Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
O atentado que vem sendo armado contra a democracia pode ser o pior dos pesadelos para a sociedade brasileira neste momento, mas não é o único. É até compreensível que se mobilizem todas as forças responsáveis para impedir a aventura golpista, que se avoluma contra a vontade popular expressa nas urnas e as instituições republicanas.
É também plausível pensar que a contaminação da agenda política pelas instâncias do ódio e do pessimismo tenha repercussão danosa no cenário da economia. Sem falar no reforço conferido pela mídia a uma pauta recorrente e monocórdia, que trocou a apuração pelos vazamentos, a justiça pela delação e a divergência pelo pensamento único.
No entanto, é na sombra dessa narrativa repetitiva que outra onda, igualmente perniciosa, vem se fortalecendo na maré do cenário político. Enquanto os temas como o processo de impedimento, o ajuste fiscal, a operação Lava-Jato e a tentativa desesperada de criminalização de Lula consomem rios de tinta e infindáveis horas de debates e especulações, setores bem articulados do pensamento reacionário vão recuperando o terreno perdido pela história de mobilização da sociedade brasileira ao longo de décadas.
A pauta dos direitos humanos é tradicionalmente de esquerda. Mais do que isso, ela é expressão de uma visão de mundo que defende a igualdade e respeita as diferenças. Vem do pensamento progressista a sensibilidade para questões que envolvem minorias, gênero, luta contra a discriminação e defesa da cidadania como expressão de direitos.
Para a direita, o horizonte da lei é seu cumprimento estrito; para a esquerda, o que conta é a permanente criação de novos direitos. A direita tem senso de realidade; a esquerda tem necessariamente a perspectiva de utopia.
E é no campo dos direitos humanos, em suas várias formas de emergência, que o país vem acompanhando um esforço regressivo preocupante. Nos últimos meses, por meio dos mais distintos processos, quase todo o espectro dos direitos humanos foi solapado.
Acompanhamos o debate em torno da redução da maioridade penal, da aprovação do hediondo Estatuto da Família, da mudança de autorização para demarcação de terras indígenas, da limitação do direito legal ao aborto e da introdução das questões de gênero nos parâmetros educacionais.
Em cada um desses terrenos, os estratos mais conservadores e moralistas da sociedade, por meio de representações próprias e com forte eco no Legislativo, levaram o país a andar para trás em termos de civilização. Em alguns casos, as ações já estão valendo, em outros pairam como urubus em vento quente, espalhando seu mau agouro sobre o futuro.
O saldo foi a criminalização da juventude pobre e negra, a derrocada dos laços de amor pela biologia mais estrita, o reforço do poder econômico dos ruralistas. Some-se a isso a tentativa de dificultar o acesso ao aborto nos termos da lei - mesmo em casos de estupro -, e a mais torpe de todas as formas de homofobia e misoginia, a defesa da ignorância.
Não é um acaso que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, esteja por trás de grande parte desses intentos. Sua ação conjuga, no mesmo gesto, o moralismo evangélico fundamentalista e o instinto de preservação política e pessoal. Ele é, em certa medida, o fiador da desumanização dos direitos no país.
O mais recente assalto à civilidade é o Projeto de Lei que, na prática, revoga o Estatuto do Desarmamento. A nova legislação facilita o acesso às armas de fogo, amplia o prazo da licença, libera o uso para pessoas que respondem a inquéritos, torna o cadastro gratuito, estende a autorização do registro para todas as polícias estaduais, entre outras liberalidades.
O relator do projeto, prócer da bancada da bala, o deputado Laudívio Carvalho (PMDB-MG), foi indicado por... Eduardo Cunha. O projeto caminha rápido como uma bala, que pode atingir o coração dos direitos humanos. De nada parecem valer os dados estatísticos que contabilizam 160 mil vidas salvas desde a adoção do estatuto.
A hora é de atenção. O país tem muito a perder com a abertura do processo de impeachment. Mas já está sendo derrotado por 7 a 1 no campo dos direitos humanos.
* João Paulo Cunha é jornalista.
