Desde o retorno da Democracia no Brasil, tivemos 6 eleições presidenciais. De uma maneira geral (e algo superficial), podemos dizer que quatro delas se deram sob o signo da “continuidade”. E outras duas sob o signo da “mudança”.
Em 1989, com a hiperinflação e o desemprego atormentando o país, a disputa foi pra ver quem encarnaria a mudança necessária e desejada: Lula e Brizola pela esquerda; Collor pela direita – mas com ares de renovação. A candidatura de “continuidade” (Ulysses, PMDB) foi massacrada. E Collor(com ajuda da Globo) ganhou a eleição. O conservadorismo precisou se travestir de mudança pra não entregar o poder à esquerda.
Em 1994, Itamar Franco domou a inflação com o Plano Real, e FHC encarnou a “continuidade” do que estava dando certo - venceu Lula no primeiro turno. Em 1998, também sob signo da “continuidade”, FHC foi reeleito (e, de novo, em primeiro turno).
Em 2002, o “apagão” energético e a crise cambial que levaram o Brasil ao FMI já no começo do segundo mandato de FHC, abriram caminho para a “mudança”. Lula se elegeu (assumindo compromissos com o conservadorismo, sim; mas encarnando a “mudança”). Depois, sob o signo da “continuidade”, Lula conquistou a reeleição em 2006 (havia os programas sociais e o combate à pobreza como realidades a proteger, a manter), e conseguiu eleger Dilma em 2010.
Chegamos a 2014 sem uma definição tão clara como a dos pleitos anteriores. Afinal, estamos diante de uma eleição de "mudança" ou "continuidade"?
A pesquisa IBOPE da semana passada criou certa euforia entre os apoiadores do lulismo. Dilma apareceu com mais de 40% das intenções de votos, em todos os cenários. Aécio(PSDB) marcou 15% e Eduardo Campos (PSB) só 7%. A pesquisa indicou anemia dos dois candidatos da oposição (e Marina, ao lado de Eduardo, também parece ter perdido o encanto e a capacidade de encarnar a "mudança"). Além disso, a rejeição de Dilma (mesmo sob bombardeio diário da velha mídia) é praticamente a mesma dos dois adversários.
Esses números indicariam, portanto, mais uma eleição de “continuidade”, certo? Não. Primeiro porque a maior parte do eleitorado não parou pra pensar em eleição. Por isso, é natural que Dilma esteja bem na frente. Mas o principal: quase dois terços dos entrevistados (64%) dizem que gostariam de mudar tudo ou muita coisa no país. Cerca de um terço (32%) diz que prefere pouca ou nenhuma mudança.
Ora, o povo quer “mudança” mas vota na “continuidade”? O quadro é complexo. O IBOPE perguntou à turma que pede mudança (total ou muita): quem deveria comandar esse processo de “mudança”? 27% querem que Dilma seja a comandante da “mudança”. Ou seja: 27% – dos 64% que pedem mudanças - querem Dilma, o que significa cerca de 18% do eleitorado total.
A conclusão é que – pela primeira vez em 25 anos – teremos um quadro híbrido entre “continuidade” e “mudança”. A maioria do eleitorado até deseja mudanças, mas (por hora) não confia na oposição para comandar essas mudanças. Dilma segue favorita porque consegue somar: os brasileiros que desejam continuidade (32%) + os que desejam mudanças com Dilma (cerca de 18% do eleitorado).
Essa equação só é possível porque a oposição não consegue encantar o eleitorado que deseja mudança. Esse quadro pode mudar até outubro? Pode. Não faz sentido que, num país em que dois terços do eleitorado desejam mudança, a oposição não consiga sequer levar a eleição para o segundo turno.
A nova pesquisa CNI/IBOPE (não confundir com a anterior, que era só do IBOPE) traz mais sinais de que a eleição será dura. Só 36% dos brasileiros consideram o governo Dilma ótimo ou bom (é aquele um terço que – pela pesquisa anterior – deseja continuidade). Para 27%, o governo é ruim ou péssimo (eram 20% na pesquisa anterior). E 36% consideram o governo regular. Além disso, a confiança em Dilma recuou para 48%. E a desconfiança atingiu 47%.
São dados a apontar uma eleição realmente disputada. Ok, podemos desconfiar do IBOPE. O instituto tem um histórico complicado, como escrevi aqui. Mas quem anda pelas ruas das grandes cidades percebe – sim- um quadro (moderado) de insatisfação.
A CPI da Petrobras ajudaria a provocar mais desajustes entre Dilma e a elite (econômica e política) do país. Mas tem pouco potencial de atingir a grande massa de eleitores. O que parece pesar mais, especialmente nas grandes cidades, é esse clima difuso de mau-humor: trânsito, violência, caos urbano. Nada disso é responsabilidade do governo federal, mas ajuda a criar a impressão (verdadeira?) de que as coisas não vão tão bem. A isso soma-se a tempestade de notícias ruins despejada sobre nós todos os dias pelas TVs, rádios e jornais. Dilma vai sentir na pele em breve o erro que foi não enfrentar a questão da comunicação no Brasil.
Mas é preciso dizer que nem tudo é culpa da “velha imprensa”. Há dificuldades concretas. Lula levou o país a um novo patamar. Elegeu Dilma para mais um salto. Só que a impressão é que passamos quatro anos sem sair do lugar. O dia-a-dia do brasileiro não piorou, mas parou de melhorar. A grande mudança prometida - redução de juros e retomada do desenvolvimento (com dinheiro saindo dos bancos para o investimento) - não aconteceu. Dilma perdeu a guerra com os rentistas. Mas tem o mérito inegável de ter mantido o emprego baixo (muito baixo) em meio a uma grave crise internacional. É uma espécie de “empate” – que permite tanto pensar em “mudança” como em “continuidade”.
A oposição não conseguiu explicar até agora qual seria a alternativa a Dilma. Pode encaixar um discurso mais consistente até outubro? Na teoria, pode. Mas Aécio e Eduardo não parecem ter um problema só de comunicação. Falta realmente um projeto, uma “utopia” para apresentar ao país. Dilma, por outro lado, pode perfeitamente consolidar a vitória, desde que consiga criar a imagem de “mudança, mas sem aventura nem passo atrás.”
Só que, repito, a eleição será muito mais difícil do que indicam hoje os percentuais de voto em Aécio e Eduardo. O quadro geral indica eleição para dois turnos, disputada, com o país dividido.
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