Por Luiz Flávio Gomes, no blog Viomundo:
No estágio de barbárie que ainda nos encontramos, alguns humanos concedem a si mesmos licença para matar pessoas (quase sempre impunemente, porque a polícia brasileira somente apura 8% dos homicídios no Brasil). Ainda assassinamos pessoas como se matam baratas.
Isso ocorre de diversas maneiras: execuções sumárias (normalmente praticadas por agentes do Estado ou contra eles), grupos de extermínio, linchamentos, esquadrões da morte, justiceiros, jagunços, milícias, falsos super-heróis, limpeza social, tribunais do crime organizado etc.
O linchamento constitui uma nefasta licença para matar, sendo manifestação típica das massas (composta de todas as classes sociais; prova disso é que todas elas estão agora surfando na moda dos justiçamentos com as próprias mãos). O linchamento constitui uma evidência do nível de rebelião das massas desorientadas (precisamente pela carência, no país, de lideranças confiáveis). Este fenômeno veicula duas possíveis direções (veja Ortega y Gasset 2013: 142): (a) pode ser o trânsito para uma nova e inusitada organização da sociedade e da humanidade ou (b) uma catástrofe no destino humano.
Não existe razão para negar a realidade do progresso (diz o autor citado); “porém, é preciso corrigir a noção que acredita garantido esse progresso. Mais congruente com os fatos é pensar que não existe nenhum progresso seguro, nenhuma evolução sem ameaça de involução e retrocesso. Tudo, tudo é possível na história (tanto o progresso triunfal e indefinido como a periódica regressão). Porque a vida, individual ou coletiva, pessoal ou histórica, é a única entidade do universo cuja substância é o perigo. Ela se compõe de peripécias. É, rigorosamente falando, um drama”. No Brasil esse drama tem coloridos distintos porque aqui a vida vale muito pouco.
Mais de 50 linchamentos ocorreram no Brasil no primeiro semestre de 2014 (veja Rosanne D’Agostino, no G1).
Um professor de história, em SP (André Luiz Ribeiro, 27), só se salvou da brutalidade macabra depois de (a pedido dos policiais) mostrar conhecimento (dar uma “aula”) sobre a Revolução Francesa. A onda massiva começou com aquele adolescente negro acorrentado no RJ.
Naquele mesmo dia setores da mídia (completamente sem noção) começaram a apoiar o justiçamento das pessoas com as próprias mãos. A intolerância e a animalidade das massas (de todas as classes sociais) culminaram em vários assassinatos, inclusive de pessoas completamente inocentes (como Fabiane de Jesus, no Guarujá, SP). “Foi algo surreal (disse o professor). Só acreditamos quando chega próximo de nós. Aí você vê que é muito real mesmo, esse ódio das pessoas. Essa brutalidade do ser humano.”
“As pessoas que queriam me bater sabiam que não era eu, mas como meu irmão não era homem suficiente para estar ali, eu ia apanhar no lugar dele” (Mauro Muniz, 37, Araraquara-SP). A prática de assassinatos por multidões era comum na antiguidade, no tempo do estado de natureza (Hobbes), onde não havia lei nem autoridades locais. Na época da colônia, no Brasil, foram inúmeros os massacres (sobretudo de índios e negros). Tudo com a garantia da absoluta impunidade. A queima de bruxas, nos séculos XV-XVIII, foi o maior “linchamento” promovido pela Igreja (tratou-se da guerra contra o Satanás que, segundo a crença então corrente, copulava com as mulheres, transformando-as em bruxas). A origem da palavra linchamento (veja reportagem do G1) é atribuída a Charles Lynch, fazendeiro da Virgínia, nos Estados Unidos, que punia criminosos durante a Guerra da Independência em 1782; e ao capitão William Lynch, que teria mantido um comitê para manutenção da ordem no mesmo período. Em 1837, surge a Lei de Lynch (bater com pau), baseada nos atos do fazendeiro, usada para pregar o ódio racial contra negros e índios.
Na matéria do G1 são mostrados os inúmeros linchamentos de 1980 a 2006 (por exemplo: 1980, 31; 1984, 70; 1987, 75; 1991, 148; 1993, 69; 1999, 58; 2002, 25; 2005, 12 etc.). São incontáveis os motivos que levam algumas pessoas a massacrarem coletivamente outras: insegurança, caça às bruxas, homofobia, regime totalitário, divergências ou intolerâncias religiosas, racismo, corrupção, defesa da honra ou da família etc. A descrença no funcionamento das instituições sempre está na base dos linchamentos.
* Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil
No estágio de barbárie que ainda nos encontramos, alguns humanos concedem a si mesmos licença para matar pessoas (quase sempre impunemente, porque a polícia brasileira somente apura 8% dos homicídios no Brasil). Ainda assassinamos pessoas como se matam baratas.
Isso ocorre de diversas maneiras: execuções sumárias (normalmente praticadas por agentes do Estado ou contra eles), grupos de extermínio, linchamentos, esquadrões da morte, justiceiros, jagunços, milícias, falsos super-heróis, limpeza social, tribunais do crime organizado etc.
O linchamento constitui uma nefasta licença para matar, sendo manifestação típica das massas (composta de todas as classes sociais; prova disso é que todas elas estão agora surfando na moda dos justiçamentos com as próprias mãos). O linchamento constitui uma evidência do nível de rebelião das massas desorientadas (precisamente pela carência, no país, de lideranças confiáveis). Este fenômeno veicula duas possíveis direções (veja Ortega y Gasset 2013: 142): (a) pode ser o trânsito para uma nova e inusitada organização da sociedade e da humanidade ou (b) uma catástrofe no destino humano.
Não existe razão para negar a realidade do progresso (diz o autor citado); “porém, é preciso corrigir a noção que acredita garantido esse progresso. Mais congruente com os fatos é pensar que não existe nenhum progresso seguro, nenhuma evolução sem ameaça de involução e retrocesso. Tudo, tudo é possível na história (tanto o progresso triunfal e indefinido como a periódica regressão). Porque a vida, individual ou coletiva, pessoal ou histórica, é a única entidade do universo cuja substância é o perigo. Ela se compõe de peripécias. É, rigorosamente falando, um drama”. No Brasil esse drama tem coloridos distintos porque aqui a vida vale muito pouco.
Mais de 50 linchamentos ocorreram no Brasil no primeiro semestre de 2014 (veja Rosanne D’Agostino, no G1).
Um professor de história, em SP (André Luiz Ribeiro, 27), só se salvou da brutalidade macabra depois de (a pedido dos policiais) mostrar conhecimento (dar uma “aula”) sobre a Revolução Francesa. A onda massiva começou com aquele adolescente negro acorrentado no RJ.
Naquele mesmo dia setores da mídia (completamente sem noção) começaram a apoiar o justiçamento das pessoas com as próprias mãos. A intolerância e a animalidade das massas (de todas as classes sociais) culminaram em vários assassinatos, inclusive de pessoas completamente inocentes (como Fabiane de Jesus, no Guarujá, SP). “Foi algo surreal (disse o professor). Só acreditamos quando chega próximo de nós. Aí você vê que é muito real mesmo, esse ódio das pessoas. Essa brutalidade do ser humano.”
“As pessoas que queriam me bater sabiam que não era eu, mas como meu irmão não era homem suficiente para estar ali, eu ia apanhar no lugar dele” (Mauro Muniz, 37, Araraquara-SP). A prática de assassinatos por multidões era comum na antiguidade, no tempo do estado de natureza (Hobbes), onde não havia lei nem autoridades locais. Na época da colônia, no Brasil, foram inúmeros os massacres (sobretudo de índios e negros). Tudo com a garantia da absoluta impunidade. A queima de bruxas, nos séculos XV-XVIII, foi o maior “linchamento” promovido pela Igreja (tratou-se da guerra contra o Satanás que, segundo a crença então corrente, copulava com as mulheres, transformando-as em bruxas). A origem da palavra linchamento (veja reportagem do G1) é atribuída a Charles Lynch, fazendeiro da Virgínia, nos Estados Unidos, que punia criminosos durante a Guerra da Independência em 1782; e ao capitão William Lynch, que teria mantido um comitê para manutenção da ordem no mesmo período. Em 1837, surge a Lei de Lynch (bater com pau), baseada nos atos do fazendeiro, usada para pregar o ódio racial contra negros e índios.
Na matéria do G1 são mostrados os inúmeros linchamentos de 1980 a 2006 (por exemplo: 1980, 31; 1984, 70; 1987, 75; 1991, 148; 1993, 69; 1999, 58; 2002, 25; 2005, 12 etc.). São incontáveis os motivos que levam algumas pessoas a massacrarem coletivamente outras: insegurança, caça às bruxas, homofobia, regime totalitário, divergências ou intolerâncias religiosas, racismo, corrupção, defesa da honra ou da família etc. A descrença no funcionamento das instituições sempre está na base dos linchamentos.
* Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil
1 comentários:
Ele esquece que isso é uma reação, justamente devido a violência dos bandidos contra os cidadãos de bem. Já que o estado não faz nada, os revoltosos aparecem.
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