Quarta-feira à noite. No intervalo do futebol, na Globo, o locutor interrompe o “show de gols” para uma chamada jornalística sobre “esse dia difícil na economia brasileira”. Fiquei a esperar a pancada, uma frase de Sardenberg ou do Jabor. Que nada.
No estúdio do Jornal da Globo, a sorridente (e tensa) apresentadora dá destaque para a “entrevista exclusiva” do ministro da Fazenda Joaquim Levy, que seria levada ao ar logo depois.
A notícia, na Globo, já não era o corte do grau de investimento pela agência Standard&Poor´s. A Globo lançou a bóia para salvar Levy. A Globo – que alimentou a pauta mercadista do “corta gasto, sobe juros, prende e arrebenta” – corre o risco de ser tragada pelo turbilhão da instabilidade.
Qual a saída? Levy! Mais Levy! Mil vezes Levy!
Na semana anterior, dez pesos pesados da economia já haviam se reunido com o ministro em São Paulo; e em meio à reunião ligaram para Dilma avisando que dariam apoio a Levy, desde que o governo cumprisse algumas “regrinhas” por ele indicadas.
Os 54 milhões de votos já não valem nada. O que vale é a face fria de Levy, apoiado pela Globo, pelos bancos e pelos donos do PIB.
Sim, a Standard & Poor´s é a empresa que, às vésperas da quebra do banco Lemon Brothers em 2008 nos Estados Unidos, dizia que tudo ia bem na terra das hipotecas apodrecidas. Por conta desse erro, recebeu uma multa singela de 1,37 bilhão de dólares.
Agora, é essa a agência que joga o Brasil na berlinda, cortando o “grau de investimento”.
Haveria muitas formas de o governo brasileiro denunciar o corte do grau de investimento como uma operação de chantagem por parte do mercado financeiro.
O Brasil tem reservas de sobra. O Brasil tem uma relação dívida pública/PIB muito mais confortável do que países europeus e os Estados Unidos. O Brasil não é (não?) administrado pelos financistas de Nova York…
O governo poderia enfrentar a chantagem, se não tivesse escolhido, desde janeiro, a receita do mercado e da chantagem. Levy é o cavalo de tróia que Dilma levou pra dentro do governo. E agora pode ajudar a destroçar o que sobrou de governabilidade.
Dilma foi eleita porque enfrentou o discurso mercadista. E prometeu que não se curvaria a ele. Passado o pleito, escolheu Levy como ministro, cedendo às chantagens.
Algum ajuste era necessário. Isso é fato. Mas Dilma escolheu o ajuste ultra-liberal. Não buscou medidas simbólicas para taxar os ricos. Tinha capital político (força das urnas) pra isso em janeiro. Hoje, esse capital político já não existe.
Banqueiros, “analistas” e mídia encostaram a faca no pescoço de Dilma e disseram: entregue-nos a chave do cofre, ou caia fora.
Joaquim Levy, diziam os liberais de todos matizes, seria a garantia de um ajuste “duro” – que evitaria justamente… a perda do grau de investimento.
Lula, ao que tudo indica, ajudou a costurar essa operação. Mas contava com a ideia de que o governo ajustaria de um lado com Levy (para contentar o mercado), mas adotaria medidas simbólicas para manter coesa sua base política de outro.
Dilma fechou-se em copas. Escolheu o caminho da solidão liberal.
Dilma entregou tudo – os votos deixados na urna, o apoio político de sindicatos e movimentos sociais e as conquistas de 12 anos – em troca da garantia de que Levy seguraria o tranco, e evitaria a perda do “grau de investimento”.
Desde o inicio, estive entre aqueles que disseram: o que pode derrubar Dilma não são os paneleiros nem o Gilmar Mendes. O que pode derrubar a Dilma é o Levy.
O estrago está feito. Dilma perdeu apoio popular, esfarelou a base organizada do lulismo. E ficou também sem o grau de investimento.
Pior: perdeu a possibilidade de reagir à chantagem mercadista. Dilma não tem discurso para reagir.
O PT caminha para se transformar num PASOK. O histórico partido socialista grego entregou tudo para dar “estabilidade aos mercados”. A estabilidade não veio, nem poderia vir. E o PASOK se esfarelou
A receita de Levy et caterva é suicida.
Reparem: os cortes brutais geraram contração do PIB, além da conta. A contração veio acompanhada de aumentos escorchantes de juros: tudo “para conter a inflação”, diz a cartilha dos liberais. Mas, ora essa, a inflação no Brasil não é provocada por demanda aquecida (ao contrário, a demanda está indo para o subsolo), então os juros são o remédio errado, na dose errada, no momento errado.
PIB em baixa e dívida pública em alta (por conta dos juros que fazem a festa de banqueiros): o resultado dessa equação é que a relação dívida/PIB só aumenta.
Levy obteve resultado inverso ao que se propôs. E, claro, é agora defendido pela Globo e os banqueiros.
Qual a saída que Levy oferece, na entrevista para a Globo? Cortar mais, e mais, e mais. Arrebentar com o país.
Até agora, quem saiu às ruas pra pedir a derrubada de Dilma foi a turma que sempre votou nos tucanos. Se a presidenta não defenestrar Levy e mudar a economia, em poucos meses podem estar contra ela também os filhos do lulismo – órfãos de um governo que se acovardou.
Este blog é absolutamente contra qualquer movimento em favor do impeachment. Não há base jurídica pra isso. Nesse momento, o impeachment é o golpe dos que perderam a eleição. Mas o fato é que Dilma está se esfarelando.
Dilma não está perdendo as condições de governar porque a S&P (uma agência fajuta, que não previu a quebra do banco americano, em 2008) cortou o grau de investimento. Contra a S&P, haveria remédio. Mas contra a covardia e o esfarelamento político, não há.
Dilma vai perdendo as condições de governar porque, muito antes da S&P dar o golpe de ontem, o governo (eleito para enfrentar o mercadismo) já havia cedido à chantagem, e passado a operar na lógica do puro mercadismo.
O que está agora em risco não são os 12 anos de lulismo e de conquistas sociais. Se Dilma (ou quem vier depois dela) seguir na rota de Levy, o país pode caminhar para o esgarçamento social e o rompimento da estabilidade política.
Agora é a hora de decidir o que vale mais: a Democracia ou a sanha dos mercados. A primeira vem perdendo de goleada.
O risco é, no Brasil, a Democracia também perder o grau de investimento. Não estamos tão longe disso.
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