Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Ameaçado por um corte de R$ 10 bilhões no orçamento de 2016, todo esforço em defesa do Bolsa Família será pequeno enquanto houver qualquer tipo de ameaça a um programa que tirou o país do mapa da Fome da ONU e atende 13 milhões de famílias que residem na fronteira da pobreza brasileira.
Não há truque retórico possível para se defender qualquer redução nos recursos de um programa que ganha urgência e atualidade na medida em que a crise econômica começa a assumir uma face dolorosa e feroz. A simples hipótese de que se cogite cortar 35% das verbas já é um escândalo em si.
O fato de que a proposta de redução tenha partido do relator-geral do Orçamento Renato Barros (PP-PR), cuja localização política fica clara até no plano doméstico - sua mulher é a vice-governadora de Beto Richa, tucano de alta plumagem reeleito em 2014 para o governo do Paraná - ajuda a entender uma parte do problema. A outra parte envolve o conjunto da situação política.
Mesmo considerando, em função do caráter absurdo e impopular, que uma proposta desse tipo tem grandes chances de ser derrotada pelos parlamentares, até pelo receio natural de serem punidos pelo eleitorado, ela demonstra que o país enfrenta um momento de ofensiva geral contra os direitos e conquistas recentes.
É a agenda fora de lugar. Em vez de debater caminhos para tirar o país da crise - o que nunca se fez por iniciativas pouco inteligentes como reduzir o poder de consumo de grandes maiorias - tornou-se obrigatório, pela conjuntura, defender aquilo que se tinha como assegurado e garantido. Em se tratando do Bolsa Família, envolve uma epopéia política cujo valor é mais celebrado do que compreendido.
Diz respeito não só ao cumprimento do artigo 3o. da Constituição, que define que "erradicar a pobreza e a marginalização" constituem "objetivos fundamentais" da Republica. Mas contribuiu para construir um sistema de bem-estar social num país onde a desigualdade é uma aberração. Numa nação onde os pobres e miseráveis sempre foram responsabilizados pela própria condição, a grande mudança permitida pelo programa foi redefinir quem deve assumir a responsabilidade por essa questão.
A obrigação constitucional de enfrentar a miséria deixou de ser uma opção de governantes, ou mesmo uma tarefa a ser executada por instituições filantrópicas, para ser assumida como dever pelo Estado. A mudança política foi essa. A mesma instituição que paga aposentadorias pelo INSS e responde - ou pelo menos deveria responder - pela saúde e educação também encarregou-se do combate à miséria. Os benefícios recebidos deixaram de ser atos de benemerência ou expressões de bondade ou solidariedade, para se definirem como expressão de direitos devidos toda pessoa que se enquadra em padrões definidos objetivamente.
Por cima do indispensável reforço nas condições materiais de vida que os benefícios do Bolsa proporcionam, construiu-se uma existência diferente por parte de brasileiros e especialmente brasileiras - a esmagadora maioria dos destinatários do programa são mulheres - que, pela posse de um cartão que lhes permite fazer compras com regularidade, ganharam um novo valor em suas comunidades. Passaram a ser tratados como pessoas confiáveis, revela o livro Vozes do Bolsa Família, - Autonomia, Dinheiro e Cidadania, elaborado a partir de 150 entrevistas no Piauí, no norte de Minas, nas periferias de São Luís e Recife, pelos professores Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani.
Em doze anos de história, que deveriam ser festejados na terça-feira passada - anunciado na mesma semana, o projeto de cortar R$ 10 bi ajuda a lembrar quem quer continuar mandando no país - o Bolsa Família é produto de duas forças opostas. Sempre contou com o apoio absoluto e integral da população e enfrentou o ataque permanente das camadas de cima. As lendas negativas foram derrotadas e desmascaradas. A ultima é a versão de que o governo não terá R$ 10 bilhões para pagar a conta dos pobres e miseráveis. Num país que voltou a pagar os juros mais altos do mundo, apenas os dois maiores bancos privados tiveram um lucro maior do que isso nos seis primeiros meses de 2015. Deu para entender, certo?
