Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Ao decidir mudar-se para Miami e abandonar três clientes no meio do processo, a advogada Beatriz Catta Preta coloca um imenso ponto de interrogação sobre a Lava Jato.
Cabe perguntar: a fortaleza do juiz Sérgio Moro pode se transformar num castelo de cartas?
Falo isso pensando na denúncia de uma escuta clandestina na cela que o doleiro Alberto Youssef e o executivo da Petrobras Paulo Roberto Costa ocuparam ao chegar a carceragem em Curitiba. Constitui um caso grave, digno de reflexão sobre os métodos empregados na Lava Jato, certo? Até porque pelo menos outras duas escutas ilegais -- envolviam conversa entre advogado e cliente -- foram usadas.
O mesmo ocorre, agora, com a advogada que assinou nove das 18 delações premiadas da Lava Jato.
Convém não esquecer que estamos diante de um processo no qual as delações premiadas são o principal recurso para acusar e condenar. Nessa atividade, a criminalista Catta Preta atuou no coração das investigações e teve um papel essencial, pela qualidade e pela quantidade.
Foi ela que assumiu a defesa de Paulo Roberto Costa, quando este decidiu transformar-se em delator e negociar uma pena branda em troca de um dedo duro, numa guinada que deu uma nova dimensão à Operação. A advogada negociou mais oito depoimentos, sempre na mesma linha. Catta Preta advoga para o prolongado corrupto Pedro Barusco e também para Augusto Ribeiro de Mendonça, que deu um testemunho detalhado usado para incriminar João Vaccari Neto.
Nos últimos dias, um de seus clientes, Julio Camargo, deu um novo depoimento sobre a Lava Jato e, desta vez, incriminou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, num pedido de propina de US$ 5 milhões. Dez meses atrás, em outro depoimento, ele não havia tocado no assunto. O próprio Cunha diz que Julio Camargo foi forçado a mentir pelo PGR Rodrigo Janot.
O advogado Nelio Machado, criminalista experiente e respeitado do Rio de Janeiro, que advoga para o lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, envolvido no depoimento de Julio Camargo, observa que "uma mudança de depoimento é muito estranha."
Há outras coisas estranhas. Dividindo a maioria das delações premiadas com Figueiredo Basto, advogado do doleiro Alberto Youssef, o desempenho de Beatriz Catta Preta sempre chamou a atenção pela quantidade de clientes que foi capaz de defender. A delação premiada é um instrumento que, mesmo reconhecido pela legislação, não deixa de provocar críticas de vários juristas respeitados a começar pela credibilidade de uma pessoa encarcerada.
Já a atuação de uma só advogada na preparação de nove depoimentos, de nove encarcerados, coloca perguntas ainda mais sérias.
O próprio Nelio Machado questiona: "vamos raciocinar em tese. O princípio da delação é que um réu deixa de se defender e passar a acusar. Se você tem um único advogado para defender tantos clientes, o risco de um conflito de interesses é evidente. A acusação de um sempre irá esbarrar na defesa de outro. Como é que um mesmo advogado irá atuar para defender as duas partes? Não consigo imaginar", diz Nelio Machado, adversário doutrinário das delações.
Aquilo que na vida das pessoas comuns se chama conflito de interesses, no mundo dos advogados é classificado como "patrocínio infiel." Se um advogado defende dois clientes num mesmo caso, pode ser enquadrado num crime que prevê pena de seis meses a três anos de prisão, mais multa.
Para entender melhor a situação, é possível dar um exemplo inocente. Toda pessoa que, na infância, participou de um brinquedo chamado "telefone sem fio" sabe o que acontece com uma frase retransmitida por nove bocas e ouvidos diferentes. Entre crianças, é muito divertido perceber como as palavras mudam de sentido. Todos riem e continuam se divertindo.
Entre adultos, as coisas não são tão divertidas assim, ainda mais quando se trata de pessoas acusadas de um crime, sob o risco de pagar multas pesadas e enfrentar uma longa temporada no cárcere. Neste caso, o jogo só dá certo quando se encontra uma narrativa neste telefone sem fio que seja do interesse de todos e também possa fazer sentido para a Justiça.
Supondo por hipótese que ninguém está mentindo, quem escolhe o que é bom para um cliente e não irá prejudicar o outro? Quem administra tantos interesses para que todos fiquem satisfeitos? Alguém faz acertos, negocia com as partes?
Há outro aspecto, importante. O artigo 2 da lei que define a "Colaboração Premiada" diz que ela deve permanecer em segredo até a apresentação da denúncia. Antes disso, só pode ser conhecida pelo juiz, pelo advogado, pelo Ministério Público. Alguém acredita que essa regra está sendo respeitada nessa promiscuidade de advogados, delegados, procuradores, jornalistas?
Deu para entender o tamanho da confusão, certo?
