Por André Barrocal, na revista CartaCapital:
O dramaturgo Eduardo Cunha, presidente da Câmara, quebra a cabeça para escrever o fim da trama policial que ele mesmo estrela sobre milhões escondidos na Suíça e corrupção na Petrobras. Vaiado em ato público de seu partido e dentro do plenário que comanda, ignorado pelo relator de seu caso no Conselho de Ética, o peemedebista já sabe. Caiu na antipatia popular e só salva o mandato com alguma manobra ousada.
Por trás das cortinas, é obrigado a cogitar inclusive abandonar a presidência antes do previsto, desfecho desejado pelo Palácio do Planalto e pela oposição.
Afastar-se do cargo é ideia a correr a Câmara juntamente com vários roteiros mirabolantes desde a apresentação do parecer do deputado Fausto Pinato, do PRB paulista, pela continuidade do processo contra Cunha no Conselho de Ética. Sem esperar a defesa formal do acusado, por escrito, Pinato manifestou-se na segunda-feira 16 a favor do prosseguimento da investigação.
Motivo: indícios suficientes de que Cunha recebeu vantagens indevidas como parlamentar (seria beneficiário de desvios na Petrobras) e prestou informações falsas (ocultou a posse de milhões na Suíça). A defesa informal do peemedebista, em entrevistas sobre trading etrustes, não adiantou.
Por intermédio de advogados e aliados, Cunha não demorou a fazer circular seus planos de reação. Acionar uma comissão da Câmara dominada por sua trupe, a de Constituição e Justiça, para contestar não ter sido ouvido por Pinato. Pedir a substituição do relator.
Abusar de manobras regimentais para evitar a votação de seu processo até 2018, quando então concorreria a deputado estadual pelo Rio, algo que lhe permitiria fugir do ministro Teori Zavascki nos inquéritos a que responde no Supremo Tribunal Federal. E, em último caso, abrir mão da presidência da Câmara.
Um dos que sopraram a hipótese de Cunha deixar o cargo foi o líder do PTB, Jovair Arantes, de Goiás, devoto do evangélico peemedebista. Pela oferta cunhista, Pinato toparia abrandar a punição. Em vez de cassação, suspensão do mandato por um tempo.
Uma curiosidade sobre o encarregado de investigar se, entre outros lances indecorosos, Cunha mentiu aos colegas. Pinato é réu no STF por falso testemunho e denúncia caluniosa. O caso começou na terra natal do parlamentar, Fernandópolis, interior paulista. Seu pai, Edilberto Pinato, processou por calúnia um empresário local, Jurandir de Oliveira e Silva, e uma das testemunhas que arrolou, João Paulo de Jesus, mais tarde revelou à Justiça ter mentido contra o acusado graças a uma promessa de cargos feita por Fausto Pinato em campanhas políticas.
Diante do recuo de João Paulo, o empresário deu o troco e processou os Pinato. Como Fausto virou deputado este ano, o caso dele subiu da 2a Vara Criminal de Fernandópolis para o STF.
Se o Conselho seguir com a apuração sobre a conduta ética do dramaturgo, ou melhor, Cunha, o processo deve ir a votação por volta de abril, conforme as bolsas de apostas na Câmara. Até lá, diz o deputado Zé Geraldo, do PT do Pará e integrante do Conselho de Ética, o peemedebista ganha uma sobrevida e poderá “posar de bonzinho”, quem sabe até ajudar o governo em certas votações.
Por outro lado, emenda o petista, Cunha já poderá ter sido convertido em réu no Supremo, condição que elevaria a pressão da opinião pública pela cassação dele, circunstância capaz de enfraquecer o peemedebista na negociação dos termos de sua rendição.
Governistas e oposicionistas parecem coincidir no primeiro item da rendição: a saída de Cunha da presidência da Câmara antes do prazo legal, fevereiro de 2017. Uma coincidência com motivações diferentes.
No Palácio do Planalto e no PT, reina o silêncio sobre os rolos do deputado, embora se trate de notório inimigo de Dilma Rousseff. É uma postura que joga a favor do peemedebista. Em privado, um dos vice-líderes do governo na Câmara conta: para o Planalto, não importa se Cunha salvará o mandato, mas que deixe o cargo. Só assim haveria paz política e econômica.
