Por Virgínia Barros
Loreta Valadares, mulher, militante estudantil da Ação Popular, lutadora clandestina contra a Ditadura Militar, professora, comunista e líder emancipacionista de expressão em todo o país convocava as mulheres a emergir da invisibilidade. Dizia Loreta que precisamos assumir a condição de mulher nas lutas sociais, radicalizar a inserção das mulheres nas diversas esferas da sociedade. Peça fundamental na fundação da União Brasileira de Mulheres (UBM), Loreta, também poetisa, falecida no ano de 2004, nos conclamou com seus versos:
“Quando eu me for
(se eu me for)
Vão até onde eu não fui”
A primavera chegou trazendo com ela ventos de força feminina e esperança que Loreta, certamente, estaria emocionada ao respirar. Não sei se é possível dizer exatamente como tudo começou: se ainda no final do inverno com a Marcha das Margaridas e sua gigantesca capacidade de mobilização das mulheres camponesas. Se com a sanção da lei do feminicídio, que veio para condenar o óbvio que muita gente não queria reconhecer: que nós, mulheres, por sermos mulheres, somos assassinadas todos os dias. Ou se começou ainda antes, com a primeira eleição e reeleição de uma mulher, uma de nós, para a presidência de nosso país.
Fato é que a indignação das mulheres contra a opressão que sofremos diariamente foi ganhando notoriedade. Uma menina de 12 anos de idade sofreu um assédio criminoso nas redes sociais ao participar de um programa de televisão. A sororidade, expressão que designa a solidariedade mútua entre as mulheres, logo se fez evidente com a campanha #PrimeiroAssédio.
Os homens se depararam com uma multidão de mulheres relatando o constrangimento e a violência aos quais somos submetidas desde a infância. Alguns não quiseram acreditar e debocharam, fizeram pouco caso da nossa opressão. Esses, tenho certeza, serão superados pela história. Outros talvez tenham parado para refletir e, a partir de agora, revejam suas atitudes. Que bom. Mas o fato é que milhões de mulheres em todo o Brasil leram os relatos de outras mulheres e despertaram para a ideia de que "Não, eu não estou sozinha!"
Naqueles mesmos dias, milhões de brasileiras e brasileiros, a maioria jovens (Que beleza!), se dirigiram em um Domingo para uma sala de aula para escrever uma dissertação como parte do processo de avaliação e conclusão do Ensino Médio e de transição para a universidade. O tema? “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Por algumas horas, milhões de pessoas precisaram parar para refletir sobre este assunto tão importante. E, veja bem, não se tratava da violência contras as mulheres simplesmente, o que por si só já seria marcante. Mas no enunciado da redação, uma palavra incomodava: “persistência”.
Por que depois de conquistarmos o direito ao voto, depois de ingressarmos no mercado de trabalho, depois de nos tornamos maioria no espaço da universidade, depois da Lei Maria da Penha... por que depois de tudo isso, a violência contra nós, mulheres, persiste? Então quer dizer que o machismo ainda persiste? A resposta é uma só: sim, persiste!
A reação conservadora foi imediata. Houve quem acusasse, com um raciocínio primitivo inaceitável para os anos dois mil, que o ENEM havia se “ideologizado” para atender à esquerda. Mas nós, mulheres, seguimos adiante. Debatemos. Refletimos. Algumas se fecharam para o novo, diante da hegemonia aparentemente invencível do pensamento patriarcal em nossa sociedade. Outras milhares, talvez milhões, se abriram para a ideia inequívoca de que nós, mulheres, sofremos há milhares de anos opressão por sermos mulheres – e por isso precisamos seguir lutando.
Foi aí que o Congresso Nacional e sua atual legislatura conseguiu superar-se no conservadorismo que vem retirando direitos e reforçando opressões desde sua posse no começo do ano. Eduardo Cunha, símbolo do que existe de mais reacionário no pensamento político brasileiro - o negociador maior da política, o machista, o homofóbico, o racista, o corrupto, o chantagista - tentou emplacar mais uma: a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de sua autoria que dificulta o atendimento às mulheres vítimas de estupro e nos distancia ainda mais da necessária legalização do aborto no Brasil.