Ao decidir mudar-se para Miami e abandonar três clientes no meio do processo, a advogada Beatriz Catta Preta coloca um imenso ponto de interrogação sobre a Lava Jato.
Cabe perguntar: a fortaleza do juiz Sérgio Moro pode se transformar num castelo de cartas?
Falo isso pensando na denúncia de uma escuta clandestina na cela que o doleiro Alberto Youssef e o executivo da Petrobras Paulo Roberto Costa ocuparam ao chegar a carceragem em Curitiba. Constitui um caso grave, digno de reflexão sobre os métodos empregados na Lava Jato, certo? Até porque pelo menos outras duas escutas ilegais -- envolviam conversa entre advogado e cliente -- foram usadas.
O mesmo ocorre, agora, com a advogada que assinou nove das 18 delações premiadas da Lava Jato.
Convém não esquecer que estamos diante de um processo no qual as delações premiadas são o principal recurso para acusar e condenar. Nessa atividade, a criminalista Catta Preta atuou no coração das investigações e teve um papel essencial, pela qualidade e pela quantidade.
Foi ela que assumiu a defesa de Paulo Roberto Costa, quando este decidiu transformar-se em delator e negociar uma pena branda em troca de um dedo duro, numa guinada que deu uma nova dimensão à Operação. A advogada negociou mais oito depoimentos, sempre na mesma linha. Catta Preta advoga para o prolongado corrupto Pedro Barusco e também para Augusto Ribeiro de Mendonça, que deu um testemunho detalhado usado para incriminar João Vaccari Neto.
Nos últimos dias, um de seus clientes, Julio Camargo, deu um novo depoimento sobre a Lava Jato e, desta vez, incriminou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, num pedido de propina de US$ 5 milhões. Dez meses atrás, em outro depoimento, ele não havia tocado no assunto. O próprio Cunha diz que Julio Camargo foi forçado a mentir pelo PGR Rodrigo Janot.
O advogado Nelio Machado, criminalista experiente e respeitado do Rio de Janeiro, que advoga para o lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, envolvido no depoimento de Julio Camargo, observa que "uma mudança de depoimento é muito estranha."
Há outras coisas estranhas. Dividindo a maioria das delações premiadas com Figueiredo Basto, advogado do doleiro Alberto Youssef, o desempenho de Beatriz Catta Preta sempre chamou a atenção pela quantidade de clientes que foi capaz de defender. A delação premiada é um instrumento que, mesmo reconhecido pela legislação, não deixa de provocar críticas de vários juristas respeitados a começar pela credibilidade de uma pessoa encarcerada.
Já a atuação de uma só advogada na preparação de nove depoimentos, de nove encarcerados, coloca perguntas ainda mais sérias.
O próprio Nelio Machado questiona: "vamos raciocinar em tese. O princípio da delação é que um réu deixa de se defender e passar a acusar. Se você tem um único advogado para defender tantos clientes, o risco de um conflito de interesses é evidente. A acusação de um sempre irá esbarrar na defesa de outro. Como é que um mesmo advogado irá atuar para defender as duas partes? Não consigo imaginar", diz Nelio Machado, adversário doutrinário das delações.
Aquilo que na vida das pessoas comuns se chama conflito de interesses, no mundo dos advogados é classificado como "patrocínio infiel." Se um advogado defende dois clientes num mesmo caso, pode ser enquadrado num crime que prevê pena de seis meses a três anos de prisão, mais multa.
Para entender melhor a situação, é possível dar um exemplo inocente. Toda pessoa que, na infância, participou de um brinquedo chamado "telefone sem fio" sabe o que acontece com uma frase retransmitida por nove bocas e ouvidos diferentes. Entre crianças, é muito divertido perceber como as palavras mudam de sentido. Todos riem e continuam se divertindo.
Entre adultos, as coisas não são tão divertidas assim, ainda mais quando se trata de pessoas acusadas de um crime, sob o risco de pagar multas pesadas e enfrentar uma longa temporada no cárcere. Neste caso, o jogo só dá certo quando se encontra uma narrativa neste telefone sem fio que seja do interesse de todos e também possa fazer sentido para a Justiça.
Supondo por hipótese que ninguém está mentindo, quem escolhe o que é bom para um cliente e não irá prejudicar o outro? Quem administra tantos interesses para que todos fiquem satisfeitos? Alguém faz acertos, negocia com as partes?
Há outro aspecto, importante. O artigo 2 da lei que define a "Colaboração Premiada" diz que ela deve permanecer em segredo até a apresentação da denúncia. Antes disso, só pode ser conhecida pelo juiz, pelo advogado, pelo Ministério Público. Alguém acredita que essa regra está sendo respeitada nessa promiscuidade de advogados, delegados, procuradores, jornalistas?
Deu para entender o tamanho da confusão, certo?
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