Por Carol Patrocinio, na revista CartaCapital:
Ninfeta: substantivo feminino, menina adolescente voltada para o sexo ou que desperta desejo sexual. Origem: ETIM ninfa + -eta
Mas o problema não está apenas na pornografia. Meninas cada vez mais novas representam adultas em campanhas publicitárias hipersexualizadas. Mulheres fazem cirurgias para rejuvenescer a vulva e deixá-la com aparência virginal. Mulheres adultas são infantilizadas – quantas vezes você chamou mulheres de mulheres e não me meninas? E a ideia de que porque uma menina se fantasia de mulher já pode ser tratada como mulher só se populariza. E isso é de uma maldade sem fim.
Nossa sociedade vai criando, dia após dia, uma maneira de aumentar a vulnerabilidade feminina. E o sexo é a mais rápida delas. Meninas são incentivadas a ter relacionamentos com homens mais velhos porque elas são muito maduras para a idade.
Mulheres engravidam, então socialmente diz-se que a responsabilidade pelo bebê é apenas delas. O aborto é proibido – mesmo acontecendo em números alarmantes em todas as classes sociais e regiões. Homens mais velhos sabem como guiar meninas a fazer o que eles querem.
Mães adolescentes largam a escola, não fazem faculdade e contentam-se com subempregos porque precisam sustentar seus filhos. Além de tudo essas mulheres, que foram meninas vítimas da cultura do estupro, são tidas como vagabundas.
O mito de que garotas amadurecem mais rápido do que meninos, por isso devem se relacionar com homens mais velhos é talvez o mais antigo e que mais crie no imaginário masculino a sensação de impunidade ao postar o tipo de coisa que foi escrita sobre Valentina, por exemplo.
É importante esclarecer que meninas não amadurecem mais rápido do que meninos por uma questão biológica. Isso acontece porque meninas ganham responsabilidades mais cedo. São elas que cuidam da casa, dos irmãos mais novos, da comida, vão ao mercado e substituem o papel da mãe.
Em algumas culturas, meninas de 12 anos são tiradas da escola para cuidar da casa, enquanto meninos têm uma infância normal. Com todas essas obrigações e responsabilidades, somadas ao cuidado que meninas aprendem a ter desde muito jovens para lidar com investidas de homens adultos, as torna mais maduras. É uma construção social.
Enquanto meninas são encaminhadas a uma maturidade precoce, os meninos e homens são perdoados por todos seus erros porque são apenas garotos, independente da sua idade – vamos deixar claro também que isso acontece com mais força quando relacionado a homens brancos e de certa posição socioeconômica, aos homens e meninos negros ou pobres sobra apenas a desconfiança e teorias que apontam seus erros como biológicos.
Some a toda essa cultura a ideia de que todas as mulheres são vagabundas. Todas aquelas que não estão dentro do padrão esperado por aquele homem, já que não existe um consenso sobre como deveria ser o comportamento feminino de uma não-vadia.
Quando a mulher é bonita, então, o problema é ainda maior: ela é tida como burra, é objetificada, estereotipada e tem tomada de si a possibilidade de dizer não a qualquer investida. O preço disso é ser tachada de metida. E não importa o que uma mulher faça: basta despertar o desejo em um homem e você se torna vagabunda.
O desejo é responsabilidade de quem o sente e não de quem o desperta. Quando um adulto sente desejo por uma criança é ele o culpado por ir contra uma norma social que protege a infância, a integridade e o corpo de uma incapaz (de acordo com a lei).
Porém é muito simples inverter esse raciocínio ao dizer que a menina já tem em si a sexualidade de uma mulher, que ela usa roupas provocativas e que pede atenção masculina. Com essa ideia o homem torna-se a vítima de uma “destruidora de lares” que ainda brinca de boneca, apesar de ter sim sexualidade, ainda que muito diferente da de uma mulher adulta.
É importante falar sobre a cultura do estupro. Ela anda nas entrelinhas de muitos discursos. Ela caminha ao lado da ideia de que homens não conseguem conter seus instintos. Ela está totalmente ligada ao falso consenso que poderia dar uma criança. Ela é reforçada pela infantilização de mulheres adultas. A impunidade é sua melhor amiga e a culpabilização da vítima sua principal arma.
