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Antes de fazer qualquer avaliação, vamos apresentar um pressuposto: a agricultura é um setor importantíssimo da economia brasileira, que sustenta o superavit na balança comercial, com a exportação de produtos primários.
A soja em grão, o farelo de soja, a carne bovina, a celulose e os couros e peles estão no topo do ranking dos recordistas em vendas do país no mercado internacional, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Assim, o governo federal absorver no ministério um ator político desse setor corresponde ao peso econômico da agricultura. No entanto, a questão é avaliar qual é o melhor nome para representar a agricultura brasileira e os interesses nacionais.
A agricultura brasileira é um setor bastante complexo e heterogêneo, em relação a tamanho das propriedades, à produtividade, ao tipo de produção, ao nível de agroindustrialização, à destinação da produção (mercado interno ou exportação), à maior ou menor incorporação do produtor às grandes empresas do agronegócio.
A definição do ministro da Agricultura pressupõe, então, uma avaliação sobre as necessidades do curto prazo, como o fortalecimento dos setores competitivos que sustentam a balança comercial, e de longo prazo, a partir da projeção dos desafios da agricultura nos próximos 30 anos.
No curto prazo, o setor mais competitivo é de produtos agrícolas sub-industrializados, com baixo valor agregado, em associação às grandes empresas transnacionais, para atender a demanda do mercado externo.
O potencial da agricultura brasileira no longo prazo vai além da exportação de matéria-prima, mas deve fomentar uma indústria nacional de alta tecnologia para agregar valor à produção, dar competitividade ao país no mercado internacional e atender as demandas internas, contribuindo para a substituição de importação.
Um desafio é o desenvolvimento de uma nova matriz tecnológica, sob controle nacional, que supere a dependência das indústrias estrangeiras que desenvolvem sementes, fertilizantes, agrotóxicos e viabilize a produção de alimentos mais saudáveis, sem agrotóxicos.
A partir dessa avaliação, a conclusão é que, definitivamente, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), não é o melhor nome para assumir o Ministério da Agricultura.
Embora tenha uma atuação como senadora e presidente de entidade de classe que busca fortalecer o conjunto dos grandes proprietários, Kátia Abreu representa um segmento atrasado de latifundiários, que não alcançou o patamar de produtividade para atender as demandas de curto prazo da economia brasileira. Aí está um dos motivos para a reação do Grupo JBS à indicação.
Kátia Abreu tem raízes em um segmento que tem a terra como um instrumento de poder e reserva de patrimônio, sem vocação para a produção, sem qualquer responsabilidade com a preservação do meio ambiente e que vê no fortalecimento da agricultura uma oportunidade para especulação, tanto para vender a propriedade como para o arrendamento.
Um Ministério da Agricultura a reboque dos latifundiários mais atrasados será uma âncora para um dos setores mais importantes da economia brasileira. Em vez de uma atuação para fortalecer os setores mais dinâmicos e para construir as bases de um novo modelo agrícola, o ministério atuará para atender aqueles que tratam a terra como um ativo para especulação.
Um paralelo para ilustrar o papel de Kátia Abreu no Ministério da Agricultura: é como se a Dilma colocasse no Ministério das Cidades o dono de uma imobiliária, com experiência na compra e venda de terrenos, casas e apartamentos, com pouco tino para organização do espaço urbano.
Em relação às perspectivas de longo prazo, o ideal de agricultura que a presidente da CNA tem como modelo se sustenta na grande propriedade para a produção de commodities, na mecanização intensiva que expulsa as famílias do campo, na utilização sem qualquer regulação dos agrotóxicos e na produção para o mercado externo. Nesse modelo, o meio rural é um espaço de produção, uma “fábrica verde”, submetido aos interesses das grandes empresas estrangeiras.
Esse modelo de agricultura não coloca o país no trilho do futuro. O Brasil precisa de uma agricultura que induza o desenvolvimento do interior, com base em investimentos em ciência, tecnologia e inovação a partir das pesquisas nacionais. Assim, viabilizar a geração de empregos, a construção de infraestrutura, educação, saúde, cultura, comunicação e lazer, criando novos polos como alternativas às grandes metrópoles.
Além disso, a agricultura deverá atender a demanda crescente por alimentos saudáveis, com o controle crescente do uso de agrotóxicos e o desenvolvimento de tecnologia para operar a transição para um modelo agroecológico.
Se a presidenta Dilma quer no ministério um nome forte, com peso na sociedade e representativo de um setor da economia, o nome de Kátia Abreu não cumpre os pré-requisitos e deixará o governo com o carimbo do latifúndio, da grilagem, do trabalho escravo e da destruição do meio ambiente.
Essa pecha, inclusive, prejudica as empresas que exportam para a Europa, que tem aumentado as exigências em relação à origem da produção e dos impactos sociais e ambientais. Certamente, as entidades de defesa do meio ambiente farão uma campanha internacional para denunciar os vínculos da ministra com o desmatamento da Amazônia.
A entrada de Kátia Abreu no ministério não contribui decisivamente para a consolidação de uma base do governo no Congresso Nacional. Com aproximação com a presidenta Dilma, a senadora foi isolada da Frente Parlamentar da Agropecuária, a chamada bancada ruralista do Congresso.
Além disso, ela não tem trânsito na bancada do PMDB, que não assumiu a indicação e a vê como uma “cristã-nova”, que fez um movimento calculado para virar ministra. Assim, não garantirá necessariamente votos para a aprovação de projetos do governo no Parlamento.
Dilma fez uma opção no primeiro governo de escalar para o Ministério da Agricultura nomes sem grande expressão, que tiraram a pasta de cena. A nomeação de Kátia Abreu colocará o ministério na vitrine, mas fará dele alvo de movimentos dos sem terra, pequenos agricultores, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, além de ambientalistas..
Assim, os efeitos colaterais para a presidenta serão maiores do que os benefícios que se pode atribuir à nomeação de uma ministra que não poderá viajar para o exterior nem trabalhar tranquila em seu gabinete, com os gritos dos militantes e dos carros de som nos protestos que se multiplicarão na Esplanada dos Ministérios. E que certamente passarão pelo Palácio do Planalto.
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