Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:
Folha, Globo e outros jornais estão fazendo especiais sobre os 50 anos do Golpe.
É uma tragédia e ao mesmo tempo uma comédia.
Qualquer esforço sério para falar do Golpe tem que tratar do papel crucial da mídia. O que jornais como o Globo, a Folha, o Estadão e tantos outros fizeram, portanto.
Alguma linha sobre o assunto?
Pausa para rir, ou para chorar. Você escolhe.
1964 não teria existido sem a imprensa, este é um fato doído para nós, jornalistas.
Os jornais construíram um Brasil fantasioso - de mentira, sejamos diretos - que chancelaria a ação dos militares.
Como mostrou o jornalista Mário Magalhães em seu blog nestes dias, o presidente João Goulart tinha alta popularidade em março de 1964.
Numa pesquisa do Ibope, não divulgada à época e nem por muitos anos, ele aparecia bem à frente na lista de intenções de voto para as eleições presidenciais de 1965.
Como não seria popular um presidente que tinha uma agenda pró-povo como Jango? Entre outras coisas, em seu governo foi criado o 13.o salário, que o Globo - numa hoje amplamente exposta e debochada primeira página - tratou como calamidade.
Mas o noticiário criava a sensação de que os brasileiros em massa eram contra Jango. O Globo conseguiu dizer que a democracia fora “restaurada” com o golpe que mataria tantas pessoas e faria de seu dono o homem mais rico do país.
Mesmo o grande jornal que mais tarde foi uma trincheira na oposição aos militares - o extinto Correio da Manhã - produziu duas manchetes que entrariam tristemente na história.
Uma delas dizia “Basta!” e a outra “Fora!” Como maus exemplos prosperam, a Veja copiaria o Correio da Manhã na capa em que, décadas depois, anunciou a saída de Collor. (E sonharia por oito anos repetir a cópia na gestão de Lula.)
O apoio da mídia à ditadura se manteria enquanto os militares foram fortes para beneficiar seus donos.
A campanha da Folha pelas eleições diretas só veio quando a ditadura cambaleava: politicamente, a insatisfação galopava, e a economia era um caos insustentável.
Antes, Octavio Frias se comportara de maneira bem diferente. Cedera carros da Folha para a caça a opositores da ditadura, o que o levou a temer ser justiçado como outro empresário que fez o mesmo, Henning Albert Boilesen, da Ultragás.
Frias mostrou também sua combatividade seletiva quando, depois de uma crônica de Lourenço Diaféria que dizia que o povo mijava na estátua do Duque de Caxias, patrono do Exército, recebeu uma ordem de um general para afastar o diretor de redação Claudio Abramo.
Afastou - não um mês, uma semana, um dia depois. Afastou na hora. Covardemente, ainda mandou retirar seu próprio nome - dele, Frias - da primeira página do jornal como “diretor responsável”.
Pôs o de Boris Casoy, escolhido para substituir Claudio por causa de seus notórios vínculos com a ditadura. Boris foi integrante do Comando de Caça aos Comunistas, o CCC. Não sabia escrever, mas isso era um detalhe.
Depois, quando a ditadura desabava, Frias autorizou valentemente a campanha das Diretas Já, tão enaltecida como nascida da grandeza de Frias ainda hoje por jornalistas de renome como Clóvis Rossi.
Não era fácil ser jornalista naqueles dias, especialmente se você tivesse convicções.
Meu pai - Emir Macedo Nogueira - era editorialista da Folha em meados dos anos 60, quando eclodiu uma greve de fome entre os presos políticos em São Paulo.
Frias mandou meu pai escrever um editorial que afirmaria não haver presos políticos, só prisioneiros comuns.
Papai se recusou, e foi tirado da posição. Por que Frias não o mandou embora, às vezes me pergunto. Imagino que sejam duas as explicações: a primeira, papai tinha um talento excepcional. A segunda: uma demissão significaria que Frias levara a perseguição política para o interior da Folha.
Prova de quanto era dura a vida na redação, o editorial acabou sendo escrito por Claudio Abramo, um grande jornalista de esquerda, cheio de amigos entre os presos políticos em greve de fome.
Você pode imaginar o sofrimento que foi para Claudio escrever o que escreveu naquele dia.
Quando penso no papel desempenhado pela imprensa no golpe, tenho vergonha de ser jornalista. Mas aí me lembro de como o DCM é diferente de tudo aquilo e sigo adiante, para combater o bom combate.
