Na data em que é marcada por um dos episódios mais tristes da história brasileira, 50 anos do golpe militar, é inegável o papel da grande e velha imprensa neste ato. Contudo, há uma luz no fatídico episódio: o papel do jornal Última Hora, único grande jornal contrário ao golpe.
O jornal do chamado “Profeta” Samuel Wainer, criado em 1953, a partir da negação da tese da “imparcialidade” e com o apoio do então presidente Getúlio Vargas, foi o primeiro alvo dos militares junto com a sede da União Nacional dos Estudantes. Com grande circulação nas camadas populares, os golpistas precisaram agir rápido para que o veículo não fosse pilar de alguma reação.
Diferente dos outros jornais que articularam junto com os militares e empresários o golpe, desde o seu início, Última hora imprimia em suas páginas claro posicionamento político.
Em seus editoriais defendia incisivamente os trabalhadores, a democracia, o desenvolvimento e a soberania nacional. Portanto, sabia que em pleno período da guerra fria, as incertezas com a renúncia de Jânio Quadros trariam conflitos com forte influência da mão pesada dos Estados Unidos.
As evidências vinham da própria boca das lideranças, principalmente de esquerda, que Wainer tinha relações e mantinha constante diálogos.
Menos de um mês antes do golpe, o dono do Última Hora reuniu se em sua casa com Miguel Arraes, que junto com Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes, dialogava com amplos setores da esquerda. Depois de tomar algumas doses de uísque, Arraes disse à Wainer:
- No dia 13, teu amigo Jango cai, acaba, disse estendendo uma das mãos com o polegar para baixo.
As forças de esquerda queriam mais de Jango. Julgavam o muito conciliador, moderado demais para aqueles tempos de extrema polarização no cenário mundial em que a economia brasileira sentia os efeitos da luta internacional. Na última viagem aos Estados Unidos, Lyndon B. Johnson mostrou o poderio bélico norte-americano ao presidente Jango em uma contundente forma de intimidação.
Última Hora era um agitador da reformas de base, programa de Jango, e buscava esclarecer com matérias e reportagens especiais sobre as principais reformas. Naquele época, a reforma agrária tinha 74% de apoio, segundo pesquisa Ibope feita em 1964, porém não divulgada.
O próprio presidente Jango tinha uma relação muito próxima com o jornal Última Hora. Uma prova disso é o diálogo, do começo de 1964, em que o presidente comunicou Samuel Wainer que prenderia Humberto de Alencar Castello Branco, então chefe do Estado Maior do Exército.
A resposta do jornalista é que daria a manchete na primeira página, desde que o cárcere fosse efetivado, senão ficaria desmoralizado. E escutou do presidente:
- Vou mandar prender o general Castello Branco. Quem está dizendo isso é o presidente da República.
Depois de dar a grande manchete, quando o jornal não havia nem esquentado as bancas, João Goulart recebia em audiência o chefe das forças armadas, que já encabeçava as articulações do golpe.
Mesmo com a barriga imposta pelo presidente, o editor do Última Hora manteve contato com o dirigente brasileiro, pelo menos até aquela hora.
No dia 31 de março, por telefone, Jango fez o convite para que Wainer fosse com ele para Brasília, que respondeu:
- Não, Jango, não vou. Tu vais defender a tua presidência, eu vou defender o meu jornal.
Sentindo o “azedume” do golpe, Wainer foi naquele mesmo dia pedir asilo na embaixada do Chile.
Como a maioria das pessoas, o jornalista acreditava que o golpe não duraria muito tempo e que seu jornal viveria aqueles tempos atormentadores. Mas as sucursais do Última Hora viveu, de acordo com a realidade política de cada estado, situações diferentes.
O primeiro ato dos correligionários de Carlos Lacerda foi correrem para acabar com toda a infraestrutura do jornal. Com o empastelamento, o jornal voltou a circular no dia três de abril, somente com duas páginas, mas com os traços críticos da charge de Jaguar.
Em São Paulo, o jornal retomou a sua rotina depois de 21 dias. “Quando voltou às bancas, perdera definitivamente a força de outros tempos, vergando-se à anemia que precipitaria sua venda e, mais tarde, sua morte”, escreveu o jornalista em suas memórias.
O jornal chegou a escrever que defendia “o futuro contra a cobiça dos interesses monopolistas internacionais – o que de resto constitui o centro de toda essa onda conspirativa contra as nossas instituições democráticas”.
Viver em uma ditadura militar era uma missão impossível, como um peixe fora d’água. Sem democracia, que era seu leito e justamente a brecha que havia utilizado para fundar o jornal, sem poder dialogar com os trabalhadores que há mais de duas décadas saiam da área rural em direção às grandes cidades, o jornal que desafiava a ditadura com manchetes como “Eleições, só de Miss”, foi vendido no dia 21 de abril de 1972.
* Fontes consultadas: Minha razão de viver, Samuel Wainer, e A Última Hora nos tempos de Wainer, da Associação Brasileira de Imprensa.
1 comentários:
... grande Samuel Wainer, deixou o exemplo que infelizmente nem todos aprenderam, seu neto, João Wainer hoje trabalha na TV Folha para os Frias. O inimigo mora ao lado!
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