Por Mônica Mourão, na revista CartaCapital:
A ofensiva conservadora da mídia brasileira contra manifestantes, sindicatos e partidos políticos de esquerda consubstanciou-se, nas últimas semanas, em matérias e editoriais de veículos das Organizações Globo, em especial, em seu jornal impresso de mesmo nome. O periódico protagonizou o que há de pior no chamado jornalismo declaratório: aquele que ancora suas verdades no que foi dito por alguém, sem a devida checagem das informações. Em matéria cujo título virou piada na internet (“Estagiário de advogado diz que ativista afirmou que homem que acendeu rojão era ligado ao deputado estadual Marcelo Freixo”), o veículo iniciou sua onda de ofensivas não só ao deputado, mas a uma diversidade de atores sociais e entidades que se situam num espectro à esquerda das posições do jornal e das atuais gestões da prefeitura e do governo do Estado do Rio de Janeiro.
Por que essas distorções interessam a O Globo e qual seu impacto político e social? Em primeiro lugar, cabe lembrar que as Organizações Globo se consolidaram no período da ditadura civil-militar. As palavras de ordem gritadas nas últimas manifestações (“A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”), e o editorial em que assume que esteve de acordo com esse regime de exceção trouxeram recentemente de volta à tona este tema. Mas cabe ressaltar ainda que este não é um episódio isolado na trajetória da empresa (também conhecida, só para citar alguns casos, pela sua participação no escândalo Proconsult contra a candidatura de Brizola ao governo do Rio de Janeiro e na edição feita, em 1989, do debate entre os presidenciáveis Lula e Collor, para beneficiar este último) nem se limita a ela. Caracteriza o setor de comunicação no Brasil, regido por uma legislação arcaica e com herança de farras de liberação de concessões pelo Executivo (apenas Sarney permitiu 418 novas concessões) e pelo Legislativo (que tem aprovado outorgas em benefício próprio, como se pode conferir em texto já publicado neste blog).
Ora, se a posição conservadora do jornal já é conhecida, por que tanta repercussão de suas afirmações tendenciosamente contrárias a manifestantes e partidos de esquerda? Ele não tem o direito de se posicionar ideologicamente como quiser? A atual prática d'O Globo é diferente, por exemplo, do que fez o Estado de S. Paulo nas eleições para a presidência da República, em que expressou explicitamente no espaço editorial seu apoio ao candidato José Serra. Aqui, trata-se de utilizar o espaço “informativo” do jornalismo para fazer acusações infundadas que soam como verdadeiras devido à aura de objetividade da qual a atividade jornalística ainda se reveste.
Mesmo que fosse o caso de o veículo deixar explícita a sua posição editorial, afirmar categoricamente no espaço opinativo, como fez O Globo, que está comprovada a ligação do mandato de Marcelo Freixo com black blocs não se limita a assumir uma linha editorial. Pois, no caso, não se trata de posicionamento político (que o jornal não assumiu em nenhum de seus editoriais, colocando-se, em “O dever de um jornal” e “O dever de um jornal II” como estando apenas a serviço da população). Tratam-se de acusações graves, sem comprovação, que buscam associar entre si atores sociais dos mais diversos matizes da esquerda e identificá-los com uma postura violenta que amedronta boa parte da população – procurando afastá-la das ruas e das opções de esquerda nas urnas, além de legitimar a série de reformas autoritárias no sistema repressivo, como a “lei antiterrorismo”. No caso da Rede Globo, a campanha difamatória torna-se ainda mais grave: além da grande audiência, ser uma concessão pública deveria impedir que a TV favorecesse uma opção ideológica em detrimento das demais.
Mas, como diz aquele samba, perdão foi feito pra gente pedir. As Organizações Globo se desculparam. O jornal publicou, na coluna semanal de Caetano Veloso, texto do compositor em que ele criticava a própria empresa. Também deu espaço para Marcelo Freixo fazer um artigo em sua defesa (rebatido, no dia seguinte, em editorial). Fez cobertura, no Jornal Nacional, do ato de solidariedade ao deputado. Com isso, está finalmente exercendo o dever jornalístico de permitir a seus leitores e espectadores acesso a versões diversas de um acontecimento?
Ainda que se passe por cima do fato de que a notícia geradora de todo esse encadeamento de acusações e defesas foi algo que não tinha nenhuma relevância jornalística, por tratar-se de “disse me disse”, não de fatos comprovados ou bem apurados, o perdão da Globo é insuficiente. Como tragicamente provado pelo caso Escola Base, de 1994, manchetes, capas, editoriais e coberturas televisivas têm o poder de devastar uma reputação. Consertos posteriores, ainda mais sem o mesmo espaço e destaque das acusações, são emendas com menos impacto do que a ofensiva inicial. Se existe um impacto positivo certeiro é para o jornal, que se legitima por sua aparente diversidade.
Em ano de Copa (cujos direitos de transmissão são exclusivos das Organizações Globo) e de eleições, amedrontar a população com a violência das manifestações (com o enviesado destaque para os black blocs, não para a polícia) e associar a esquerda partidária a tal violência fazem parte de um jogo que, certamente, não tem como principal objetivo aprofundar a democracia brasileira.
* Mônica Mourão é jornalista e integrante do Coletivo Intervozes.