Enquanto o deputado é investigado, o governo continuará a rearticular sua base de apoio para ter força quando chegar o aparentemente inevitável instante de Cunha dizer adeus ao cargo.
Um nome visto com simpatia pelo Planalto para assumir o posto é o líder do PMDB, Leonardo Picciani, do Rio. A dúvida é se o governo conseguirá reorganizar a tropa a tempo. “A situação de Cunha tem se deteriorado muito rapidamente”, diz o vice-líder governista.
E como se deteriorou. Até cair em desgraça, Cunha era o maior expoente da ala do PMDB favorável a romper com Dilma Rousseff e o PT. Agora enfrenta constrangimentos no aconchego partidário. Na terça-feira 17, a Fundação Ulysses Guimarães, centro peemedebista de estudos, realizou um evento para lançar propostas econômicas de invejar neoliberal tucano.
Foi sob vaias que Cunha entrou no recinto e depois discursou aos presentes. O ímpeto dos apupos diminuiu, e o orador até arrancou alguns aplausos ao dizer que o PMDB “não pode se calar (contra o governo) por meia dúzia de carguinhos (no governo)”. Mas ser contestado em casa, diante da torcida, no momento que atravessa, certamente não ajudou.
Naquela tarde, novo embaraço. Ao chegar ao plenário da Câmara para comandar outro dia de votações, Cunha tropeçou no debate sobre a realidade das mulheres negras no País.
A sessão era presidida pela deputada Benedita da Silva, petista negra do Rio, e tinha na plateia militantes do movimento afrobrasileiro, em marcha à capital federal graças ao Dia da Consciência Negra, comemorado na sexta-feira 20. Quando o peemedebista assumiu a cadeira presidencial no lugar de Benedita, ouviu vaias e um “Fora Cunha”.
No dia seguinte, após Cunha ajeitar os trabalhos da Câmara de modo a impedir a análise do parecer de Pinato no Conselho de Ética, uma penca de deputados abandonou o plenário e deixou o presidente da Casa a falar sozinho, em sinal de protesto.
Já na oposição, Eduardo Cunha à frente da Câmara agora é visto como obstáculo ao sonho de depor Dilma Rousseff. Em conversa recente entre dois entusiastas doimpeachment, o deputado Roberto Freire, presidente do PPS, uma espécie de linha auxiliar do PSDB, disse a Darcísio Perondi, do PMDB gaúcho, que Cunha atrapalha a destituição de Dilma. Uma visão partilhada no ninho tucano.
Para um veterano deputado do PSDB, que participou da queda de Fernando Collor em 1992, o projeto impeachment jamais poderia ter sido atrelado aos interesses individuais de uma pessoa – Cunha, no caso.
Segundo o tucano, a tentativa de defenestrar Dilma será retomada no ano que vem e terá como combustível o desajuste econômico, com inflação e desemprego em alta, salário e PIB em baixa. “O Eduardo Cunha está morto e vai ser cassado, é uma questão de tempo. Mas hoje ele é um biombo contra o impeachment”, diz.
Apesar de rabiscar do próprio punho um roteiro com final feliz, Cunha montou uma tropa de advogados para defendê-lo nos fronts que o chamam em causa. No Supremo, seu general é Antonio Fernando de Souza, ex-procurador-geral da República responsável por denunciar o “mensalão” petista.
No Conselho de Ética, um ex-membro do Conselho Nacional de Justiça, Marcelo Nobre. Da Suíça, Cunha mandou vir um parecer do escritório DGE Advocats para tentar provar que não é titular de contas por lá. Aqui, encomendou ao ex-ministro do STF Francisco Rezek um parecer sobre trustes favorável à causa cunhista.
Diante de um batalhão jurídico de dez cobradores de caros honorários advocatícios, fica a dúvida. Onde Cunha arruma dinheiro para pagar a turma?
Na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral em 2014, ele dizia ter 1,6 milhão de reais. Seu salário de deputado é de 33 mil mensais. Seus 2,4 milhões de francos em uma conta na Suíça estão bloqueados desde abril. Mistério...
