “notícias”, mas também levar em conta que estamos chegando à metade da segunda década do século em meio a um turbilhão de desafios capazes de deixar atônitas as mentes mais preparadas. É como se a observação do mundo midiatizado exigisse utilizar ao mesmo tempo o microscópio e o telescópio, além da visão a olho nu.
Assim, questões que parecem limitadas a interesses específicos, como a disputa entre jovens da periferia e administradores de shopping centers, adquirem um valor exponencial quando projetadas sobre o processo eleitoral, que está em andamento, e que funciona como ímã a agregar todo fato social ou individual que possa ser usado nas campanhas de convencimento.
Exposta ao campo da política, essa questão ganha dimensões mais amplas, por que passa a servir como argumento para esta ou aquela interpretação ideológica dos processos sociais. Por outro lado, indicadores econômicos descolados do conjunto social podem ser lidos como duas faces diferentes da mesma moeda, conforme o viés de quem os analisa, ou inseridos no conjunto das percepções que irão moldar a interpretação do indivíduo sobre a realidade da qual faz parte.
A realidade impossível
Na terça-feira (21/1), o observador que ficar mais tempo olhando o Brasil pelo microscópio, vai ter motivos para misturar todos esses elementos e, então, terá argumentos para fazer afirmações aparentemente sensatas sobre praticamente tudo. No entanto, o leitor vai encontrar apenas variações sobre a mesma interpretação, ou seja, a diversidade do jornalismo brasileiro é apenas uma fachada para um viés hegemônico, que, com mais ou menos talento, com mais ou menos erudição, permeia todo o noticiário.
A lente da imprensa é a do conjunto de crenças a que se chama pelo nome genérico, impreciso e contraditório de “liberalismo”. Sob essa lente, todo fato político, econômico ou social se transforma em material para a construção de um ideário baseado no interesse individual, com o pressuposto de que, lá na frente, os melhores dentre os humanos haverão de construir o condomínio perfeito.
Portanto, toda política que interferir nesse processo, procurando superar as mazelas que o sistema predominante produziu ao longo da história, será vista como intromissão indevida do Estado no campo restrito dos interesses privados, tidos como legitimidade única entre todas as possibilidades.
Pura ilusão: os dados reais que vão orientar os debates no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, a partir de quarta-feira (22/1), retratam uma sociedade impossível, na qual há 202 milhões de desempregados, na maioria jovens; metade de toda a riqueza do planeta está nas mãos dos 1% mais ricos – a outra metade é dividida por todo o resto da humanidade; um grupo de apenas 85 indivíduos controla o equivalente à renda de 3,7 bilhões de pessoas; a desigualdade cresceu nas matrizes do capitalismo e só diminuiu em países como o Brasil, onde políticas sociais atacaram diretamente a pobreza.
Compare-se essa realidade à interpretação que a mídia tradicional procura dar aos fatos cotidianos, e que resume a contradição estrutural do sistema da imprensa: a propósito de um olhar racional que rejeita as utopias coletivas, essa perspectiva propõe a ilusão individualista que não combina com a realidade perversa comprovada pelos fatos.
Esses indicadores foram compilados pela Organização Internacional do Trabalho e pela organização humanitária Oxfam. Nenhum dos grandes jornais brasileiros achou esse tema importante o suficiente para aparecer na primeira página.
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