Folha, Globo e outros jornais estão fazendo especiais sobre os 50 anos do Golpe.
É uma tragédia e ao mesmo tempo uma comédia.
Qualquer esforço sério para falar do Golpe tem que tratar do papel crucial da mídia. O que jornais como o Globo, a Folha, o Estadão e tantos outros fizeram, portanto.
Alguma linha sobre o assunto?
Pausa para rir, ou para chorar. Você escolhe.
1964 não teria existido sem a imprensa, este é um fato doído para nós, jornalistas.
Os jornais construíram um Brasil fantasioso - de mentira, sejamos diretos - que chancelaria a ação dos militares.
Como mostrou o jornalista Mário Magalhães em seu blog nestes dias, o presidente João Goulart tinha alta popularidade em março de 1964.
Numa pesquisa do Ibope, não divulgada à época e nem por muitos anos, ele aparecia bem à frente na lista de intenções de voto para as eleições presidenciais de 1965.
Como não seria popular um presidente que tinha uma agenda pró-povo como Jango? Entre outras coisas, em seu governo foi criado o 13.o salário, que o Globo - numa hoje amplamente exposta e debochada primeira página - tratou como calamidade.
Mas o noticiário criava a sensação de que os brasileiros em massa eram contra Jango. O Globo conseguiu dizer que a democracia fora “restaurada” com o golpe que mataria tantas pessoas e faria de seu dono o homem mais rico do país.
Mesmo o grande jornal que mais tarde foi uma trincheira na oposição aos militares - o extinto Correio da Manhã - produziu duas manchetes que entrariam tristemente na história.
Uma delas dizia “Basta!” e a outra “Fora!” Como maus exemplos prosperam, a Veja copiaria o Correio da Manhã na capa em que, décadas depois, anunciou a saída de Collor. (E sonharia por oito anos repetir a cópia na gestão de Lula.)
O apoio da mídia à ditadura se manteria enquanto os militares foram fortes para beneficiar seus donos.
A campanha da Folha pelas eleições diretas só veio quando a ditadura cambaleava: politicamente, a insatisfação galopava, e a economia era um caos insustentável.
Antes, Octavio Frias se comportara de maneira bem diferente. Cedera carros da Folha para a caça a opositores da ditadura, o que o levou a temer ser justiçado como outro empresário que fez o mesmo, Henning Albert Boilesen, da Ultragás.
Frias mostrou também sua combatividade seletiva quando, depois de uma crônica de Lourenço Diaféria que dizia que o povo mijava na estátua do Duque de Caxias, patrono do Exército, recebeu uma ordem de um general para afastar o diretor de redação Claudio Abramo.
Afastou - não um mês, uma semana, um dia depois. Afastou na hora. Covardemente, ainda mandou retirar seu próprio nome - dele, Frias - da primeira página do jornal como “diretor responsável”.
Pôs o de Boris Casoy, escolhido para substituir Claudio por causa de seus notórios vínculos com a ditadura. Boris foi integrante do Comando de Caça aos Comunistas, o CCC. Não sabia escrever, mas isso era um detalhe.
Depois, quando a ditadura desabava, Frias autorizou valentemente a campanha das Diretas Já, tão enaltecida como nascida da grandeza de Frias ainda hoje por jornalistas de renome como Clóvis Rossi.
Não era fácil ser jornalista naqueles dias, especialmente se você tivesse convicções.
Meu pai - Emir Macedo Nogueira - era editorialista da Folha em meados dos anos 60, quando eclodiu uma greve de fome entre os presos políticos em São Paulo.
Frias mandou meu pai escrever um editorial que afirmaria não haver presos políticos, só prisioneiros comuns.
Papai se recusou, e foi tirado da posição. Por que Frias não o mandou embora, às vezes me pergunto. Imagino que sejam duas as explicações: a primeira, papai tinha um talento excepcional. A segunda: uma demissão significaria que Frias levara a perseguição política para o interior da Folha.
Prova de quanto era dura a vida na redação, o editorial acabou sendo escrito por Claudio Abramo, um grande jornalista de esquerda, cheio de amigos entre os presos políticos em greve de fome.
Você pode imaginar o sofrimento que foi para Claudio escrever o que escreveu naquele dia.
Quando penso no papel desempenhado pela imprensa no golpe, tenho vergonha de ser jornalista. Mas aí me lembro de como o DCM é diferente de tudo aquilo e sigo adiante, para combater o bom combate.
0 comentários:
Postar um comentário