O dramaturgo Eduardo Cunha, presidente da Câmara, quebra a cabeça para escrever o fim da trama policial que ele mesmo estrela sobre milhões escondidos na Suíça e corrupção na Petrobras. Vaiado em ato público de seu partido e dentro do plenário que comanda, ignorado pelo relator de seu caso no Conselho de Ética, o peemedebista já sabe. Caiu na antipatia popular e só salva o mandato com alguma manobra ousada.
Por trás das cortinas, é obrigado a cogitar inclusive abandonar a presidência antes do previsto, desfecho desejado pelo Palácio do Planalto e pela oposição.
Afastar-se do cargo é ideia a correr a Câmara juntamente com vários roteiros mirabolantes desde a apresentação do parecer do deputado Fausto Pinato, do PRB paulista, pela continuidade do processo contra Cunha no Conselho de Ética. Sem esperar a defesa formal do acusado, por escrito, Pinato manifestou-se na segunda-feira 16 a favor do prosseguimento da investigação.
Motivo: indícios suficientes de que Cunha recebeu vantagens indevidas como parlamentar (seria beneficiário de desvios na Petrobras) e prestou informações falsas (ocultou a posse de milhões na Suíça). A defesa informal do peemedebista, em entrevistas sobre trading etrustes, não adiantou.
Por intermédio de advogados e aliados, Cunha não demorou a fazer circular seus planos de reação. Acionar uma comissão da Câmara dominada por sua trupe, a de Constituição e Justiça, para contestar não ter sido ouvido por Pinato. Pedir a substituição do relator.
Abusar de manobras regimentais para evitar a votação de seu processo até 2018, quando então concorreria a deputado estadual pelo Rio, algo que lhe permitiria fugir do ministro Teori Zavascki nos inquéritos a que responde no Supremo Tribunal Federal. E, em último caso, abrir mão da presidência da Câmara.
Um dos que sopraram a hipótese de Cunha deixar o cargo foi o líder do PTB, Jovair Arantes, de Goiás, devoto do evangélico peemedebista. Pela oferta cunhista, Pinato toparia abrandar a punição. Em vez de cassação, suspensão do mandato por um tempo.
Uma curiosidade sobre o encarregado de investigar se, entre outros lances indecorosos, Cunha mentiu aos colegas. Pinato é réu no STF por falso testemunho e denúncia caluniosa. O caso começou na terra natal do parlamentar, Fernandópolis, interior paulista. Seu pai, Edilberto Pinato, processou por calúnia um empresário local, Jurandir de Oliveira e Silva, e uma das testemunhas que arrolou, João Paulo de Jesus, mais tarde revelou à Justiça ter mentido contra o acusado graças a uma promessa de cargos feita por Fausto Pinato em campanhas políticas.
Diante do recuo de João Paulo, o empresário deu o troco e processou os Pinato. Como Fausto virou deputado este ano, o caso dele subiu da 2a Vara Criminal de Fernandópolis para o STF.
Se o Conselho seguir com a apuração sobre a conduta ética do dramaturgo, ou melhor, Cunha, o processo deve ir a votação por volta de abril, conforme as bolsas de apostas na Câmara. Até lá, diz o deputado Zé Geraldo, do PT do Pará e integrante do Conselho de Ética, o peemedebista ganha uma sobrevida e poderá “posar de bonzinho”, quem sabe até ajudar o governo em certas votações.
Por outro lado, emenda o petista, Cunha já poderá ter sido convertido em réu no Supremo, condição que elevaria a pressão da opinião pública pela cassação dele, circunstância capaz de enfraquecer o peemedebista na negociação dos termos de sua rendição.
Governistas e oposicionistas parecem coincidir no primeiro item da rendição: a saída de Cunha da presidência da Câmara antes do prazo legal, fevereiro de 2017. Uma coincidência com motivações diferentes.
No Palácio do Planalto e no PT, reina o silêncio sobre os rolos do deputado, embora se trate de notório inimigo de Dilma Rousseff. É uma postura que joga a favor do peemedebista. Em privado, um dos vice-líderes do governo na Câmara conta: para o Planalto, não importa se Cunha salvará o mandato, mas que deixe o cargo. Só assim haveria paz política e econômica.