Crianças, tenham elas habilidades de adulto (como cozinhar), corpo desenvolvido, usem roupas provocativas ou sejam maduras, são apenas crianças. E qualquer intenção não fraternal direcionada a elas é crime. A culpa não é delas.
O que deveria fazer Valentina? Abrir mão do sonho de ser chef? Esconder-se atrás de roupas masculinizadas? Encontrar maneiras de ser menos atraente? Essas são saídas que todas nós, mulheres, encontramos a vida toda, mas não são saídas que queremos oferecer para as meninas. Elas merecem um caminho melhor do que o nosso.
*Texto publicado originalmente no Medium
Valentina tem 12 anos. Ela tem um corpo de uma menina de 12 anos de idade. Ela é loira, branquinha e age como uma menina de 12 anos de idade.
Valentina foi escolhida para participar do MasterChef Júnior junto com diversas outras crianças, meninos e meninas. O que separa Valentina de todas as outras crianças, por enquanto, não é seu talento na cozinha, mas a cultura do estupro que permite que homens adultos falem por aí como poderiam estuprar a garota.
(É bom avisar que mesmo que a descrição de Valentina fosse outra, tudo que vamos ver abaixo continuaria sendo errado e horrível)
Vamos deixar algo claro desde o começo: qualquer tipo de relação de natureza sexual com uma criança é estupro. Uma criança nunca pode ter uma relação sexual consensual porque ela é criança e não pode tomar esse tipo de decisão. Por lei.
Vamos dar o nome certo às coisas. Aqui não estamos falando de pedofilia, que é uma doença que pode ser tratada antes que a pessoa cometa qualquer crime – seja ele consumir pornografia infantil ou o estupro. Nenhum desses homens que comentou sobre a MasterChef é doente, eles apenas acham que têm o direito de falar absurdos como esse porque olham para ela e não enxergam uma criança, mas uma mulher.
É claro que a gente vem batendo nessa tecla faz um tempo. Quando “novinha” foi o termo mais procurado em sites pornográficos muita gente disse que era apenas um sinônimo de ninfeta, tentando apaziguar as coisas sem nem notar que estava apenas batendo palminha para um crime.
Valentina foi escolhida para participar do MasterChef Júnior junto com diversas outras crianças, meninos e meninas. O que separa Valentina de todas as outras crianças, por enquanto, não é seu talento na cozinha, mas a cultura do estupro que permite que homens adultos falem por aí como poderiam estuprar a garota.
(É bom avisar que mesmo que a descrição de Valentina fosse outra, tudo que vamos ver abaixo continuaria sendo errado e horrível)
Vamos deixar algo claro desde o começo: qualquer tipo de relação de natureza sexual com uma criança é estupro. Uma criança nunca pode ter uma relação sexual consensual porque ela é criança e não pode tomar esse tipo de decisão. Por lei.
Vamos dar o nome certo às coisas. Aqui não estamos falando de pedofilia, que é uma doença que pode ser tratada antes que a pessoa cometa qualquer crime – seja ele consumir pornografia infantil ou o estupro. Nenhum desses homens que comentou sobre a MasterChef é doente, eles apenas acham que têm o direito de falar absurdos como esse porque olham para ela e não enxergam uma criança, mas uma mulher.
É claro que a gente vem batendo nessa tecla faz um tempo. Quando “novinha” foi o termo mais procurado em sites pornográficos muita gente disse que era apenas um sinônimo de ninfeta, tentando apaziguar as coisas sem nem notar que estava apenas batendo palminha para um crime.
Ninfeta: substantivo feminino, menina adolescente voltada para o sexo ou que desperta desejo sexual. Origem: ETIM ninfa + -eta
Mas o problema não está apenas na pornografia. Meninas cada vez mais novas representam adultas em campanhas publicitárias hipersexualizadas. Mulheres fazem cirurgias para rejuvenescer a vulva e deixá-la com aparência virginal. Mulheres adultas são infantilizadas – quantas vezes você chamou mulheres de mulheres e não me meninas? E a ideia de que porque uma menina se fantasia de mulher já pode ser tratada como mulher só se populariza. E isso é de uma maldade sem fim.