A ofensiva conservadora da mídia brasileira contra manifestantes, sindicatos e partidos políticos de esquerda consubstanciou-se, nas últimas semanas, em matérias e editoriais de veículos das Organizações Globo, em especial, em seu jornal impresso de mesmo nome. O periódico protagonizou o que há de pior no chamado jornalismo declaratório: aquele que ancora suas verdades no que foi dito por alguém, sem a devida checagem das informações. Em matéria cujo título virou piada na internet (“Estagiário de advogado diz que ativista afirmou que homem que acendeu rojão era ligado ao deputado estadual Marcelo Freixo”), o veículo iniciou sua onda de ofensivas não só ao deputado, mas a uma diversidade de atores sociais e entidades que se situam num espectro à esquerda das posições do jornal e das atuais gestões da prefeitura e do governo do Estado do Rio de Janeiro.
Por que essas distorções interessam a O Globo e qual seu impacto político e social? Em primeiro lugar, cabe lembrar que as Organizações Globo se consolidaram no período da ditadura civil-militar. As palavras de ordem gritadas nas últimas manifestações (“A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”), e o editorial em que assume que esteve de acordo com esse regime de exceção trouxeram recentemente de volta à tona este tema. Mas cabe ressaltar ainda que este não é um episódio isolado na trajetória da empresa (também conhecida, só para citar alguns casos, pela sua participação no escândalo Proconsult contra a candidatura de Brizola ao governo do Rio de Janeiro e na edição feita, em 1989, do debate entre os presidenciáveis Lula e Collor, para beneficiar este último) nem se limita a ela. Caracteriza o setor de comunicação no Brasil, regido por uma legislação arcaica e com herança de farras de liberação de concessões pelo Executivo (apenas Sarney permitiu 418 novas concessões) e pelo Legislativo (que tem aprovado outorgas em benefício próprio, como se pode conferir em texto já publicado neste blog).
Ora, se a posição conservadora do jornal já é conhecida, por que tanta repercussão de suas afirmações tendenciosamente contrárias a manifestantes e partidos de esquerda? Ele não tem o direito de se posicionar ideologicamente como quiser? A atual prática d'O Globo é diferente, por exemplo, do que fez o Estado de S. Paulo nas eleições para a presidência da República, em que expressou explicitamente no espaço editorial seu apoio ao candidato José Serra. Aqui, trata-se de utilizar o espaço “informativo” do jornalismo para fazer acusações infundadas que soam como verdadeiras devido à aura de objetividade da qual a atividade jornalística ainda se reveste.
Mesmo que fosse o caso de o veículo deixar explícita a sua posição editorial, afirmar categoricamente no espaço opinativo, como fez O Globo, que está comprovada a ligação do mandato de Marcelo Freixo com black blocs não se limita a assumir uma linha editorial. Pois, no caso, não se trata de posicionamento político (que o jornal não assumiu em nenhum de seus editoriais, colocando-se, em “O dever de um jornal” e “O dever de um jornal II” como estando apenas a serviço da população). Tratam-se de acusações graves, sem comprovação, que buscam associar entre si atores sociais dos mais diversos matizes da esquerda e identificá-los com uma postura violenta que amedronta boa parte da população – procurando afastá-la das ruas e das opções de esquerda nas urnas, além de legitimar a série de reformas autoritárias no sistema repressivo, como a “lei antiterrorismo”. No caso da Rede Globo, a campanha difamatória torna-se ainda mais grave: além da grande audiência, ser uma concessão pública deveria impedir que a TV favorecesse uma opção ideológica em detrimento das demais.
Mas, como diz aquele samba, perdão foi feito pra gente pedir. As Organizações Globo se desculparam. O jornal publicou, na coluna semanal de Caetano Veloso, texto do compositor em que ele criticava a própria empresa. Também deu espaço para Marcelo Freixo fazer um artigo em sua defesa (rebatido, no dia seguinte, em editorial). Fez cobertura, no Jornal Nacional, do ato de solidariedade ao deputado. Com isso, está finalmente exercendo o dever jornalístico de permitir a seus leitores e espectadores acesso a versões diversas de um acontecimento?
Ainda que se passe por cima do fato de que a notícia geradora de todo esse encadeamento de acusações e defesas foi algo que não tinha nenhuma relevância jornalística, por tratar-se de “disse me disse”, não de fatos comprovados ou bem apurados, o perdão da Globo é insuficiente. Como tragicamente provado pelo caso Escola Base, de 1994, manchetes, capas, editoriais e coberturas televisivas têm o poder de devastar uma reputação. Consertos posteriores, ainda mais sem o mesmo espaço e destaque das acusações, são emendas com menos impacto do que a ofensiva inicial. Se existe um impacto positivo certeiro é para o jornal, que se legitima por sua aparente diversidade.
Em ano de Copa (cujos direitos de transmissão são exclusivos das Organizações Globo) e de eleições, amedrontar a população com a violência das manifestações (com o enviesado destaque para os black blocs, não para a polícia) e associar a esquerda partidária a tal violência fazem parte de um jogo que, certamente, não tem como principal objetivo aprofundar a democracia brasileira.
* Mônica Mourão é jornalista e integrante do Coletivo Intervozes.
1 comentários:
Excelente texto. Realmente, o controle do mercado de notícias pela mídia oligopolizada não permite - no mesmo nível - que o cidadão disponha de opção para ter o contraditório. É verdade que cada um pode defender a ideologia, o ponto de vista que quiser, porém, é bom lembrar, a desinformação vai ao encontro dos interesses da mídia em forjar um "pensamento único", ou "fabricar consensos". Em síntese, a mídia é uma empresa que vende um produto para o mercado; o mercado é o sustentador dessa mídia e o produto é a audiência. A audiência precisa ser "domesticada" para adquirir o produto: a desinformação.
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