Enquanto o deputado é investigado, o governo continuará a rearticular sua base de apoio para ter força quando chegar o aparentemente inevitável instante de Cunha dizer adeus ao cargo.
Um nome visto com simpatia pelo Planalto para assumir o posto é o líder do PMDB, Leonardo Picciani, do Rio. A dúvida é se o governo conseguirá reorganizar a tropa a tempo. “A situação de Cunha tem se deteriorado muito rapidamente”, diz o vice-líder governista.
E como se deteriorou. Até cair em desgraça, Cunha era o maior expoente da ala do PMDB favorável a romper com Dilma Rousseff e o PT. Agora enfrenta constrangimentos no aconchego partidário. Na terça-feira 17, a Fundação Ulysses Guimarães, centro peemedebista de estudos, realizou um evento para lançar propostas econômicas de invejar neoliberal tucano.
Foi sob vaias que Cunha entrou no recinto e depois discursou aos presentes. O ímpeto dos apupos diminuiu, e o orador até arrancou alguns aplausos ao dizer que o PMDB “não pode se calar (contra o governo) por meia dúzia de carguinhos (no governo)”. Mas ser contestado em casa, diante da torcida, no momento que atravessa, certamente não ajudou.
Naquela tarde, novo embaraço. Ao chegar ao plenário da Câmara para comandar outro dia de votações, Cunha tropeçou no debate sobre a realidade das mulheres negras no País.
A sessão era presidida pela deputada Benedita da Silva, petista negra do Rio, e tinha na plateia militantes do movimento afrobrasileiro, em marcha à capital federal graças ao Dia da Consciência Negra, comemorado na sexta-feira 20. Quando o peemedebista assumiu a cadeira presidencial no lugar de Benedita, ouviu vaias e um “Fora Cunha”.
No dia seguinte, após Cunha ajeitar os trabalhos da Câmara de modo a impedir a análise do parecer de Pinato no Conselho de Ética, uma penca de deputados abandonou o plenário e deixou o presidente da Casa a falar sozinho, em sinal de protesto.
Já na oposição, Eduardo Cunha à frente da Câmara agora é visto como obstáculo ao sonho de depor Dilma Rousseff. Em conversa recente entre dois entusiastas doimpeachment, o deputado Roberto Freire, presidente do PPS, uma espécie de linha auxiliar do PSDB, disse a Darcísio Perondi, do PMDB gaúcho, que Cunha atrapalha a destituição de Dilma. Uma visão partilhada no ninho tucano.
Para um veterano deputado do PSDB, que participou da queda de Fernando Collor em 1992, o projeto impeachment jamais poderia ter sido atrelado aos interesses individuais de uma pessoa – Cunha, no caso.
Segundo o tucano, a tentativa de defenestrar Dilma será retomada no ano que vem e terá como combustível o desajuste econômico, com inflação e desemprego em alta, salário e PIB em baixa. “O Eduardo Cunha está morto e vai ser cassado, é uma questão de tempo. Mas hoje ele é um biombo contra o impeachment”, diz.
Apesar de rabiscar do próprio punho um roteiro com final feliz, Cunha montou uma tropa de advogados para defendê-lo nos fronts que o chamam em causa. No Supremo, seu general é Antonio Fernando de Souza, ex-procurador-geral da República responsável por denunciar o “mensalão” petista.
No Conselho de Ética, um ex-membro do Conselho Nacional de Justiça, Marcelo Nobre. Da Suíça, Cunha mandou vir um parecer do escritório DGE Advocats para tentar provar que não é titular de contas por lá. Aqui, encomendou ao ex-ministro do STF Francisco Rezek um parecer sobre trustes favorável à causa cunhista.
Diante de um batalhão jurídico de dez cobradores de caros honorários advocatícios, fica a dúvida. Onde Cunha arruma dinheiro para pagar a turma?
Na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral em 2014, ele dizia ter 1,6 milhão de reais. Seu salário de deputado é de 33 mil mensais. Seus 2,4 milhões de francos em uma conta na Suíça estão bloqueados desde abril. Mistério...
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