Por Marcio Pochmann, na Rede Brasil Atual:
No Brasil, as eleições presidenciais tiveram impacto contido nos rumos da economia nacional até 1930, quando prevaleceu o regime da democracia censitária herdado do Império (1822-1889). Isso porque as eleições eram, em geral, assunto dos ricos, uma vez que os participantes do processo eleitoral se resumiam a apenas homens alfabetizados e detentores de renda, o que compreendia menos de 5% dos brasileiros.
As cédulas eleitorais impressas por partidos políticos financiados fundamentalmente pelos proprietários rurais e empresas comerciais garantiam, para além do voto dirigido (de cabresto), o compromisso dos candidatos com a manutenção da ordem econômica dependente do comércio externo. Assim, a política não ousava contrariar os interesses econômicos de ricos e poderosos.
Com a Revolução de 1930, o Brasil transitou para o regime da democracia representativa fundada na gradual universalização do voto. De imediato, a constituição da Justiça Eleitoral, a inclusão do voto feminino e o fim da declaração de renda permitiram multiplicar por cinco a participação da população no processo eleitoral.
Apesar disso, dois constrangimentos à plena participação popular se estabeleceram até a metade da década de 1980. De um lado, a força do autoritarismo vigente no Estado Novo (1937-1945) e na ditadura (1964-1985) afastou qualquer possibilidade eleitoral de a vontade democrática e popular vir a interferir no comportamento da economia dirigido por ricos e poderosos.
De outro, a ausência da liberdade na organização partidária e a proibição do voto dos analfabetos, que representavam cerca da metade dos brasileiros, retirou da parcela mais pobre da população a possibilidade de consagrar nas eleições realizadas no período democrático (1945-1964) a defesa de seus interesses em torno da melhor qualidade de vida e justiça social. Somente em 1985 o voto se tornou de fato universal, com a plena inclusão de analfabetos no processo eleitoral. A partir daí, cerca de dois terços da população passaram a participar das eleições e a interferir nos rumos da economia nacional.
Turbulências
Como em 2014 será realizada a sétima eleição presidencial desde o fim da ditadura (1985), o Brasil consagra o mais longo período democrático de sua história. Podem ser registrados dos anos de 1989, 1994, 1998 e 2002 tanto o impacto do comportamento da economia no resultado eleitoral como as consequências das turbulências políticas na dinâmica da produção, emprego e renda.
Em 1989, por exemplo, o fato de nenhum dos candidatos à Presidência defender o governo Sarney refletiu-se na trajetória de oscilações bruscas na economia da época. Na eleição presidencial de 1994, a complexa instalação do Plano Real teve impacto na política e levou a alteração significativa no comportamento da economia nacional.
Também nas duas eleições seguintes ocorreram conexões importantes entre a política e a economia, e vice versa. Em 1998, por exemplo, a crise do Plano Real foi escondida dos brasileiros, somente percebida depois frente ao acordo realizado em dezembro daquele ano com o Fundo Monetário Internacional e suas conseqüências recessivas para a economia brasileira. Na sucessão do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002, ocorreu verdadeiro terrorismo eleitoral identificado pelo disparo da inflação e pela desvalorização do real numa economia que operava em frangalhos.
Nas eleições presidenciais de 2006 e 2010, contudo, as repercussões da política na economia brasileira foram de contida monta frente à continuidade da trajetória de crescimento da produção, emprego e rendimento dos brasileiros. E nas eleições de 2014, o que se poderia observar?
Choque ortodoxo
A menos de três meses das eleições, nota-se que o governo Dilma persegue o receituário do gradualismo heterodoxo das medidas de política econômica voltadas ao afastamento da recessão que faz dos ricos mais ricos e dos pobres mais pobres. Ao mesmo tempo, busca manter a inflação no controle, bem como o crescimento do emprego e da renda dos brasileiros.
Pela oposição, ainda que diversa ideológica e politicamente, parece haver certa convergência em torno de um choque ortodoxo recessivo a ser aplicado logo em 2015. Para isso, a defesa insistente do ajuste fiscal (corte no gasto público, elevação do superávit fiscal de 1,9% do PIB para 3,5% ou mais e restrição ao orçamento dos bancos públicos) e da elevação real dos juros, com a redução do crédito bancário e da meta de inflação.