O atentado que vem sendo armado contra a democracia pode ser o pior dos pesadelos para a sociedade brasileira neste momento, mas não é o único. É até compreensível que se mobilizem todas as forças responsáveis para impedir a aventura golpista, que se avoluma contra a vontade popular expressa nas urnas e as instituições republicanas.
É também plausível pensar que a contaminação da agenda política pelas instâncias do ódio e do pessimismo tenha repercussão danosa no cenário da economia. Sem falar no reforço conferido pela mídia a uma pauta recorrente e monocórdia, que trocou a apuração pelos vazamentos, a justiça pela delação e a divergência pelo pensamento único.
No entanto, é na sombra dessa narrativa repetitiva que outra onda, igualmente perniciosa, vem se fortalecendo na maré do cenário político. Enquanto os temas como o processo de impedimento, o ajuste fiscal, a operação Lava-Jato e a tentativa desesperada de criminalização de Lula consomem rios de tinta e infindáveis horas de debates e especulações, setores bem articulados do pensamento reacionário vão recuperando o terreno perdido pela história de mobilização da sociedade brasileira ao longo de décadas.
A pauta dos direitos humanos é tradicionalmente de esquerda. Mais do que isso, ela é expressão de uma visão de mundo que defende a igualdade e respeita as diferenças. Vem do pensamento progressista a sensibilidade para questões que envolvem minorias, gênero, luta contra a discriminação e defesa da cidadania como expressão de direitos.
Para a direita, o horizonte da lei é seu cumprimento estrito; para a esquerda, o que conta é a permanente criação de novos direitos. A direita tem senso de realidade; a esquerda tem necessariamente a perspectiva de utopia.
E é no campo dos direitos humanos, em suas várias formas de emergência, que o país vem acompanhando um esforço regressivo preocupante. Nos últimos meses, por meio dos mais distintos processos, quase todo o espectro dos direitos humanos foi solapado.
Acompanhamos o debate em torno da redução da maioridade penal, da aprovação do hediondo Estatuto da Família, da mudança de autorização para demarcação de terras indígenas, da limitação do direito legal ao aborto e da introdução das questões de gênero nos parâmetros educacionais.
Em cada um desses terrenos, os estratos mais conservadores e moralistas da sociedade, por meio de representações próprias e com forte eco no Legislativo, levaram o país a andar para trás em termos de civilização. Em alguns casos, as ações já estão valendo, em outros pairam como urubus em vento quente, espalhando seu mau agouro sobre o futuro.
O saldo foi a criminalização da juventude pobre e negra, a derrocada dos laços de amor pela biologia mais estrita, o reforço do poder econômico dos ruralistas. Some-se a isso a tentativa de dificultar o acesso ao aborto nos termos da lei - mesmo em casos de estupro -, e a mais torpe de todas as formas de homofobia e misoginia, a defesa da ignorância.
Não é um acaso que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, esteja por trás de grande parte desses intentos. Sua ação conjuga, no mesmo gesto, o moralismo evangélico fundamentalista e o instinto de preservação política e pessoal. Ele é, em certa medida, o fiador da desumanização dos direitos no país.
O mais recente assalto à civilidade é o Projeto de Lei que, na prática, revoga o Estatuto do Desarmamento. A nova legislação facilita o acesso às armas de fogo, amplia o prazo da licença, libera o uso para pessoas que respondem a inquéritos, torna o cadastro gratuito, estende a autorização do registro para todas as polícias estaduais, entre outras liberalidades.
O relator do projeto, prócer da bancada da bala, o deputado Laudívio Carvalho (PMDB-MG), foi indicado por... Eduardo Cunha. O projeto caminha rápido como uma bala, que pode atingir o coração dos direitos humanos. De nada parecem valer os dados estatísticos que contabilizam 160 mil vidas salvas desde a adoção do estatuto.
A hora é de atenção. O país tem muito a perder com a abertura do processo de impeachment. Mas já está sendo derrotado por 7 a 1 no campo dos direitos humanos.
* João Paulo Cunha é jornalista.
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