As mulheres, em sua indignação crescente, permitiram-se, então, deflagrar politicamente sua inteligência coletiva, seus corações e seus ovários nas ruas: tomamos a dianteira da luta pelo afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara de norte a sul do Brasil. Se Cunha cair, e, cedo ou tarde, ele há de cair, será pelas mãos inquestionáveis das mulheres, que, unidas em luta, não permitirão nenhum retrocesso nos seus direitos.
No meio de tudo isso, veio também a poesia. É lançado mundialmente um filme dirigido por uma mulher brasileira que azucrina os conservadores por atacar o centro de um debate que incomoda muita gente: qual, de fato, o papel das mulheres na sociedade? “Olmo e a gaivota” reforça com originalidade e sensibilidade a ideia de que não devemos aceitar como natural nenhum papel que a sociedade nos direcione por mais antigo que algum costume ou divisão sexual estejam estabelecidos.
Quantas lutas e reflexões para uma estação que ainda tem muitas flores pela frente. Não restam dúvidas: é a primavera das mulheres! É um caminho sem volta! Estamos indo adiante, Loreta, até onde você não foi - como você nos pediu. Talvez se ainda estivesse viva, nossa líder feminista reproduziria (em um outro contexto, claro) a passagem de Hemingway em seu livro “Paris é uma festa”, ressignificando a frase do escritor norte-americano. Sorrindo por dentro e olhando adiante, Loreta em sua sabedoria inspiradora talvez dissesse: “Sabia que haveria primavera”.
Então sigamos adiante para escancarar as portas para um verão de ainda mais lutas, reflexões e conquistas. Loreta e as feministas que vieram antes de nós de algum lugar nos observam orgulhosas e felizes, pois vibra um pedacinho da sua luta em cada uma de nós e em nossa caminhada incessante. Luta de nós, mulheres. Obrigada, Loreta, por nos ajudar a chegar até aqui. Vamos em frente, com coragem, sem titubear.
* Virgínia Barros é advogada formada pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e ex-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Loreta Valadares, mulher, militante estudantil da Ação Popular, lutadora clandestina contra a Ditadura Militar, professora, comunista e líder emancipacionista de expressão em todo o país convocava as mulheres a emergir da invisibilidade. Dizia Loreta que precisamos assumir a condição de mulher nas lutas sociais, radicalizar a inserção das mulheres nas diversas esferas da sociedade. Peça fundamental na fundação da União Brasileira de Mulheres (UBM), Loreta, também poetisa, falecida no ano de 2004, nos conclamou com seus versos:
“Quando eu me for
(se eu me for)
Vão até onde eu não fui”
A primavera chegou trazendo com ela ventos de força feminina e esperança que Loreta, certamente, estaria emocionada ao respirar. Não sei se é possível dizer exatamente como tudo começou: se ainda no final do inverno com a Marcha das Margaridas e sua gigantesca capacidade de mobilização das mulheres camponesas. Se com a sanção da lei do feminicídio, que veio para condenar o óbvio que muita gente não queria reconhecer: que nós, mulheres, por sermos mulheres, somos assassinadas todos os dias. Ou se começou ainda antes, com a primeira eleição e reeleição de uma mulher, uma de nós, para a presidência de nosso país.
Fato é que a indignação das mulheres contra a opressão que sofremos diariamente foi ganhando notoriedade. Uma menina de 12 anos de idade sofreu um assédio criminoso nas redes sociais ao participar de um programa de televisão. A sororidade, expressão que designa a solidariedade mútua entre as mulheres, logo se fez evidente com a campanha #PrimeiroAssédio.
Os homens se depararam com uma multidão de mulheres relatando o constrangimento e a violência aos quais somos submetidas desde a infância. Alguns não quiseram acreditar e debocharam, fizeram pouco caso da nossa opressão. Esses, tenho certeza, serão superados pela história. Outros talvez tenham parado para refletir e, a partir de agora, revejam suas atitudes. Que bom. Mas o fato é que milhões de mulheres em todo o Brasil leram os relatos de outras mulheres e despertaram para a ideia de que "Não, eu não estou sozinha!"