Nossa sociedade vai criando, dia após dia, uma maneira de aumentar a vulnerabilidade feminina. E o sexo é a mais rápida delas. Meninas são incentivadas a ter relacionamentos com homens mais velhos porque elas são muito maduras para a idade.
Mulheres engravidam, então socialmente diz-se que a responsabilidade pelo bebê é apenas delas. O aborto é proibido – mesmo acontecendo em números alarmantes em todas as classes sociais e regiões. Homens mais velhos sabem como guiar meninas a fazer o que eles querem.
Mães adolescentes largam a escola, não fazem faculdade e contentam-se com subempregos porque precisam sustentar seus filhos. Além de tudo essas mulheres, que foram meninas vítimas da cultura do estupro, são tidas como vagabundas.
O mito de que garotas amadurecem mais rápido do que meninos, por isso devem se relacionar com homens mais velhos é talvez o mais antigo e que mais crie no imaginário masculino a sensação de impunidade ao postar o tipo de coisa que foi escrita sobre Valentina, por exemplo.
É importante esclarecer que meninas não amadurecem mais rápido do que meninos por uma questão biológica. Isso acontece porque meninas ganham responsabilidades mais cedo. São elas que cuidam da casa, dos irmãos mais novos, da comida, vão ao mercado e substituem o papel da mãe.
Em algumas culturas, meninas de 12 anos são tiradas da escola para cuidar da casa, enquanto meninos têm uma infância normal. Com todas essas obrigações e responsabilidades, somadas ao cuidado que meninas aprendem a ter desde muito jovens para lidar com investidas de homens adultos, as torna mais maduras. É uma construção social.
Enquanto meninas são encaminhadas a uma maturidade precoce, os meninos e homens são perdoados por todos seus erros porque são apenas garotos, independente da sua idade – vamos deixar claro também que isso acontece com mais força quando relacionado a homens brancos e de certa posição socioeconômica, aos homens e meninos negros ou pobres sobra apenas a desconfiança e teorias que apontam seus erros como biológicos.
Some a toda essa cultura a ideia de que todas as mulheres são vagabundas. Todas aquelas que não estão dentro do padrão esperado por aquele homem, já que não existe um consenso sobre como deveria ser o comportamento feminino de uma não-vadia.
Quando a mulher é bonita, então, o problema é ainda maior: ela é tida como burra, é objetificada, estereotipada e tem tomada de si a possibilidade de dizer não a qualquer investida. O preço disso é ser tachada de metida. E não importa o que uma mulher faça: basta despertar o desejo em um homem e você se torna vagabunda.
O desejo é responsabilidade de quem o sente e não de quem o desperta. Quando um adulto sente desejo por uma criança é ele o culpado por ir contra uma norma social que protege a infância, a integridade e o corpo de uma incapaz (de acordo com a lei).
Porém é muito simples inverter esse raciocínio ao dizer que a menina já tem em si a sexualidade de uma mulher, que ela usa roupas provocativas e que pede atenção masculina. Com essa ideia o homem torna-se a vítima de uma “destruidora de lares” que ainda brinca de boneca, apesar de ter sim sexualidade, ainda que muito diferente da de uma mulher adulta.
É importante falar sobre a cultura do estupro. Ela anda nas entrelinhas de muitos discursos. Ela caminha ao lado da ideia de que homens não conseguem conter seus instintos. Ela está totalmente ligada ao falso consenso que poderia dar uma criança. Ela é reforçada pela infantilização de mulheres adultas. A impunidade é sua melhor amiga e a culpabilização da vítima sua principal arma.
Crianças, tenham elas habilidades de adulto (como cozinhar), corpo desenvolvido, usem roupas provocativas ou sejam maduras, são apenas crianças. E qualquer intenção não fraternal direcionada a elas é crime. A culpa não é delas.
O que deveria fazer Valentina? Abrir mão do sonho de ser chef? Esconder-se atrás de roupas masculinizadas? Encontrar maneiras de ser menos atraente? Essas são saídas que todas nós, mulheres, encontramos a vida toda, mas não são saídas que queremos oferecer para as meninas. Elas merecem um caminho melhor do que o nosso.
*Texto publicado originalmente no Medium
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