Em síntese, a oposição parece repetir linha básica das políticas governamentais adotadas na década de 1990, com o uso do choque recessivo para ajustar a economia. Assim, a aceleração do desemprego, o rebaixamento dos salários dos ocupados e a contenção das políticas de renda evidenciadas pela elevação real do salário mínimo e dos benefícios dos programas nacionais de garantia de renda poderiam se tornar realidade, mais uma vez.
Tudo isso para favorecer os tubarões da economia nacional. De fato, os ricos não estão nada satisfeitos. No ano de 2002, por exemplo, o governo federal transferiu o equivalente a 14,2% do Produto Interno Bruto (PIB) na conta financeira aos ricos detentores da dívida pública, cujo montante da época representava quase dois terços do PIB.
Atualmente, a Dívida Líquida do Setor Público representa um terço do PIB e o governo paga na forma de juros o equivalente a menos de 6% do PIB.
Assim, os ricos que abocanharam R$ 570 bilhões de reais em 2002 (em valores) como juro da dívida pública, receberam R$ 230 bilhões no ano passado. A economia de R$ 340 bilhões na despesa com ricos foi direcionada para o investimento púbico em infra-estrutura urbana (portos, aeroportos, estradas, saneamento) e para o gasto social (valorização do salário mínimo, Bolsa Família, programa Minha Casa, Minha Vida).
Não causa espanto, portanto, que a eleição presidencial deste ano representa mais um round no verdadeiro cabo de guerra na economia representado pela divergência entre o conjunto dos interesses de ricos e pobres. O choque recessivo defendido pela oposição ao governo Dilma favorece os ricos e enfraquece trabalhadores, pois mais desemprego reduz o poder de barganha na luta por maior salário, enquanto o gradualismo atual das políticas de combate à inflação e ativação econômica mantém forte o poder das classes do trabalho no interminável conflito distributivo.
De 2003 pra cá, as forças do trabalho têm obtido conquistas importantes, como a elevação dos rendimentos dos trabalhadores de 39% para 47% do PIB.
No Brasil, as eleições presidenciais tiveram impacto contido nos rumos da economia nacional até 1930, quando prevaleceu o regime da democracia censitária herdado do Império (1822-1889). Isso porque as eleições eram, em geral, assunto dos ricos, uma vez que os participantes do processo eleitoral se resumiam a apenas homens alfabetizados e detentores de renda, o que compreendia menos de 5% dos brasileiros.
As cédulas eleitorais impressas por partidos políticos financiados fundamentalmente pelos proprietários rurais e empresas comerciais garantiam, para além do voto dirigido (de cabresto), o compromisso dos candidatos com a manutenção da ordem econômica dependente do comércio externo. Assim, a política não ousava contrariar os interesses econômicos de ricos e poderosos.
Com a Revolução de 1930, o Brasil transitou para o regime da democracia representativa fundada na gradual universalização do voto. De imediato, a constituição da Justiça Eleitoral, a inclusão do voto feminino e o fim da declaração de renda permitiram multiplicar por cinco a participação da população no processo eleitoral.
Apesar disso, dois constrangimentos à plena participação popular se estabeleceram até a metade da década de 1980. De um lado, a força do autoritarismo vigente no Estado Novo (1937-1945) e na ditadura (1964-1985) afastou qualquer possibilidade eleitoral de a vontade democrática e popular vir a interferir no comportamento da economia dirigido por ricos e poderosos.
De outro, a ausência da liberdade na organização partidária e a proibição do voto dos analfabetos, que representavam cerca da metade dos brasileiros, retirou da parcela mais pobre da população a possibilidade de consagrar nas eleições realizadas no período democrático (1945-1964) a defesa de seus interesses em torno da melhor qualidade de vida e justiça social. Somente em 1985 o voto se tornou de fato universal, com a plena inclusão de analfabetos no processo eleitoral. A partir daí, cerca de dois terços da população passaram a participar das eleições e a interferir nos rumos da economia nacional.