Naqueles mesmos dias, milhões de brasileiras e brasileiros, a maioria jovens (Que beleza!), se dirigiram em um Domingo para uma sala de aula para escrever uma dissertação como parte do processo de avaliação e conclusão do Ensino Médio e de transição para a universidade. O tema? “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Por algumas horas, milhões de pessoas precisaram parar para refletir sobre este assunto tão importante. E, veja bem, não se tratava da violência contras as mulheres simplesmente, o que por si só já seria marcante. Mas no enunciado da redação, uma palavra incomodava: “persistência”.
Por que depois de conquistarmos o direito ao voto, depois de ingressarmos no mercado de trabalho, depois de nos tornamos maioria no espaço da universidade, depois da Lei Maria da Penha... por que depois de tudo isso, a violência contra nós, mulheres, persiste? Então quer dizer que o machismo ainda persiste? A resposta é uma só: sim, persiste!
A reação conservadora foi imediata. Houve quem acusasse, com um raciocínio primitivo inaceitável para os anos dois mil, que o ENEM havia se “ideologizado” para atender à esquerda. Mas nós, mulheres, seguimos adiante. Debatemos. Refletimos. Algumas se fecharam para o novo, diante da hegemonia aparentemente invencível do pensamento patriarcal em nossa sociedade. Outras milhares, talvez milhões, se abriram para a ideia inequívoca de que nós, mulheres, sofremos há milhares de anos opressão por sermos mulheres – e por isso precisamos seguir lutando.
Foi aí que o Congresso Nacional e sua atual legislatura conseguiu superar-se no conservadorismo que vem retirando direitos e reforçando opressões desde sua posse no começo do ano. Eduardo Cunha, símbolo do que existe de mais reacionário no pensamento político brasileiro - o negociador maior da política, o machista, o homofóbico, o racista, o corrupto, o chantagista - tentou emplacar mais uma: a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de sua autoria que dificulta o atendimento às mulheres vítimas de estupro e nos distancia ainda mais da necessária legalização do aborto no Brasil.
As mulheres, em sua indignação crescente, permitiram-se, então, deflagrar politicamente sua inteligência coletiva, seus corações e seus ovários nas ruas: tomamos a dianteira da luta pelo afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara de norte a sul do Brasil. Se Cunha cair, e, cedo ou tarde, ele há de cair, será pelas mãos inquestionáveis das mulheres, que, unidas em luta, não permitirão nenhum retrocesso nos seus direitos.
No meio de tudo isso, veio também a poesia. É lançado mundialmente um filme dirigido por uma mulher brasileira que azucrina os conservadores por atacar o centro de um debate que incomoda muita gente: qual, de fato, o papel das mulheres na sociedade? “Olmo e a gaivota” reforça com originalidade e sensibilidade a ideia de que não devemos aceitar como natural nenhum papel que a sociedade nos direcione por mais antigo que algum costume ou divisão sexual estejam estabelecidos.
Quantas lutas e reflexões para uma estação que ainda tem muitas flores pela frente. Não restam dúvidas: é a primavera das mulheres! É um caminho sem volta! Estamos indo adiante, Loreta, até onde você não foi - como você nos pediu. Talvez se ainda estivesse viva, nossa líder feminista reproduziria (em um outro contexto, claro) a passagem de Hemingway em seu livro “Paris é uma festa”, ressignificando a frase do escritor norte-americano. Sorrindo por dentro e olhando adiante, Loreta em sua sabedoria inspiradora talvez dissesse: “Sabia que haveria primavera”.
Então sigamos adiante para escancarar as portas para um verão de ainda mais lutas, reflexões e conquistas. Loreta e as feministas que vieram antes de nós de algum lugar nos observam orgulhosas e felizes, pois vibra um pedacinho da sua luta em cada uma de nós e em nossa caminhada incessante. Luta de nós, mulheres. Obrigada, Loreta, por nos ajudar a chegar até aqui. Vamos em frente, com coragem, sem titubear.
* Virgínia Barros é advogada formada pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e ex-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE).
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