Ameaçado por um corte de R$ 10 bilhões no orçamento de 2016, todo esforço em defesa do Bolsa Família será pequeno enquanto houver qualquer tipo de ameaça a um programa que tirou o país do mapa da Fome da ONU e atende 13 milhões de famílias que residem na fronteira da pobreza brasileira.
Não há truque retórico possível para se defender qualquer redução nos recursos de um programa que ganha urgência e atualidade na medida em que a crise econômica começa a assumir uma face dolorosa e feroz. A simples hipótese de que se cogite cortar 35% das verbas já é um escândalo em si.
O fato de que a proposta de redução tenha partido do relator-geral do Orçamento Renato Barros (PP-PR), cuja localização política fica clara até no plano doméstico - sua mulher é a vice-governadora de Beto Richa, tucano de alta plumagem reeleito em 2014 para o governo do Paraná - ajuda a entender uma parte do problema. A outra parte envolve o conjunto da situação política.
Mesmo considerando, em função do caráter absurdo e impopular, que uma proposta desse tipo tem grandes chances de ser derrotada pelos parlamentares, até pelo receio natural de serem punidos pelo eleitorado, ela demonstra que o país enfrenta um momento de ofensiva geral contra os direitos e conquistas recentes.
É a agenda fora de lugar. Em vez de debater caminhos para tirar o país da crise - o que nunca se fez por iniciativas pouco inteligentes como reduzir o poder de consumo de grandes maiorias - tornou-se obrigatório, pela conjuntura, defender aquilo que se tinha como assegurado e garantido. Em se tratando do Bolsa Família, envolve uma epopéia política cujo valor é mais celebrado do que compreendido.
Diz respeito não só ao cumprimento do artigo 3o. da Constituição, que define que "erradicar a pobreza e a marginalização" constituem "objetivos fundamentais" da Republica. Mas contribuiu para construir um sistema de bem-estar social num país onde a desigualdade é uma aberração. Numa nação onde os pobres e miseráveis sempre foram responsabilizados pela própria condição, a grande mudança permitida pelo programa foi redefinir quem deve assumir a responsabilidade por essa questão.
A obrigação constitucional de enfrentar a miséria deixou de ser uma opção de governantes, ou mesmo uma tarefa a ser executada por instituições filantrópicas, para ser assumida como dever pelo Estado. A mudança política foi essa. A mesma instituição que paga aposentadorias pelo INSS e responde - ou pelo menos deveria responder - pela saúde e educação também encarregou-se do combate à miséria. Os benefícios recebidos deixaram de ser atos de benemerência ou expressões de bondade ou solidariedade, para se definirem como expressão de direitos devidos toda pessoa que se enquadra em padrões definidos objetivamente.
Por cima do indispensável reforço nas condições materiais de vida que os benefícios do Bolsa proporcionam, construiu-se uma existência diferente por parte de brasileiros e especialmente brasileiras - a esmagadora maioria dos destinatários do programa são mulheres - que, pela posse de um cartão que lhes permite fazer compras com regularidade, ganharam um novo valor em suas comunidades. Passaram a ser tratados como pessoas confiáveis, revela o livro Vozes do Bolsa Família, - Autonomia, Dinheiro e Cidadania, elaborado a partir de 150 entrevistas no Piauí, no norte de Minas, nas periferias de São Luís e Recife, pelos professores Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani.
Em doze anos de história, que deveriam ser festejados na terça-feira passada - anunciado na mesma semana, o projeto de cortar R$ 10 bi ajuda a lembrar quem quer continuar mandando no país - o Bolsa Família é produto de duas forças opostas. Sempre contou com o apoio absoluto e integral da população e enfrentou o ataque permanente das camadas de cima. As lendas negativas foram derrotadas e desmascaradas. A ultima é a versão de que o governo não terá R$ 10 bilhões para pagar a conta dos pobres e miseráveis. Num país que voltou a pagar os juros mais altos do mundo, apenas os dois maiores bancos privados tiveram um lucro maior do que isso nos seis primeiros meses de 2015. Deu para entender, certo?
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