Turbulências
Como em 2014 será realizada a sétima eleição presidencial desde o fim da ditadura (1985), o Brasil consagra o mais longo período democrático de sua história. Podem ser registrados dos anos de 1989, 1994, 1998 e 2002 tanto o impacto do comportamento da economia no resultado eleitoral como as consequências das turbulências políticas na dinâmica da produção, emprego e renda.
Em 1989, por exemplo, o fato de nenhum dos candidatos à Presidência defender o governo Sarney refletiu-se na trajetória de oscilações bruscas na economia da época. Na eleição presidencial de 1994, a complexa instalação do Plano Real teve impacto na política e levou a alteração significativa no comportamento da economia nacional.
Também nas duas eleições seguintes ocorreram conexões importantes entre a política e a economia, e vice versa. Em 1998, por exemplo, a crise do Plano Real foi escondida dos brasileiros, somente percebida depois frente ao acordo realizado em dezembro daquele ano com o Fundo Monetário Internacional e suas conseqüências recessivas para a economia brasileira. Na sucessão do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002, ocorreu verdadeiro terrorismo eleitoral identificado pelo disparo da inflação e pela desvalorização do real numa economia que operava em frangalhos.
Nas eleições presidenciais de 2006 e 2010, contudo, as repercussões da política na economia brasileira foram de contida monta frente à continuidade da trajetória de crescimento da produção, emprego e rendimento dos brasileiros. E nas eleições de 2014, o que se poderia observar?
Choque ortodoxo
A menos de três meses das eleições, nota-se que o governo Dilma persegue o receituário do gradualismo heterodoxo das medidas de política econômica voltadas ao afastamento da recessão que faz dos ricos mais ricos e dos pobres mais pobres. Ao mesmo tempo, busca manter a inflação no controle, bem como o crescimento do emprego e da renda dos brasileiros.
Pela oposição, ainda que diversa ideológica e politicamente, parece haver certa convergência em torno de um choque ortodoxo recessivo a ser aplicado logo em 2015. Para isso, a defesa insistente do ajuste fiscal (corte no gasto público, elevação do superávit fiscal de 1,9% do PIB para 3,5% ou mais e restrição ao orçamento dos bancos públicos) e da elevação real dos juros, com a redução do crédito bancário e da meta de inflação.
Em síntese, a oposição parece repetir linha básica das políticas governamentais adotadas na década de 1990, com o uso do choque recessivo para ajustar a economia. Assim, a aceleração do desemprego, o rebaixamento dos salários dos ocupados e a contenção das políticas de renda evidenciadas pela elevação real do salário mínimo e dos benefícios dos programas nacionais de garantia de renda poderiam se tornar realidade, mais uma vez.
Tudo isso para favorecer os tubarões da economia nacional. De fato, os ricos não estão nada satisfeitos. No ano de 2002, por exemplo, o governo federal transferiu o equivalente a 14,2% do Produto Interno Bruto (PIB) na conta financeira aos ricos detentores da dívida pública, cujo montante da época representava quase dois terços do PIB.
Atualmente, a Dívida Líquida do Setor Público representa um terço do PIB e o governo paga na forma de juros o equivalente a menos de 6% do PIB.
Assim, os ricos que abocanharam R$ 570 bilhões de reais em 2002 (em valores) como juro da dívida pública, receberam R$ 230 bilhões no ano passado. A economia de R$ 340 bilhões na despesa com ricos foi direcionada para o investimento púbico em infra-estrutura urbana (portos, aeroportos, estradas, saneamento) e para o gasto social (valorização do salário mínimo, Bolsa Família, programa Minha Casa, Minha Vida).
Não causa espanto, portanto, que a eleição presidencial deste ano representa mais um round no verdadeiro cabo de guerra na economia representado pela divergência entre o conjunto dos interesses de ricos e pobres. O choque recessivo defendido pela oposição ao governo Dilma favorece os ricos e enfraquece trabalhadores, pois mais desemprego reduz o poder de barganha na luta por maior salário, enquanto o gradualismo atual das políticas de combate à inflação e ativação econômica mantém forte o poder das classes do trabalho no interminável conflito distributivo.
De 2003 pra cá, as forças do trabalho têm obtido conquistas importantes, como a elevação dos rendimentos dos trabalhadores de 39% para 47% do PIB.
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