A aprovação do Marco Civil pela Câmara Federal é uma das melhores notícias políticas do Brasil dos últimos tempos. Equivale à criação do Bolsa Família e à aprovação das garantias trabalhistas para empregadas domésticas. É uma lei libertária. E coloca o país num outro patamar do debate internacional da internet.
Não à toa o criador da web, Tim Berners-Lee, pediu de presente de aniversário para o seu invento, que fez 25 anos no último ano, a aprovação da lei. Ele sabe o quanto a legislação brasileira pode reordenar o debate no mundo sobre a garantia de neutralidade e direitos na rede. A internet que ajudou a criar está sob ameaça. E pode se tornar apenas um instrumento de controle e um ambiente de negócios. Há imensos interesses em jogo direcionando-a para esse caminho. Mas o Brasil está ousando pontuar internacionalmente uma nova possibilidade. A aprovação do Marco Civil no Brasil reafirma a internet como um ambiente sem donos, onde a privacidade precisa ser respeitada e num espaço de direitos e de criatividade. Não é pouca coisa. Além disso, ainda permite que a multiplicidade informativa ampliada com a internet não se torne refém das teles.
E como foi que conseguimos aprovar essa lei num ambiente tão desfavorável a ela quanto a Câmara Federal? E como conseguimos escrever essa lei a milhares de mãos e debatendo-a em dezenas de espaços públicos repletos de pessoas com diferentes visões de mundo e da internet? E como foi possível fazer isso operando contra segmentos empresariais poderosos como as teles e a Globo?
Não foi um processo simples, mas foi impressionantemente exemplar. Houve grande descentralidade e horizontalidade na construção do projeto entre os atores da sociedade civil. E, na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ) garantiu à tramitação uma qualidade poucas vezes registrada na costura e aprovação de uma lei.
O caso Snowden, registre-se, foi fundamental para que o Marco Civil se tornasse prioridade para o governo. Foi naquele episódio que a presidenta Dilma percebeu que aprovar a lei era algo fundamental para que o Brasil passasse a jogar um papel de destaque no debate mundial sobre o futuro da internet. E, cá entre nós, o ex-ministro Franklin Martins teve papel importante nisso. Franklin é hoje uma das pessoas de sua geração que mais entende o papel da garantia da liberdade na rede neste processo democrático. E como tem interlocução tanto com a presidenta quanto com o ex-presidente Lula, certamente ajudou-os a entender melhor a questão.
Entre os ativistas, talvez mais de uma centena mereça destaque. E vou cometer injustiças citando alguns, mas vocês podem e devem ampliar essa lista na caixa de comentários. A turma do (Comitê Gestor da Internet) CGI, como o professor Sergio Amadeu e a Veridiana Alimonti foram importantíssimos. O incansável Caribé e a Beatriz Tibiriçá também. O Marcelo Branco, o Ronaldo Lemos, o Pablo Ortellado, o Fábio Malini, a Ivana Bentes, o pessoal do Fórum de Mídia Livre, vários dos blogueiros progressistas e coletivos de cultura digital, a moçada do Intervozes, do Fora do Eixo e de inúmeros pontos de cultura espalhados Brasil afora. O Gilberto Gil, tanto no Minc quanto no manifesto do Avaaz. Vários deputados sérios, principalmente do PT, Psol e PCdoB. Mas não apenas desses partidos. Mesmo no PMDB houve quem ajudasse no debate da aprovação, como o deputado João Arruda, do Paraná.
O governo também foi de suma importância. E fez a diferença quando a chantagem tomou conta da Câmara na ação do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Dilma decidiu comprar a briga e ontem a palavra Marco Civil se tornou sinônimo de festa. Foi certamente a lei mais celebrada na história das redes. E tende a fazer história não só por aqui.
Mas o jogo ainda está sendo jogado. Ela vai para o Senado e depois precisa ser sancionada pela presidente. E as teles ainda não desistiram. Já estão divulgando que ela permite vender pacotes. Ou seja, comemorar é preciso, mas com um olho na gato e outro no peixe.
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